Você está na página 1de 32
Baratta, FOUCAULT E A QUESTAO CRIMINAL Bararta, FOUCAULT AND THE CRIMINAL QUESTION ‘AprIAN BARBOSA E SILVA Mestre em Direito pela Universidade Federal do Pard (UFPA). Especialista em Direito Penal e Criminologia pelo Instituto de Criminologia e Politica Criminal (ICPC), Professor de Direito Penal do Centra Universitario do Estado do Pard (CESUPA), Coordenador do Grupo Cabano de Criminologia. Advogado. o Direrro: Filosofia; Penal smo: No marco do desenvolvimento da teoria wldgica problematizadora (teoria critica do ntrole social), 0 presente ensaio propée abor- sm dialogal entre a criminolagia critica de ndro Baratta e as contribuigdes da obra de | Foucault. Na andlise da incorporacao das foucaultianas na investigagao criminolégi- busca-se ir além da questo envolvendo os itivos disciplinares, problematizando, na ectiva da microfisica do poder, também a ica biopolitica. Acredita-se que a possivel in- ido entre os dois pensadores pode proje- novos horizontes para as investigagdes sobre fquestdo criminal, sobretudo possibilitar mirada critica a0 tensionar postulados ja consa- 900s, viabilizando que a criminologia siga seu ve: Criminologia critica ~ Alessan- Baratta - Michel Foucault - Biopolitica/bio- 1 - Questio criminal adrian_abs26@hotmallcom Recebido em: 28.09.2015 ‘Agstract: AS part of the development of the so-called problem- based criminological theory (the critical theory of social control), this paper proposes a dialogical approach between Alessandro Baratta's critical criminology and the contributions made by Michel Foucault. By bringing Foucault's thesis into the criminological research, we seek to go beyond the issue that involves disciplinary provisions, questioning, within the perspective of the microphysics of power, a biopolitical criticism as well. It is believed that @ possible dialogue between the two thinkers can create new horizons for the investigations of criminal matters, especially in relation to self-criticism, by challenging some principles that have already been established, ‘making it possible for criminology to follow its course. Keyworos: Critical criminology - Alessandro Baratta - Michel Foucault - Biopolitics/biopower = Criminal question. Besos «Suwa Adrian. Baratta, Foucault e a questao criminal evista Brosilira de Ciéncias Criminais, Sao Paulo, ano 24, vol. 123, p. 157-186, set. 2016. 158 Revista BrasiteiRa DE Ciencias Criminals 2016 ® RBCCaim 123 Sumino: 1. Introdugao: uma proposta de didlogo - 2. A criminologia critica de Alessandro Baratta - 3. Michel Foucault e a criminologia - 4, Baratta e Foucault? Tensoes iniciais - 5. Baratta com Foucault? A criminologia segue seu curso... - 6. Consideracées finais - 7. Referéncias bibliograficas. “A logica de um pensamento € 0 conjunto das crises que ele atravessa, Assemelha-se mais a uma cadeia vulcanica Do que a um sistema tranquilo e proximo do equilibrio”. (Gilles Deleuze) 1. INTRODUCAO: UMA PROPOSTA DE DIALOGO" Pensar a criminologia e problematizar? seus horizontes na atualidade re- quer esforco de compreensao sobre 0 “curso dos discursos sobre a questao criminal”, € dizer, a transmutacao de conhecimentos forjados no cenario de especificas estruturas geopoliticas e econdmicas, cujas programacoes politicas sobre o controle e a administracao do delito (modelos integrados de ciéncias penais) condizem com as sociedades em que foram instituidas. Trata-se, pois, 1. O texto é resultado das investigagdes realizadas junto a pos-graduacdo (direito pe: nal e criminologia) do Instituto de Criminologia ¢ Politica Criminal, sob orientagao do Prof, Dr. Juarez Cirino dos Santos, no mestrado (direitos humanos) do PPGD da Universidade Federal do Para, sob orientacao da Profa. Dra. Ana Claudia Bastos de Pinho, € no Centro de Estudos sobre Intervencao Penal (CESIP-CNP4q), coor denado pelo Prof. Dr. Jean-Francois Yves Deluchey. Em especial, agradecimentosa Gustavo Noronha de Avila, Hugo Leonardo Santos e Romulo Morais pela leitura critica do escrito. 2, Parte-se do conceito foucaultiano de “problematizagao”, podendo este ser entendida como “a historicizacao de alguns objetos tabu de nosso pensamento partindo da se guinte pergunta: como algo que jé estava presente foi transformado, em determinada momento, em problema e como essa ‘problematizacao’ mudou a propria ‘coisa’? Ut historicizacao que consiste, ainda, na restituigzo dos modos de validacdo dos discur: sos e das priticas tidas como verdadeiras na sociedade (...). Nao se trata de resolver problemas, mas especialmente de instaurar um ‘desprendimento no propésito de encontrar problemas ainda presentes” (BERT, Jean-Francois. Pensar com Michel Fou. cault. Trad. Marcos Marcionilo. Sao Paulo: Parabola, 2013. p. 165-166) 3. ZAFFARONI, Eugenio Raul. La criminologia como curso. En torno a la cuestion cr minal. Montevideo-Buenos Aires: B de F, 2005. ‘Bkraos Sim Adrian. Baratta Foucault ea questao criminal Revista Brasilia de Ciéncias Criminais, Séo Paulo, ano 24, vol. 123, p. 157-186, set 2016 Crime & SOciEDADE 159 condicao de possibilidade do conhecimento hist6rico pensar o passado em itinuidade (continuum) com o presente.* Neste contexto, indubitavel a importancia do “destructuring impulse”, fe- leno este que marca na hist6ria dos pensamentos criminoldgicos a insur cia de um movimento contra-ideolégico-hegemOnico com pauta bastante iva de reacdo as construcées institucionais sobre 0 controle social, no- mente de matriz positivista-determinista (discurso criminologico oficial le a segunda metade do século XIX), abdicando de modelos consensuais de iedade e possibilitando novas reflexdes conflituais sobre a questao criminal, om especial destaque para as producoes da sociologia interacionista e feno- olégica norte-americana e enfoque do etiquetamento (labelling approach), ias do conflito e de cunho materialista, que viriam a oferecer, posterior- ite, aportes para a construcao das criminologias criticas.° Ede se notar a indiscutivel reverberagéo do pensamento foucaultiano para le Ocorresse a ruptura com a criminologia utilitarista, pautada no paradigma iologico-causal e na consequente psiquiatrizacao do delito, sobretudo no que respeito as teses encampadas em Vigiar e punir (1975), dentre outras, sobre poder disciplinar, a elaboragao de uma microfisica do poder, as fungées la- tes residentes ao carcere e a gestao diferencial da criminalidade: Neste contexto, buscando galgar novos rumos para 0 criticismo, trabalha-se o referencial da criminologia critica de Alessandro Baratta — elaborada Itilia e tendo sido importada para a academia brasileira na década de 70 como recorte de uma das principais construcoes criminologicas ocidentais )bre a questao criminal na contemporaneidade, propondo tensiond-la, na me- _ 4. GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método ~ I: tracos fundamentais de uma hermenéu- | tica filosofiea. 13. ed. Trad. Flavio Paulo Meurer. Petr6polis/Braganca Paulista: Vozes! Sao Francisco, 2013. p. 430. 5. COHEN, Stanley. Visions of social control: crime, punishment and classification. Cam- bridge: Polity Press, 1985. p. 31 6, Neste trabalho, ora se usara a expressdo “criminologia critica”, ora Scriminologias criticas”. Fato € que a critica criminologica surge a partir de uma pluralidade de iniciativas, porém, como explica Salo de Carvalho, € possivel sustentar esta hetero- geneidade como uma “unidade critica” a partir de tres questdes em comum: (a) a negacdo do pressuposto do delito naturat da criminologia ortodoxa; (b) a constante autocritica a que se submete 0 pensamento critico; ¢ (c) a reflexao sobre as relacdes entre individuo ¢ autoridade (preocupacao com a ordem social) (CARVALHO, Salo de. Criminologia critica: dimensoes, significados e perspectivas atuais. Revista Brasi- leira de Ciéncias Criminais. vol. 104. Sao Paulo; |. RT, set.-out/2013, p. 288-289). Boos Suwa, Adrian. Barat, Foucault e a questo crim Revista Brasileira de Ciéncias Criminais Sao Paulo, ano 24, vol. 123, p. 157-186, set. 2016.

Você também pode gostar