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Bacia do Recôncavo

Olívio Barbosa da Silva1, José Maurício Caixeta2, Paulo da Silva Milhomem3,

Marilia Dietzsch Kosin1

Palavras-chave: Bacia do Recôncavo l Estratigrafia l carta estratigráfica

Keywords: Recôncavo Basin l Stratigraphy l stratigraphic chart

introdução ção preferencial N30°E. Zonas de transferência com


orientação N40°W acomodaram taxas de extensão va-
riáveis entre diferentes compartimentos da bacia ao
A Bacia do Recôncavo localiza-se no Estado longo de sua evolução. Segundo Abrahão e Warme
da Bahia, Nordeste do Brasil, ocupando uma área de (1990), o campo de tensões responsável pelo rifteamento
aproximadamente 11.500 km2. Seus limites são re- teria atuado entre o Mesojurássico e o Eocretáceo.
presentados pelo Alto de Aporá, a norte e noroeste;
pelo sistema de falhas da Barra, a sul; pela Falha de
Maragogipe, a oeste; e pelo sistema de falhas de
Salvador, a leste.
A configuração estrutural da bacia relaciona-se
histórico
aos esforços distensionais que resultaram na fragmen-
tação do Supercontinente Gondwana durante o As primeiras referências sobre a seção
Eocretáceo, promovendo a abertura do Oceano Atlân- sedimentar preservada na Bacia do Recôncavo da-
tico. Sua arquitetura básica é a de um meio-gráben, tam da primeira metade do século XIX, sendo atri-
com falha de borda a leste e orientação geral NE-SW. buídas a Johann Baptist von Spix e Carl Friedrich
O mergulho regional das camadas para leste é condi- Phyllip von Martius, que descreveram unidades
cionado por falhamentos normais planares com dire- aflorantes na orla da Baía de Todos os Santos. Tam-

1
Unidade de Negócio de Exploração e Produção da Bahia/Exploração/Avaliação de Blocos e Interpretação Geológica e Geofísica
e-mail: oliviosil@petrobras.com.br
2
E&P Exploração/Interpretação e Avaliação das Bacias da Costa Leste/Interpretação
3
Unidade de Negócio de Exploração e Produção da Bahia/Exploração/Sedimentologia e Estratigrafia

B. Geoci. Petrobras, Rio de Janeiro, v. 15, n. 2, p. 423-431, maio/nov. 2007 | 423


bém no século XIX iniciaram-se os estudos de seu introduzidas modificações referentes à amplitude
registro fossilífero. Já naquela época indicava-se uma estratigráfica de algumas unidades, bem como me-
afinidade com estratos wealdenianos e uma prová- lhor definidos os limites de suas seqüências depo-
vel idade neocomiana. sicionais. A abordagem adotada tem como foco a
Viana et al. (1971) apresentaram uma exce- reconstituição do preenchimento sedimentar da
lente resenha sobre o histórico dos trabalhos volta- bacia a partir da caracterização de suas seqüên-
dos ao estudo da bacia, particularmente sob o enfoque cias estratigráficas.
de sua estratigrafia. Estes autores diferenciaram uma
fase inicial como de pioneirismo geológico e de cu-
nho acadêmico, na qual pouco se acrescentou à
nomenclatura estratigráfica. A procura por hidrocar-
bonetos e sua posterior descoberta foram
embasamento
determinantes para uma mudança de concepção,
com a realização de trabalhos voltados à subdivisão O embasamento da Bacia do Recôncavo é
do registro sedimentar em unidades estratigráficas representado predominantemente por gnaisses
com nomenclatura e hierarquia melhor estabelecidas. granulíticos arqueanos pertencentes ao Bloco
Nesta etapa, destaca-se a atividade inicial da Divi- Serrinha, a oeste e norte; aos cinturões Itabuna-Sal-
são de Geologia e Mineralogia do Departamento vador-Curaçá, a oeste-sudoeste; e Salvador-
Nacional de Produção Mineral (DNPM) e, sobretu- Esplanada, a leste-nordeste. Ao norte, ocorrem ain-
do, do Conselho Nacional do Petróleo (CNP), duran- da rochas metassedimentares de idade
te a década de 1940. neoproterozóica, relacionadas ao Grupo Estância.
Com a criação da Petrobras e a intensificação Conforme Delgado et al. (2003), os gnaisses
dos estudos de superfície, integrados aos dados de sub- granulíticos são constituídos por suítes ígneas TTG
superfície e com a utilização mais sistemática da (tonalítico-trondhjemítico-granodioríticas)
paleontologia, a evolução do conhecimento estratigrá- migmatizadas, de idade mesoarqueana a neo-
fico teve novo impulso. O ápice dessa fase consiste na arqueana (3.200-2.900 Ma), intrudidas por granitos,
proposta de Viana et al. (1971), cuja grande contribui- granodioritos e sienitos paleoproterozóicos (2.100-
ção foi a de sistematizar e organizar o conhecimento 1.900 Ma). Estas rochas associam-se a seqüências
geológico até então acumulado, estabelecendo colu- supracrustais depositadas em bacias rifte e em am-
nas litoestratigráfica, bioestratigráfica e cronoestratigrá- bientes plataformais de margem passiva, compreen-
fica independentes, e resgatando os princípios que de- dendo quartzitos, paragnaisses aluminosos, rochas
finem cada tipo de unidade, como estabelecido no calciossilicáticas, formações ferríferas, gnaisses
Código Americano de Nomenclatura Estratigráfica. manganesíferos e grafitosos e gonditos. São ainda
A Carta Estratigráfica do Recôncavo-Tucano descritas rochas máficas (anfibolitos) interpretadas
manteve-se única até o início da década de 1990, como remanescentes de crosta oceânica. Estes ter-
quando Caixeta et al. (1994) apresentaram uma pro- renos estiveram submetidos a múltiplos eventos
posta diferenciada para a Bacia do Recôncavo. Nes- deformacionais e de metamorfismo desde o
te trabalho, foram incorporadas algumas modifica- Arqueano até o Proterozóico, quando ocorreu a es-
ções na coluna litoestratigráfica, tendo por base os tabilização do Cráton do São Francisco.
trabalhos de Netto e Oliveira (1985) e Aguiar e Mato Rochas metassedimentares de baixo grau com-
(1990). As unidades bioestratigráficas e cronoestrati- põem o Grupo Estância, estando relacionadas a uma
gráficas permaneceram, no entanto, essencialmen- bacia neoproterozóica (750-650 Ma) que se desen-
te as mesmas. Sua grande contribuição foi a de pro- volveu na borda nordeste do Cráton do São Francis-
mover uma melhor caracterização das relações late- co, sob um regime extensional a flexural-termal. Seus
rais e cronológicas entre as diferentes unidades, dando depósitos acumularam-se em uma plataforma rasa
maior clareza à história de preenchimento da bacia. mista e caracterizam, da base para o topo, as for-
Em seu trabalho, Caixeta et al. (1994) incorporaram mações Juetê, Acauã e Lagarto. A Formação Juetê
as principais descontinuidades do registro sedimentar, é representada por siliciclásticos de origem litorânea
que subsidiaram a definição de seqüências deposici- (conglomerados, arenitos médios a grossos
onais de terceira ordem. retrabalhados por ondas e pelitos). Rochas
O presente trabalho reproduz, em grande par- sedimentares carbonáticas (dolomitos estromatolíticos
te, a proposta de Caixeta et al. (1994). São aqui e oolíticos, calcarenitos e calcilutitos) com intercala-

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ções de pelitos e níveis de intraclastos constituem a
Formação Acauã. Arenitos com clastos carbonáticos Seqüências
intercalados a pelitos definem a Formação Lagarto.
Considera-se que a deposição dessas duas últimas
Sedimentares
unidades esteja associada a um ciclo provavelmente
transgressivo. Deformação e metamorfismo são As seqüências sedimentares relacionadas ao
incipientes na Bacia Estância devido à sua posição preenchimento da Bacia do Recôncavo, propriamen-
marginal em relação à tectônica compressiva que te dito, compreendem os depósitos acumulados du-
estruturou a Faixa de Dobramentos Sergipana. rante o processo extensional juro-cretáceo e caracte-
rizam cinco seqüências deposicionais, relacionadas
aos estágios pré-rifte, rifte e pós-rifte. Sua espessura
máxima, superior a 6.500 m, é verificada no Baixo

Superseqüência de Camaçari (Aragão, 1994).

Paleozóica
Seqüência Permiana Superseqüência Pré-Rifte
O Eratema Paleozóico é representado pelos
membros Pedrão e Cazumba da Formação Afligidos. Seqüência J20-K05
Depositadas sob paleoclima árido e em contexto de
bacia intracratônica, as associações faciológicas que A Seqüência J20-K05 reúne depósitos relacio-
caracterizam estas unidades ilustram uma tendência
nados ao estágio inicial de flexura da crosta, em res-
geral regressiva, com transição de uma sedimenta-
posta aos esforços distensionais que originaram o sis-
ção marinha rasa, marginal, a bacias evaporíticas iso-
tema de riftes do Eocretáceo. Esta sedimentação pré-
ladas, ambientes de sabkha continental e, por fim,
rifte engloba três grandes ciclos flúvio-eólicos, repre-
sistemas lacustres (Aguiar e Mato, 1990). Arenitos
sentados, da base para o topo, pelo Membro Boipeba
com feições de retrabalhamento por onda, laminitos
da Formação Aliança e pelas formações Sergi e Água
algais e evaporitos, principalmente anidrita, caracte-
Grande. Transgressões lacustres de caráter regional
rizam o Membro Pedrão. No Membro Cazumba, pre-
separam esses ciclos e são expressas pela sedimenta-
dominam pelitos e lamitos vermelhos lacustres, com
ção dominantemente pelítica que caracteriza o Mem-
nódulos de anidrita na base da seção.
bro Capianga (Formação Aliança) e a Formação
Dados palinológicos atribuem uma idade
Itaparica. Uma parte do registro, correspondente às
permiana ao Membro Pedrão, que se correlaciona
formações Aliança e Sergi (Andar Dom João), tem sido
com o Membro Ingá da Formação Santa Brígida (Sub-
relacionada ao Neojurássico. As formações Itaparica
bacia do Tucano Norte) e com as formações Aracaré
e Água Grande (Andar Rio da Serra inferior) são de
(Bacia de Sergipe-Alagoas) e Pedra de Fogo (Bacia
idade eocretácea (Eoberriasiano), como o indicam as
do Parnaíba). A idade do Membro Cazumba é objeto
análises micropaleontológicas.
de discussão, contribuindo para tanto a pobreza do
registro fossilífero. Aguiar e Mato (1990) admitem uma
possível extensão dessa unidade ao Triássico, tam-
bém com base no resultado de análises palinológicas.
Ainda segundo estes autores, seu contato com o
Membro Boipeba (Formação Aliança) é discordante
Superseqüência Rifte
na maior parte do Recôncavo, mas considerado
transicional no sudoeste da bacia, o que reforça o O limite entre os estágios pré-rifte e rifte tem
problema de posicionamento cronoestratigráfico do sido objeto de discussão (Magnavita, 1996; Da Silva,
intervalo. Adota-se, aqui, a interpretação de Caixeta 1996). Segundo Ghignone (1979), a configuração
et al. (1994), que restringem ao Permiano a deposi- atual da Bacia do Recôncavo já se esboçava ao tem-
ção da Formação Afligidos. po de deposição da Formação Itaparica e mais no-

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tadamente da Formação Água Grande, sugerindo um associadas testemunham o contexto lacustre que pre-
incipiente controle tectônico. Da Silva (1993, 1996) valecia no início da fase rifte, quando se definiu o
atribui esta última unidade à fase rifte. Em sua con- arcabouço estrutural da bacia. A sucessão estratigrá-
cepção, a discordância erosiva que a separa da For- fica observada nos depocentros ilustra um incremen-
mação Itaparica, na porção setentrional da bacia e na to batimétrico inicial, resultante de uma umidificação
Sub-bacia do Tucano Sul, estaria relacionada a um climática associada à intensificação da atividade
rejuvenescimento de relevo, com basculamento para tectônica. Os folhelhos, calcilutitos e arenitos
sul, testemunhando uma mudança de regime tectôni- turbidíticos do Membro Gomo representam esta fase
co. Caixeta et al. (1994) e Magnavita (1996), dentre inicial de aprofundamento, de idade Mesorrio da Ser-
outros autores, relacionam o início do rifteamento à ra (Eoberriasiano/Eovalanginiano), quando a Bacia do
transgressão regional que sobrepõe os pelitos lacustres Recôncavo desenvolveu uma fisiografia caracterizada
do Membro Tauá à fácies eólicas presentes no topo por áreas plataformais relativamente estáveis e
da Formação Água Grande. Esta transgressão estaria depocentros com elevadas taxas de subsidência
relacionada não apenas a uma provável umidificação (Aragão, 1994). Ao longo do Neo-Rio da Serra
climática, mas também a um incremento nas taxas (Eovalangianiano/Eohauteriviano), a atenuação da
de subsidência, com ruptura da crosta ainda sob ativi- atividade tectônica e o incremento no aporte
dade tectônica moderada. Outra concepção conside- sedimentar resultaram na redução dos gradientes de-
ra que o primeiro aparecimento de conglomerados posicionais, com o progressivo assoreamento dos
sintectônicos registre o início do estágio rifte. A inter- depocentros. Neste processo, paleobatimetrias ainda
pretação aqui adotada segue a proposta de Caixeta relativamente elevadas mantiveram-se ao tempo de
et al. (1994) e Magnavita (1996), posicionando-se o deposição da Formação Maracangalha acomodando
limite entre as fases pré-rifte e rifte na base do Mem- um grande volume de depósitos relacionados a fluxos
bro Tauá. A deposição de conglomerados sintectônicos gravitacionais (membros Caruaçu e Pitanga). Estes
(Formação Salvador) tem início apenas no Mesorrio depósitos apresentam litofácies indicativas de proces-
da Serra inicial (Berriasiano), estendendo-se até o Ji- sos de ressedimentação de frentes deltaicas, constitu-
quiá (Neobarremiano/Eoaptiano). Esta defasagem indo, portanto, o equivalente distal dos sistemas
entre o primeiro registro dos conglomerados de borda deltaicos que, posteriormente, progradariam ao lon-
e o início do estágio rifte é considerada compatível go da bacia, sob as condições de relativa quiescência
com o tempo necessário para o soerguimento das om- tectônica que caracterizam a base da Seqüência K30.
breiras do rifte e sua posterior erosão para constitui- A sobrecarga exercida pelos depósitos gravitacionais
ção de leques aluviais e fandeltas (Magnavita, 1996). de idade Mesorrio da Serra e Neo-Rio da Serra
A seção rifte abrange três seqüências. As discor- (Berriasiano/Valanginiano), aliada à fisiografia própria
dâncias que as limitam estão bem definidas a oeste, de um meio-gráben com blocos basculados em dire-
no segmento flexural da bacia, naturalmente mais su- ção à falha de borda, deu origem à argilocinese e a
jeito aos efeitos de variações do nível de base relacio- um novo estilo estrutural, representado por
nadas à atividade tectônica e/ou controle climático. Nos falhamentos lístricos sindeposicionais. A estruturação
depocentros, seus limites são dados por concordâncias e distribuição de reservatórios da própria Formação
relativas, expressando a continuidade da sedimenta- Maracangalha, bem como das formações Marfim e
ção nesses sítios. As associações de fácies que as ca- Pojuca, mais jovens, relacionam-se intimamente ao
racterizam reproduzem um padrão de empilhamento desenvolvimento destas falhas lístricas.
estratigráfico semelhante ao proposto por Lambiase Na borda flexural, discordâncias pontuam o re-
(1990) para bacias rifte progressivamente assoreadas a gistro associado ao Andar Rio da Serra. O principal des-
partir de um estágio inicial de lago profundo. tes eventos erosivos resulta na omissão de grande par-
te do Rio da Serra médio e da base do Rio da Serra
superior (Neoberriasiano/Eovalanginiano), constitui o
Seqüências K10 e K20 limite entre as Seqüências K10 e K20. Segundo Da
Silva e Picarelli (1990), esta discordância teria origem
As seqüências K10 e K20 abrangem grande em um provável rebaixamento do nível do lago, asso-
parte do Andar Rio da Serra, compreendendo rochas ciado a uma mudança climática. Inversões de polari-
sedimentares relacionáveis às formações Candeias dade observadas no compartimento sul da bacia
(membros Tauá e Gomo) e Maracangalha. As litofácies (Cupertino e Bueno, 2005), em idade próxima ao topo

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do Mesorrio da Serra (Eovalanginiano), sugerem que o recobriram tais áreas, sobrepondo-se discordantemen-
fator tectônico seja também relevante. Além de sub- te a sedimentos lacustres da porção basal do Andar Rio
metidas aos processos erosivos ocasionados pelo re- da Serra superior (Valanginiano). A fisiografia da bacia
baixamento do nível de base, áreas plataformais teri- assumiu, então, a geometria de rampa que caracteriza
am estado sujeitas a bypass de sedimentos para os o Andar Aratu (Da Silva, 1993), onde ciclos deltaico-
baixos adjacentes, respondendo pela deposição con- lacustres sucessivos (Formação Pojuca) evidenciam um
temporânea de arenitos turbidíticos do Membro Gomo. contexto de reduzido gradiente deposicional e baixas
Durante o Neo-Rio da Serra (Valanginiano), a taxas de subsidência. Pelitos e carbonatos lacustres re-
transgressão das plataformas, com deposição de lacionados ao afogamento recorrente do sistema deltaico
folhelhos relacionados à Formação Maracangalha, possuem expressão comumente regional, constituindo
marca a base da Seqüência K20. Para o topo, a ten- importantes marcos estratigráficos.
dência regressiva que então se estabelece está mais No início do Mesoaratu (Neo-Hauteriviano), a
bem representada em direção aos baixos regionais, reativação da Falha de Paranaguá (Bueno, 1987),
culminando, no Neo-Rio da Serra (Neovalanginiano/ associada a um provável rebaixamento do nível de
Eohauteriviano), com depósitos deltaicos (Membro base, sob controle climático (Caixeta et al. 1991 apud
Catu) relacionados à base da Seqüência K30. Esta Amorim, 1992), deu origem ao Cânion de Taquipe.
sucessão contínua não é observada em áreas A esta época, e ao longo do Neoaratu, ainda preva-
plataformais, que ao tempo de deposição de grande leciam os sistemas deltaicos relacionados à Forma-
parte do Rio da Serra superior estiveram sujeitas a ção Pojuca. A porção meridional da bacia (Baixo de
processos de erosão e/ou bypass, resultando na Camaçari) e o Cânion de Taquipe constituíam, no
discordância que separa as seqüências K20 e K30. entanto, sítios preferenciais para a deposição lacustre
Sua origem é atribuída a um evento tectônico de ca- (formações Maracangalha e Taquipe, respectivamen-
ráter regional, como indicado pela omissão de seções te), com fluxos gravitacionais associados.
correlatas nas bacias do Espírito Santo, Cumuruxatiba, Para o topo, o predomínio de fácies fluviais
Almada, Camamu, Tucano e Sergipe-Alagoas. Bueno (Formação São Sebastião) testemunha a fase final
de assoreamento do rifte, que durante o Jiquiá este-
(2001, 2004) relaciona este evento à propagação
ve submetido a um novo ciclo tectônico, com a cria-
diácrona do sistema de riftes da margem leste, atri-
ção e a reativação de falhamentos (Aragão, 1994).
buindo a discordância impressa nessas bacias ao
As maiores taxas de subsidência são compensadas,
tectonismo que promoveu contemporaneamente o
no entanto, por elevadas taxas de aporte sedimentar,
encerramento da fase rifte (breakup) e implantação
resultando em uma sucessão estratigráfica de cará-
de crosta oceânica no segmento compreendido entre
ter agradacional, com preservação de espessas se-
o norte da Bacia de Pelotas e o sul da Bacia de San-
ções fluviais. Conglomerados sintectônicos (Forma-
tos. No Recôncavo, a margem flexural teria adquirido
ção Salvador) ocorrem ao longo do intervalo, esten-
estabilidade tectônica aproximadamente a esta épo-
dendo-se ao Andar Jiquiá. A representação adotada
ca (Cupertino e Bueno, 2005), marcando o encerra-
para a borda leste, na carta estratigráfica do
mento da fase de expansão da bacia, em função do
Recôncavo, não contempla esta amplitude estratigrá-
deslocamento, para leste, dos esforços relacionados
fica por retratar a extremidade sul da bacia, onde
à abertura do Atlântico Sul.
grande parte da seqüência encontra-se erodida.

Seqüência K30
A porção inferior da Seqüência K30 registra a Superseqüência Pós-Rifte
expansão dos sistemas deltaicos ao longo da bacia,
com progressivo recuo, para sul, dos sítios deposicio-
nais eminentemente lacustres, representados pela For- Seqüência K50
mação Maracangalha. A seção basal, relacionada ao
Membro Catu da Formação Marfim, depositou-se em A Seqüência K50 é representada pelos clásticos
onlap sobre as áreas plataformais antes sujeitas à ero- grossos (conglomerados e arenitos), folhelhos e
são e/ou bypass. Apenas ao final do Neo-Rio da Serra calcários pertencentes à Formação Marizal, de idade
(Eohauteriviano), os arenitos deltaicos dessa unidade Neo-alagoas (Neo-aptiano). Sua deposição relacio-

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Reconcavo Basin, northeast Brazil. 1993. 312 p. Tese
(Doutorado) – Texas University, Austin, 1993.

SILVA, H. T. F. Caracterização do início da fase sinrifte


na Bacia do Recôncavo, estado da Bahia: discussão
sobre a formação água grande e o reconhecimento
da erosão do início do rifteamento. In: CONGRESSO
BRASILEIRO DE GEOLOGIA, 39., 1996, Salvador.
Anais. São Paulo: Sociedade Brasileira de Geologia,
1996, p. 325-328.

B. Geoci. Petrobras, Rio de Janeiro, v. 15, n. 2, p. 423-431, maio/nov. 2007 | 429


BACIA DO RECÔNCAVO

SEDIMENTAÇÃO
NATUREZA DA
LITOESTRATIGRAFIA
GEOCRONOLOGIA AMBIENTE
DISCORDÂNCIAS
Ma DEPOSICIONAL
FORMAÇÃO MEMBRO
ÉPOCA IDADE
0

M E S S I N I AN O
10 NEO TOR T ONIANO
MESO

20 EO B U R D I GAL IA N O
AQ U I TAN IA N O

NEO C E N O MA N IA N O
100

105 AL B I AN O

110

115
(GÁLICO)

ALAG O AS

PRÉ-MARIZAL
APT I AN O
CRETÁCEO

120
EO

JIQUIÁ
125 SÃO
MASSACARÁ
BURACICA SEBASTIÃO
BAR R E -
M I AN O
TAQUIPE

130
AR ATU
HA U TE R I V I AN O

ILHAS

POJUCA
MARACANGALHA

SESMARIA
SALVADOR
(N EO C OM IANO )

CARUAÇU
PITANGA-

135

2000
MARFIM
GI NIANO
V A L A N-

R I O DA S E R RA

SANTO AMARO

140
GOMO
B E R R I-
AS I AN O

145 ITAPARICA
SERGI
DOM BROTAS
JOÃO CAPIANGA
ALIANÇA

150 T I T H O N I AN O

250
CAZUMBA
MAR. RESTRITO A MARGINAL AFLIGIDOS
300

350

400

450

500

550

430 | Bacia do Recôncavo - Silva et al.


B. Geoci. Petrobras, Rio de Janeiro, v. 15, n. 2, p. 423-431, maio/nov. 2007 | 431

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