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PLANO DE CURSO BIMESTRAL DE FILOSOFIA

Prof. Marcio Leopoldo Gomes Bandeira

Nível: Médio da Educação Básica


Turmas: 3º ano
Ano letivo: 2016
Bimestre: 3º
Periodicidade: 1 encontro semanal
Número total de encontros: 16

Título: A CONSTRUÇÃO DAS IDENTIDADES SEXUAIS E DE GÊNERO

Justificativas:

Estamos no século XXI e, para muitos pensadores contemporâneos, o momento


histórico em que vivemos consiste na chamada pós-modernidade. Embora o conceito
seja controverso, ambíguo, carregue consigo múltiplos sentidos e seja utilizado nos mais
diferentes campos de saber - das artes à filosofia, passando pela antropologia, pela
linguística e pela história -, acredito que ele nos ajuda a pensar alguns movimentos
importantes da contemporaneidade que nos possibilitam justificar um curso que se
disponha a pensar e problematizar as identidades sexuais e de gênero.
A expressão pós-modernidade, muitas vezes associada à sua coirmã, pós-
modernismo, pode significar, no mínimo, três coisas: uma tendência estética e artística
que se propõe a romper com modelos de arte clássicos e modernos; uma denominação
que se dispõe a demarcar a fronteira entre uma época e outra subsequente; um modo
novo de estar no e dar sentido ao mundo que acaba por constituir um novo ethos e uma
nova episteme. Não há dúvidas de que a pós-modernidade, pela própria denominação
que carrega consigo, representa, ao mesmo tempo, uma continuidade do período
anterior - já que não haveria a “pós” sem o reconhecimento da existência da
modernidade em si mesma – e uma ruptura com o passado que pretende ultrapassar e
que antes se qualificou como moderno.
Dentre as várias características que demarcam a pós-modernidade, uma nos
interessa particularmente: a crítica contundente à noção de centro. Entendamos por
1
“centro” todas as formas de cultura e todos os tipos de sujeito que se colocaram e ainda
se colocam como núcleos de referência, pontos irradiadores de modelos de conduta,
valores e atitudes e que, a partir de si mesmos, se dispõem a julgar todos aqueles que
são empurrados para as margens. Historicamente, esse centro de referências foi ocupado
pelo homem, branco, adulto, ocidental, heterossexual e de classe média urbana. Como
sempre se coloca como o modelo a ser seguido, o centro se apresenta como não
problemático e inquestionável, ao passo que, simultaneamente, constitui o seu Outro -
aqueles que sempre estiveram e estão fora do centro - como desviantes, anormais,
inferiores, selvagens, doentes. A crítica pós-moderna desafiou o centro e se voltou para
as regiões de fronteira, buscando dar voz aos marginais silenciados da história: as
mulheres, os negros, os indígenas, os homossexuais, as travestis, os loucos. Junto à ideia
de centro, foram abaladas também outras ideias que lhes são caras, tais como
universalidade, origem e unidade.
Embora a pós-modernidade tenha minado as bases culturais e políticas de
sustentação do centro, isso não significa que ele tenha deixado de ser importante e
atraente. O homem, branco, adulto, ocidental, heterossexual e de classe média urbana
ainda sobrevive como uma referência poderosa a produzir os seus efeitos de exclusão,
dominação e sujeição. Mas um efeito inegável foi produzido por esta crítica pós-
moderna: ficou evidenciado o caráter ficcional, inventado e historicamente construído
de todo e qualquer centro que queira se colocar como referência universal e única. O rei
está irrevogavelmente nu e isso faz da pós-modernidade o tempo forte das lutas
empreendidas pelos movimentos sociais das chamadas minorias contra a opressão do
machismo, do androcentrismo, do etnocentrismo, da homofobia, da
heteronormatividade.
O final da década de 1960 aparece como um importante ponto de inflexão nessa
curva da história, na medida em que representou o momento da grande contestação dos
jovens, das mulheres, dos negros e dos homossexuais aos modelos instituídos de
subjetividade, promovendo um descentramento do sujeito ao reivindicar
reconhecimento público para suas causas e conquistar direitos civis, políticos e sociais.
Depois dos movimentos feministas e LGBT, por exemplo, tornou-se difícil
continuar acreditando nas velhas dicotomias sustentadas por antigas fórmulas binárias
que dividem o mundo em “isto ou aquilo”: homem ou mulher, hetero ou homossexual.
A pós-modernidade abalou a crença nas essências identitárias e lançou luz sobre a
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construção histórica e cultural das identidades. Hoje, não é mais possível falar numa
masculinidade e numa feminilidade como modelos unitários de referência, mas em
masculinidades e feminilidades, ditas assim, no plural, como uma tentativa de indicar a
multiplicidade de formas de existir e viver o gênero. Da mesma maneira, não há como
falar em sexualidade no singular, haja vista as inúmeras identidades sexuais que se
constroem no mundo contemporâneo.
Diante de tal diversidade, em que pululam tantas diferenças, o pensamento
filosófico se coloca como um importante instrumento para auxiliar as/os adolescentes a
diagnosticar a atualidade em que vivem, problematizar a realidade, revisar antigos
valores a partir do uso de novos conceitos e se posicionar em seu mundo de maneira
crítica e autônoma.
Se a pós-modernidade nos leva a uma relativização de antigos valores, isso não
significa cair num relativismo irresponsável em que tudo possa ser dito, feito ou
defendido. Filosofar com o martelo, como queria Nietzsche, não significa sair
destruindo ídolos sem colocar nada em sem lugar. O perspectivismo não é uma forma
de niilismo. Um martelo pode destruir as formas canônicas, mas pode também lapidar
as pedras para moldar novas imagens. Além disso, um martelo é apenas uma ferramenta
e não pode ser responsabilizado pelo fim ao qual é destinado. O perspectivismo, longe
de tornar todos os valores equivalentes, nos compromete diretamente com os valores
que escolhemos defender e nos exige clareza sobre contra os quais nós queremos lutar.
Pensar filosoficamente a construção das identidades sexuais e de gênero é um meio
possível de levar estudantes de filosofia a assumir posições conscientes no interior das
relações de força que atravessam o mundo em que vivem.

Objetivos gerais:

 Desnaturalizar as identidades sexuais e de gênero, inscrevendo-as no campo


histórico da cultura e da micropolítica;
 Pensar filosoficamente, isto é, por meio de conceitos, a realidade
contemporânea, no que diz respeito às relações de gênero, afetivas e sexuais;
 Ler filosoficamente textos filosóficos e não filosóficos, buscando evidenciar a
estrutura lógica dos argumentos que os constitui;

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 Fomentar a revisão de valores, visando a contribuir para o fortalecimento de uma
sociedade democrática e para a defesa dos direitos humanos.

Metodologia de trabalho:

Se método é um caminho, uma metodologia é o estudo de caminhos possíveis.


Como diria o poeta Antônio Machado, “caminhante, não há caminho, o caminho se faz
ao caminhar”. Por mais que estudemos os métodos, eles nunca se dão por inteiro, antes
de serem colocados em ação. Só temos a exata compreensão do caminho que trilhamos
quando chegamos ao fim da estrada. Além disso, um caminho só se define em relação
ao lugar em que se quer chegar, o que faz com que cada objetivo e cada tema
selecionados exijam um método próprio para si. Sendo assim, concordo com Sílvio
Gallo quando este considera que toda metodologia nada mais é do que o estudo de um
conjunto de pistas possíveis de serem perseguidas ao longo de um percurso pedagógico.
Seguindo sua didática, minha proposta é dividir essa trajetória de estudos em quatro
momentos:
1) Sensibilização: momento em que, por meio de algum estímulo, nos dispomos a
despertar a sensibilidade dos estudantes para a temática a ser investigada,
fazendo com que se configure uma situação problemática;
2) Problematização: momento em que analisamos a problemática constituída e nela
localizamos os problemas passíveis de investigação filosófica;
3) Investigação: momento em que procuramos respostas conceituais, ainda que
provisórias, para os problemas que elencamos ao investigar textos filosóficos e
não filosóficos;
4) Conceituação: Momento em que nos apropriamos dos conceitos encontrados
durante as investigações para utilizados na leitura e interpretação de nossa
situação problemática.
Além dos quatro passos didáticos indicados por Silvio Gallo, acrescento aqui um
quinto momento, o da avaliação, como oportunidade de sistematização dos
conhecimentos adquiridos ao longo do percurso investigativo.

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Recursos didáticos:

Além dos tradicionais giz e lousa, faremos uso de alguns textos impressos, sejam
eles fragmentos de artigos científicos e ensaios ou artigos de revistas. Esses textos são
excertos de outros materiais mais extensos, que possam ser lidos, discutidos e esgotados
em poucas aulas. Os estudantes de hoje são formados numa cultura multimídia e tem
muita dificuldade em se concentrar por muito tempo em longas e demoradas leituras.
Utilizar textos muito longos poderia ser um fator de desmotivação frente ao processo, o
que não nos interessa. Também recorrerei a apresentações de Powerpoint para
sistematizar informações importantes ou apresentar imagens e vídeos para análise e
discussão coletiva.

Cronograma de encontros:

A opção por usar o termo “encontro” em vez de “aula” tem sua razão de ser. A
aula é uma estratégia metodológica que implica necessariamente na exposição oral de
um professor para uma turma de estudantes. As aulas podem ser magistrais ou
dialógicas. Aulas magistrais são aquelas em que o professor primeiro faz toda a sua
exposição e, ao final, abre espaço para perguntas sobre o tema que expôs. Já as aulas
dialógicas são aquelas em que o professor levanta algumas questões oralmente para que
os estudantes discorram sobre seus pontos de vista e, ao longo de um diálogo travado
com os mesmos, vai expondo o seu tema e sistematizando suas conclusões. Nem todo
encontro pedagógico, no entanto, é ocasião para uma aula. Se a aula se impôs como o
sinônimo de um encontro pedagógico é porque, sem dúvida, é a estratégia metodológica
tradicionalmente mais utilizada pelos docentes.
Além das aulas, um encontro pode ser o espaço-tempo de uma oficina, um
estudo dirigido de texto, um debate, um fórum-simulado, uma dinâmica de grupo, uma
dramatização, entre tantas outras estratégias metodológicas possíveis. Cabe ao professor
diversificar as estratégias, de modo a permitir que o maior número de estudantes interaja
com o tema proposto e exercite suas habilidades cognitivas. Segue uma tabela com a
descrição resumida do objetivo específico e da estratégia adotada em cada encontro:

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Encontro nº Descrição resumida
1 Objetivo específico: Sensibilizar para o caráter construído dos gêneros
Estratégia: Dividir a turma em subgrupos de até 5 pessoas, misturando
meninos e meninas. Distribuir para cada subgrupo uma tabela dividida
em duas colunas em que se encontram os enunciados “Coisas de
menina/mulher” e “Coisas de menino/homem”. Solicitar que cada
subgrupo descreva comportamentos, objetos e práticas que considerem
típicos de um gênero e de outro, preenchendo então sua respectiva
tabela. Pedir que cada subgrupo apresente os resultados sistematizados
em sua tabela, levantando as seguintes questões: “Houve controvérsias
internas ao grupo ou os resultados foram consensuais?”; “Será que essas
coisas de menino e de menina sempre pertenceram ao gênero que vocês
indicaram ou foram atribuídas num determinado momento da história?”.
Ao final das discussões pedir que, em casa, cada estudante redija uma
dissertação sobre o assunto tratado, expondo sua posição no debate.
2 Objetivo específico: Conceituar e distinguir natureza e cultura, a fim de
questionar se o gênero é naturalmente dado ou culturalmente construído.
Estratégia: Pedir que alguns estudantes leiam a dissertação que fizeram
em casa. Recolhê-las para, posteriormente, avaliá-las. Distribuir o texto
de Marilena Chauí, “Natureza e Cultura”. Pedir para que, em duplas,
eles leiam o texto, atentando para os conceitos referidos. Após a leitura,
pedir que os alunos respondam oralmente acerca dos elementos
elencados nas tabelas: “Esses comportamentos, objetos e práticas são
naturais ou aprendidos/construídos socialmente?”. Ao final do encontro,
solicitar que os alunos escrevam em casa uma dissertação,
sistematizando seu posicionamento nas discussões realizadas em sala.
3 Objetivo específico: Problematizar a naturalização do gênero feminino.
Estratégia: Solicitar que alguns estudantes leiam em voz alta a
dissertação feita em casa. Distribuir aos estudantes o texto de Simone de
Beauvoir composto por excertos selecionados de “Introdução” e
“Infância”. Pedir a elas/es que leiam o texto e respondam em duplas,por
escrito: Para a filósofa, “ser mulher” é uma subjetividade natural ou

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construída? Que argumentos utilizados pela autora justificam sua
resposta? Pedir que algumas duplas leiam em voz alta suas respostas e
retomar alguns aspectos dos textos, analisando-os, comentando-os e
problematizando-os a partir das seguintes questões levantadas para uma
discussão oral: O que é ser mulher em nossa sociedade atual? As
formas de “ser mulher” são as mesmas em todas as sociedades e em
todas as épocas? Ao final do encontro, solicitar que cada estudante, em
casa e individualmente, escreva uma pequena dissertação em seu
caderno, sistematizando sua posição frente ao nosso debate.

4 Distribuir aos estudantes o texto de Elizabeth Badinter, “Que é um


homem?”. Pedir que ela/es leiam o texto e respondam em duplas, por
escrito: Para a autora, “ser homem” é uma subjetividade natural ou
construída? Que argumentos utilizados pela autora justificam sua
resposta? Pedir que algumas duplas leiam suas respostas em voz alta e
retomar alguns aspectos dos textos, analisando-os, comentando-os e
problematizando-os a partir das seguintes questões levantadas para uma
discussão oral: O que é ser homem em nossa sociedade atual? As
formas de “ser homem” são as mesmas em todas as sociedades e em
todas as épocas? Considerando os textos de Beauvoir e Badinter,
nascemos como homens ou mulheres ou aprendemos um jeito de ser
homem e de ser mulher? Como acontece esse aprendizado? Ao final do
encontro, solicitar que cada estudante, em casa e individualmente,
escreva uma pequena dissertação em seu caderno, sistematizando sua
posição frente ao nosso debate.
5 Objetivo específico: Conceituar e distinguir sexo, gênero e
sexualidades.
Estratégia: Solicitar que um estudante leia em voz alta a dissertação
realizada em casa e, partindo dela, desenvolver uma aula expositiva e
dialogada sobre os conceitos de sexo, gênero e sexualidades.
6 Objetivo específico: Contextualizar historicamente a emergência do
conceito de gênero no interior do movimento feminista.
Estratégia: Distribuir aos estudantes o texto de Célia Regina Jardim

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Pinto, “Feminismo, história e poder”. Dividi-la/os em trios e distribuir
para cada trio um tabela sobre as três ondas do feminismo contendo
quatro colunas. (Primeira coluna - critérios de comparação/Segunda
coluna - Primeira onda/ Terceira coluna - segunda onda/ Quarta coluna -
terceira onda). Solicitar que os trios leiam o texto e, com base nas
informações encontradas, preencham as suas respectivas tabelas,
estabelecendo critérios de comparação e efetivamente comparando as 3
ondas do movimento feminista segundo os critérios estabelecidos.
7 Objetivo específico: Contextualizar historicamente a emergência do
conceito de gênero no interior do movimento feminista. (Continuação
do encontro anterior).
Estratégia: Pedir que cada trio apresente os critérios de comparação que
elencaram no encontro anterior, bem como as diferenças e semelhanças
encontradas entre cada onda do movimento feminista. Ao longo das
apresentações, sistematizar uma única tabela na lousa e solicitar que
todos a copiem nos cadernos.
8 Objetivo específico: Problematizar a ideia do sexo como uma categoria
exclusivamente natural e a ideia de gênero como uma categoria
unicamente cultural. Reconhecer que sexo e gênero, bem como natureza
e cultura, são conceitos intercambiáveis.
Estratégia: Distribuir aos estudantes o texto de Thomas Laqueur, “Da
linguagem a carne”. Solicitar que eles façam a leitura e, em duplas,
respondam por escrito: O corpo foi interpretado de diferentes formas ao
longo da história? Quais as diferenças entre o modelo do unissexo que
vigorou da antiguidade até o século XVIII e o modelo dos dois sexos
que surgiu a partir de então? Pedir que algumas duplas leiam as suas
respostas e depois comentá-las e sistematizar o assunto.
9 Objetivo específico: reconhecer que as subjetividades não são dadas,
mas produzidas socialmente.
Estratégia: Apresentar aos estudantes, no PowerPoint, o aforismo a
seguir e lê-lo coletivamente: “O sujeito, segundo toda a tradição da
filosofia e das ciências humanas, é algo que encontramos como um

8
“sempre aí”, algo do domínio de uma suposta natureza humana.
Proponho, ao contrário, a ideia de uma subjetividade de natureza
industrial, maquínica, ou seja, essencialmente fabricada, modelada,
recebida, consumida. As máquinas de produção da subjetividade
variam. (...)” Guattari, Félix; Rolnik, Sueli. “Subjetividade e História”.
In: Cartografias do desejo. RJ: Vozes, 2000. (p. 25). Logo em seguida,
apresentar aos estudantes em powerpoint, os aconselhamentos para
mulheres realizados nas décadas de 1940, 50 e 60 pelo “Jornal das
Moças” e pela revista “Querida”: “- Não se deve irritar o homem com
ciúmes e dúvidas .(Jornal das Moças, 1957) - Se desconfiar da
infidelidade do marido, a esposa deve redobrar seu carinho e provas de
afeto. (Revista Claudia, 1962)- A desordem em um banheiro desperta no
marido a vontade de ir tomar banho fora de casa. (Jornal das Moças,
1945) - A mulher deve fazer o marido descansar nas horas vagas, nada
de incomodá-lo com serviços domésticos . (Jornal das Moça, 1959) - A
esposa deve vestir-se depois de casada com a mesma elegância de
solteira, pois é preciso lembrar-se de que a caça já foi feita, mas é
preciso mantê-la bem presa. (Jornal das Moças, 1955) - Se o seu
marido fuma , não arrume briga pelo simples fato de cair cinzas no
tapete. Tenha cinzeiros espalhados por toda casa. (Jornal das Moças,
1957) - A mulher deve estar ciente de que dificilmente um homem pode
perdoar uma mulher por não ter resistido às experiências pré-nupciais,
mostrando que era perfeita e única, exatamente como ele a idealizara.
(Revista Claudia, 1962) - Mesmo que um homem consiga divertir-se
com sua namorada ou noiva, na verdade ele não irá gostar de ver que ela
cedeu. (Revista Querida,1954) - O noivado longo é um perigo. (Revista
Querida, 1953) - É fundamental manter sempre a aparência impecável
diante do marido. (Jornal da Moças, 1957) - O lugar de mulher é no lar.
O trabalho fora de casa masculiniza. (Revista Querida, 1955)”

Após ler coletivamente os aconselhamentos e o aforismo, pedir que, em


duplas, eles respondam por escrito: Qual a relação entre o aforismo de
Guattari e os textos de Beauvoir e Badinter? Se tomarmos as revistas

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femininas como “máquinas de produção de subjetividade”, que tipos de
subjetividades masculina e feminina os aconselhamentos das referidas
revistas estariam produzindo? Pedir que algumas duplas leiam suas
respostas e, partindo delas, tecer considerações sobre o caráter
construído das subjetividades, incluindo as de gênero. Comentar os
aconselhamentos das revistas femininas, à luz do aforismo de Guattari e
do conceito de produção da subjetividade, bem como dos textos de
Beauvoir e Badinter.

10 Objetivo específico: Compreender o conceito de produção da


subjetividade e o modo como tal produção gera identidades de gênero.
Estratégia: exibir um trecho do vídeo da palestra de Guacira Lopes
Louro, “Feminilidades e pós-modernidade”, em que a pesquisadora
analisa um programa da MTV, o “Fica comigo”, mostrando como o
mesmo produzia uma subjetividade feminina com a qual muitas
telespectadoras poderiam acabar por se identificar. Pedir que, durante a
exibição, as/os estudantes observem as seguintes questões: 1) A autora
utiliza o programa da MTV, “Fica comigo”, como exemplo de produção
pós-moderna das feminilidades. Explique que tipo de subjetividade
feminina é produzido pelo programa. 2) Compare o modelo de
feminilidade analisado no vídeo ao modelo de feminilidade produzido
pelas revistas de aconselhamentos analisadas no encontro anterior. Pedir
que, após a exibição, as/os estudantes formem duplas, discutam as
questões anteriores e redijam suas respostas por escrito. Pedir que
algumas duplas leiam suas respostas. A partir das respostas, analisar,
comentar e sistematizar o assunto. Ao final, pedir que cada estudante
escolha 1 propaganda de tv atual dirigida a homens e/ou mulheres e
solicitar que descrevam o tipo de subjetividade de gênero que nela se
produz. Pedir que tragam suas respostas por escrito no próximo
encontro.

11 Objetivo específico: Compreender o conceito de produção da


subjetividade e o modo como tal produção gera identidades de gênero.
(Continuação do encontro anterior).
10
Estratégia: Solicitar que alguns estudantes leiam as descrições das
subjetividades de gênero que conseguiram encontrar nas propagandas de
tv que analisaram. Sistematizar na lousa as principais características
atribuídas a homens e mulheres nessas propagandas. Propor relações
entre os textos lidos, o vídeo e as propagandas, enfatizando o caráter
construído e cultural das subjetividades de gênero. Problematizar os
efeitos identitários que tais subjetividades acarretam. Destacar tais
produções culturais da subjetividade como formas de poder sobre os
gêneros.
12 Objetivo específico: Conceituar e distinguir orientação sexual,
identidades sexuais e de gênero.
Estratégia: Aula expositiva e dialogada.
13 Objetivo específico: Problematizar o caráter construído das identidades
sexuais.
Estratégia: Distribuir aos estudantes o texto de Jurandir Freire Costa,
“Nota 2 - Introdução” e pedir que, em duplas, eles respondam por
escrito: De que maneira o texto evidencia o caráter ficcional das
classificações sexuais? Pedir que algumas duplas leiam as suas
respostas em voz alta e depois, a partir delas, comentar e sistematizar o
assunto.
14 Objetivo específico: Conhecer as múltiplas identidades sexuais que
constituem a diversidade sexual contemporânea.
Estratégia: Distribuir às/aos estudantes o artigo de Tânia Dias, “Gênero
não é ideologia, é identidade”. Solicitar a leitura e que, em duplas, eles
redijam uma lista por escrito das identidades sexuais encontradas, bem
como suas características. Pedir que uma dupla leia sua lista e abrir a
discussão sobre o assunto.
Realizar uma aula expositiva sobre as identidades sexuais ao longo da
história: pederastas na antiguidade, sodomitas na idade média e
homossexuais no século XIX. Mostrar as diferenças entre elas, os
discursos que as fizeram emergir e seus efeitos de poder.
15 Objetivo específico: Avaliação final

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Estratégia: Considerando nossas leituras, reflexões e debates, escreva
uma dissertação de no mínimo 20 linhas, contendo introdução,
desenvolvimento e conclusão, sobre o seguinte tema:

“As identidades sexuais e de gênero: natureza ou cultura?”

16 Objetivo específico: Devolução das dissertações, comentários orais e


fechamento de notas.

Avaliação:

Os/as estudantes serão avaliados processualmente, pelo seu engajamento e


participação nas discussões e pelas atividades propostas ao longo do curso, além de
serem submetidos a uma dissertação final.
Ao longo do curso, como foi possível perceber na apresentação do cronograma,
serão propostas dez atividades de sistematização escrita distribuídas entre tabelas, listas,
dissertações, questionários e roteiro de observação de um vídeo. A cada uma dessas
produções, executadas individualmente, em duplas, trios ou grupos, será atribuído um
ponto, totalizando dez pontos ao final. A dissertação final também valerá dez pontos. A
nota final será a média simples entre as duas notas.

Bibliografia para os alunos:

“Aconselhamentos de revistas femininas”.


Fonte:http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/ult528u42.shtml (último acesso em
02.02.2016)
- O texto permitirá mostrar como as subjetividades são produzidas ao longo do tempo
ao evidenciar as diferenças entre as expectativas sobre as mulheres do passado e do
presente.

BADINTER, Elizabeth. “Que é um homem?”. In: XY - sobre a identidade masculina.


RJ: Nova Fronteira, 1993. (pp. 3-6)

12
- O texto problematiza a ideia de que ser homem é algo natural, argumentando em
defesa do caráter construído do gênero masculino.

BEAUVOIR, Simone. Excertos selecionados de “Introdução” e “Infância”. In: O


segundo Sexo. RJ: Nova Fronteira, 2009. (duas páginas)
- Texto clássico da filosofia feminista, o texto da filósofa existencialista problematiza a
ideia do eterno feminino e argumento a favor do caráter construído da feminilidade;

COSTA, Jurandir Freire. “Nota 2 – Introdução”. In: A face e o verso. SP: Escuta, 1995.
(pp. 21-22);
- Trata-se de uma nota da introdução do livro, em que o autor imagina uma sociedade
futura na qual as pessoas seriam classificadas sexualmente segundo o papel
desempenhado pelos sentidos do tato, do olfato, do paladar, da visão e da audição
durante as relações sexuais. Por evidenciar o absurdo de tal classificação, o autor
problematiza o caráter supostamente natural da divisão das pessoas em homo e
heterossexuais.

CHAUÍ, Marilena. “Natureza e cultura”. In: Convite à filosofia. SP: Ática, 1997. (pp.
291-293);
- O texto mostra os vários significados atribuídos ao longo do tempo às palavras
natureza e cultura, permitindo-nos uma conceituação dos termos.

DIAS, Tânia. “Gênero não é ideologia, é identidade”. In:


https://www.nexojornal.com.br/explicado/2015/11/05/G%C3%AAnero-n%C3%A3o-
%C3%A9-%E2%80%98ideologia%E2%80%99.-%C3%89-identidade (último acesso
em 04.12.2016).
- O texto questiona a acusação de que o discurso sobre gênero seria uma mera ideologia,
e defende que as pessoas não escolhem simplesmente o objeto de seus desejos. O valor
do texto está em apresentar e diferenciar identidades como gay, lésbica, bissexual,
travesti, transexual, transgênero e crossdresser;

GUATTARI, Félix; Rolnik, Sueli. “Subjetividade e História”. In: Cartografias do


desejo. RJ: Vozes, 2000. (p. 25).
13
- Trata-se de um pequeno aforismo que nos desafia a pensar a subjetividade como fruto
de uma produção maquínica;

LAQUEUR, Thomas. “Da linguagem à carne”. In: Inventando o sexo – corpo e


gênero dos gregos a Freud. RJ:Relume Dumará, 2001. (pp. 16-17).
- Trata-se do texto de um historiador francês que nos apresenta a história das
interpretações sobre a anatomia sexual do corpo. Da antiguidade ao século XVIII,
acreditava-se que a fisiologia sexual feminina fosse idêntica à masculina, sendo que a
única diferença era que a primeira se voltava para dentro do corpo e a segunda, para
fora. A partir da Idade Moderna, uma transformação nessa interpretação se produz e as
fisiologias masculina e feminina passam a ser vistas como totalmente diferentes. O texto
nos permite perceber que é impossível pensar no corpo como uma entidade natural em
si mesma, descolada de qualquer interpretação fenomênica. Sendo assim, natureza e
cultura estariam consequentemente atreladas;

PINTO, Célia Regina Jardim. Feminismo, História e poder. In: Rev. Sociol. Polít.,
Curitiba, v. 18, n. 36, p. 15-23, jun. 2010 (pp. 15-17).
- O texto nos apresenta uma breve história das três ondas do movimento feminista e da
emergência do conceito de gênero;

Videografia:
Guacira Lopes Louro, “Feminilidades e pós-modernidade” (de 10’47’’ a 18’16’’). In:
https://www.youtube.com/watch?v=LxYkRyH4QN8

Exemplo de Aula

Encontro nº 5: Sexo, gênero e sexualidades

É importante que se diga: uma coisa é o sexo e outra bem diferente são as
sexualidades, embora ambos estejam relacionados. Primeiramente, trataremos aqui do
que, usualmente, entendemos por sexo.

14
A palavra sexo pode ser utilizada com dois significados distintos e interligados.
Chamamos de sexo à parte da fisiologia e da anatomia humanas que correspondem aos
órgãos genitais, masculino e feminino, e que, por sua vez, servem costumeiramente
para distinguir os corpos humanos, como os de quaisquer outros animais, entre machos
e fêmeas. Mas também usamos a palavra sexo para designar as práticas sexuais, ou seja,
aquilo que dois ou mais corpos podem fazer entre si, simplesmente com o objetivo de
obter prazer uns com os outros ou mesmo com a finalidade intencional de se reproduzir
e gerar descendentes.

Se, em princípio, o sexo anatômico nos parece muito natural porque próprio a
uma natureza corporal supostamente inconteste, é importante que se diga que esta
natureza, aparentemente dada desde o nascimento, foi e é constantemente revestida de
significados e interpretações culturais. Da Antiguidade grega até o século XVIII, por
exemplo, era corrente entre os médicos a interpretação de que a genitália masculina era
idêntica à feminina, se diferenciando apenas pelo fato de a primeira ser voltada para
fora do corpo e a segunda, para dentro1. A nomenclatura dada aos órgãos genitais até
esta época é reveladora desse modelo do unissexo: mulheres não tinham vagina, mas um
pênis voltado para dentro; os lábios da vulva equivaliam ao prepúcio; não tinham útero,
mas um saco escrotal interno; e os ovários nada mais eram do que testículos
internalizados. Tratava-se assim da mesma constituição anatômica, só que posicionada
de modos diferentes num corpo e no outro.

A vida era entendida por essas sociedades como uma espécie de chama a
aquecer e animar o corpo. Acreditava-se que a anatomia do sexo feminino era
internalizada devido à concentração de grande parte do calor vital das mulheres na
região do ventre, o que as levaria a gerar descendentes. Por conseguinte, se o sexo
masculino era todo exposto ao mundo externo, isso se devia ao imenso calor vital do
corpo masculino que expandia sua genitália para fora. Segunda essa interpretação, o
sexo das mulheres era, portanto, “naturalmente” voltado para dentro do corpo, o que
justificava seus corpos serem socialmente direcionados para dentro das casas, para a
vida doméstica, a educação dos filhos e, em suma, para o mundo da ética. Já, se o sexo

1
Ver Laqueur, Thomas, Inventando o Sexo: corpo e gênero dos gregos a Freud. RJ: Relume Dumará,
2001.

15
dos homens era completamente externalizado, também pareciam dadas as razões para
que seus corpos fossem socialmente voltados para as ruas, para os espaços e a vida
públicos, para o mundo do trabalho e da política. A natureza servia a uma naturalização
das posições sociais de uns e de outros. Ser homem e ser mulher era mais uma diferença
de grau de perfeição anatômica em que o corpo masculino aparecia como a forma mais
bem acabada de um sexo comum a homens e mulheres. Desse modo, o discurso
dominante interpretava a anatomia sexual dos corpos masculinos e femininos como
versões hierárquicas de um sexo anatômico idêntico.

Por volta do final do século XVIII, a interpretação sobre a natureza do sexo


anatômico mudou. Um novo modelo passou a descrever os corpos femininos e
masculinos como realidades anatomossexuais radicalmente diferentes. Esta mudança
não aconteceu de uma hora para outra, mas foi gestada pelo contexto de transformações
políticas, sociais, econômicas, culturais e religiosas que ofereceu as condições propícias
para a emergência do modelo dos dois sexos completamente distintos e opostos. As
reformas protestantes do século XVI, as teorias políticas liberais do Iluminismo, o
aparecimento de novos tipos de espaços públicos no século XVIII, o surgimento da
concepção de casamento como contrato, as revoluções burguesas, o sistema de fábricas
com a sua nova divisão sexual do trabalho, a organização de um livre mercado de
produtos e serviços, bem como a emergência de uma sociedade de classes são alguns
dos acontecimentos que juntos representaram mudanças históricas significativas e
contribuíram para construir uma nova interpretação do corpo sexuado. A desigualdade
entre os mundos masculino e feminino continuava fundamentada na diferença percebida
entre as supostas naturezas sexuais dos corpos de homens e mulheres, mas agora tais
diferenças não eram mais compreendidas como diferenças de grau de perfeição
anatômica, mas sim como diferenças anatômicas intrínsecas e radicais.

Não pense, cara/o estudante, que o surgimento do modelo dos dois sexos como
novo modo de interpretação do corpo sexuado resultou de um avanço da Ciência que,
com suas novas descobertas, ajudou os indivíduos a superar a ignorância do passado e
alcançar a verdade pura e cristalina sobre o corpo. Na verdade, o interesse científico em
buscar evidências para as distinções anatômicas e fisiológicas entre homens e mulheres
só se tornou uma obstinação dos cientistas quando naturalizar as diferenças entre esses
corpos se tornou social e politicamente importante. A Revolução Francesa no século
16
XVIII, por exemplo, defensora dos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade,
utilizou-se das novas interpretações médicas sobre o corpo sexuado para justificar que,
sendo homens e mulheres portadores de anatomias sexuais natural e radicalmente
distintas, não poderiam então ser considerados livres e iguais perante as leis. Em
síntese, segundo tal interpretação, a natureza havia de antemão determinado o lugar
social de cada um, fazendo com que os ideais da Revolução não fossem destinados a
todos. A primeira “Declaração Universal de Direitos” da história da humanidade,
elaborada nesse contexto revolucionário, era uma “Declaração Universal dos Direitos
do Homem e do Cidadão” e não “dos Direitos Humanos”, não contemplando as
mulheres nessa universalidade.

A partir dessa confrontação de duas interpretações históricas que procuravam


definir a natureza do sexo anatômico, pretendíamos mostrar a você que, mesmo aquilo
que nos parece absolutamente natural e independente das decisões humanas, como o
corpo e a evidência de sua genitália, é constituído culturalmente pelo nosso modo de
olhar. E porque umas sociedades enxergam o mesmo corpo de um jeito enquanto outras
o enxergam de outro? Porque nossas perspectivas sobre o mundo são formatadas e
direcionadas pelas crenças, valores e posicionamentos vigentes em nossa época,
compartilhadas e creditadas socialmente por uma maioria. A tentativa de naturalizar o
sexo e colocá-lo como fundamento das posições hierárquicas ocupadas por homens e
mulheres na nossa sociedade é uma estratégia política de manutenção das desigualdades
de gênero vigentes até os dias de hoje e que precisa ser problematizada e criticada.

Outro desafio à naturalização da anatomia sexual é a existência do intersexo que,


por muito tempo, foi chamado pela medicina e pela biologia de hermafroditismo.
Pessoas intersexuais são aquelas que nascem com uma genitália ambígua, formada
pelos dois sexos anatômicos e não por um só, sendo que um deles costuma ser mais
desenvolvido que o outro. O intersexo impede que médicos digam, com toda certeza, a
que gênero o recém-nascido pertence, quer dizer, se o corpo que acabou de vir ao
mundo corresponde ao de um menino ou de uma menina. Muitas famílias
precipitadamente acabam optando, desde cedo, por uma cirurgia “corretiva”, o que se
constitui num verdadeiro problema, haja vista que bebês são andróginos e, só muito
mais tarde, durante a puberdade, outras características físicas que permitem discernir
um corpo masculino de outro feminino vão aparecer, como a distribuição dos pelos ou o
17
crescimento das mamas. Sendo assim, muitos cometem o erro de escolher o gênero da
criança intersexual, impondo-o a ela por meio de uma cirurgia definitiva, antes mesmo
que esse corpo se desenvolva plenamente. A intersexualidade, portanto, coloca em
xeque a ideia de que ser homem ou ser mulher é uma realidade inscrita naturalmente no
corpo desde o nascimento e de que o gênero dependa única e exclusivamente da
natureza do sexo anatômico.

Os exemplos citados até aqui, caro/a estudante, nos levam a uma importante
afirmação: o sexo anatômico não é a causa natural do gênero. Em outras palavras, ser
homem ou ser mulher não são identidades naturais dadas irrevogavelmente desde o
nascimento, mas identidades sociais construídas culturalmente de diferentes formas em
diferentes sociedades e atreladas à natureza do corpo como se fosse uma prótese. Você
deve ter notado que, já algumas vezes no decorrer desse curso, mencionamos a palavra
“gênero”. Mas o que é gênero e por que é importante distingui-lo de sexo?

Gênero é um conceito que nasceu associado ao movimento feminista,


particularmente ao de língua anglo-saxônica (EUA e Inglaterra), no contexto da década
de 1960. No Brasil, este conceito passou a ser mais utilizado entre as feministas na
década de 1980. Ele foi inventado em oposição ao conceito de “sexo” e tinha por
finalidade servir não apenas como um instrumento de análise teórica, mas como
ferramenta de luta política. Seu intuito era fazer oposição à ideia corrente na época e,
infelizmente, ainda hoje entre muitas pessoas, de que as desigualdades entre homens e
mulheres são naturais e fundadas em diferenças biológicas incontornáveis. Ao usar o
conceito de gênero em vez de “sexo”, as feministas buscavam demonstrar que ser
mulher e ser homem não é natural, mas uma construção social e histórica.

Dito de outro modo, aprendemos desde a mais tenra infância certos modelos de
masculinidade e de feminilidade como se fossem naturais, passamos a acreditar que
nascemos homens ou mulheres e deixamos de perceber que nos tornamos isto ou aquilo
num processo contínuo de vigilância, de restrições, bem como de introjeção de regras e
valores. “Homens são mais racionais e mulheres mais sensíveis”. “Homens são mais
fortes e mulheres mais delicadas”. “Azul é cor de homem, enquanto rosa é cor de
mulher”. “Carrinho é brinquedo de menino e boneca é brinquedo de menina”. “Homens
usam terno e gravata, enquanto mulheres vestem saias”. “Mulheres devem ser ‘belas,

18
recatadas e do lar’2, enquanto homens devem ser fortes, arrojados, viris, dispostos o
tempo todo ao intercurso sexual com qualquer mulher, além de dedicados à vida
boêmia”. Essas imagens do feminino e do masculino que você deve conhecer muito
bem fazem parte da nossa cultura e nada possuem de natural, embora sejam
“naturalizadas” por nossa sociedade e, por isso mesmo, produzem seus efeitos de poder,
dominação e exclusão sobre homens e mulheres. O próprio uso que fazemos da
linguagem costuma refletir os privilégios masculinos e as desigualdades de gênero. É
comum nos referirmos à espécie humana, composta por homens e mulheres, como “o
Homem”. Além disso, mesmo quando nos dirigimos a um grupo de pessoas cuja
maioria é feminina, basta que nele haja apenas um integrante homem para que nos
refiramos a todos no gênero masculino: “os alunos”, “os educadores”, “os
trabalhadores”, etc.

Até agora, pudemos perceber que a natureza do sexo anatômico não é uma
realidade inconteste e nem determinante das identidades de gênero que nada mais são
que construções sociais resultantes de um longo investimento histórico e educativo. Mas
e as práticas sexuais? Podemos nos referir a elas como atividades puramente naturais?
Certamente que não! Fazer sexo não é uma atividade exclusivamente natural, o que nos
torna diferentes dos outros animais e, portanto, algo além de machos e fêmeas.

As práticas sexuais também são culturais, se por cultura entendermos tudo


aquilo que é inventado e produzido pelos seres humanos, material e imaterialmente, em
diferentes épocas e sociedades.

As práticas sexuais são culturais porque variam em suas formas e seus


significados: podem ou não envolver sentimentos; implicam em prazer ou em dor, ou
ainda, em prazeres provocados pela dor; requerem apenas o enlace dos corpos ou
envolvem também o uso de objetos, estímulos sensoriais e recursos preservativos e
contraceptivos; se constituem apenas como autoestímulo solitário ou implicam na
parceria ocasional ou duradoura de dois ou mais corpos; podem objetivar apenas o
prazer ou pretender a reprodução da espécie; se revestem de símbolos sagrados,

2
Referência a uma entrevista realizada pela Revista VEJA com a primeira-dama, esposa do então
presidente interino, Michel Temer, cujo título era “Bela, recatada e do lar”. O estereótipo de mulher
difundido pela revista foi muito discutido e polemizado nas redes sociais.

19
relacionando-se a rituais de fertilidade e sacramentos religiosos, ou apenas se desnudam
como práticas profanas; se conectam à sedução e à corte galante ou são compradas pelo
dinheiro como qualquer outro serviço no mercado; são obtidas pelo encontro presencial
de dois seres humanos ou promovidas virtualmente pelas novas tecnologias de
comunicação, tais como, os vídeos, as câmeras acopladas aos computadores, as salas de
bate-papo na internet, os aplicativos de celular. Tudo isso são invenções humanas em
torno do sexo que fazem emergir uma imensa gama de culturas sexuais, construindo um
mundo em torno de tais práticas que só o animal humano é capaz de fabricar e cuja
presença não é verificada entre os indivíduos de nenhuma outra espécie.

Se o sexo, enquanto conjunto de práticas sexuais, ultrapassa imensamente a


natureza fisiológica do corpo sexuado e erótico, o mesmo podemos afirmar das
sexualidades. E o que são as sexualidades? Primeiro é preciso dizer que elas não se
resumem ao sexo, nem enquanto anatomofisiologia, nem enquanto práticas sexuais. As
sexualidades se acoplam certamente num corpo físico e biológico, mas vão muito além
dele, inclusive, transformando-o. As sexualidades são modos diversos de viver os
corpos e as relações afetivas, eróticas e sexuais travadas entre eles, que mobilizam
conjuntos complexos de crenças e valores sexuais e afetivos; são imagens e
imaginações; símbolos e representações; sentimentos, sensações e prazeres; formas de
percepção de si e do outro; práticas e pensamentos; orientações sexuais do desejo e da
afetividade; identidades sociais e comunidades.

Sendo construções bioculturais, sociais e históricas, as sexualidades não dizem


respeito apenas aos indivíduos em suas vidas privadas, mas a toda a sociedade, na
medida em que suscitam debates públicos, políticos, sociológicos, antropológicos e
históricos. Nesse sentido, não se trata há muito tempo de um objeto de estudo exclusivo
da medicina, da sexologia, da biologia ou da psicologia, tendo se transformado, desde a
segunda metade do século XX, numa importante temática das ciências sociais, tais
como a História, a Antropologia, a Sociologia e a Ciência Política, bem como da
Filosofia.

Você deve ter percebido, amigo/a estudante, que há algum tempo estamos nos
referimos às sexualidades no plural e deve ter se questionado o porquê. Esta é uma
maneira de deixar claro que não existe uma sexualidade. Melhor seria dizê-la sempre no

20
plural, como “sexualidades”, pois ela não é única, monolítica, imutável. Não há “a”
sexualidade, verdadeira, “normal”, incontestável e eterna, mas múltiplas e variadas
sexualidades, cheias de nuances, transformáveis no espaço e no tempo, cujas naturezas
são culturalmente construídas e se modificam ao sabor das épocas. Até mesmo o plural
tem suas limitações para nomear as sexualidades, pois pode nos levar a crer que estamos
nos referindo apenas à multiplicação de uma mesma forma, à repetição de algo comum,
a “mais do mesmo”, o que também não é verdadeiro.

Falamos aqui de sexualidades como quem fala de diversidade sexual: um


mosaico gigantesco de diferenças formado por múltiplas singularidades nem sempre
repetidas. Esta diversidade sexual sempre é clivada por variados aspectos como etnias,
faixas etárias, classes sociais, pertencimentos regionais, categorias profissionais e
condições econômicas, políticas e culturais. As sexualidades masculinas, por exemplo,
não são iguais as femininas e, mesmo internamente, elas sofrem inúmeras variações. As
sexualidades de homens negros não são iguais as de homens brancos, nem as de brancos
heterossexuais são idênticas as de brancos homo ou bissexuais. As classes populares
não vivem suas sexualidades da mesma maneira que as elites sociais e econômicas,
assim como não podemos dizer que as sexualidades dos homens do campo
correspondem exatamente às dos homens das grandes cidades. Em todas as partes o que
impera é a imensa variedade de formas e significados.

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