Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
PRÁTICA *
1 INTRODUÇÃO
Grande parte das pesquisas sociais no Brasil se baseiam em entrevistas, como técnica
de coleta de dados, amplamente empregada. A entrevista, estruturada ou não, é um método
conveniente e estabelecido de pesquisa social (BAUER, 2015, p. 189).
Neste trabalho, pretende-se analisar uma entrevista, por meio da técnica da Análise de
Conteúdo, nos termos propostos por Bardin, em sua obra magna, publicada pela primeira vez
na França, em 1977. A Análise de Conteúdo consiste em uma técnica de análise, utilizada para
produzir inferências, a partir de materiais textuais para seu contexto social, de forma objetivada
(BAUER, 2015, p. 191).
Para tanto, optou-se por analisar, detalhadamente, a entrevista concedida pelo eminente
sociólogo francês François Dubet ao pesquisador Éder da Silva Silveira, publicada na Revista
Educação, periódico da Faculdade de Educação da PUCRS (Qualis A2), em 2015/1.
Em um primeiro momento, realizar-se-á uma análise qualitativa desta entrevista, com o
estabelecimento de categorias e de inferências, a partir da fala do entrevistado; na sequência,
proceder-se-á à análise quantitativa (frequência de palavras), com o auxílio de um software
específico, conforme apresentado, no capítulo a seguir.
__________________________________________________________________________________________
* Trabalho inicialmente apresentado na disciplina “Tópicos Especiais II”, oferecida pelo Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais, em 2019/1, e ministrada pela Profa. Dra. Andreia Mendes dos Santos, para os
cursos de mestrado e doutorado da Escola de Humanidades da PUCRS.
**Doutoranda em Ciências Sociais na PUCRS. Bolsista CAPES/PROSUC (modalidade II). E-mail:
alynni.avila@edu.pucrs.br .
potencialmente vítimas disso. Não vou questionar
se as mulheres são sistematicamente
discriminadas; vou procurar essas mulheres e
perguntar: como isso ocorre para você?”
__________________________________________________________________________________________
* Trabalho inicialmente apresentado na disciplina “Tópicos Especiais II”, oferecida pelo Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais, em 2019/1, e ministrada pela Profa. Dra. Andreia Mendes dos Santos, para os
cursos de mestrado e doutorado da Escola de Humanidades da PUCRS.
**Doutoranda em Ciências Sociais na PUCRS. Bolsista CAPES/PROSUC (modalidade II). E-mail:
alynni.avila@edu.pucrs.br .
Eu disse que foi uma sorte, porque, através dessa
pesquisa e de certo sucesso intelectual e midiático,
que ela teve, adquiri, em seguida, certa - Apesar das mudanças de
autonomia.” objeto de pesquisa, a cada
década, percebe-se que suas
“Quando fiz 40 anos, estava mais ou menos temáticas revelam a decadência
tranquilo. Depois, troquei de objeto, novamente.” das instituições nas sociedades
“Minha carreira é caracterizada pela mudança de modernas, o que se deve,
objetos. Interessei-me, logo após, pela educação. provavelmente, à influência de
Fiz pesquisas sobre educação, de certa forma, com Alan Touraine;
uma abordagem original, pois me interessei em
analisar as experiências dos alunos. Então, no
início dos anos 1990, interessei-me pela educação, - Surgimento de uma
por alguns aspectos políticos correlatos, enfim, por perspectiva mais otimista,
problemas, relativos à educação.” manifestada pelo interesse em
estudar a fraternidade e a
“Depois, entre os anos 2000 e 2010, também solidariedade humanas, nesta
mudei de objeto. Dediquei-me ao problema da fase mais madura de sua
justiça social, pesquisando sobre desigualdades, carreira como pesquisador;
sobre injustiça, sobre sentimentos de justiça, sobre
discriminação.”
__________________________________________________________________________________________
* Trabalho inicialmente apresentado na disciplina “Tópicos Especiais II”, oferecida pelo Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais, em 2019/1, e ministrada pela Profa. Dra. Andreia Mendes dos Santos, para os
cursos de mestrado e doutorado da Escola de Humanidades da PUCRS.
**Doutoranda em Ciências Sociais na PUCRS. Bolsista CAPES/PROSUC (modalidade II). E-mail:
alynni.avila@edu.pucrs.br .
“Em minha carreira, beneficiei-me de um contexto - Necessidade de estar na
incrivelmente favorável. Eu encontro Touraine, me EHESS, em Paris, como
torno um sociólogo, meu trabalho teve um pouco sinônimo de prestígio
de sucesso, pude mudar de objetos – que é uma acadêmico e social, apesar da
autonomia formidável.” distância de sua instituição de
origem, a Universidade de
“Evidentemente, essas interrogações estão um Bordeaux II;
pouco ligadas ao contexto histórico e político
atual, no qual a violência das mudanças sociais
passa por uma espécie de vertigem.” - O individualismo exacerbado,
como uma característica da
“Sim, na Universidade de Bordeaux e na EHESS, sociedade atual e que marca o
em Paris. A França é um país, no qual é necessário declínio das instituições
ter um vínculo em Paris, pois a concentração da políticas e sociais;
vida política e intelectual está extraordinariamente
concentrada nessa cidade.”
__________________________________________________________________________________________
* Trabalho inicialmente apresentado na disciplina “Tópicos Especiais II”, oferecida pelo Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais, em 2019/1, e ministrada pela Profa. Dra. Andreia Mendes dos Santos, para os
cursos de mestrado e doutorado da Escola de Humanidades da PUCRS.
**Doutoranda em Ciências Sociais na PUCRS. Bolsista CAPES/PROSUC (modalidade II). E-mail:
alynni.avila@edu.pucrs.br .
discriminação se torna uma grande figura das institucional, traz à tona,
desigualdades.” novamente, a forte influência
de Alan Touraine;
“A discriminação é um mecanismo objetivo, que
faz você dizer ou constatar que se fecham
oportunidades, como as de empregos a negros, a - A utilização do Brasil, como
mulheres, a imigrantes, etc.” exemplo da discriminação,
numa tentativa de
“Você tem injustiças sociais, em geral, aproximação, em relação à
desigualdades sociais, em geral, nas quais se terra natal do entrevistador;
misturam mecanismos de discriminação. Então,
não se deve confundir discriminação e
desigualdade social. Um operário pobre não é
discriminado, como homem, mas, enquanto
operário, ele é bastante desigual. Uma mulher
empresária rica, como empresária, é respeitada,
mas, como mulher, pode ser discriminada. Deve-se
aceitar o fato de que um mecanismo jamais exclui
o outro.”
__________________________________________________________________________________________
* Trabalho inicialmente apresentado na disciplina “Tópicos Especiais II”, oferecida pelo Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais, em 2019/1, e ministrada pela Profa. Dra. Andreia Mendes dos Santos, para os
cursos de mestrado e doutorado da Escola de Humanidades da PUCRS.
**Doutoranda em Ciências Sociais na PUCRS. Bolsista CAPES/PROSUC (modalidade II). E-mail:
alynni.avila@edu.pucrs.br .
que os professores sejam racistas e para que os
médicos sejam ‘ruins’. De certa maneira, a forma
como o hospital acolhe o paciente faz com que a
singularidade identitária seja fortemente
individualizada, dissolvendo-se, em um caso. É
um caso: ele é um muçulmano, tem câncer, etc.,
enquanto a escola é uma instituição, que produz
desigualdades coletivas, isto é, envolvendo uma
classe de pessoas, grupos ou estabelecimentos. Há
uma adequação de desigualdades sociais e de
desigualdades étnicas – até agora, vemos
estabelecimentos de ensino para estrangeiros, para
imigrantes, para negros, etc. Indivíduos se dizem
objetivamente discriminados, mesmo que
nenhuma pessoa os tenha discriminado. Eles vão
interpretar todos os incidentes da vida escolar
como sinais de discriminação. Imaginemos um
exemplo: em uma sala de aula, um professor diz a
um grupo de alunos: ‘Eu não sei mais o que fazer
com vocês’. Na França, diz-se: ‘vocês trabalham
tão mal, que eu não sei o que fazer com vocês’. Se
você diz isso, em uma sala, na qual há alunos
brancos, negros, meninos, meninas, eles entendem
exatamente o ‘eu não sei o que vou fazer com
vocês’. E, quando você diz isso, em uma classe de
alunos negros, ou, somente, de meninas negras,
esta frase se torna racista, isto é, ‘eu não sei mais o
que fazer com vocês, negros!’ ou ‘eu não sei mais
o que fazer com vocês, meninas negras!’. Então,
os alunos dizem: ‘Ele é racista’. É do ponto de
vista dos alunos que se explica o que aconteceu.
Por isso, eu falava, anteriormente, na perversidade
desse mecanismo de discriminação e de
estigmatização: no fundo, tudo pode ser
interpretado. Quando você é discriminado, tudo
que é dito pode se virar contra você. E, quando
você está do outro lado, tudo que é dito também
poderá retornar contra você. Diria que a solução
seria, provavelmente, ter consciência disso e
transformar o mecanismo institucional. Lutar
contra esse mecanismo.”
__________________________________________________________________________________________
* Trabalho inicialmente apresentado na disciplina “Tópicos Especiais II”, oferecida pelo Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais, em 2019/1, e ministrada pela Profa. Dra. Andreia Mendes dos Santos, para os
cursos de mestrado e doutorado da Escola de Humanidades da PUCRS.
**Doutoranda em Ciências Sociais na PUCRS. Bolsista CAPES/PROSUC (modalidade II). E-mail:
alynni.avila@edu.pucrs.br .
Um chinês preferirá morar em um bairro chinês,
para trabalhar com chineses (...) É mais fácil, e
isso não significa que haja hostilidade. Em outros
casos, você tem uma hostilidade violenta.”
__________________________________________________________________________________________
* Trabalho inicialmente apresentado na disciplina “Tópicos Especiais II”, oferecida pelo Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais, em 2019/1, e ministrada pela Profa. Dra. Andreia Mendes dos Santos, para os
cursos de mestrado e doutorado da Escola de Humanidades da PUCRS.
**Doutoranda em Ciências Sociais na PUCRS. Bolsista CAPES/PROSUC (modalidade II). E-mail:
alynni.avila@edu.pucrs.br .
indivíduos. Os indivíduos dizem: ‘eu não entendo parecendo ter mais afinidade
o que está acontecendo comigo’; ‘eu não tenho com este autor;
problema e descubro que sou um problema para os
outros’. Nós temos isso, hoje, no debate sobre a
homossexualidade. Um homossexual diz ‘eu quero - Trata, novamente, da
ser como os outros, invisível’. E me dou conta de produção do estigma social,
que sou um problema para os outros. De certa também, pelas próprias
forma, o que reivindico é o direito de não ser um instituições, além da
problema (...)’. Penso que existem, no contexto da discriminação (possivelmente,
pesquisa, atores políticos, que manipulam esse por influência de Alan
sentimento, abertamente: ‘une mauvaise action’.” Touraine);
__________________________________________________________________________________________
* Trabalho inicialmente apresentado na disciplina “Tópicos Especiais II”, oferecida pelo Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais, em 2019/1, e ministrada pela Profa. Dra. Andreia Mendes dos Santos, para os
cursos de mestrado e doutorado da Escola de Humanidades da PUCRS.
**Doutoranda em Ciências Sociais na PUCRS. Bolsista CAPES/PROSUC (modalidade II). E-mail:
alynni.avila@edu.pucrs.br .
Depende do onde, do momento, do por quem.
Então, também é preciso dar conta de todos estes
‘dependes’. Por isso, não existe adequação
absoluta entre as atitudes culturais e os
mecanismos sociais.”
Fonte: elaboração própria.
Com vistas a complementar esta análise inicial, fez-se, ainda, o uso da versão mais
recente do software NVivo, para a obtenção da lista de frequência de palavras e de sua
respectiva nuvem ilustrativa. Tal procedimento se mostrou bastante útil, para colocar em
destaque as 50 palavras mais repetidas nas respostas do entrevistado, sendo as maiores (em
tamanho, na imagem), evidentemente, as mais citadas por Dubet nesta entrevista.
Confirmou-se, então, com o auxílio dos recursos de informática, a constatação inicial
de que a categoria discriminação é a mais relevante na fala do entrevistado, aparecendo como
a maior palavra, na Figura 01, seguida dos substantivos “pessoas”, “sociedade”, “indivíduos” e
“desigualdades”, nessa ordem. É importante destacar, contudo, que foram consideradas, nesta
fase quantitativa da análise, apenas as palavras que continham seis ou mais caracteres.
Figura 01 – As 50 palavras mais frequentes na fala de Dubet.
__________________________________________________________________________________________
* Trabalho inicialmente apresentado na disciplina “Tópicos Especiais II”, oferecida pelo Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais, em 2019/1, e ministrada pela Profa. Dra. Andreia Mendes dos Santos, para os
cursos de mestrado e doutorado da Escola de Humanidades da PUCRS.
**Doutoranda em Ciências Sociais na PUCRS. Bolsista CAPES/PROSUC (modalidade II). E-mail:
alynni.avila@edu.pucrs.br .
a inversão de sua ordem, passando de “Estigmas e Discriminações” para “Discriminações e
Estigmas”, permanecendo, entretanto, o subtítulo “a experiência individual como objeto”.
Em síntese, neste caso específico e para os fins deste trabalho, contatou-se que, embora
realmente não exista a “magia da máquina”, o computador se mostrou uma ferramenta
importante para a pesquisa, acrescentando maior rapidez e rigor à investigação em curso
(BARDIN, 2011, p. 175). No entanto, vale sempre lembrar, a tecnologia, por si só, não é capaz
de substituir o pesquisador, limitando-se, apenas, a facilitar o seu trabalho.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Tradução: Luís Antero Reto e Augusto Pinheiro.
São Paulo: Edições 70, 2011. 279 p.
BAUER, Martin; GASKELL, George. Pesquisa Qualitativa com Texto, Imagem e Som.
Tradução de Pedrinho Guareschi. 13 ed. Petrópolis: Vozes, 2015. 516 p.
__________________________________________________________________________________________
* Trabalho inicialmente apresentado na disciplina “Tópicos Especiais II”, oferecida pelo Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais, em 2019/1, e ministrada pela Profa. Dra. Andreia Mendes dos Santos, para os
cursos de mestrado e doutorado da Escola de Humanidades da PUCRS.
**Doutoranda em Ciências Sociais na PUCRS. Bolsista CAPES/PROSUC (modalidade II). E-mail:
alynni.avila@edu.pucrs.br .