PROIBITÓRIO E AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. COMODATO VERBAL. NOTIFICAÇÃO PARA DEVOLUÇÃO DO BEM. RECUSA. TRANSFORMAÇÃO DA POSSE JUSTA EM INJUSTA. REQUISITOS DA PROTEÇÃO POSSESSÓRIA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. A ação de reintegração de posse é utilizada para se reaver o bem de quem ilegalmente o esbulhou; quando comprovado o exercício da posse, a demonstração do esbulho e a data do fato. A posse daquele que utiliza bem móvel por mera permissão do proprietário, a título de comodato verbal, transmuda-se em injusta a partir da notificação para devolução.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.
2014.030025-7 e 2014.030024-0, da comarca de São José (2ª Vara Cível), em que é apelante Jane Aparecida Virmond, e apelado Osni Farias de Oliveira:
A Terceira Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime,
negar provimento ao recurso. Custas legais. Participaram do julgamento, realizado no dia 7 de abril de 2015, os Exmos. Srs. Des. Maria do Rocio Luz Santa Ritta e Gerson Cherem II. Florianópolis, 28 de abril de 2015.
Fernando Carioni PRESIDENTE E RELATOR RELATÓRIO
Jane Aparecida Virmond ajuizou ação de interdito proibitório contra
Osni Farias de Oliveira, na qual relatou que: a) foi casada com o réu durante aproximadamente 16 (dezesseis) anos e, dessa união, nasceram dois filhos; b) trabalhavam juntos, e eram sócios em uma empresa de artesanato e serigrafia; c) viveram no imóvel objeto do litígio até a separação de fato do casal que ocorreu em 2005, de modo que, após o divórcio, permaneceu com seus filhos na casa; d) embora o imóvel esteja em nome do pai do réu, ficou acordado verbalmente que ele seria cedido definitivamente para os filhos do casal; e) em ação de divórcio, foi indeferido o seu direito de partilha do imóvel; f) em razão disso, o réu enviou-lhe notificação para que desocupasse o imóvel no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de cobrança de aluguéis; g) não pode ser despejada do imóvel, uma vez que ele sempre serviu de moradia para ela e seus filhos; h) contribuiu para a aquisição do imóvel na constância da união. Requereu, liminarmente, a concessão do interdito proibitório para determinar a sua manutenção e a de seus filhos na posse do imóvel e a justiça gratuita. Em audiência, a proposta de acordo não teve êxito. Na ocasião, foi indeferido o pedido liminar de interdito proibitório (fl. 57). Citado, Osni ofertou resposta, na forma de contestação, na qual relatou que: a) os filhos não residem com a autora; b) o imóvel pertencia ao seu pai, e que foi objeto de herança após a separação do casal; c) permitiu que a autora permanecesse no imóvel; d) não pode permitir que a autora deprede o seu patrimônio, motivo pelo qual ajuizou ação reintegratória; e) notificou a autora para desocupar o imóvel, mas não foi atendido. Requereu a improcedência do pedido portal com a condenação da autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios.
Gabinete Des. Fernando Carioni
Por sua vez, Osni Farias de Oliveira ajuizou ação de reintegração de posse contra Jane Aparecida Virmond, na qual alegou que: a) é proprietário do imóvel situado na Rua Guararema n. 10, bairro Ponta de Baixo, comarca de São José/SC, onde residia com a ré enquanto mantinham vínculo conjugal; b) após a separação, cedeu à re, por meio de comodato verbal, o imóvel para que ela estabelecesse sua residência; c) em razão de problemas financeiros, e por necessitar do imóvel para complementar sua renda, notificou a ré para que o desocupasse, mas não foi atendido; d) enquanto a ré esteve no imóvel, não cumpriu com suas obrigações básicas de manutenção e conservação da coisa. A par disso, requereu a expedição de mandado de reintegração a fim de que a ré desocupe o imóvel e a sua condenação ao pagamento de aluguel pelo período que o ocupou indevidamente após a notificação e, ainda, indenização pelos danos materiais. Citada, Jane ofertou resposta, na forma de contestação, na qual suscitou, preliminarmente, carência de ação, pela falta de interesse de agir, na modalidade adequação, uma vez que já ajuizada outra demanda com a mesma natureza, e ausência dos requisitos possessórios. No mérito, ressaltou que: a) o imóvel foi adquirido com esforços comuns durante a união do casal; b) ficou acordado verbalmente que o imóvel seria destinado à moradia dos filhos do casal, os quais estão em situação de completo abandono pelo autor; c) a desocupação do imóvel os deixará à própria sorte, uma vez que ficarão sem residência; d) não há falar em esbulho, pois estão no imóvel em decorrência da composse com o autor, tampouco o autor demonstrou a sua posse anterior. Em pedido contraposto, postulou a usucapião do imóvel. Requereu o acolhimento das preliminares e, no mérito, a improcedência dos pedidos com a condenação do autor ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios.
Gabinete Des. Fernando Carioni
Após réplica, o Juiz de Direito Dr. Sergio Ramos deferiu a liminar de reintegração de posse (fls. 130-131), cuja decisão foi objeto de agravo de instrumento pela ré (fls. 142-158). Aportou aos autos petição informando a desocupação voluntária do imóvel pela ré (fls. 164-165). Conclusos os autos, sobreveio sentença proferida conjuntamente pelo Juiz de Direito da 2ª Vara Cível da comarca de São José, Dr. Sergio Ramos, que decidiu a lide da seguinte maneira (fls. 137-143): a) JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado no Interdito Proibitório n. 064.12.003628-6; b) JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado na Ação de Reintegração de Posse n. 064.12.003672-3 e, em consequência, CONFIRMO A DECISÃO que concedeu a posse do imóvel em favor de Osni Farias de Oliveira e CONDENO Jane Aparecida Virmond a pagar a Osni alugueres mensais pelo uso da casa, de 03/12/2011 até 30/07/2012, cujos valores serão apurados em liquidação de sentença. O pleito de condenação a indenização pelos danos afirmadamente causados no imóvel improcede, ante a falta de prova dos gastos. Custas e honorários, no Interdito Proibitório, por Jane Aparecida, estes últimos fixados em 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa (CPC, art. 20, § 4º). Custas e honorários, na Ação de Reintegração de Posse, 1/3 (um terço) para Osni e 2/3 (dois terços) para Jane, honorários estes fixados também em 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa, devendo cada parte pagar o percentual acima ao patrono da outra, vedada a compensação (CPC, art. 20, § 4º, art. 21 e art. 23 do EOAB). As obrigações relativas a custas e honorários quedam suspensas, haja vista que ambas as partes são beneficiárias da graciosidade da Justiça (Lei n. 1.060/50, art. 12). Inconformada, Jane Aparecida Virmond apelou da decisão, insurgindo-se contra a condenação a título de aluguéis em razão da ocupação do imóvel após a notificação extrajudicial. Mencionou que o imóvel sempre serviu de moradia para ela e sua família, pelo que não pode ser condenada ao pagamento de aluguéis pelo período mencionado. Salientou que só ficou residindo no imóvel porque Osni, na ação de divórcio, foi condenado a pagar os aluguéis da residência de seus filhos, de
Gabinete Des. Fernando Carioni
modo que seria mais vantajoso para ele que ficassem no imóvel de sua propriedade. Desse modo, não pode pleitear agora que lhe pague aluguéis em seu favor. Após as contrarrazões, os autos ascenderam a esta Corte. Este é o relatório.
Gabinete Des. Fernando Carioni
VOTO
Trata-se de apelação cível interposta por Jane Aparecida Virmond
com o objetivo de reformar a decisão de primeiro grau que julgou procedente o pedido reintegratório e a condenou ao pagamento de aluguel em favor do autor. Salienta que não há objeção no tocante à desocupação do imóvel, posto que já o fez, mas sim quanto à sua condenação ao pagamento de aluguéis em favor do autor. Ressalta que não houve comodato verbal e que só ficou no imóvel porque Osni não tinha condições de lhe pagar o aluguel de outra moradia a que foi condenado por ocasião da sentença que decretou o divórcio. Da análise dos autos resta cristalina a posse anterior de Osni e o esbulho possessório praticado por Jane, o que leva à sua condenação ao pagamento de aluguéis pelo tempo indevido que permaneceu no imóvel. Vejamos. É consabido que a procedência do pedido possessório depende da exata descrição da coisa cuja posse é reclamada; a prova do exercício da posse pelo autor; a demonstração da turbação ou do esbulho praticado pelo réu; a data desses fatos; e a continuação da posse, em se tratando de manutenção, ou a perda da posse, em caso de reintegração. Dispõe o art. 927 do Código de Processo Civil: Art. 927. Incumbe ao autor provar: I - a sua posse; II - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; III - a data da turbação ou do esbulho; IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção; a perda da posse, na ação de reintegração. A respeito, Arnaldo Rizzardo aponta os requisitos a ser comprovados pelo autor dessa ação: a) a perda que exerceu sobre a coisa; b) a existência de esbulho; c) a perda da posse; d) a data em que ocorreu o esbulho, a fim de postular a reintegração liminar, data que deverá ser de menos de ano e dia (in Direito das coisas, Forense, Rio de Janeiro, 2004, p. 105).
Gabinete Des. Fernando Carioni
Sílvio de Salvo Venosa, por seu turno, ressalta: Ocorrendo esbulho, a ação é a de reintegração na posse. Esbulho existe quando o possuidor fica injustamente privado da posse. [...] Além da sua posse, o autor deve provar o esbulho, a data de seu início e a perda da posse (Direito civil: direitos reais. São Paulo: Atlas, 2006, p. 140). No presente caso, o bem objeto do litígio está devidamente descrito na inicial, em que consta a agravante como sua proprietária, o qual está localizado no município de Criciúma, matriculado sob o n. 49.620, consubstanciado por um terreno com uma casa residencial, de alvenaria, com 76,38m² (setenta e seis metros e trinta e oito centímetros quadrados) (fl. 32). No tocante à posse anterior de Osni e o esbulho praticado por Jane, fazem-se necessárias maiores digressões, a fim de que não pairem dúvidas acerca da sua caracterização. Constata-se que Osni é proprietário do imóvel descrito na inicial, o qual passou a integrar o seu patrimônio por ocasião do falecimento de seu pai. O imóvel era utilizado como moradia por ele, por Jane e por seus filhos. Por ocasião da dissolução da união, Jane permaneceu no imóvel, o que demonstra a existência de comodato verbal firmado entre as partes, até que o autor, ao passar por problemas financeiros, requereu a posse do imóvel. Quanto ao comodato, é consabido, conforme o artigo 579 do Código Civil, que este "é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis. Perfaz- se com a tradição do objeto". Com efeito, durante o comodato, o comodante não perde a posse do bem, mas passa a exercê-la de forma indireta, ou seja, tem o contato direto com a coisa, ao passo que o comodatário a exerce de forma direta, e é nata a obrigação de restituir, razão pela qual é evidente a posse anterior da agravante, ainda que exercida de forma indireta. A respeito, Sílvio de Salvo Venosa leciona: Possuidor indireto é o próprio dono ou assemelhado, que entrega seu bem a outrem. [...] Possuidor direto ou imediato é o que recebe o bem e tem o contato, a bem dizer, físico com a coisa [...] Por outro lado, ambos os possuidores, direto e indireto, estão legitimados às ações de defesa da contra terceiros que turbem ou ameacem, ou mesmo um possuidor contra o outro, se turbada a posse em seu respectivo âmbito, como enfatiza a redação do Projeto (ob. cit., p. 50-51).
Gabinete Des. Fernando Carioni
Já se posicionou este Tribunal: No comodato há uma transferência provisória da posse direta da coisa, mantida a propriedade com o comodante (o seu titular). Por isso, advindo o termo estabelecido para a avença, o bem tem de ser restituído, sob pena de caracterização de esbulho pelo comodatário, com a consequente possibilidade de pedido de reintegração de posse (ação possessória) pelo comodante.PELUSO, Cézar, et al. Código civil comentado. 8. ed. rev. e atual. Barueri - São Paulo. Manole, 2014. p.587). (Agravo de Instrumento n. 2013.053765-5, de Araranguá, rel. Des. Sebastião César Evangelista, j. em 11- 9-2014). Nesse diapasão, destaca-se que a posse exercida por Jane, na vigência do comodato, ainda que verbal, era justa; todavia, após o envio de notificação extrajudicial (fl. 9) para solicitar a devolução do imóvel, a posse exercida de forma direta passou a ser injusta. Desse modo, no momento em que Osni requereu o imóvel, por meio da notificação (fl. 9), cabia a Jane desocupá-lo dentro de 30 (trinta) dias, o que não foi feito, posto que permaneceu na casa mesmo após findado o prazo conferido. Logo, conclui-se que a permanência de Jane no imóvel de propriedade exclusiva de Osni, após o fim da união, ocorreu por meio de comodato verbal, e que, enquanto não notificada, a posse era justa, mas, após a notificação, ela passou a ser injusta, o que caracteriza, frisa-se, o esbulho possessório e a sua data. Não bastasse isso, diferentemente do que quer fazer crer a apelante, ficou comprovado que o imóvel era de propriedade exclusiva de Osni, uma vez que foi recebido por herança de seu genitor, o que foi reconhecido por ocasião da sentença que decretou o divórcio (fls. 43-44) e confirmado por este tribunal em voto de minha relatoria (Apelação Cível n. 2012.023848-6). Assim, a alegação de que ela contribuiu para a aquisição e, portanto, que a sua posse seria justa está derruída. Por outro lado, sabe-se que a ocupação injusta do imóvel torna possível a cobrança de indenização por perdas e danos, a título de aluguel. Logo, acertada a decisão singular que determinou que Jane promova o Gabinete Des. Fernando Carioni pagamento da referida verba a título de indenização pela fruição do imóvel, cujo valor será apurado em liquidação de sentença. Outrossim, eventuais discussões acerca da obrigação assumida pelo autor de lhe pagar aluguel após o divórcio não cabe nos presentes autos, de modo que devem ser interpostas as medidas judiciais competentes para fazer valer o seu direito. Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso, mantendo-se incólume a decisão objurgada. Este é o voto.