Imagem Corporativa:
Marketing da Ilusao
Elizabeth Brando
Bruno Carvalho
Pergunta de uma brasileira dirigida a um Senador, por meio do “Fala Cida-
dao”, servico de atendimento ao cidadao do Senado Federal:
“Senador, 0 que se pode fazer para mudar a imagem da Policia no
Brasil?”
Acurta e candida pergunta da cidada brasileira reflete, de maneira simpléria,
a grande farsa que encerrao conceito de imagem. A critica negativa que asocieda-
de faz a respeito da policia foi apreendida como uma questo de imageme nio de
atitude ou de comportamento.
‘Nao foi um engano de palavras, foi um engano de idéias, uma colocagao ideo-
légica, resultado da realidade espetéculo construida cotidianamente pelo marke-
ting e obedientemente disseminada pela midia. A pergunta denuncia também que
‘jd se ultrapassou o sentido de imagem como reflexo ott representagao de algo, real
‘ou no, concreto ou nao. Vai-se além quando imagem significa vivenciar um real
‘que nio tem correspondéncia com fatos nem com verdades, mas que ¢ desejévele,
de maneiraincontestdvel para seus crentes, possivel de ser alcangado com mudan-
gas de aparéncia, em lugar de construido com atitudes. Entre os sentidos possiveis
para o vocébulo imagem, o que se impée na contemporaneidade é o “que evoca
uma determinada coisa, por ter com ela semelhan¢a out relacao simbélica. Produto
da imaginacdo, consciente ou inconsciente; visdo” (Ferreira, 1999). O surpreen-190 PRINciPIos
dente & que esse produto da imaginacio refere-se aservigos e produtos reais ofere-
cidos por instituic6es, sobretudo de grandee gigantesco porte, masem queo valor
do [cone no mercado ¢ infinitamente maior do que o produto out o servigo, ou seja,
do que seu real.
Abordar todos os significados de imagem seria impossivel, razao pela qual
este texto restringe-se ao Ambito das assessorias de comunicaco, contexto do
livto, deixando de lado analises semidticas, estéticas, psicoldgicas ou epistemol6-
gicas. Delimita-sc a acepgio do conceito tal como usado em grande parte da litera-
tura, confrontando-o com quatro técnicas que foram revitalizadas e so utilizadas
com freqiiéncia pela comunicacao para a construgio da imagem corporativa. Res-
salte-se ainda que néo € objetivo deste texto repetir conceitos € técnicas que sio
fartamente conhecidos, adotados e divulgados, A intencao ¢ lancar um olhar torto
¢ politicamente incorreto sobre o essunto. Varios elementos de defesa podem ser
apontados para a critica que se faz, mas este é um texto para suscitar diividas, 240
para contestar.
Imagem das corporacées
Os atitores em geral consignam que imagem é 0 grande patriménio da empresa,
algo que possui um valor superior até aos produtos ou servicos que ela oferece no
mercado. Alids, a supervalorizagao da imagem empresarial se deve, em boa parte,
ao surgimento e & propagacao em larga escala das empresas de servigos, cujo
maior patriménio, sua credibilidade, esti baseada na imagem. O fendmeno €
recente e pode ser localizado apartir de meados dos anos de 1970, quando as em-
presas comecam a defrontar com questées como: que tipo de comunicagio iriam
demandaras empresas de servigosno futuro? Como deveria ser feita a publicidade
do intangivel? Como iriam essas empresas vender a instituicao, a diferenca, ares-
peitabilidade, a credibilidade e a confianca que nao sio, em absoluto, coisas nem
produtos, mas valores? (Costa, 1999)
Situag&o ainda mais evidente quando, a partir dos anos de 1990 as indtistrias
daeconomia imaterial tiveram um crescimento inimagindvel.' Desde entdo, 0 con-
ceito de imagem se amalgama como de identidade institucional, etorna-seo gran-
dediferencial de competitividade para as empresas. A imagem institucional trans-
1 Segundo a reviste Wired, especializada em novas tecnologias, as indistrias relacionadas
comma propriedade intelectual passaram a ocupar a partir de 1997 0 primeito lugat nas exportagdes
‘doc Estados Unidos, depois de oauparo segundo higar durante sete anos. sta coalizfode associacbes
‘comerciais para a propriedade intelectual assinalava que as indistries que vivem dos direitos de
autor ~essencialmente cinema, editoras, industria fonografica,fabricantes de softwares ~que cresce
anualmente 5%, e queem 1997 obteve 60 milhSes de déiares coma exportagao, desbancou os tadi-
cionais setores lideresem exportacio: agricultura, indstria aeroespacial e automobilistica (Correio
da Unesco, dezenibro de 1998, p. 22).IMAGEM CORPORATIVA: MARKETING DAILUSAO 191
forma-se em uma aura que recobre toda a empresa, ¢ exalaseus valores, seus prin-
cipios, sua filosofia — enfim, tudo aquilo em que é preciso cret para ver.
interessante ressaltar que identidade é um termo utilizado na drea de admi-
nistragdo com um sentido muito semelhante a imagem, porém o reconhecimento
da identidade empresarial implica relagdes, conflitos enegociacoes que se estabe-
lecem entre a estrutura produtiva, os recursos humanos de uma organizagao eo
cenario que os envolve
‘A identidade corresponde a determinada légica coerente de funcionamento
fundada na acdio coletiva das pessoas em uma empresae que a distingue de outras.
Essa logica constitui-se e se afirma no tempo, da a empresa certa continuidade,
permite que seus funciondrios, seus parceiros, seus piiblicos especificos e a socie-
dade em geral identifiquem a empresa e, muitas vezes, identifiquem-se com ela.
De forma semelhante, a identidade coletiva seria alcancada & medida que os mem-
bros de uma organizacao considerassem a sobrevivéncia do grupo como um objeti-
vo desejével, ainda que oposto aos objetivos individuais, levando a constituicao de
uma comunidade. Gerir a identidade é progredir nessa via comunitaria, situacio
que implica tens&o entre uma realidade e um ideal, uma vontade utilizando um
potencial, porém voltada para o futuro (Strategor, 1988).
Portanto, 0 que as teorias administrativas qualificam por identidade precisa-
ria emergir, ser construida em uma empresa mediante estratégias como: recruta-
mento, formacéo de pessoal, formalizacdo do sistema de valores em uma ideologia
(maneira de ver 0 mundo) ilustrada pelos mitos organizacionais, definigao de
papéis ¢ procedimentos de gestio e de gestdo dé conflitos (Strategor, 1980).
Contréria a essa concepcéo quase construtivista, recentemente a identidade
corporativa ajustou-se ao conceito de imagem como uma visao capaz de ser cons-
truida apenas com base em elementos visuais ¢ estéticos. Imagem como jogo com
sentimento, desejos e pulsdes; enfim, a psique do ptiblico consumidor. Nesse sentido,
a identidade de uma empresa nio esta em si mesma, mas na visio que oconsumidor
ea opinio publica tém dela, e isso depende nao tanto de atitudes concretas, da ex-
celéncia de produtos ou servicos, mas sobretudo da aura erigida pelo marketing.
Desse cendrio derivou a necessidade absoluta ¢ inquestiondvel dos servigos
de comunicagio, A dimensio institucional passa obrigatoriamente pela “constru-
go da imagem” ou “construgio de identidade” ou “arquitetura do conceito” ou...
nao importa qual denominacao, mais ou menos charmosa, queira-se dar a essa co-
municagao do intangivel, ou. comunicagao imaterial ou... 0 que importa é que as
‘empresas que desejam realmente ser competitivas existem por e pelo marketing e,
apenas por derivacdo, pela comunicacio. E é com fé inquebrantavel na imortalida-
de das corporagées como baluartes da economia e da vida, publica e privada, que
‘08 autores da érea de comunicacao empresarial constroem seus discursos a respei-
to do papel e da funcao da comunicagéo para a criagio da “aura empresarial”,