Você está na página 1de 19

TRANSCRIÇÃO DE INTRODUÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS

Nós já filosofamos muito sobre Direitos Humanos nas aulas que já tivemos. Já filosofamos
bastante as concepções de Honnet, as concepções da Fraser:

(I) Interseccionalidade da Fraser – que é a interseção entre as estruturas que oprimem


determinadas camadas;

(II) Vocês lembram da crítica da Fraser ao Honnet? Onde ela fala que não é só uma questão
de reconhecimento, é preciso pensar em redistribuição econômica; existem categorias que são
bivalentes, ou seja, que precisam de políticas de reconhecimento e redistribuição; categorias que
são bivalentes e precisam de reconhecimento e redistribuição econômica.

Então vimos com cuidado as fases do Honnet, as fases de reconhecimento intersubjetivo.

Entramos também em Lynn Hunt, onde ela vai trazer concepções mais idealistas sobre
Direitos Humanos. Trabalhamos a diferença entre idealismo e materialismo.

O materialismo é a ideia de que as ideias dominantes de uma sociedade emanam das classes
dominantes de uma sociedade. Elas dizem respeito às relações sociais de produção e de reprodução
da vida. Isso é o materialismo. O materialismo é quando você entende que o José, o Jofrey, o
Alfredo, o Francisco... não foi uma coincidência que eles acordassem um belo dia, olhassem uns
para as caras dos outros e falassem assim: “nossa, eu acho que sou superior pela cor da minha pele”,
ou outro diz “nossa, também acho”, e um terceiro ainda diz “caramba, você acredita que eu acordei
com essa ideia também?”.

O materialismo não entende isso, ele não entende que as estruturas dominantes são uma
consequência de um conjunto de ideias. O materialismo não entende isso, que as estruturas
dominantes são uma consequência de um conjunto de ideias. Aquela coisa assim “faz o seu
pouquinho que de pouquinho em pouquinho a vida se resolve... se cada um fizer a sua parte a vida
se resolve”. O materialismo não entende isso.

Pergunta inaudível.

1
A meritocracia é uma concepção idealista, que é o contrário de materialismo. Isso que eu
falei é o idealismo.

O idealismo é a ideia de que as estruturas dominantes, as relações sociais são regidas por um
conjunto de ideias. Então seria como se fosse assim: o machismo na sociedade é um conjunto de
atitudes machistas, um conjunto de ideias machistas...

Pergunta inaudível.

Não necessariamente Marx. Marx é um exemplo de materialismo histórico. Mas


materialismo é muito amplo e Marx é um exemplo.

Idealismo não é a pessoa ter muitos ideais. Eu por exemplo tenho muitos ideais na minha
vida, só que eu sou materialista. Não confundam o idealismo com a concepção popular, onde
quando falamos em idealismo se pensa em uma pessoa que tem ideias, progressista etc. Não
confundam com isso. Porque para essas pessoas eu sou idealista. Mas quando falamos em uma
concepção filosófica, eu faço parte do materialismo.

A ciência, por exemplo, é materialista, quando ela tem na realidade material o seu elemento
de prova.

O materialismo é a primazia da realidade material. É a primazia da matéria sobre a ideia. O


materialismo entende que há uma relação de ida e volta entre as relações e as ideias. É uma relação
de ida e volta. A gente interfere no mundo, o mundo interfere na gente. A gente interfere no mundo
de volta, o mundo interfere na gente. E fica esse vai e vem. Só que para o materialismo, a primazia,
esse ponto inicial onde as coisas mudam, onde há rupturas, essas rupturas acontecem na estrutura
dominante. Seja política, seja cultural, seja econômica. Quando a mentalidade de uma sociedade
está mudando, isso significa que as estruturas estão mudando também. E por isso essa mentalidade
está mudando. A gente acompanhou isso muito profundamente em História, quando houve a
ascensão da burguesia.

A ascensão da burguesia traz ali pelo século XVIII para gente toda uma mudança de
mentalidade, um processo de iluminismo, de liberalismo político. Por quê? Porque isso interessa à...
(palavra proferida pela professora inaudível).

2
Não é uma coincidência. “Ah, foi uma coincidência...” A burguesia estava em ascensão, aí
coincidentemente, paralelo a isso estava acontecendo o Iluminismo. Não. As ideias que fazem
florescer um liberalismo político, um liberalismo econômico, um liberalismo religioso, fazem parte
de um processo que beneficiaria essa ascensão da burguesia.

Por isso, muitas das revoluções que nós estudamos aqui, nós falamos nas declarações...
lembra que a Lynn Hunt cita algumas declarações que são importantes para a defesa dos direitos
humanos... as declarações provindas da Revolução Francesa, da Independência dos Estados
Unidos e a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão... O que isso significa? Significam
revoluções, processos de ruptura que foram protagonizados pela burguesia.

Então depois nós fomos para o Bobbio. Lembra da aula sobre o Bobbio que nós falamos
sobre universalismo.

A Lynn Hunt traz críticas ao universalismo. Quem lembra de quais são as críticas da
Lynn Hunt ao universalismo?

Ela fala que os direitos humanos, eles dizem que são universais, lembra? “Ah é para todo
mundo, é o próprio direito do homem dotado pelo seu criador Deus. É de todo ser humano por
humano ser”.

O que a Lynn Hunt fala? Que tem muita gente que não está apartada aí nessa concepção de
ser humano. Quem são essas pessoas? Mulheres, crianças, idosos... Não é isso? Ou seja, cidadão
passivo, o conceito de cidadão passivo.

Há uma diferença histórica entre os direitos das mulheres e os direitos das pessoas negras. E
a Lynn Hunt trabalha isso.

Quando a Lynn Hunt fala em cidadão passivo, o que ela quer dizer com isso? Que são
mulheres, ou seja... as mulheres têm direito, elas têm determinados direitos, elas até são
consideradas humanas, só que elas não são consideradas completamente humanas na medida em
que elas ainda não podiam participar ativamente da vida pública e política. Elas até eram
consideradas vítimas de violência, mas elas não eram consideradas cidadãs ativas. Então elas eram,
como se fossem, metade de uma ser humano.

3
E aí lembra daquilo que tratei da Olympe de Gouges.

No processo revolucionário francês, ela fala assim: “que história é essa de direitos do
homem e do cidadão? Temos que fazer uma declaração de direitos da mulher e cidadã”. Porque ela
denuncia ali não apenas uma questão de artigo (no sentido de artigo feminino ou masculino da
palavra). Não era sobre isso que ela estava falando. Quando ela fala “direitos do homem e do
cidadão, não. Direitos da mulher e cidadã”. Ela não estava falando de uma questão de artigo, de
transformar no feminino. E isso é uma pauta que vem dos anos de 1980 para cá. 90!

Há uma profunda relação entre essas pautas e o pós-modernismo.

O que Olympe de Gouges defende em sua declaração?

Ela defende que se uma mulher pode subir ao cadafalso, ou seja, se uma mulher pode ser
condenada, se ela pode ser considerada humana a ponto de ser condenada, então ela deveria ser
considerada humana também para participar dos processos políticos.

A frase mais famosa dela é: “se uma mulher pode subir ao cadafalso, ela também
poderia subir à tribuna”.
Então esse é um exemplo importante do que a Hunt critica no universalismo. Ela fala “tá,
então os direitos humanos são naturais, universais e iguais”. São as três características que a
Lynn Hunt trabalha. “Só que ao mesmo tempo, verifica-se que esses direitos não são tão universais
assim... se é universal porque que se tinha por tanto tempo essas pessoas consideradas cidadãs
passivas?”.

Não é tão natural assim e aí entra o paradoxo da autoevidência que a gente trabalhou
também. Se algo é tão natural, por que é que tem que ser declarado? Se é natural, se é autoevidente,
se é tão evidente assim, por que é que têm declarações? A declaração declara coisas que não são
evidentes.

E a igualdade, que é quando ela faz aquela abordagem do nacionalismo e do nacional-


socialismo. De que quando esses Direitos Humanos não são considerados em sua universidade,
existe uma série de explicações eugenistas que colocam a superioridade de uns em relação aos
outros.

4
E aí a gente parte para o Bobbio.

Bobbio fala de três fases dos Direitos Humanos. O Bobbio traz uma visão positivista de
Direitos Humanos.

O que é positivismo?

Tese da separabilidade entre Direito e moral.

O que é isso? O que significa isso?

A tese da separabilidade não significa que esse Direito, essas leis vigentes dentro desse
Direito, não tenha os aspectos morais de uma sociedade. Quando a gente fala em Direito Positivo ou
em Positivismo Jurídico, a gente não está falando de um Direito amoral ou imoral.

O conceito de direito, o que significa direito, prescinde do que significa moral.

A ideia do positivismo jurídico é simplesmente a ideia de que existe uma norma e ainda que
essa normal seja injusta, ela não deixa de ser uma norma. E isso por ter sido emanado por uma
autoridade vigente e democraticamente eleita para isso, torna a norma válida. É válida, mas é
injusta.

Por que é importante a gente entender que uma norma pode ser válida e injusta? Para a gente
poder criticá-la. Essa é uma tese do Dimitri de Moules.

Ele defende a importância de entendermos que uma norma pode ser válida e pode ser
injusta. Qual é a importância de se entender isso? Criticar essa norma. Ser capaz de mover
mecanismos para modificar essa norma e, para além disso, denunciar essas estruturas dominantes,
entender essas estruturas dominantes. Assim as normas injustas podem ser retiradas do Direito por
meio do processo legislativo devidamente previsto no ordenamento jurídico, adequadamente
movido pelas autoridades legislativas democraticamente eleitas.

Então positivismo é ideia de que uma norma pode ser válida e pode ser injusta.

5
Quem não é positivista? (Uma coisa não é inferior à outra, são concepções diferentes que
são politicamente relevantes – na minha visão).

Bobbio é um positivista. Então para ele as normas não são naturais. Positivismo é inimigo
do jusnaturalismo. Para ele as normas não são como para Lynn Hunt, que são naturais, mas que tem
um paradoxo... não. Para ele são históricas.

O que o positivismo fala?

Os Direitos são contextualizados. Porque no positivismo há sempre uma disputa... Ficar


mudando... Por que é contextual? Porque fica mudando. Se eu digo que algo é natural, do ser
humano, aquilo é desse jeito durante muito tempo e vai ser enquanto o ser humano existir. O que
significa algo natural? “Ah é natural querer se alimentar”, “É natural sentir frio” ... Algo que é
natural é algo do ser humano. Para o positivismo Jurídico, o Direito não é natural. Ele não é natural,
nem de Deus, nem de alguma moral... Então não tem nada de natural, é uma disputa política. Em
alguns momentos o direito vai ser injusto e precisa ter mais lutas para disputar esse direito.

Para o positivismo, o Direito é contextualizado num tempo e em um lugar. Ele é mutável.


Ele está de acordo com aquela estrutura dominante. Por isso, podemos pensar em termos de
Filosofia do Direito se ele está sendo justo e em termos de Teoria do Direito se ele é válido ou
inválido. Em termos de sociologia do direito se ele é eficaz ou ineficaz; se ele é racista ou não; se
ele é patriarcal ou não. Isso não interfere na validade.

Então positivismo é sobre isso, ou seja, você entender que ele é contextualizado. A
sociologia jurídica vai definir a eficácia do Direito. Vai definir as características do funcionamento
do Direito a partir de um ponto de vista externo ao Direito. É o pesquisador que vai ver o que está
acontecendo. A Teoria do Direito define o interno do Direito, o que é válido e o que não é válido, as
antinomias (“ah, essa norma está batendo com essa. Como é que resolvemos isso?”). E a Filosofia
do Direito é o que mede a justiça ou não. Vai debater o que é mais justo, se o mais justo significa ser
o mais democrático...

Então são coisas que conversam entre si, mas são partes diferentes da análise da norma.

Quais são as fontes dos Direitos Humanos?

6
As convenções e os tratados internacionais.

Vamos entender o que são essas convenções e esses tratados internacionais? Para isso, estou
usando o Rezek (Francisco Rezek cuja doutrina é referência em Direito Internacional Público).

Os tratados internacionais são acordos internacionais juridicamente obrigatórios e


vinculantes.

Eles constituem uma importante fonte de Direito Internacional e são celebrados entre
sujeitos de Direito Internacional.

Lembra do Bobbio? Quando Bobbio fala assim, “primeiro o ser humano é um súdito, com a
Democracia esse ser humano vira um cidadão. Com a Democracia, com a chegada do Direito
democrático, ele vira um cidadão. E aí depois esse cidadão, com os Direitos Humanos positivados,
vira um sujeito de direito internacional”.

O que são esses sujeitos de direitos internacionais?

São sujeitos de uma nova ordem, principalmente a partir da Declaração universal de direitos
humanos. Principalmente a partir de uma ordem pós-segunda guerra.

Com as baixas que nós tivemos nas guerras, as pessoas começaram a pensar numa ordem
internacional de proteção de direitos. E essa ordem precisava de fontes jurídicas e de organismos,
órgãos de proteção a esses direitos.

Então por um lado nós temos direitos internacionais e por outro lado nós temos órgãos de
promoção e proteção desses direitos.

E aí o que são os tratados internacionais em Direitos Humanos?

São esses mesmos acordos internacionais, juridicamente vinculantes, só que eles visam as
condições mínimas, necessárias, para a vida humana digna. Nascido, principalmente, ante as
atrocidades do nazismo.

7
Esses tratados internacionais advêm de um contexto crescente de positivismo internacional.
O que alguns doutrinadores do direito irão colocar como pós-positivismo.

Em 1969, tivemos a Lei dos Tratados chamada de Convenção de Viena. Ela disciplina e
regula esse processo de formação dos tratados internacionais.

Para nós entendermos como isso tem força normativa no Brasil, precisamos entender uma
coisa.

Eu falei aqui que os tratados internacionais são acordos. O que significa acordo? Como
qualquer outro acordo, nos tratados internacionais em Direitos Humanos vigora o pacta sunt
servanda.

O que significa isso? O acordo vai servir para quem concordar com ele.

Pacta sunt servanda é um grande princípio do Direito Civil referente a contratos. O contrato
tem que servir na medida que a pessoa que está contratando concorda com aquilo ou não, a
obrigação é para quem está ali concordando com aquilo.

Isso também vale para os tratados internacionais. Você entra se quiser, porém, entrou,
vinculou. Não entrou, adeus.

Por isso que as principais políticas são especialmente importantes quando estamos falando
de Direitos Humanos. No final das contas, o que faz acontecer a vinculação de um país, de uma
nação, ao tratado internacional em Direitos Humanos é aquela pressão daquela pessoa que está à
frente daquele Estado, com a demanda de estar condizente com os direitos humanos internacionais.

Essa exigência do consenso é previsto no art. 52 da Convenção de Viena. Que vai dispor que
o tratado será nulo se a sua aprovação tiver sido obtida mediante ameaça ou uso de força. Por quê?
O que vigora é o pacta sunt servanda.

Artigo 52 da Convenção de Viena:


É nulo um tratado cuja conclusão foi obtida pela ameaça ou o emprego da
força em violação dos princípios de Direito Internacional incorporados na
Carta das Nações Unidas.
8
Isso acontece também no Direito Civil quando falta boa-fé objetiva? Sim. Quando falta boa-
fé objetiva, não tem como aquilo continuar. Se alguém for obrigado a fazer um contrato, isso está
fora da ordem. Mesma coisa o tratado internacional de Direitos Humanos.

E aí também é nulo quando tem violação aos princípios de Direito Internacional consagrados
na Carta da ONU. Quando tem violação aos princípios de Direito Internacional consagrados na
Carta da ONU.

Se acontecer alguma violação da Carta da ONU, também não vale mais esse acordo, porque
já não é mais um acordo.

E como é que acontecem esses acordos?

Geralmente esses acordos trazem uma ampla gama de ressalvas. Essas ressalvas tornam
mais possível que diferentes países se submetam. Os países têm culturas diferentes, são muito
diferentes entre si. Então essa ampla gama de ressalvas torna possível essa aderência maior a esses
tratados.

Vamos entender o processo de formação dessas convenções e desses tratados. Como


acontece?

No Poder Executivo, no Brasil, nós temos negociações, conclusão e assinatura. Por isso
que depende muito do Poder Executivo e do Poder Legislativo.

Quando nós estamos preocupados com Direitos Humanos, nós temos que estar preocupados
com a eleição do Poder Executivo e do Legislativo. Porque faz parte desses dois processos. O
Poder Executivo vai negociar, concluir e assinar.

E o Poder Legislativo?

Depois que se tenha esse processo, o Poder Legislativo vai apreciar e aprovar.

Ou seja, quem está preocupado com Direitos Humanos precisa também se preocupar com a
eleição de deputados. Não é só falar... “ah, vou votar aqui para presidente...”, não.
9
E aí volta para o Executivo. Para ter a ratificação.

O que é ratificação?

Ratificação é a confirmação formal de que aquele Estado está obrigado ao tratado no plano
internacional. A ratificação é um ato jurídico que funciona como um aceite definitivo. Esse é um ato
muito importante.

Então têm três fases:

1ª fase – Executivo vai negociar, concluir e assinar.

Essa assinatura do Executivo é um mero aceite provisório. Ela não vincula, não gera efeitos
jurídicos vinculantes. O que vai vincular? Só na terceira fazer. A ratificação é o que vincula. Essa
assinatura é só para mostrar “ó, pode ir para o Legislativo”. Essa assinatura é só uma aprovação
para seguir para o Legislativo. Ela não vai vincular. A que vai vincular é a ratificação, a terceira
fase.

2ª fase – o Poder Legislativo vai apreciar e aprovar.

3ª fase – ratificação pelo Executivo.

O que acontece se o Brasil assinar e não cumprir? Existem condenações perante órgãos
internacionais de Direitos Humanos.

Que órgãos são esses? Corte Interamericana de Direitos Humanos, Comissão Interamericana
de Direitos Humanos...

A comissão recebe os casos. Um exemplo é um caso muito importante como a Lei Maria da
Penha.

O que aconteceu com a Lei Maria da Penha?

10
10 anos, 10 anos... em que ela vinha passando por tentativas de feminicídio sucessivas. E ela
procurando o Judiciário, procurando o Judiciário... A demora e a negligência com o caso Maria da
Penha chegaram lá e eles falaram “ué, você não assinou a convenção de Belém do Pará? Você não
assinou tantos tratados, como é que você está deixando uma mulher ter direitos humanos violados
assim, dessa forma?”

E aí o Brasil, como uma resposta a essa condenação, fez a Lei Maria da Penha, com o nome
em homenagem a essa vítima que foi tão negligenciada pelo próprio Brasil.

Porque quando o Judiciário negligencia alguém, é o Brasil que está negligenciando. Não é o
juiz, é o Brasil. O Judiciário representa o Poder Judiciário... Que é o terceiro Poder. Nós falamos no
Executivo, que assinou a Convenção de Belém do Pará. O Legislativo apreciou e aprovou. Mas aí o
Judiciário não está fazendo cumprir. Então o Brasil foi condenado internacionalmente e uma das
medidas nessa condenação era fazer uma lei que tornasse uma tutela mais possível para as
mulheres.

Então quando dizem... “Ah, a gente avançou... a gente avançou... a gente tem Maria da
Penha... os caras acordaram e falaram ‘nossa, vamos fazer uma lei para proteger as mulheres’...”
Não foi isso não. Nós fomos condenados de uma forma muito vergonhosa. Foi uma condenação
muito vergonhosa.

Tem uma série de condenações. Mas essa foi tão importante que a lei que surge com esse
nome.

E aí o que acontece no Brasil?

Art. 84, VIII, da Constituição Federal – Competência privativa do Presidente de celebrar


tratados sujeitos ao Congresso Nacional posteriormente.

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:


(...)
VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a
referendo do Congresso Nacional;

11
É exatamente essas fases que eu passei para vocês. E esse Congresso aprecia e aprova, ou
seja, é um ato muito complexo no qual se integram a vontade do Executivo e do Legislativo.

E é importante a gente lembrar que a vontade singular de um desses é necessária, mas não é
suficiente. Precisa da vontade de ambos. Por isso é um ato complexo. Não basta só a vontade do
Executivo ou do Legislativo. É um ato complexo.

E os efeitos? Eu falei como foi a formação. Vamos entender os efeitos no Brasil.

1) Tratados Internacionais: infraconstitucional

Tratados internacionais que não versem sobre direitos humanos. Eles têm efeito de lei
ordinária. Status de lei ordinária. Aqueles que não são sobre direitos humanos, tem status de lei
ordinária, ou seja, são infraconstitucionais. Estão abaixo da Constituição e estão iguais as leis
ordinárias. Está no mesmo patamar das leis ordinárias.

Tratados internacionais que não versem sobre direitos humanos tem status
infraconstitucional. Vale como lei ordinária normal.

2) Tratados Internacionais de Direitos Humanos: supralegal

Os tratados internacionais de direitos humanos, ou seja, que versam especificamente sobre


as condições de dignidade humana, sobre as condições mínimas de vida digna, eles estão acima da
lei, eles estão entre a Constituição e a lei ordinária, no status chamado de supralegal. O que é
supralegal? Está acima da lei ordinária e abaixo da constituição.

Agora, os tratados internacionais em Direitos Humanos que não sigam o rito específico do
Art. 5º, §3º da Constituição Federal são supralegais. Eles estão acima da lei e abaixo da
Constituição.

3) Tratados de Direitos Internacionais que seguem o rito do art. 5º, §3º

Mas e esses tratados internacionais de direitos humanos quando seguem esse rito específico,
ou seja, o rito do Art. 5º, §3º da Constituição Federal? Eles se tornam constitucionais, ou seja, eles
valem pela Constituição. Eles são tão importantes que são como incorporações à Constituição.
12
Eles têm força constitucional no Brasil.

Só que para falarmos que no Brasil algo tem força constitucional, ou seja, que algo está
acima da lei e que não só é acima da lei, como está acima do supralegal, o constitucional está acima
do supralegal, pra gente dar esse status tão importante, o status constitucional, é preciso seguir um
rito importante, não é qualquer coisa, um mero tratado não pode valer tanto quanto a Constituição.
A Constituição define nossa Soberania em relação aos outros povos. A gente com a Constituição
tem uma soberania interna. A gente fala “aqui no meu país vigora a minha lei”. A gente até pega
emprestado alguns tratados internacionais, mas aqui vale a nossa constituição. Para a gente falar que
algo internacional vale pela nossa constituição, a gente tem que tomar uma série de cuidados.

E como funciona essa série de cuidados?

Art. 5º, §3º da Constituição federal – Os tratados e convenções


internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa
do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos
respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

E aí o que aconteceu? O STF adotava antigamente o entendimento de que todo e qualquer


tratado independentemente de seu conteúdo tinha status de lei ordinária. Antigamente, todos
ficavam ali na infraconstitucional. Os Direitos Humanos não tinham esse status, essa importância
diferenciada. E isso está no art. 102, III, b, da Constituição:

Art. 102, III, b, da Constituição Federal – Compete ao Supremo Tribunal


Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
(...)
III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única
ou última instância, quando a decisão recorrida:
(...)
b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

O STF adotava o entendimento de que todo e qualquer tratado, independente do seu


conteúdo, tinha status de lei ordinária. No entanto, Flávia Piovezan e Antônio Trindade, que são

13
autores específicos, entendem que em matéria de Direitos Humanos é diferente, independentemente,
e tem prioridade. Eles deveriam ter força de norma constitucional diante do art. 5º, §2º da CF.

Art. 5º, §2º da CF - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição


não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela
adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do
Brasil seja parte.

Quando esse parágrafo segundo deixa aberto, ele fala assim, “a Constituição não tem
intenção de ser completa, ela está para ser completada a partir desses tratados internacionais de
direitos humanos”.

O que esse parágrafo diz para a gente? Que quando chegam esses tratados internacionais de
Direitos Humanos, eles têm forca constitucional. Eles completam a constituição. Esse é o
argumento da Flávia Piovezan.

Só que o STF adotava antigamente o entendimento de que não. Era diferente. E aí fica a
pergunta? É constitucional ou não é constitucional?

Questão de prova agora.

A emenda constitucional de 45/2004 tentou pôr fim a essa controvérsia (é constitucional ou


não é – Flavia Piovezan dizia que sim, vai ser constitucional, diante do do art. 5º, §2º da
Constituição; e o STF dizia que não).

Para pôr fim a essa controvérsia, chegou essa emenda e acrescentou o §3º a esse artigo 5º da
Constituição.

Esse art. 5º da CF é o artigo mais importante da Constituição. Essa emenda vai emendar o
artigo mais importante da Constituição. Olha a importância dela. E ela vai acrescentar o parágrafo
terceiro. Qual é?

Art. 5º, §3º da Constituição federal – Os tratados e convenções


internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa

14
do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos
respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

E aí fica a pergunta? E antes de 2004? Se você está falando dessa emenda de 2004, tudo que
vai chegando de 2004 em diante, isso aqui resolve. E antes? O que acontece?

Re 466343 SP e HC 90172 SP – Gilmar mendes de 05/06/2007

Tese da supralegalidade – o que não passou por esse rito... em 2004 não tinha esse parágrafo,
então nem tinha como fazer isso ser possível. Como eu não tinha um parágrafo terceiro, pois ele foi
adicionado pela emenda, como não tinha, não tinha esse argumento para tornar constitucional. E o
que vem depois e por acaso não passou por esse rito também é supralegal. O que vem depois de
2004 e não passou por esse rito, também é supralegal.

Só que a Flavia Piovezan vai discordar. Ela vai falar: o parágrafo segundo deixa aberto à
completude. Mas aí quem critica ela vai falar, ué se o parágrafo segundo bastasse, por que colocou
o terceiro?

Entenderam os argumentos? Está muito claro, a Constituição não é completa, os tratados


vêm para torná-la completa. Flávia Piovezan vai falar isso... o parágrafo segundo me diz que é
constitucional. Mas aí quem critica ela vai falar, ué se isso bastasse, não precisava em 2004 entrar
esse parágrafo terceiro.

Para Flavia Piovezan quando não se segue o rito também precisa ser constitucional.

Duas convenções importantes:

 Convenção de Belém do Pará


 Convenção americana sobre Direitos Humanos – Pacto São José da Costa Rica

São dois exemplos de convenções importantes para trabalharmos.

Artigo 5º do Pacto de São José da Costa rica - Direito à integridade


pessoal

15
1. Toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica
e moral.

Então a violação da Lei Maria da Penha também viola esse pacto.

Artigo 5º do Pacto de São José da Costa rica - Direito à integridade


pessoal
2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis,
desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser
tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.

O que aqui está falando? Não adianta uma pessoa estar privada de liberdade, isso não é uma
justificativa para que ocorram torturas. Seja tortura no âmbito de pena, seja no âmbito de
investigação para se obter confissão. E de volta a Lynn Hunt, ela está falando isso. Isso faz parte
dos Direitos Humanos. Desde o século XVIII os autores estão falando contra a tortura.

Tivemos um exemplo. Vocês lembram de um caso de um jovem aqui no Rio de Janeiro que
roubou uma bicicleta? E aí ele foi colocado preso pela correia de prender a bicicleta. Prenderam
esse jovem com a correia de prender bicicleta num poste. E aí o que falaram? O cara roubou a
bicicleta, então ele merece ficar preso num poste. O que está sendo violada aí? Se você tiver um
artigo que foi violado, o que você me diz? Os incisos 1 e 2 do Pacto de São José da Costa Rica, pelo
menos.

E também o que temos aí? Uma pessoa que está passando por uma pena sem ter sido
processada. Quem disse que foi ele? Foi linchamento. “Ah o fulano viu” Fulano pode tá querendo
ferrar o seu crânio. Por isso que existe um processo.

Artigo 5º - Direito à integridade pessoal


(...)
3. A pena não pode passar da pessoa do delinquente.
4. Os processados devem ficar separados dos condenados, salvo em
circunstâncias excepcionais, e devem ser submetidos a tratamento
adequado à sua condição de pessoas não condenadas.

16
Todo mundo tá entendendo a importância disso em 1969? Porque isso traz diretrizes também
para esses países que assinam.

Art. 8º do pacto de são josé - São as garantias judiciais, ou seja, a pessoa não tem só as
garantias de dignidade, no sentido de garantia física, psíquica ou moral. Ela tem também garantias
judiciais. O brasil precisa estar comprometido processualmente com essas pessoas.

Artigo 8º - Garantias judiciais


(...)
2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua
inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o
processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes
garantias mínimas:
a) direito do acusado de ser assistido gratuitamente por um tradutor ou
intérprete, caso não compreenda ou não fale a língua do juízo ou tribunal;
b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação
formulada;
c) concessão ao acusado do tempo e dos meios necessários à preparação de
sua defesa;
d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por
um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular,
com seu defensor;
e) direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado
pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o
acusado não se defender ele próprio, nem nomear defensor dentro do prazo
estabelecido pela lei;
f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no Tribunal e de
obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas
que possam lançar luz sobre os fatos;
g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se
culpada; e
h) direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior.

Vocês acham que o Brasil respeita isso ou não?

17
Outra convenção importante, além das garantias judiciais, é a convenção de Belém do Pará.

Quando for uma mulher em violência, vocês vão levantar a convenção de Belém do Pará
para trazer mais força à petição de vocês. E na prova também. Se na prova tiver alguma coisa aí,
vocês já sabem que convenção vocês vão levantar.

Artigo 1 da Convenção de Belém do Pará:

Para os efeitos desta Convenção, entender-se-á por violência contra a


mulher qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano
ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública
como na esfera privada.

Gênero. Não é sexo. Gênero. Começou a argumentação de alguma coisa... Convenção do


Belém do Pará.

Reparou que a declaração falou em psicológico? Quando é que o Brasil teve lei de violência
psicológica? 2021. Mas serviu como base. Atrasou? Atrasou. Mas serviu como base.

Art. 4 da Convenção de Belém do Pará

Toda mulher tem direito ao reconhecimento, desfrute, exercício e proteção de


todos os direitos humanos e liberdades consagrados em todos os
instrumentos regionais e internacionais relativos aos direitos humanos. (...)

Será que toda mulher tem? O artigo tá falando isso aí? A mulher tem, toda mulher tem. Será
que toda mulher tem?

Art. 5 da Convenção de Belém do Pará:

Toda mulher poderá exercer livre e plenamente seus direitos civis, políticos,
econômicos, sociais e culturais e contará com a total proteção desses direitos
consagrados nos instrumentos regionais e internacionais sobre direitos
humanos.  Os Estados Partes reconhecem que a violência contra a mulher
impede e anula o exercício desses direitos.
18
Art. 6 da Convenção de Belém do Pará:
O direito de toda mulher a ser livre de violência abrange, entre outros:
   a.      o direito da mulher a ser livre de todas as formas de discriminação;

  b.      o direito da mulher a ser valorizada e educada livre de padrões
estereotipados de comportamento e costumes sociais e culturais baseados em
conceitos de inferioridade ou subordinação. 

Já sabe que essa Convenção aí dá para um monte de coisas. Dá para argumentar um monte
de coisas. Mas ela é efetivada aqui?

19

Você também pode gostar