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Um Serão em família
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Alves têm esta veneração pela ordem. "Cada coisa no seu lugar,
cada lugar para a sua coisa" - é uma das máximas de meu pai,
ainda não descoberta por nenhuma agência noticiosa. Pelo menos
o Açoriano Oriental ainda não a publicou, com aquele ar
5pomposo de "Pensamento do Dia".
Depois de passar pelo hall com "cheiro a tias", atravessei
a porta que antecedia as escadas conduzentes ao 1º andar, onde
morava a tia do gato. Subi, dando os parabéns no cimo da
escada, ao mesmo tempo que lhe entregava a minha oferta: uma
10ampulheta de areia, comprada (à última hora, devo confessar) no
Centro Comercial. Eis um sinal de modernidade desta fascinante
cidade: a possibilidade de se comprarem ampulhetas ao sábado,
tarde e a más horas...
Minha tia ficou fascinada com o simpático objecto:
15 - Que lembraça a tua, uma coisa destas de areia.
- É um brinquedo para a tia. - disse-lhe eu.
- Pois claro, duas vezes somos meninos.
A minha priminha Sílvia, filha de uma prima minha, ficou
intrigada com a forma como aquele estranho aparelho parecia ter
20poderes cósmicos de influênciar o caminhar do tempo, num
estranho fenómeno de causa e efeito.
- A Tia não sente nenhuma dor ?- perguntava ela depois
de a areia ter escorrido toda.
Fiquei a imaginar que estranhos mecanismos mentais
25estariam a decorrer naquela cabecinha.
- A Tia não se sente alegre agora ? - insistiu a perrucha
depois de tornar a virar a ampulheta.
- Sabes - confessava a tia Ilda, a do cão - nunca percebi
como é que se contava o tempo com estas coisas. Então como é
30que se sabe que horas são olhando para aí ?
A Sãozinha, a mãe da Sílvia, lá tentou uma explicação
razoável. Mas a tia não se deu por satisfeita.
- Então quando o tempo está mais húmido, aqui escorre
mais devagar. - continuou - Atrasa a contagem.
35 - É por isso que o tempo quando está húmido parece que
passa mais devagar - adiantei eu com ar muito sério.
O que é certo é que a ampulheta serviu de ponto de partida
para que todos manifestassem a sua opinião sobre tão estranho
objecto. Apesar da madeira que emoldurava os vidros da
40ampulheta condizer com a mobília da sala, a verdade é que
aquele objecto tinha o seu quê de estranho naquele mundo. Só a
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A Outra Eduardo Alves
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Ao chegar a casa, voltei por momentos ao meu mundo.
Tornei a sair de relógio em punho. Tinha lido há pouco tempo
que contando os gri-gris do grilo se podia determinar a
temperatura do ar. Lá procurei um som mais isolado do canto de
10um grilo. Contei trinta e seis gris-gris em quinze segundos.
Dividi por dois, como manda o livro, e adicionei com seis.
Espantado verifiquei que correspondia a 24°C. Exactamente a
temperatura que indicava à momentos o tal termómetro dos
postes todos modernos. Incrível ! Das duas uma: ou o autor da
15publicação está certo, ou então o raio do grilo esteve a ler o
livro...
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