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24/10/2021 21:49 Por um jornalismo que fissura -

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Por um jornalismo que fissura


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Entrevista | Fabiana Moraes defende um jornalismo que pensa a si mesmo enquanto campo
de conhecimento e que está atento aos marcadores de classe, raça e gênero que o constituem
*Por: Anna Ortega

*Foto de capa: Arquivo Pessoal

“O quê? Quem? Onde? Quando?” Essas perguntas, facilmente reconhecidas por estudantes e profissionais do jornalismo,
representam os chamados valores-notícia. Apesar de curtos e simples, pensar sobre eles pode nos levar a um lugar muito
mais profundo: o de fazer o jornalismo pensar a si mesmo. Professora da Universidade Federal de Pernambuco, jornalista e
escritora, Fabiana Moraes defende, desde 2015, o chamado Jornalismo de Subjetividade, onde a autocrítica da imprensa
passa a ser fundamental. Autora dos livros O Nascimento de Joicy (2015), Nabuco em Pretos e Brancos (2012) e Os Sertões
(2010), ela nos provoca a pensar nas práticas que fundam o fazer jornalístico, entre elas a abordagem em relação aos
chamados Outros e aos enquadramentos repetitivos ou ausentes de territórios e grupos sociais. 

Para Fabiana, o Jornalismo de Subjetividade é uma maneira de pensar tudo aquilo que funda, que estrutura e que norteia as
práticas daqueles que narram o mundo. Isso, inevitavelmente, esbarra e dialoga com discussões sobre interseccionalidades
de classe, raça e gênero, assim como de representações e de subjetividades. A docente traz para o centro do debate perguntas
como: “O que está sendo contando?”, “Quem conta e sobre quem se conta?”, ”Onde estão e quais são os territórios dos quais
estamos falando?”. Não propõe o abandono dos valores-notícia, mas convida a uma profunda e atenta revisão de tudo o que
é valorado pelo jornalismo. 

O que o jornalismo de subjetividade apresenta e como se relaciona com a objetividade, um dos primeiros conceitos
que se aprende na faculdade de Jornalismo?

Percebi que nos últimos trabalhos, dissertações, teses, artigos que li e que trazem um pouco dessa questão de jornalismo de
subjetividade – que vários autores e autoras já trabalharam e que eu venho trabalhando com esse nome específico a partir de
2015, existe uma certa despolitização do sentido do jornalismo de subjetividade. Antes de qualquer coisa é um termo, uma
proposta, uma concepção, uma ferramenta também, que tem um caráter político, no sentido de procurar repensar a própria
base epistemológica do jornalismo, uma epistemologia da teoria e da prática das formas de se fazer jornalismo. Então que
propostas seriam essas? São várias, existe aí um certo guarda-chuva onde há ideias, pensamentos, conceitos que já foram
trabalhados anteriormente por outros autores e autoras, e existe também novos elementos que foram se juntando desde 2015
quando começo a pensar mais detidamente sobre isso.

Então, inicialmente, vou pensar que esse jornalismo de subjetividade é um jornalismo no qual a gente incorpora e não nega
esse caráter que chamamos de subjetivo, que está relacionado à emoção, que está ligado à presença do repórter. Esse caráter
do se deixar expor e dos atravessamentos que acontecem entre esse mundo e quem está narrando. É um jornalismo que
entende sua capacidade narrativa – algo que não está presente somente na literatura.

Também incorpora outras disciplinas e outras áreas de conhecimento, como a Sociologia, a Filosofia e a Antropologia. Essas
questões são muito trabalhadas ali em Nascimento de Joicy, que é quando começo a pensar nisso. Depois, outros elementos
vêm se incorporando, como por exemplo as questões raciais, que estão presentes em quase todas as reportagens que fiz. Esse
elemento vai ficando cada vez mais presente nesse jornalismo de subjetividade hoje, uma incorporação que vem ocorrendo
há dois, três anos.

Uma epistemologia feminista, muito derivada da minha leitura de Márcia Veiga – estou até com um livro dela aqui, o
Masculino, o gênero do jornalismo – que considero super importante e que acho que precisa circular mais no curso de
Jornalismo, porque fala sobre epistemologia positivista, evolucionista, darwinista, que vai ser incorporada no próprio fazer

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jornalístico pra se fazer como uma área de credibilidade. Esse é o desenho do jornalismo de subjetividade hoje, e tudo isso
pra dizer que é uma tentativa, fundamentalmente prática e teórica, porque essa é outra dicotomia que se criou, tanto como
objetivo e subjetivo, que é uma dicotomia falsa.

Em nenhum momento se fala que a objetividade é algo pra gente jogar fora, não existe jornalismo sem objetividade, ao
mesmo tempo que não existe esse jornalismo sem a subjetividade. Eu não posso entrar e sair de um, pois o tempo todo
estamos articulando essas dimensões, e obviamente, eu posso articular muitas vezes esse caráter subjetivo de uma maneira
mais evidente, sublinhando mais, ou, eu posso deixá-la numa entrelinha, mas isso está sempre ali. Isso vai estar mais
exposto, por exemplo, se eu escolho fazer uma reportagem de uma determinada maneira, entender que não posso deixar isso
estar exposto num jornalismo diário, muito calcado em hard news, mas também está lá, não é uma coisa que é só da
reportagem.

O que se esconde atrás desse manto da suposta neutralidade do jornalista, e o que acontece quando o jornalista tira
este manto?
Ótima alegoria. Acho que, antes de qualquer coisa, esse manto procurou manter invisível e justamente manter nesse espaço
de neutralidade do corpo masculino branco. Esse aparato é pra esconder esse corpo, inclusive se a gente quisesse usar um
termo muito presente nas discussões e que se popularizou muito, a gente poderia falar  que existiu historicamente quase a
ideia de um grupo identitário que esteve escondido sob esse manto do objetivo, do neutro, do científico. Essa manutenção é
justamente pra que se continue a apresentar esse grupo específico como sendo um grupo universal, um grupo que pode falar
por mim, por você, por indígenas, por todos e todas.

Deixando bem claro, assim, que não estou dizendo que essas pessoas não possam falar, ou que eu não possa falar sobre
indígenas, que você não possa falar sobre pessoas transsexuais. Houve também uma confusão muito grande sobre essas
questões, desses termos, dos lugares de fala, de quem pode e quem não pode. Agora, igualmente evidente foram e são as
tentativas desse manto da objetividade pra justamente permitir que esse artifício dê continuidade a um grupo específico,
desse poder de falar por todos.  É um grande poder se eu posso falar por todos e por todas, se eu sou sempre o referencial da
racionalidade, se sou sempre o referencial daquela pessoa que pensa melhor o mundo, que articula melhor o mundo, que
gere melhor o mundo. Isso é um poder. Não é à toa que você vai ver isso presente nas estruturas gerais, de poder
institucionais, você vê isso representado no fazer científico, vai ver representado no meio institucional político, jurídico,
legislativo. Esse grupo que estou falando é o maior frente a todas essas estruturas que comandam nossas vidas, que
comandam se podemos abortar ou não, que comandam se permanecemos encarcerados ou não. Por isso, muitas vezes
quando se tenta, de certa maneira, tirar um pouco desse poder, dessa discussão objetivados subjetivados, se diz que “ah, isso
é discussão ultrapassada, é uma discussão que tem certo tempo… ”

Digo assim, sem medo de carteiraço, não estou falando apenas sentada dentro do gabinete, eu primeiro, na verdade, ainda
passo por essa parte prática porque continuo a escrever, estou dentro da Universidade Federal mas continuo a escrever,
continuo a expor o meu corpo a pedidos, a orientações diversas do que devo fazer e de como fazer, e esses pedidos passam
muito também pelas questões regionais, as questões de gênero.

Acho que é um debate que não está encerrado e que, sinceramente, há uma disposição de vários veículos em se repensar, em
repensar esse fazer, mesmo quando ele é muito declaradamente progressista. Só que precisar ir além do “eu vou colocar um
repórter negro aqui na redação, então pronto: já finalizei a minha cota com questões raciais”. Essa forma muito liberal da
deia de representatividade pura e simples, como se ela respondesse de fato a uma política estruturante. Isso é importante? É,
mas isso não é o suficiente – e a gente tem que ficar muito ligado nessa questão. Então, falar sobre objetividade e
subjetividade é você repensar a epistemologia jornalística, repensar essa prática de fundo. É pensar nessas disciplinas nas
universidades que separam o jornalismo literário, científico, cultural, o jornalismo não sei o que; porque elas também são
pautadas nisso, o jornalismo mais sério e privilegiado é o jornalismo investigativo, e seu bojo tem o que? Ele é o jornalismo
‘isento’, é um jornalismo de mais dados e isso dentro das universidades continua a ser o que é valorado. E esse movimento
vai ter, claro, repercussão na vida prática, nas redações, enfim, de uma maneira geral.

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Então a questão do corpo está toda relacionada no jornalismo investigativo ao corpo masculino, ou ele é espaço do corpo
feminino, quando esse corpo feminino adota métodos normativos. O jornalismo cultural, dos direitos humanos, as mulheres
fazem isso bem, os gays fazem isso bem, meio que essa divisão que vai encontrar esse respaldo nessas divisões que pra mim
não fazem o menor sentido. 

Com base em tua abordagem de estudo, como percebes os valores notícias que são uma das primeiras coisas que a
gente aprende nos cursos de Jornalismo?
É óbvio que a gente entende que pessoas de relevância pública, Barack Obama ou Anitta, pessoas que têm essa visibilidade
pública constituem um valor notícia – não estou fazendo um questionamento exatamente sobre isso. O que falo sobre valor
notícia é justamente quando fazemos essa reflexão frente alguns recortes específicos: de cor, de território e de gênero,
porque o valor notícia também está relacionado com esses critérios, mesmo que se esconda na exposição pública da pessoa,
ou na relevância econômica dos lugares. Então, sim, quando penso em valor notícia e penso no continente africano, por
exemplo, pra mim fica muito evidente que o valor notícia é historicamente racista. Os valores notícias – e eu fico pensando
no valor notícia do quem, do onde – são os principais dessas perguntas que a gente aprende lá no início da faculdade de
jornalismo; quem e onde vão articular, na verdade, quem não aparece e onde não vai aparecer, que lugares não vão aparecer.
Se eu pegar esses dois critérios pra pensar a cobertura que a imprensa faz, o que esse ‘quem e onde’ pode nos dizer da
cobertura midiática sobre a África, o que a África nos surge como esse lugar de ‘quem e onde’ interessa?

Na verdade o ‘quem e onde’ do jornalismo de uma maneira geral, esses critérios de noticiabilidade, estão muito mais
relacionados aos centros de poder, quem importa mais é quem está no centro da grana. É óbvio que eu não sou ingênua pra
entender que a gente vive num mundo capitalista e obviamente isso é importante. Agora, não acho que podemos ficar
falando dentro do jornalismo, sem entender que estão sendo articulados esses valores. Se o jornalismo é essa ferramenta de
conhecer o mundo, que mundo a gente tem conhecido e conheceu? Que mundo a gente tem privilegiado a partir desses
critérios objetivos que são os valores notícias?

Quando penso nessas questões territoriais, nessas questões de corpo, de raça e de gênero, não posso deixar de pensar que
esses valores notícias são grandes orientadores do que tá visível e do que não tá. Eu e Marcia Veiga escrevemos
recentemente um artigo intitulado Onde está Ruanda no mapa? A pergunta está correta porque eu não sei onde está Ruanda
no mapa, porque o jornalismo não me permitiu isso, mas o jornalismo me ensinou onde está a Itália, o jornalismo me
ensinou onde está a França, sei até especificidades. Eu sei onde fica a Sicília, isso é bom, mas eu quero saber mais sobre os
outros. O jornalismo me dá isso? Não. Por quê? E a gente não pode pensar isso só para o jornalismo que é objetivo, a
subjetividade também trabalha com todas essas questões.

Além da questão da visibilidade e invisibilidade de alguns lugares, como entendes os “grandes outros” — como o
Nordeste sendo  grande outro do Brasil e a África sendo o grande outro do mundo ocidental —, que geralmente são
trazidos a partir de uma única perspectiva?

Eu acredito que essa manutenção da construção do Outro — seja a África, seja a mulher, seja o Nordeste, seja o Centro-
Oeste, sejam países orientais, seja o mundo árabe —, essas tentativas de manutenção desta “outridade” são muito focadas
naquilo que conversamos antes que tem relação com aquele “manto” que te deixa invisível. A manutenção ou a dissolução
dessas categorias de outros e de outras está justamente nessa disputa da narrativa de quem é que vai permanecer com o rosto
mais visível. E não só isso, essa visibilidade não é só “se eu estou sendo visto” ou “se não estou sendo visto”, mas se eu
estou sendo ecoado. Ela tem a ver com quem vai deter esse lugar da racionalidade. Esse é um marcador bem importante
porque a partir do momento em que estou disputando e te trago para a estrutura do poder, eu te trago só. O que você por si só
inaugura, organiza no seu grupo, que geralmente é a questão coletiva, esse poder não precisa se delegar, você mesma o
articula, e isso é obviamente a mudança de estrutura de uma lógica.

Quando os jornais e veículos do sudeste, de maneira geral, insistem em mostrar o nordeste a partir de casas que estão
desabando e de famílias muito pobres e muito famintas, para mim isso é um dos maiores exemplos da busca pela
manutenção da racionalidade, de quem pode falar e quem não pode. Porque faminto não pensa direito. Quem está com muita
fome, quem está sentindo muita falta de questões básicas para manter sua própria sobrevivência não raciocina bem. E essa
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manutenção é importante por isso, porque a partir do momento em que a gente entende que no Paraná, que em Curitiba, que
em Santa Maria e que no sertão baiano as pessoas têm igual capacidade de articulação política e poética, inclusive, eu tiro
um pouco do meu poder. Porque afinal, se todos temos a mesma capacidade intelectual, onde é que eu fico nessa história
toda? Eu tenho que descer do pódio ou dividir o palco, e as pessoas não estão muito dispostas a dividir o palco.

Uma vez uma revista nacional que muitas vezes tem articulistas progressistas, mas é uma revista mais central, me chamou
para fazer um texto de graça. Para fazer um texto de algo que eu detenho conhecimento, e perguntaram se eu poderia fazer
de graça. E aí eu fui muito educada, disse que não iria fazer, mas eu fiquei remoendo isso, porque eu fiquei pensando como
seria extremamente político da minha parte se eu expusesse a situação. Se eu dissesse que eles não podem ficar expondo um
discurso antirracista e fazer uma proposta dessa para uma jornalista como eu. O que eu escrevi foi: vocês acham que uma
revista nacional chamaria um homem branco que tivesse ganhado três prêmios Esso e tivesse um monte de livros publicados
para fazer uma matéria de graça? (Não quero me exibir com isso, estou fazendo só uma ilustração) Chamariam? Tenho
quase certeza que não. Isso para mim é um exemplo de manutenção de poder. Eu estava me sentindo quase como uma
laranja.

Tem acontecido um movimento de museus e instituições de arte que se denominaram antirracistas durante os
protestos nos Estados Unidos e aí uma série de revelações de que esses lugares tinham práticas racistas. Essa
diferença entre o discurso e a prática.
É difícil, Anna, porque te envolvem de todas as maneiras. Te chamam para participar porque você acredita no projeto
político, que hackear o sistema é necessário — e eu realmente acho — mas ao mesmo tempo a gente não pode virar o
chaveirinho dessa galera. Porque é a representatividade pela representatividade, no sentido de “vou te chamar aqui para
aparecer”. Você não pode se deixar instrumentalizar. E às vezes é um lugar muito doloroso ficar o tempo todo articulando
isso, tendo que dizer isso, entendendo como são os convites, como eles vêm, é uma coisa muito exaustiva. Tem muitas
coisas que eu digo “não vou fazer” e pronto. Conversa com estudantes? Eu topo. Conversa com o pessoal da Universidade
do Acre? Topo. Porque sinceramente não estou interessada em ter uma grande visibilidade. Não vou concorrer ao Big
Brother! Então, assim, não me vem com essa história de visibilidade. Eu tenho 45 anos de idade, eu não estou começando no
jornalismo. Entendo que se eu estivesse começando no jornalismo seria incrível! Mas eles estão me oferecendo isso hoje. É
muita pretensão.

Gostaria de te perguntar a respeito de um dos últimos pontos que tu trazes no terceiro capítulo de O Nascimento de
Joicy, intitulado O subjetivo como elemento politico. Lá tu falas que “reportagens podem provocar terremotos e
fissuras”. Quais são esses terremotos e essas fissuras, rupturas, que o fazer da reportagem e do jornalismo podem
causar?  
Acho que são essas rupturas que conversamos até então. Rupturas dessas outridades. Por vezes, confesso que sou até um
pouco esquemática, no sentido de quase desenhar um Power Point, sabe? Com as coisas que não estão tão evidentes, que as
pessoas ficam questionando. Então, eu acho que as reportagens podem servir como essas espécies de power points
ilustrativos, para nos dizerem assim: Essa tela pela qual você está vendo, esse frame [enquadramento] que está aqui o tempo
todo, precisa ser deslocado. Desloca esse frame um pouquinho para cá pra gente ver outra coisa. É um pouco sobre isso isso.
 

E essa troca de frame provoca ruptura. Em A Casa Grande Senzala [reportagem escrita por Fabiana e publicada no Jornal do
Comercio de Pernambuco, em 2013], eu penso em formas de narrar e de observar as crianças e adolescentes que estão
dentro do contexto da reportagem. Como falar a respeito dessa pobreza extrema, material, e entendendo que a pobreza é
também afetiva? Como entender essa escala de pobreza que arranca a tua própria humanidade, que te resseca de
humanidade, digamos assim. E como pensar e falar sobre isso tentando evidenciar justamente os aspectos de humanidade
que estão presentes nessas pessoas. Assim como os que estão presentes em você, como estão presentes em mim. Acredito
que uma das ideias mais fortes do jornalismo de subjetividade é tentar articular pela semelhança e não pela diferença.
Porque isso é também abrir mão do seu próprio poder. 

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É preciso pensar sobre essas meninas e mulheres que estão na reportagem e que estavam na rua fazendo sexo oral por 5
reais, meninas pretas, muito pobres, mas pensar em falar sobre essas pessoas entendendo a humanidade que elas têm – e
quando eu falo humanidade, não falo em escrever um texto falando como elas são ‘boazinhas’, ou, então, que elas são
vitimas de todo um sistema (embora, sim, sejam vitimas de uma série de elementos da historia do Brasil). Não é colocando
elas nesses lugares, mas tentando articular ali uma conversa na qual se evidenciem essas ausências, essa pobreza material e
afetiva. Que se evidenciem nossas diferenças, mas também nossas semelhanças. 

Não quero falar disso como um mero denuncismo. Não quero falar disso como uma heroína, que passou horas e horas
naquele lugar e que passou por “grandes perigos” para trazer aquela reportagem – o que é uma visão muito comum dentro
do jornalismo. Essa questão do “eu fui”, “eu trouxe” ainda é muito presente na figura do jornalista. Eu não acho que esse
seja o caminho nem que seja o propósito de fazer jornalismo. Obviamente, isso tudo vai me capitalizar. Eu ganhei um
prêmio com essa reportagem, por exemplo. Não estou dizendo que não vai. Mas estou chamando atenção que essas
reportagens, para provocarem essas fissuras e essas mudanças de enquadramento, elas precisam nos ajudar a ver essas
vivências das bordas como vivências que, em diversas maneiras, se parecem com vivências que nós temos, ou então que são
pessoas que desejam um conforto que experenciamos. Não são esse Outro, terrível, ou vitima, ou perigoso. Não são.
Acredito ser importante tentar narrar essa outridade com enorme proximidade da nossa própria outridade também. É sobre
entender mais pela semelhança, do que pela diferença e eu acredito que assim que acontece a fissura.   

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