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Marcuscut, Luiz Anténio. (2001) Da fala para a escri- ta: atividades de retextualizagdao. 2. ed. Sao Paulo: Cortez. 133p. Américo Venaéncio Lopes Machado Filho’ esde que a diversidade lingiiistica, com 0 desenvolvi- mento das idéias sociofuncionalistas e variacionistas modernas, passa a assumir uma real dimensdo no ambito das in- vestigagdes sobre a linguagem humana - evadindo da clausura milenar a que lhe havia condicionado a tradigdo dos estudos gra- maticais -, tém alguns professores de lingua portuguesa se defron- tado com uma questao crucial para o desempenho de seu papel na escola: como lidar com o ensino/aprendizagem da lingua face ao universo “polarizado e plural” (Lucchesi, 1994), em que se confor- ma a realidade sociolinguistica brasileira. Embora bastantes discussées e reflexdes ja tenham sido ela- boradas sobre a questao, a exemplo da proposta do bidialetalismo funcional, segundo a qual, grosso modo, falantes de dialetos nao- padrao deveriam “aprender o dialeto-padrao, para usa-lo nas si- tuagGes em que ele é requerido” (Soares, 2000: 49), solugdes praticas com estratégias metodoldgicas claras e conseqtientes que orientem os professores de portugués na assuncdo dessa postura tém sido raras, senao infecundas. Nao obstante, é nesse cenario carente por propostas efetivas emanadas da Lingiiistica, aplicadas ao ensino do portugués, que Universidade Federal da Bahia - UFBA. Resenhas ~ Américo Vendncio Lopes Machado Filho se oferece, como expectativa e certo alento, tanto tedrico como pra- tico, o livro de Luiz Anténio Marcuschi, intitulado Da fala para a escrita: atividades de retextualizagdo, publicado em Sao Paulo, pela Cortez, cuja segunda edicao, de 2001, serve como fonte da pre- sente resenha. Distribuido em duas partes, o livro concentra-se nos seguin- tes grandes eixos tematicos: a discussdo sobre oralidade e letramento - mais especificamente sobre fala e escrita - e uma nova proposta para sua caracterizacao, na primeira; e a apresentacao de ativida- des pratico-te6ricas de passagem do texto oral para o texto escrito, denominada de processos de retextualizacao, na segunda. No desenvolvimento da perspectiva que perpassa toda sua fundamentacao, o autor procura construir uma reflexdo sobre ora- lidade e letramento que nao se confunde com a de falae escrita, ja que estas, enquanto producao textual-discursiva, se inserem nas praticas sociais interativas a que se referem as primeiras, ou seja, Jala e escrita devem ser entendidas como modalidades de uso da lingua, que se situam no ambito mais amplo de abstracéo, domina- do pelas nocées de oralidade e letramento. Mais fundamental, porém, na construcao de seu raciocinio, é a desercao as tendéncias de caracterizacao dessas duas modalida- des da lingua (fala e escrita) numa perspectiva dicotémica, em que propriedades meramente opositivas se pudessem evidenciar. Como o préprio titulo do livro sugere, poder-se-ia, da fala para aescrita, estabelecer um continuum tipoldgico, cuja correlacdo po- deria ser atestada pelas praticas de produgdo textual, considera- das no bojo da prépria sociedade, em que 0 contexto, a interagao e a cognicao se oferecessem a anilise. Esse continuum poderia ser melhor observado a partir da pers- pectiva dos géneros textuais face as caracteristicas especificas ou prototipicas de cada modalidade, isto é, em contraponto ao meio de produgao, seja sonoro ou grafico, e A concepgao discursiva, quer oral ou escrita, a que se conformasse. 224 Rev. ANPOLL, n. 15, p. 223-229, jul. /dez. 2003. Ent&o, se se considerar o género textual, o meio de producao ea concepeao discursiva, uma conversacao espontanea - que numa representacao por tragos se poderia ser apresentada como [+sono- ro / +oral] — e um artigo cientifico [+grafico / +escrita] seriam, den- tro desse continuum, realizagdes prototipicas de cada uma das duas modalidades, enquanto uma noticia de TV [+sonoro / +escrita] e uma estrevista publicada em uma revista nacional [+grafico / +oral] ocupariam uma posicao intermedidria nesse mesmo continuum. Os géneros textuais, segundo a proposta do autor, poderiam ser agrupados em comunicacées pessoais (cartas, bilhetes, outdoors), comunicacées ptiblicas (noticias de jornal, formularios, antincios classificados, comunicados, convocagées), textos instrucionais (car- tas comerciais, telegramas, narrativas), textos académicos (artigos, leis, relatérios técnicos) no eixo da escrita; em oposicdo a conversa- ces (espontaneas, telefonicas), constelacao de entrevistas (inqué- ritos, debates), apresentagdes e reportagens (aulas, piadas, noti- ciarios de TV ou radio) e exposicdes académicas (conferéncias, palestras), no eixo da fala, apresentando como ponto de intersecao, nesse continuo, noticiarios de radio ou de TV, antincios classifica- dos, comunicados e convocacées, como é facil, pela propria evidén- cia do esboco metodolégico do autor, se aceitar. Avisao de Marcuschi, bastante licida, além de trazer a gran- de vantagem de degredar ao patamar do obsoletismo ideologico as dicotomias estanques, que nao mais se sustentam nos estudos cien- tificos da linguagem humana, coaduna com a nocao de continuum polarizado e plural, cunhada por Luccnesi (1994) e propuganada por Marros & Siva (1995), que se tem adotado para o reconheci- mento das normas lingiiisticas do portugués brasileiro. Se se considerar que, para uma pratica de ensino da lingua portuguesa no Brasil, parece faltar precisamente uma formulagao metodolégica ou estratégia de sala de aula que dé conta desse continuum e sua inflexaio rumo & aquisigéo de um padrao escrito ¢ de uma norma oral mais préxima do que se convenciona chamar 225

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