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O QUE VEM DEPOIS DA PENITÊNCIA?

Alex da Rosa

Há certa discussão em torno de uma tentativa categorização em torno das


gerações contemporâneas, como “Boomers” - 1945 e 1965, Geração X -1965 a
1977, Geração Y -1977 e 2000, Geração Z – 2000 a contemporaneidade. Essas
classificações, ainda instáveis, dizem respeito principalmente a certa relação
entre tecnologia, trabalho e o humano.
Contudo, comparando essas classificações às construções teóricas
acerca de epistemologias, o campo do presente torna-se ainda mais nebuloso;
confusões entre estruturalismo, “pós-estruturalismo”, modernidade, “pós-
modernidade”, são exemplos das confusões que permeiam o pensamento tanto
dos ditos teóricos, intelectuais, quanto dos “não intelectuais”.
As dúvidas giram em torno de temas como: (a) quais as diferenças da
sociedade do séc. XX para XXI?; (b) quais as diferenças entre a epistemologia
do séc. XX e XXI? (c) como as gerações se percebem e interagem entre si nesse
meio? Pensar em continuidades e rupturas auxilia-nos na compreensão do hoje,
afastamento da linearidade, desenho de campos e de comunicações.
O recente estudo produzido pela Escola de Filosofia, intitulado “
Horizontes do cenário nacional: educação e mercado”, insere-se no coração
desta discussão, justamente por “fazer saltar o presente do continum do tempo
histórico”1, como ensina Benjamin. Pensar o presente é tremendo desafio e
perigo que rodeia todo o trabalho acima referido.
Isto porque o primeiro e talvez maior risco sobre o atual é sua vinculação
com a noção de progresso, como se estivéssemos sempre na ponta da história
e isso acarretasse num ápice civilizatório, marco cultural superior a demais
formas de sociedades históricas. Além disso, mesmo dentro do atual, certos
modos de vida insistem em alçar a totalidade, o bem viver que Boaventura
explica, formas de viver que se afastam da experiência e desqualificam
existências divergentes, exercendo força magnética à padronização.

1 Benjamin, Walter. O Anjo da História. Belo Horizonte: Autêntica, 2016, p. 190.


O trabalho produzido pela Escola de Filosofia busca traçar pontos que
auxiliam num desenho do hoje. A relação entre as formas de educação – seus
índices de desempenho no Brasil -, e o mercado de trabalho demonstram certo
funcionamento, dinâmica social que implica na construção das subjetividades. O
estudo ainda aponta para comportamentos significativamente novos, seja a nível
individual, as novas doenças do séc. como depressão e ansiedade, ou mais
geral como outra noção de carreira, fim do operário, ápice do funcionário e talvez
seu declínio, sugerido pelo crescimento dos Microempreendedores Individuais.
Todavia, novamente questionamento fundamental, esse desenho do hoje
constituiria uma noção de progresso? É possível atribuir qualidades a ela? O que
seria a história para o progresso? A isso, Benjamin:

Há um quadro de Klee intitulado Angelus Novus. Representa um anjo


que parece preparar-se para se afastar de qualquer coisa que olha
fixamente. Tem os olhos esbugalhados, a boca escancarada e as asas
abertas. O anjo da história deve ter esse aspecto. Voltou o rosto para
o passado. A cadeia de fatos que aparece diante dos nossos olhos é
para ele uma catástrofe sem fim, que incessantemente acumula ruínas
sobre ruínas e lhas lança aos pés. Ele gostaria de parar para acordar
os mortos e reconstituir, a partir dos seus fragmentos, aquilo que foi
destruído. Mas do paraíso sopra um vendaval que se enrodilha nas
suas asas, e que é tão forte que o anjo já não as consegue fechar.
Esse vendaval arrasta-o imparavelmente para o futuro, a que ele volta
as costas, enquanto o monte de ruínas à sua frente cresce até o céu.
Aquilo a que chamamos o progresso é este vendaval.2(g.n)

Há uma inevitabilidade do progresso, na maneira como exposta acima,


que faz pensar em como puxar os trilhos de vagão, dessa locomotiva do
progresso. Todavia, enquanto não encontramos tal parada, questionamos
constantemente para onde vamos, a que sentido caminha nossas vidas, nossa
história. A isto, não acredito em uma suposta crise, há apenas o progresso que
arrasta o anjo da história. A pergunta é para onde nos destinamos, nós, os “
modernos”, ou “pós-modernos”.
A isto trago a cena as contribuições de Flusser e Foucault, da maneira
como foram abordadas no trabalho. Para ambos, desde o séc. XVII até o XX, 4
epistemes compuseram a humanidade, ou 4 gerações andaram sobre a terra.
Viveram, inclusive, 4 momentos bem marcados, “ culpa, maldição, castigo e

2 Benjamin, Walter. O Anjo da História. Belo Horizonte: Autêntica, 2016, p. 17.


penitência”.3 A nós, geração X, Y, que seja, a pergunta, o que vem depois da
penitência?
Para Flusser, apenas o abismo. A idade moderna, o nada, “o progresso
enquanto perca do centro de gravidade”4, relembram-nos do nosso infinito
cansaço e de um saudosismo a tempos remotos (quiçá sabemos se de fato
houveram) em que a capacidade de vida ativa era em verdade potência exercida.
Sobretudo, não há que se falar em redenção, ela, justamente o liame ao
progresso.5
A parábola da Ovelha Perdida do livro de Lucas serve de exemplo. Nela
o pastor cuida de todas e de cada uma ao mesmo tempo, além disso, é capaz
de sacrificar todo o bando por uma, coletivo e singular. Assim, se o séc. XX
marcou-se pelo estado de bem-estar social, como Foucault aponta, pelas
“técnicas de governo pastoral6, o século XXI é do estado neoliberal e já não há
nenhum pastor. Resta as ovelhas assumirem o caminho por si, abandonando o
bando, tomando para si a função de pastor sem bando, levando a si pelos prados
nem tão verdejantes.
Não há nem em se falar de Deus, visto que está morto, nós os matamos,
a não ser se elevarmos o capitalismo à religião, religião que não possui teologia,
apenas culto infinito, “não há expiação, apenas culpa”.7 É como se não houve
um depois da penitência, ou como se o depois fosse apenas o antes, ou seja,
culpabilização infinita e repetição.
Assim o trabalho da Escola de Filosofia mostra o hoje, cru. Convida a
pensar as relações atuais de vida, trabalho e linguagem, do real, seja através de
outras formas de ensino, experiências inovadoras que buscam se adaptar as
novas formas de linguagem, ou pelo crescente dos MEI que nos lembram o
caminho só das ovelhas de Lucas e a relação de Estado e população.
A nossa geração, seja ela qual for, necessita pensar em novas formas de
solidariedade, de comunicação, de noções de comum, do significado do humano
e uma rearticulação entre o desejo e a liberdade.

3 FLUSSER, Villém. Último Juízo: Gerações: I. É Realizações: São Paulo, 2017, p. 328.
4 Idem, p. 97.
5 Benjamin, Walter. O Anjo da História. Belo Horizonte: Autêntica, 2016, p. 180.
6 Foucault, Michel. Segurança,Território e População.São Paulo:M. Fontes, 2004, p. 350
7 Benjamin, Walter. O Capitalismo como Religião. São Paulo, Boitempo, 2013, p. 22.

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