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| E-ISSN 1808-2599 |
1 Introdução 1/14
Resumo
Foram identificados os mitos que permeiam a A cachaça começou a fazer parte da história
cachaça na cultura brasileira, tendo por base o brasileira no período de ascensão da indústria
fato de eles favorecerem a representação cultural
açucareira. Ela foi “descoberta” por acaso
– imagem de uma cultura sobre determinado
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objeto – negativa desta bebida. Constitiu-se um durante o processo de produção do açúcar
corpus de pesquisa caracterizado por guardar
mascavo, da rapadura e do melaço nos
vínculos significativos com a prática social em foco.
A metodologia adotada foi a semiologia. Assim, engenhos do período colonial brasileiro
foram identificados cinco mitos relacionados à
(CASCUDO, 2006).
representação cultural da cachaça: “cachaceiro”,
“desprestígio”, “bebida popular”, “Brazilian brandy”
Como consequência de um processo de evolução
e “da moda”. Concluiu-se que, ao contrário do que
se supunha antes no início do estudo, os mitos natural, de alguma forma os escravos aprenderam
não atribuem única e exclusivamente conotações
a destilar a garapa azeda – espuma “suja e
negativas à cachaça no Brasil; conferem-lhe
também conotações positivas. Entretanto, os mitos feculenta” formada na superfície dos tachos
positivos ainda não conseguem ressignificar a
da produção de açúcar, a qual era retirada
representação cultural dessa bebida.
à alimentação de animais e de escravos –,
Palavras-chave
Cachaça. Representação cultural. Mitologia. convertendo-a em cachaça. E, pouco a pouco,
essa bebida se tornou popular entre os escravos
Daniella Ramos Silva | daniellaramossilva@hotmail.com e outras pessoas de baixa renda da colônia
Mestre em Administração pela Universidade Federal de Pernambuco
(CASCUDO, 2006).
(UFPE). Professora do Centro Acadêmico do Agreste – CAA/UFPE.
Sérgio Carvalho de Mello | sergio.benicio@gmail.com Pode-se dizer que o Brasil e a cachaça são
Tem formação na área de Administração de Empresas, Doutor pela
City University London (Cass Business School), Reino Unido (1997).
contemporâneos. Contudo, apesar de a história
Professor Associado da Universidade Federal de Pernambuco e
de ambos ser indissociável, a bebida possui uma
bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq, com experiência nas
áreas de ensino e pesquisa em Administração atuando principalmente representação cultural bem diferente daquela do
com os seguintes temas: Inovação Organizacional e Tecnológica;
Gestão de Tecnologias Emergentes; Sistemas Inteligentes de Brasil para os brasileiros. A representação dela,
Mobilidade; Cibercultura e Espaço Urbano.
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a linguagem se transforme em mito. É a fala
renda, “botecos” e à identidade do cachaceiro.
(parole) definida por Saussure (BARTHES, 1993),
Com efeito, ela não é vista mais apenas como
representando a parte puramente individual, ou
uma bebida alcoólica. Na verdade, uma nova
seja, a combinação particular dos signos existentes
significação atribuiu a ela um “espírito” de
no sistema da língua, feita pelo usuário falante.
desqualificação, como uma propriedade natural.
Assim, pode-se dizer que o mito é uma mensagem,
Na representação cultural – imagem de uma é um modo de significação em que a sociedade tem
cultura ou grupo de pessoas sobre determinado um papel ativo (BARTHES, 1993 p. 131).
objeto –, os membros de uma cultura usam a
A fala é uma mensagem que pode ser formada
linguagem, nesse caso os mitos discutidos a
por escritas, representações, fotografias,
priori e, possivelmente, localizados a posteriori,
cinema, reportagens, esportes, espetáculos,
que serão explicados detalhadamente na
publicidade, entre outras formas. Todas as
próxima seção, para produzir significado a
matérias-primas do mito pressupõem uma
um artefato cultural. Portanto, reitera-se que
consciência significante e por essa razão se
a cachaça sofre preconceitos devido aos mitos
pode raciocinar sobre ele, independentemente
inerentes à cultura brasileira.
das matérias-primas. Toda unidade ou toda
De fato, o objetivo deste estudo é identificar síntese significativa poderá ser fala se
os mitos que permeiam a cachaça na cultura significar alguma coisa. Isto não quer dizer que
brasileira, tendo em vista que eles favorecem a se deva tratar a fala mítica como a língua, pois
representação cultural negativa da bebida. o mito depende de uma ciência geral extensiva
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segunda língua que fala da primeira. O semiólogo,
Toda semiologia relaciona dois termos, o
então, não deve interrogar-se sobre o sistema
significante e o significado, que levam, portanto,
linguístico. Ele só terá que se preocupar com o signo
a um terceiro termo, o signo, o total associativo
global, na medida em que este se presta ao mito
dos dois termos anteriores. No plano de análise,
(BARTHES, 1993 p. 137).
não se pode confundir significante, significado
e signo. Naturalmente, existem entre eles Assim, é possível se entender o significado da
implicações funcionais (como a da parte ao todo) cachaça por meio da análise da formação de
que podem fazer a análise parecer desnecessária, seu mito. Os vários mitos sobre a cachaça – dos
mas essa distinção tem grande importância para quais foram identificados, a priori – quatro neste
o estudo do mito como esquema semiológico trabalho, contribuem para sua representação
(BARTHES, 1993 p. 134). cultural ser estigmatizada.
Vê-se, com mais detalhes, na próxima seção, como Enfatiza-se que as representações culturais são
essa significação aconteceu na cultura brasileira. sempre determinadas pelos interesses de grupo.
Por isso elas não são neutras. Produzem práticas
3 Representação cultural da cachaça – sociais e políticas – para a legitimação das
2000). Destaca-se, pois, que ela conecta competições que se efetivam em termos de poder
denota usar a linguagem para dizer algo FREIRE FILHO, 2005; CHARTIER, 2002). 4/14
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produz e troca significados entre os membros
rejeitada pela elite brasileira, e a partir de
de uma cultura. Esse processo envolve o
então passou a representar um produto ruim e
uso da linguagem, de signos e imagens para
para pessoas pobres.
representar algo (HALL, 1997a; 1997b).
Como para Souza (2006) o sujeito não está livre
Pode-se dizer também que a representação é
para decidir o que bem quiser, porque está
a produção do significado dos conceitos que
“pressionado” pelas representações impostas pela
estão nas mentes das pessoas. O sistema de
sociedade, a rejeição da bebida pela elite tende a
representações consiste no conceito coletivo
influenciar também as demais classes sociais.
sobre algo (CHARTIER, 2002). São as formas
de organização, aglomeração, arranjo e Assim sendo, as ações dos sujeitos não são só
entre eles. Quando se afirma que pessoas vivem filiam-se a outras ações de acordo com algo que
em uma mesma cultura, quer se dizer que elas já foi feito e legitimado. Agem influenciados
partilham mapas conceituais. Ou seja, têm uma pelas representações culturais. Ou seja, rejeitam
conceitos das coisas parecidos. Por conseguinte, com maior poder a rejeitaram em determinado
os mapas conceituais podem ser transformados período histórico e isso foi dado como certo.
através de elementos como sons, palavras, gestos se estigmatizada por influências culturais,
A mídia também produz novas representações Engarrafamento Pitú Ltda. Fora do País, o
através dos discursos divulgados em jornais, significado da cachaça está atrelado à alegria
revistas, televisão e outros meios (GARCIA; brasileira, ao samba, ao carnaval, ao futebol,
ROCHA; HINERASKY, 2007; CAMPOS, 2006; entre outros aspectos da cultura. Neste
GUERRA, 2006; SGARBIERI, 2006; FREIRE sentido, os exportadores dizem que vender
FILHO, 2005). A mídia pode construir mitos e cachaça é como “vender” o Brasil.
associar muitos produtos a significados que não
correspondem literalmente a eles. Mas, no caso 4 A construção de
um corpus de pesquisa
da cachaça, o que se vê no Brasil é que a mídia
tentou algumas vezes, porém não conseguiu Esta pesquisa apontou para a descoberta dos 5/14
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dados suplementares que foram coletados e
do Brasil” para suas campanhas publicitárias.
usados focalizaram os indivíduos e instituições
Apesar de o marketing da empresa ser bem feito
que obtinham alguma relação significativa com
e de bom gosto, o novo mito que se tentou formar
a prática social sob investigação. Assim, o estudo
agregando o significado da cachaça a aspectos
compreendeu os discursos de:
brasileiros parece não ter feito sentido para o
povo e, por isso, não foi suficiente para modificar 1. Ypióca Agroindustrial Ltda.
a representação.
2. Engarrafamento Pitú Ltda.
setor de cachaça que, desde 1968, exportam- a história de uma paixão, o segredo de uma lenda.
Os extratos do corpus analítico ora citados foram sociedade, Barthes estudou as significações que
selecionados a partir de diversas fontes de dados podem ser atribuídas à vida social. Ele explicou,
(entrevistas em profundidade, observações então, como as linguagens expressam e como
e levantamentos bibliográficos), agrupados ocultam a realidade.
e categorizados após o trabalho em campo.
A seguir, dando início à análise, apresenta-
Ressalta-se que a objetividade deste estudo
se o repertório com os elementos de
pode ser avaliada através da qualidade de suas
representação e consumo da cachaça e seus
observações e da escolha das fontes de dados e
respectivos significantes.
dos entrevistados, com base em uma coerência
teórico-epistemológica entre dados e indagações 6/14
5.1 Repertório
de pesquisa.
A partir da análise do corpus foram
O corpus de pesquisa foi categorizado em dois identificados elementos que tratavam de
gêneros discursivos: bibliográfico e entrevista.
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termos referentes à cachaça e significantes
O bibliográfico consistiu na leitura, aálise que geravam significados a esses elementos.
e categorização em trechos significantes Quando se tratava da representação cultural,
da “representação cultural” dos livros. O por exemplo, em alguns trechos do corpus,
entrevista consistiu em entrevistas pessoais utilizava-se o elemento “branquinha” para tratar
semi-estruturadas com os sujeitos de pesquisa da cachaça industrial e os significantes produto
da Ypióca, Pitú, AMPAQ, IBRAC e com Marcelo genuinamente brasileiro e preferência nacional
Câmara. Logo, depois de transcritas, elas foram para dar significado a tal elemento.
categorizadas em trechos significantes da
Dessa forma, analisando-se minuciosamente o
“representação cultural”.
corpus, criou-se um repertório com elementos
Fonte: a autora.
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coletivo sobre algo (CHARTIER, 2002), e pode 2008). No caso deste estudo, deu-se de forma
ser trazido à mente das pessoas que participam ideológica. Interpretou-se ideologicamente o
dessa cultura por vários significantes. Para repertório da representação cultural, exposto
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que se alcance o signo, é preciso restabelecer no quadro 1.
a cadeia de intenções que está por trás
A interpretação ideológica procurou mostrar
do significante que se oferece na cultura
que existem várias ideologias permeando
brasileira. E isso só é possível através da
a cachaça e formando seus significados. E,
reconstituição da estrutura. Os significantes
de tais significados, foi possível observar o
e os significados formam um todo indissolúvel
surgimento de alguns mitos da cultura brasileira
que detém um sentido (BARTHES, 1993).
relacionados à cachaça.
Vê-se, então, como é possível alcançar o sentido
através da metalinguagem. 5.2.1 Interpretação ideológica
Os elementos 1, 2, 3 e 4 – “branquinha”, cachaça
5.2 Metalinguagem artesanal, cachaça industrial envelhecida e
Para se compreender a representação da cachaça artesanal envelhecida, respectivamente
cachaça, deve-se proceder a uma interpretação – tratam de tipos diferentes de cachaça com
de segundo nível – interpretação da representações culturais também diferentes.
metalinguagem. Por sua vez, esta interpretação Os significantes 1.1, produto genuinamente
é o desvelamento dos sentidos ocultos dos brasileiro, e 1.2, preferência nacional,
signos mitológicos (BARTHES, 1993; 1996). Ela literalmente têm um sentido positivo em relação
pode ser feita de forma alegórica, analógica, ao elemento, “branquinha”. Porém, mesmo
tropológica e ideológica (THIRY-CHERQUES, sendo um produto genuinamente brasileiro,
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parece que as pessoas ainda não desejam O elemento 2, cachaça artesanal, tem o seu
associar as suas identidades como brasileiros sentido formado pelo significantes 2.1, prestígio,
à identidade do consumidor de cachaça – o 2.2, obra de arte, 2.3, bebida superior, e 2.4,
cachaceiro –, pois, na atualidade, o consumo imagem de excelência. O elemento 3, cachaça
não é uma mera compra de mercadorias, industrial envelhecida, por 3.1, prestígio, 3.2,
mas um processo de criação de identidades imagem boa, e 3.3, uísque nacional. O elemento
(BARBOSA; CAMPBELL, 2006; SLATER, 2002; 4, cachaça artesanal envelhecida, por 4.1,
MILLER, 1997). prestígio, 4.2, bebida superior, e 4.3, imagem
de excelência.
Resultado: surge o mito do cachaceiro.
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Os significantes 2.1, 3.1 e 4.1, prestígio,
A preferência nacional é citada, muitas vezes,
significam que as cachaças diferenciadas estão
como sinônimo de destilado mais consumido
tendo mais atenção da elite da sociedade
do Brasil. Entretanto, apenas o fato de ser
consumidora, por serem cachaças mais caras e
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este destilado não significa que a cachaça seja
requintadas, com aspectos sensoriais também
uma preferência nacional, assim tal afirmação
diferenciados, e, por isso, têm uma imagem
é contestável. Se as pessoas de baixa renda
positiva. O significante 2.2, obra de arte é a
são as principais consumidoras do produto,
prova do requinte, significando que a cachaça
então, elas podem consumir cachaça porque a
artesanal é feita de forma peculiar, resultando
preferem ou apenas porque não têm condições
em um produto de excelência. Os significantes
financeiras para consumir outro tipo de
2.3 e 4.2, bebida superior, significam que a
bebida alcoólica, a cerveja, por exemplo, que
cachaça artesanal é uma bebida com padrão de
é o retrato da ascensão social das pessoas
qualidade mais elevado em relação à industrial.
de baixa renda e consequente negação da
Os significantes 2.4 e 4.3, imagem de excelência,
cachaça. Demonstrando, assim, a ação política
também se referem, especificamente, às
no contexto, ou seja, a condução do processo
cachaças artesanais, demonstrando que a sua
social em antagonismos (cachaça e cerveja)
imagem é a melhor de todas. O elemento 3.2,
concorrentes (MOUFFE, 1996). Por conseguinte,
imagem boa, significa que a imagem da cachaça
o elemento 1, “branquinha”, que é significado
industrial envelhecida é boa; no entanto,
por esses dois significantes (1.1 e 1.2) tem uma
inferior às artesanais (branca e envelhecida),
representação cultural estigmatizada perante
contudo melhor que a imagem da “branquinha”.
a sociedade, relacionada à identidade do
Nesse sentido, identifica-se uma hierarquia de
cachaceiro e ao público consumidor.
imagens, em que as artesanais ficam em primeiro
Resultado: surge o mito do desprestígio. lugar, com uma clara imagem de excelência; a
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Vale ressaltar que, apenas quando o significante cachaça torna-se estigmatizada pela imposição
cachaça é acompanhado de adjetivos como de classe. Daí a representação é repassada para
artesanal, envelhecida e artesanal envelhecida, as demais pessoas, através da interpelação do
a representação cultural estigmatizada afasta-se sujeito, que ao nascer já toma como certo a
do significante. Mas, como a pesquisa não está representação como negativa.
tratando especificamente desses diferenciais
Por meio do conceito de deformação de Paul
de cachaça, e sim de seu significante simples –
Ricouer (1977), o processo de vida real deixa
cachaça –, usou-se a representação cultural, de
de constituir a base para ser substituído por
um modo geral, como estigmatizada neste artigo.
aquilo que os homens dizem e representam, o
No elemento 5, público, significado por 5.1, que faz a imagem ser tomada como real. Dessa
trabalhador, 5.2, pobre, 5.3, classe média, e forma, as representações culturais da cachaça,
5.4, elite, identifica-se que todas as classes estigmatizadas, são tomadas como o real. Logo,
sociais consomem o produto, no entanto a apesar de todas as classes sociais consumirem
imagem da cachaça, ainda assim, é permeada a bebida, o público que realmente a representa
por estigmas ruins. Com base em uma leitura são as classes mais pobres.
marxista, identifica-se uma questão antagônica
Resultado: surge o mito da bebida popular.
entre a representação da cachaça como bebida
para pobre e não para elite, enfatizando que O elemento 6, espaço geográfico, significado
Marx tratava das manifestações negativas por 6.1, Brasil, e 6.2, exterior, demonstra as
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diferentes representações no Brasil e no exterior. eles, custa pouco porque é ruim, reforçando,
No Brasil, a cachaça possui uma conotação assim, o mito da bebida popular. Contudo, no
negativa devido à sua origem. Entretanto, no exterior, a história é diferente. Com a ausência da
exterior, não há mitos que estigmatizem a estigmatização, a cachaça custa caro: em média,
cachaça. Desde 1968, por exemplo, a bebida é quatorze euros a garrafa, o que equivale, no
oficialmente exportada para a Alemanha e, aos Brasil, hoje, a dez vezes mais que o valor vendido
poucos, as exportações se expandiram. Hoje, no mercado interno.
segundo o SEBRAE (2008), a cachaça pode ser
Resultado: este fato ajuda a reforçar o mito
encontrada em quase todo o mundo.
do Brazilian brandy.
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Segundo Hall (1997a; 1997b), isso acontece
O elemento 8, antes versus hoje, significado pelos
porque os significados são produzidos entre os
significantes 8.1, ruim versus boa, 8.2, ruim
sujeitos de uma cultura. Portanto, no exterior a
versus regular, e 8.3, ruim versus ruim, retrata
cachaça significa o próprio espírito do Brasil. Na
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diferentes opiniões acerca da representação
perspectiva de Câmara (2004), ela representa
da cachaça. Existe uma concordância em
o samba, o futebol, o carnaval, entre outros
relação ao antes, que se originou com estigmas
aspectos culturais brasileiros, reconhecidos no
ruins. Contudo, em relação ao hoje, muitas são
mundo. De fato, a sua representação cultural no
as opiniões acerca da representação. Boa é
exterior não tem estigmas ruins.
provável que não seja, pois, como foi exposto
Resultado: surge o mito do Brazilian brandy. na problemática, existem mitos permeando a
representação da bebida. Assim, a recepção da
O elemento 7, preço, significado por 7.1,
representação é influenciada pela forma como
Brasil, 7.2, exterior, e 7.3, barato, determina
os mitos mascaram continuamente a realidade
as diferenças de preço da cachaça. No Brasil,
(BARTHES, 1993). Ruim, sabe-se que já foi,
a maior parte da cachaça produzida custa
devido à sua formação (CASCUDO, 2006). No
barato e a precificação fornece subsídios para
entanto, a representação tem sido influenciada
a estigmatização, pautada na ideologia de que
pela representação positiva, ligada aos aspectos
tudo que é barato é ruim. Fato que também pode
culturais brasileiros no exterior, demonstrando,
ser explicado pelo conceito de deformação de
nesse sentido, a formação de um mito da moda
Paul Ricouer (1977), constatando que o real é a
da cachaça. Dessa forma, acredita-se que ela se
imagem da cachaça barata. Não é possível negar
apresente de maneira diferente da sua origem
que também existam cachaças que custam caro
negativa. Então, não pode ser ruim também.
no Brasil. Mas são poucas. A rigor, no imaginário
O significante regular parece ser plausível
dos brasileiros, cachaça custa pouco. E, para
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que é, de fato, um processo de criação de
seguir, os mitos da representação cultural da cachaça
identidades. Grosso modo, apenas as pessoas
identificados neste trabalho.
de baixa renda, que frequentemente tomam
Cinco elementos, dos oito encontrados, do cachaça, têm suas identidades associadas
repertório de representação cultural ao cachaceiro. Assim, o mito fortalece a
formaram os mitos. O elemento 1, “branquinha”, representação cultural negativa da cachaça.
gerou os mitos do cachaceiro e do desprestígio.
Os elementos 5 e 7, público e preço, levaram 5.3.2 Desprestígio
ao mito bebida popular. Os elementos 6 e O mito do desprestígio está relacionado
7, espaço geográfico e preço, resultaram ao principal público consumidor de
no mito: Brazilian brandy. O elemento 8, cachaça e à identidade do cachaceiro, que,
antes versus hoje, formou o mito da moda. Os separadamente, também é um mito, como se
elementos 2, 3 e 4, cachaça artesanal, cachaça pode observar.
industrial envelhecida e cachaça artesanal
No imaginário das pessoas: a) a cachaça era
envelhecida, não geraram mitos porque não
destinada apenas aos pobres, apesar de se
tratam do significante cachaça unicamente,
contatar que tal fato não é verídico, tendo em
mas acompanhado de adjetivos, conforme
vista a existência de cachaças diferenciadas,
mencionado na interpretação ideológica da
destinadas a outros públicos; e b) o consumidor
representação. Observam-se a seguir, mais
desta bebida é um “cachaceiro” – no sentido
detalhadamente, os mitos.
pejorativo da palavra –, representando a
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O mito da bebida popular é oriundo do público estigmas negativos para a representação cultural.
consumidor da cachaça e do preço baixo pelo Pelo contrário, ele ajuda a suavizar o preconceito
sobre a cachaça, demonstrando que a bebida
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qual ela é frequentemente vendida, preço
este que não se torna significante apenas do remete a um produto bem aceito mundialmente.
A representação cultural da cachaça “tipo completo. É preciso mais tempo para que a
exportação” é melhor que a comercializada no representação positiva surta efeitos junto aos
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deste estudo, os mitos não atribuem única e
exclusivamente conotações negativas à cachaça em que o povo brasileiro a compreender como um
no Brasil. De fato, atribuem também conotações dos elementos da sua identidade – elemento que
positivas. Entretanto, os mitos positivos não deve ser reconhecido como um símbolo nacional,
cultural da cachaça e fazer com que ela se um povo, e, sobretudo, das suas classes
classes sociais.
Aceitar que se atribua à cachaça uma imagem
última, aquela que o setor parece julgar ser a tal aceitação parece interessar a uma elite
mais eficaz –, que minimizará a estigmatização nacional preconceituosa, além de aos setores de
Grosso modo, não existem ações políticas a partir do senso comum e aproveitados,
conjuntas. Os envolvidos com o setor não formam oportunamente, pela mídia – são exemplos
uma rede coesa para lutar por ideologias comuns iniciais de soluções de ressignificação à cachaça.
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adopted was semiology. Thus, five myths related social en enfoque. La metodología adoptada
to the cultural representation of the “cachaça” fue la semiología. Así, fueron identificados
were identified: “drunkard”, “discredit”, “popular cinco mitos relacionados con la representación
drink”, “Brazilian brandy” and “fashion”. It was cultural de cachaça: “borracho”, “desprestigio”,
concluded that, contrary to what was thought “bebida popular”, “brandy de Brasil” y “de moda”.
Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação | E-compós, Brasília, v.13, n.1, jan./abr. 2010.
before the beginning of the study, the myths do not Se concluyó que, contrariamente a lo que se
assign solely and exclusively negative connotations pensaba antes del inicio del estudio, los mitos
to the cachaça in Brazil. They also give it positive no se atribuyen únicamente a las connotaciones
connotations. However, the positive myths cannot negativas de la cachaça de Brasil. Le asignan
yet reformulate a new meaning to the cultural también una connotación positiva. Sin embargo,
representation of this drink. los mitos positivos todavía no pueden reformular
A revista E-Compós é a publicação científica em formato eletrônico da Revista da Associação Nacional dos Programas
Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação de Pós-Graduação em Comunicação.
(Compós). Lançada em 2004, tem como principal finalidade difundir a Brasília, v.13, n.1, jan./abr. 2010.
produção acadêmica de pesquisadores da área de Comunicação, inseridos A identificação das edições, a partir de 2008,
em instituições do Brasil e do exterior. passa a ser volume anual com três números.
Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação | E-compós, Brasília, v.13, n.1, jan./abr. 2010.
Universidade de São Paulo, Brasil Nilda Aparecida Jacks
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
César Geraldo Guimarães
Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil Paulo Roberto Gibaldi Vaz
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil
Cristiane Freitas Gutfreind
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil Renato Cordeiro Gomes
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Brasil
Denilson Lopes
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil Ronaldo George Helal
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
Eduardo Peñuela Cañizal
Universidade Paulista, Brasil Rosana de Lima Soares
Universidade de São Paulo, Brasil
Erick Felinto de Oliveira
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil Rossana Reguillo
Instituto Tecnológico y de Estudios Superiores do Occidente, México
Francisco Menezes Martins
Rousiley Celi Moreira Maia
Universidade Tuiuti do Paraná, Brasil Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
Gelson Santana Samuel Paiva
Universidade Anhembi/Morumbi, Brasil Universidade Federal de São Carlos, Brasil
Goiamérico Felício Sebastião Albano
Universidade Federal de Goiás, Brasil Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil
Hector Ospina Sebastião Carlos de Morais Squirra
Universidad de Manizales, Colômbia Universidade Metodista de São Paulo, Brasil
Herom Vargas Simone Maria Andrade Pereira de Sá
Universidade Municipal de São Caetano do Sul, Brasil Universidade Federal Fluminense, Brasil
Ieda Tucherman Suzete Venturelli
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil Universidade de Brasília, Brasil
Itania Maria Mota Gomes Valério Cruz Brittos
Universidade Federal da Bahia, Brasil Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Brasil
Janice Caiafa Veneza Mayora Ronsini
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Jeder Silveira Janotti Junior Vera Regina Veiga França
Universidade Federal da Bahia, Brasil Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
COMISSÃO EDITORIAL
Felipe da Costa Trotta | Universidade Federal de Pernambuco, Brasil COMPÓS | www.compos.org.br
Rose Melo Rocha | Escola Superior de Propaganda e Marketing, Brasil Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação
CONSULTORES AD HOC
Presidente
João Maia | Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
Sandra Gonçalves | Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
Itania Maria Mota Gomes
Mayra Rodrigues Gomes | Universidade de São Paulo, Brasil Universidade Federal da Bahia, Brasil
Gisela Castro | Escola Superior de Propaganda e Marketing, Brasil itania@ufba.br
João Carrascoza | Escola Superior de Propaganda e Marketing, Brasil Vice-presidente
Luciana Pellin Mielniczuk | Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Irene de Araújo Machado | Universidade de São Paulo, Brasil Julio Pinto
Hermilio Pereira dos Santos Filho | Pontifícia Universidade Católica, Brasil Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Brasil
Benjamim Picado | Universidade Federal Fluminense, Brasil juliopinto@pucminas.br
Maria Apaecida Baccega | Escola Superior de Propaganda e Marketing, Brasil
Secretária-Geral
Rogério Ferraraz | Universidade Anhembi Morumbi, Brasil
Bruno Souza Leal | Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil Ana Carolina Escosteguy
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil
REVISÃO DE TEXTO E TRADUÇÃO | Everton Cardoso
carolad@pucrs.br
EDITORAÇÃO ELETRÔNICA | Roka Estúdio