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Relativização da coisa julgada inconstitucional

A coisa julga garante a imutabilidade da decisão transitada em julgada, isto é,


protege o conteúdo da sentença. Evita-se, dessa forma, a perpetuação dos
conflitos. É um princípio constitucional fundamental. Pode-se dizer que a coisa
julgada solidifica o Judiciário, à medida que este para se firmar junto a sociedade
tem que oferecer estabilidade naquilo que faz. É claro que quando juiz comete erro
este poderá ser corrigido mediante os vários mecanismos existentes na lei
processual brasileira. Enquanto não transitar em julgado, a sentença pode ser
modificada por meio de recurso. Esgotado todas as vias recursais, ou não havendo
interposição de recurso a sentença transita em julgado. Apenas depois de transitar
em julgado, em regra, a sentença adquire caráter imutável. Depois do transito em
julgado, o máximo que pode acontecer é a rescisão do julgado por meio de ação
rescisória nas hipóteses previstas em lei. Mesmo com o manejo da rescisória, não
quer dizer que a sentença possa ser alterada a qualquer momento, a ação tem
prazo para ser proposta, que é de dois anos do trânsito em julgado.

A coisa julgada pode suscitar diversos problemas, entre eles- tema aqui proposto –
o que diz respeito à coisa julgada inconstitucional.

O fato é que a aplicação de uma lei inconstitucional, contrária aos princípios,


normas e valores da Constituição gera uma sentença inconstitucional. O Judiciário
tem uma função social, que é aplicar o direito segundo as normas, os fatos e os
valores.

Diante de decisões inconstitucionais tem-se discutido sobre a relativização da coisa


julgada. A imutabilidade da decisão comporta abrandamento. Não prevalece mais a
tese que a coisa julgada é um princípio absoluto, devendo ser protegida até mesmo
quando contrária a Constituição Federal.

A coisa julgada tem o intuito de proteger as normas e valores constitucionais da


sentença. A coisa julgada não é manto para sentenças inconstitucionais, contrária
às normas e princípios fundamentais, como exemplo, a dignidade da pessoa
humana, a isonomia, a moralidade, a legalidade etc.

Não se podem admitir decisões que tenham como fundamento comandos


normativos inconstitucionais. A Constituição é o alicerce do Estado, todos os
comandos nela contidos devem ser observados. O Poder Judiciário não é soberano,
devendo se subordinar a Carta Política. A Constituição Federal tem supremacia em
relação aos Poderes.
O objetivo geral do trabalho é discutir os principais aspectos da coisa julgada. Em
seguida é importante fazer uma rápida análise nos controles de constitucionalidade
adotados no direito pátrio. Depois das devidas considerações gerais da coisa
julgada parte-se para o tema proposto: debater o fenômeno da coisa julgada
inconstitucional; discutir os efeitos da decisão declaratória de inconstitucionalidade
em relação a coisa julgada inconstitucional; debater a importância da relativização
da coisa julgada material inconstitucional; apontar as soluções adotadas pela
doutrina e jurisprudência, para lidar com a coisa julgada inconstitucional, e ao final
mostrar o que deve prevalecer é a proteção dos princípios constitucionais,
guardiões do ser humano, que não pode ser vítima de mácula cometida pelo
Judiciário.

Na elaboração da monografia, foram utilizados os métodos dedutivo e indutivo.


Durante o exame dos textos doutrinários, foi utilizado o método dedutivo, pelo qual
se procura alcançar um denominador comum entre os autores. A partir do método
indutivo, foram também analisados diversos artigos de coisa julgada
inconstitucional, chegando a um consenso abrangente sobre a desconstituição da
coisa julgada inconstitucional.

O trabalho foi desenvolvido basicamente pela pesquisa bibliográfica nas áreas de


conhecimento jurídico, pelo levantamento e análise da regulamentação existente,
por artigos jurídicos de internet e pela análise jurisprudencial dos Tribunais.

A primeira parte abordará as noções gerais da coisa julgada: conceito, previsão


legislativa; coisa julgada forma e coisa julgada material; limites objetivos e subjetivos
da coisa julgada; e a relevância da coisa julgada material.

Já no segundo momento, não se pode deixar de comentar a supremacia da


Constituição em relação a todo o ordenamento jurídico, para em seguida comentar
os controles de constitucionalidade das leis e atos normativos no direito pátrio. O
controle de constitucionalidade não é acometido a um único órgão do Judiciário, de
forma incidental, pode ser exercido por todos os Tribunais e Juízes. Porém,
atribuiu-se apenas ao Supremo Tribunal Federal o controle da constitucionalidade
de forma direta, isto é, independentemente de um caso concreto que pretende
aplicar a norma inconstitucional.

Feitas todas as considerações necessárias será abordado a coisa julgada


inconstitucional. Será destacada a justificativa de se relativizar a coisa julgada
inconstitucional. Não se pode deixar também de se discutir os efeitos da decisão
declaratória de inconstitucionalidade em relação a coisa julgada. O princípio da
segurança jurídica não pode deixar de ser exposto, visto que é uma das razões de
ser da coisa julgada. A segurança jurídica adquiriu interpretação moderna, não
sendo alheio aos valores, princípios e fatos, e sim integrado em um conjunto. A
coisa julgada inconstitucional é um fato, não se pode deixar de se apontar meios de
controle da coisa julgada inconstitucional. Por fim, igualmente importante para o
estudo do tema, não se pode deixar de destacar a proteção à Constituição.

Por muito tempo foi conferida a coisa julgada caráter absoluto imutável e inatingível,
conforme Caminha apud Dinamarco (2003, p.3): “[...] capaz de fazer do preto,
branco e do quadrado, redondo”.

A concepção tradicional da coisa julgada não atende mais aos anseios da


sociedade. Há situações que o julgado deixa, não só a comunidade jurídica como
também todos os cidadãos perplexos, porque é atentatória a dignidade da pessoa
humana, contrária a moral e aos bons costumes.
Segundo a posição do Superior Tribunal de Justiça, no recurso especial número
622405 / SP, sentenças que contêm defeitos insanáveis são inexistente, e
consequentemente não transita em julgado:
“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DÚVIDAS SOBRE A
TITULARIDADE DE BEM IMÓVEL INDENIZADO EM AÇÃO DE
DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA COM SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO.
PRINCÍPIO DA JUSTA INDENIZAÇÃO. RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA. 1.
Hipótese em que foi determinada a suspensão do levantamento da última parcela
do precatório (art. 33 do ADCT), para a realização de uma nova perícia na execução
de sentença proferida em ação de desapropriação indireta já transitada em julgado,
com vistas à apuração de divergências quanto à localização da área indiretamente
expropriada, à possível existência de nove superposições de áreas de terceiros
naquela, algumas delas objeto de outras ações de desapropriação, e à existência de
terras devolutas dentro da área em questão. 2. Segundo a teoria da relativização da
coisa julgada, haverá situações em que a própria sentença, por conter vícios
insanáveis, será considerada inexistente juridicamente. Se a sentença sequer existe
no mundo jurídico, não poderá ser reconhecida como tal, e, por esse motivo, nunca
transitará em julgado. 3. "A coisa julgada, enquanto fenômeno decorrente de
princípio ligado ao Estado Democrático de Direito, convive com outros princípios
fundamentais igualmente pertinentes. Ademais, como todos os atos oriundos do
Estado, também a coisa julgada se formará se presentes pressupostos legalmente
estabelecidos. Ausentes estes, de duas, uma: (a) ou a decisão não ficará
acobertada pela coisa julgada, ou (b) embora suscetível de ser atingida pela coisa
julgada, a decisão poderá, ainda assim, ser revista pelo próprio Estado, desde que
presentes motivos preestabelecidos na norma jurídica, adequadamente
interpretada." (WAMBIER, Tereza Arruda Alvim e MEDINA, José Miguel Garcia. 'O
Dogma da Coisa Julgada: Hipóteses de Relativização', São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2003, pág. 25) 4. "A escolha dos caminhos adequados à infringência
da coisa julgada em cada caso concreto é um problema bem menor e de solução
não muito difícil, a partir de quando se aceite a tese da relativização dessa
autoridade - esse, sim, o problema central, polêmico e de extraordinária magnitude
sistemática, como procurei demonstrar. Tomo a liberdade de tomar à lição de
Pontes de Miranda e do leque de possibilidades que sugere, como: a) a propositura
de nova demanda igual à primeira, desconsiderada a coisa julgada; b) a resistência
à execução, por meio de embargos a ela ou mediante alegações incidentes ao
próprio processo executivo; e c) a alegação incidentertantum em algum outro
processo, inclusive em peças defensivas." (DINAMARCO, Cândido Rangel. 'Coisa
Julgada Inconstitucional' — Coordenador Carlos Valder do Nascimento - 2ª edição,
Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002, págs. 63-65) 5. Verifica-se, portanto, que a
desconstituição da coisa julgada pode ser perseguida até mesmo por intermédio de
alegações incidentes ao próprio processo executivo, tal como ocorreu na hipótese
dos autos. 6. Não se está afirmando aqui que não tenha havido coisa julgada em
relação à titularidade do imóvel e ao valor da indenização fixada no processo de
conhecimento, mas que determinadas decisões judiciais, por conter vícios
insanáveis, nunca transitam em julgado. Caberá à perícia técnica, cuja realização foi
determinada pelas instâncias ordinárias, demonstrar se tais vícios estão ou não
presentes no caso dos autos. 7. Recurso especial desprovido.” (STJ).

Há muitos estudo referentes a relativização da coisa julgada, muitas dignas de


aplausos, inclusive ilustradas com exemplos práticos. No mundo da natureza não
prevalece o absoluto, não poderia ser diferente no direito. É ultrapassada a ideia de
coisa julgada como algo imutável e inatingível, conforme Caminha apud Nascimento
(2003, p.3): “Sendo a coisa julgada matéria estritamente de índole
jurídico-processual, portanto inserta no ordenamento infraconstitucional, sua
intangibilidade pode ser questionada desde que ofensiva aos parâmetros da
Constituição”.

As decisões jurisdicionais configuram atos jurídicos estatais, meio de se manifestar


a vontade do Estado; e, para que sejam ditos como válidos devem estar conforme
os mandantes constitucionais. Dessa forma, não se podem convalidar decisões
inconstitucionais (PRADO apud NASCIMENTO, 2005).
Pela importância que a Constituição exerce em relação a todo ordenamento jurídico,
a doutrina e os tribunais passaram a repensar a garantia constitucional e o instituto
técnico-processual da coisa julgada. Passou-se a entender que não é legítimo
eternizar injustiças, deve-se evitar a prolongação das incertezas (Prado apud
DINAMARCO, 2005).

A coisa julgada é um direito fundamental de todo cidadão, porém, não é absoluto.


Todos os princípios e garantias devem estar em harmonia, não se pode aplicar uma
garantia em detrimento de um princípio valioso da Constituição.
A decisão final do Judiciário não é infalível, podendo cometer erros eivados de
inconstitucionalidade. Por isso, não se pode admitir decisões absurdas, porque
estão protegidas pela coisa julgada. O próprio processo presta-se a atender os
princípios constitucionais, e não contraia-los. A coisa julgada não é mais relevante
que a Constituição.
O Judiciário já se permitiu a corrigir erro material em casos especiais, mesmo
passado o trânsito em julgado da decisão, em nome da verdade real e os fins
sociais da norma. Foi o que ocorreu quando descoberto o ácido desoxirribonucleico,
mais conhecido como DNA, é o exemplo mais citado pela doutrina. Foi a partir de
então que a relativização da coisa julgada passou a merecer atenção especial.
Antes do exame de DNA, a investigação de paternidade era uma tarefa árdua,
muitos casos eram julgados improcedentes devido à escassez de provas. Era
extremamente difícil para mãe provar a paternidade, principalmente quando não se
tinha um relacionamento público com o réu. O progresso científico permitiu
identificar com certeza a paternidade. Havia um óbice para as ações de
reconhecimento de paternidade julgadas improcedentes: a coisa julgada. Entretanto
tal entrave já foi resolvido pela doutrina e os Tribunais, reconhecendo-se novas
ações de investigação de paternidade com base no exame de DNA. Assim,
admitiu-se romper com a coisa julgada. Não poderia ser diferente diante de tal
situação. Seria injusto que as pessoas que não tiveram a oportunidade na época de
fazer uso do exame, não pudessem ter novamente o pedido apreciado para provar
com certeza o que alegou. O exame passou a ser quase que obrigatório para as
ações de investigações de paternidade, é um meio de prova mais convincente da
atualidade:
“Em favor da “relativização” da coisa julgada, argumenta-se a partir de três
princípios: o da proporcionalidade, o da legalidade e o da instrumentalidade. No
exame desse último, sublinha-se que o processo, quando visto em sua dimensão
instrumental, somente tem sentido quando o julgamento estiver pautado pelos ideais
de Justiça e adequado à realidade. Em relação ao princípio da legalidade, afirma-se
que, como o poder do Estado deve ser exercido nos limites da lei, não é possível
pretender conferir a proteção da coisa julgada a uma sentença totalmente alheia ao
direito positivo. Por fim, no que diz respeito ao princípio da proporcionalidade,
sustenta-se que a coisa julgada por ser apenas um dos valores protegidos
constitucionalmente, não pode prevalecer sobre outros valores que têm o mesmo
grau hierárquico. Admitindo-se que a coisa julgada pode se chocar com outros
princípios igualmente dignos de proteção, conclui-se que a coisa julgada pode ceder
diante de outro valor merecedor de agasalho” (MARINONI, 2007, p.3).
Dessa maneira, não se pode negar a relativização da coisa julgada, principalmente
quando fundada em dispositivo inconstitucional. É da Constituição que emana os
princípios e normas que devem reger todo o ordenamento, desrespeita-lo equivale a
quebrar a paz social e negar a supremacia da Constituição.
Não se podem admitir decisões que tenham como fundamento comandos
normativos inconstitucionais. A Constituição é o alicerce do Estado, todos os
comandos nela contidos devem ser observados. O Poder Judiciário não é soberano,
deve se subordinar a Constituição. A Constituição é clara ao dispor que protege a
coisa julgada, porém, não menciona que a coisa julgada deve ser protegida mesmo
diante de decisões inconstitucionais. O princípio não deve ser protegido a todo
custo. A proteção à coisa julgada vai depender do valor que se está protegendo,
pois, se for atentatória a Lei Maior, não há em que se falar em segurança jurídica.
 

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