Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
sociais psicoterapêuticas
Arquivos digitais
Delari Jr., Achilles. Questões sobre práticas sociais psi-
coterapêuticas mediadas por contribuições de Vigo-
tski. In: “Estação Mir” Arquivos digitais, 2015. 22 p.
www.estmir.net
1
“Não só é importante saber que do-
ença uma pessoa tem, mas que pes-
soa tem determinada doença”
2
Conteúdos
6 Referências 21
3
1 Sobre a natureza deste material
“proximal” em língua portuguesa
4
2 “Como é a psicoterapia sócio-histórica e qual
“proximal” emfrente
sua diferença línguaaportuguesa
outras abordagens?”
5
melhor, por fim, falar apenas de “psicologia”. Mais tarde, críticos
stalinistas aos estudos de Luria na Ásia central e ao conceito vigots-
kiano de “desenvolvimento cultural” viriam a nomear suas elabora-
ções, de modo pejorativo, como “teoria histórico-cultural”. Elabora-
ções que na história da produção do autor correspondem ao período
de 1928 e 1931, não à totalidade da mesma.
Tal como o termo “marxismo”, cunhado por inimigos de Marx,
foi assimilado por continuadores como “marxistas”; também o
termo “histórico-cultural” foi assimilado por colegas e estudiosos de
Vigotski. Hoje, na Rússia, por exemplo, o principal periódico cientí-
fico que publica estudos que dialogam com o legado científico de
Vigotski chama-se “Revista de Psicologia Histórico-Cultural”. O
termo “sócio-histórico” teria sido introduzido após a morte de Vi-
gotski, por A. N. Leontiev, para denominar sua teoria da atividade.
A qual, por sua vez, mesmo sendo uma leitura marxista do desen-
volvimento do psiquismo humano, não se pauta fielmente no pro-
jeto científico de Vigotski e tem críticas ao mesmo. Entende-se que
as divergências entre os autores não eram vistas, a princípio, como
critério para expurgos e/ou censuras, em nome de uma unificação
doutrinária a todo custo. Mas como necessárias e adequadas ao
avanço da psicologia como ciência.
6
a) A proposta do psicólogo cubano Fernando Rey.
7
tando-se à organização interfuncional dos sistemas psicológicos que
ela já tem consolidados no momento atual. Supõe-se que isso dará
mais recursos para a pessoa lidar com suas situações de sofrimento
afetivo e/ou dificuldades no processo de ensino-aprendizagem, por
exemplo. Para mais detalhes pode-se consultar o trabalho da psicó-
loga brasileira Simone Marangoni pautado nessa linha interpreta-
tiva proposta por Leal (ver Marangoni, 2007). No meu ponto de
vista, esse modelo é mais rígido que o de Rey, e não tão profundo
teoricamente quanto o dele – indicando tender mais para um ambi-
entalismo.
8
pessoa “inventa” um modo “criativo” de dar sentido para ele. De
modo que se faz livre apenas como indivíduo e não como coletivi-
dade, apesar de estar “em grupo”. Isto acabaria sendo mais neocon-
servador do que “revolucionário” – adjetivo que a autora atribuiu a
Vigotski em título de livro seu com Newman (Holzman e Newman,
1993). Ao contrário do que seria a busca original de Vigotski para a
ciência psicológica com que sonhou e pela qual lutou por criar al-
guns alicerces.
9
vigotskiano mais avançado, caberia submeter a leituras mais apura-
das.
Seja como for, também vejo como bastante promissora sua aten-
ção ao tema dos “automatismos de consciência” - processos que, di-
gamos, “cristalizamos” e nos travam o crescimento, por impedirem
a vivência como superação de situações críticas. Tanto quanto se
mostra promissora a inclusão do tema do “inconsciente” como com-
ponente interno do sistema teórico e psicotécnico (atuação prática).
Tema este que, de modo algum, esteve ausente das preocupações
teóricas de Vigotski, visto de maneira crítica em contraste com o tra-
tamento dualista e biologicista que Freud dá ao tema. Sobre isso te-
nho algumas anotações feitas noutro lugar, mas que não cabem
neste momento.
10
seja, sem criar “experimentos” com procedimentos ainda não con-
solidados para “testar” com estas crianças. E houve momentos que
objetivamente revelaram avanços.
Porém, apesar de os quatro modelos anteriores não me satisfa-
zerem intelectualmente como me satisfaz a própria concepção de Vi-
gotski, não posso, nesse momento histórico, levantar descrições de-
talhadas do meu “como” – sem nenhuma regra de sigilo envolvida,
como ocorre com estas respostas às perguntas de estudantes de psi-
cologia da UFPR. Pois as pessoas que atendi não eram objeto de pes-
quisa e nada do que se passou pode ser nem será posto a público.
Desenvolver melhor este “como” demandaria fazer parte de algum
grupo ou instituição com interesses comuns, envolvendo novas prá-
ticas, relações presenciais de diálogo, orientação e estudo – o que
não está ao nosso alcance fazer, nem a isso fui convidado. Tampouco
estou em condições de montar um sistema teórico geral para lhes
propor com base apenas nas minhas leituras, que venho fazendo
desde 1987 em psicologia geral, mas apenas desde 2003/2004 no
campo das suas aplicações para a clínica.
Por isso, meu texto apresentado na UFMS, que vocês me disse-
ram ter lido na UFPR, fala de “diretrizes iniciais”. Se houver coleti-
vidade disposta a cooperar para transformarmos essas diretrizes ini-
ciais em “intermediárias” e “avançadas”, eu me disponho a estar ao
lado. Mas aqui nesse texto, não posso ir mais longe sozinho, para
responder perguntas tão amplas e um tanto formais, o que as torna
praticamente vagas. Mesmo que eu saiba que são legítimas e since-
ras.
11
percursos marginais, paralelos e, muitas vezes, em choque com os
cursos oficiais de formação de psicólogos num país capitalista peri-
férico como o Brasil.
Mas, tal concepção se coloca, para mim, como aquela mais fiel
às contradições imanentes ao real, do que todas as demais que me
foram apresentadas em abundância no ensino escolar dito “supe-
rior”. Tudo que eu sei sobre outras abordagens é o que me foi ensi-
nado nas disciplinas obrigatórias da faculdade, e posto que tão so-
mente obrigatórias e não necessariamente condizentes com meu
projeto de vida, de ciência e de profissão, nenhum aprofundamento
nelas jamais desejei ou necessitei ter. Espero que façam suas pró-
prias comparações se isso for realmente importante para vocês.
12
3 “Qual é o foco na terapia?”
” em língua portuguesa
13
nossa capacidade de irmos além dos nossos limites atuais com a con-
tribuição de alguém; e da capacidade de contribuirmos para que a
liberdade de todos seja ampliada. Certamente, no plano concreto –
multideterminado – isso não pode ser uma “exigência” a ser aten-
dida apenas pelo esforço de um terapeuta e da pessoa que conta com
seu trabalho... Porém o objetivo não deixa de ser o de nos tomarmos
mais livres e capazes de auxiliar as pessoas a que se tornem tão mais
livres, quanto nos seja possível, dentro dos limites históricos dados.
Limites cuja demarcação permanece em permanente disputa, no
seio da luta de classes.
Tais possibilidades de avanço no desenvolvimento da persona-
lidade de alguém, vão implicar atitudes não apenas da pessoa para
consigo mesma, mas, em alguma medida, para com todas as rela-
ções sociais das quais participa ativamente ou das quais possa des-
cobrir, no próprio processo terapêutico, que pode vir a participar.
Dando sua contribuição para que tais relações sejam mais saudáveis,
mais densas, para além do corriqueiro e do banal que por vezes nos
massacra, por não termos como passar a ser quem ainda não somos.
O objetivo da terapia, na perspectiva do legado teórico de Vigotski,
só pode ser contribuir para o desenvolvimento integral da persona-
lidade rumo à conquista da maior liberdade possível, no sentido co-
munista do termo.
14
terapêutica (na qual o terapeuta não é neutro, muito menos supe-
rior) como significação a ser desenvolvida.
Ou seja, os processos de significação mediante os quais alguém
aprendeu a se relacionar com a realidade, não apenas se colocam
para o terapeuta como algo a ser “explicitado” e “decifrado”. Mas
como uma atividade viva, que é posta à prova da prática dialógica
terapêutica, e tem possibilidade de desenvolver-se, de deixar de ser
tal como fora até então. Tais processos são dinâmicos, e podem vir a
ser refeitos, reorganizados, reinterpretados, redirecionados em par-
ceria, para uma distinta tomada de atitude nas relações da pessoa
com os demais de seu convívio social. Não se trata de forjar atitudes
de controle da pessoa para consigo mesma, para que possa apenas
“suportar” a vida com os demais, ao adaptar-se ao mundo perverso
que ora está posto. Pois partimos do princípio vigotskiano que as
relações interpsíquicas são a força motriz para a reorientação dos sis-
temas intrapsíquicos. Lembrando sempre que o social não é algo “ex-
terno” à pessoa, mas algo de que ela faz parte em relação ativa,
desde muito cedo.
Poderíamos dizer que a ênfase não é no sintoma, não é na do-
ença, mas sim no ser social que traz o sintoma ou que traz um con-
junto de sintomas que alguns profissionais dizem ser a “doença”.
Seja por alguma definição científica (explicativa) ou por simples
classificação meramente formal (descritivo-enumerativa). Com base
na orientação de que “não só é importante saber que doença uma
pessoa tem, mas que pessoa tem determinada doença” (Vygotski,
1931/1997, p. 134). Porém, entendendo que essa pessoa é um ser so-
cial, cuja vida em suas múltiplas determinações se dá necessaria-
mente em relação. Evidente que um terapeuta não pode interferir
em tudo o que uma outra pessoa vive concretamente, não podemos
fazê-lo nem com relação a nós mesmos.
Porém é a esta pessoa como síntese de suas relações que volta-
mos o nosso “foco”, nosso olhar, nossa escuta, nossas perguntas e
nossas sugestões, nosso silêncio. E tanto melhor podemos tomá-la
como pessoa real quanto melhor pudermos resgatar significações re-
levantes que traz sobre o que vive em diferentes situações sociais.
Processos de significação que não só refletem a realidade, como tam-
bém a refratam. Mas tendo esse aspecto refratário não são tomadas
apenas como “projeções fantasmáticas” de um mundo interno que
distorce a realidade ao bel prazer. Toda a significação verbalizada,
15
gesticulada, desenhada, escrita, silenciada, trará algum lastro de ob-
jetividade sem o qual ela sequer poderia se constituir como processo
de significação...
E assim o “foco” é “multifocal” – mas não é aleatório, ou seja,
não é desprovido de organização mental por parte do terapeuta.
Pois esse pauta numa teoria do desenvolvimento da personalidade
humana mais genérica que lhe dá suporte ao diagnóstico. E domina
uma teoria da gênese e da função da linguagem que lhe permite não
tratar os diferentes modos de significação de modo apenas conteu-
dista - ou seja “a qual realidade objetiva esta fala se refere”. Mas
também e fundamentalmente à dialética conteúdo-forma – ou seja “de
que maneira esta fala se refere à realidade objetiva”, mantendo-a e
transformando-a. Mas para isso é preciso estudar a própria teoria,
como em todas as correntes psicológicas oficialmente consideradas
válidas no momento histórico atual.
16
4 “Utiliza-se alguma técnica?”
“proximal” em língua portuguesa
Também não sei o que quer dizer “alguma técnica”, nem se seria
humanamente possível qualquer trabalho, digno desse nome, ser to-
talmente desprovido de técnicas ou simplesmente conceber que to-
das as técnicas são igualmente válidas. Como, por exemplo, numa
hipótese absurda, tratar seres humanos com técnicas usadas para
adestrar animais em laboratório, visando a que se tornem dóceis e
obedientes. “Técnica”, de modo geral, é uma palavra derivada do
grego “tekhné”, que também pode ser traduzido como “arte”. Por
exemplo, nos títulos dos livros de Aristóteles “A arte poética” e “A
arte retórica” a palavra original traduzida por arte é “tekhné”. Aris-
tóteles nesses livros se refere de modo normativo, a como bem pro-
ceder, respectivamente, na produção de obras de arte e no conven-
cimento do público, por exemplo em um tribunal ou um parla-
mento. Estava ali a “tekhné” como, por assim dizer, arte de exercer um
ofício, seja ele de criação artística ou de argumentação visando ao
convencimento.
Poderíamos imaginar que ainda não se concebera na Antigui-
dade, a divisão moderna, própria do modo de produção capitalista,
entre arte como “processo criativo” e como “saber fazer”. O que,
grosso modo, polarizamos hoje como trabalho intelectual/criativo
versus trabalho físico/repetitivo. Nesse sentido, aquelas quatro pro-
postas de que falei antes, tem suas técnicas, como vocês viram, em-
bora sem haver aqui como detalhar tudo isso. Mas em todos os casos
as técnicas não estão pulverizadas necessariamente em pequenos
procedimentos que se deva seguir para algumas situações estrita-
mente pré-estabelecidas e outros que se deva seguir para outras si-
tuações, etc. Certamente, como em outras abordagens, cabe o discer-
nimento intelectual e pensamento criativo por parte do terapeuta,
não só reprodutivo dos cânones de sua abordagem.
Se tiverem oportunidade de ler o livro de Paul Roazen “Como
Freud trabalhava” - com entrevistas com pessoas que foram anali-
sandas de Freud - verão, por exemplo, que o “Mago de Viena" várias
vezes quebra regras que indicava canonicamente para seus próprios
discípulos, como a de não se envolver pessoalmente na vida dos
analisandos (chegou a ser padrinho de casamento de uma paciente).
17
Além disso, existem procedimentos simples que podem migrar de
uma orientação teórica para outra e ganhar outra conotação, função
e objetivo – como sugere Fernando Rey, e tendo a concordar, embora
com algumas ressalvas. Assim como existem técnicas mais específi-
cas que talvez sejam indispensáveis para algumas dentre as verten-
tes “histórico-culturais” existentes, porém totalmente dispensáveis
para outras.
Não sei se fui claro, quando falei do que vocês perguntaram so-
bre “como é?”, quanto a que ali já estava compreendido o aspecto
técnico. Mas se não o fui, a partir de agora teria se tornado possível
perceber isso, mesmo que de modo introdutório e resumido?
18
5 “Enfim, como é a prática psicoterapêutica?”
“proximal” em língua portuguesa
19
Um dos problemas de responder a perguntas muito amplas, e
sem estar diante do interlocutor é que, na tentativa de não ser sim-
plista, cabe desdobrar problemas que precedem a resposta direta
das perguntas. E isso tomará tempo para que os realmente interes-
sados possam ler, discutir, criticar e se apropriar. Mas sobre quanto
tempo e desejo vocês terão para ler estas simples respostas resumi-
das não cabe a mim definir. Muito menos quanto tempo vocês terão
para estudar a teoria necessária para entender com profundidade
aquilo que estão perguntando. Pois o problema da prática social do
psicólogo, inclusive a do psicoterapeuta, é um dos problemas mais
importantes, mais difíceis e que mais exige discussão, fundamenta-
ção abstração, compromisso e tomada de atitude. Justamente por-
que não pode ser respondido em forma de cartilha, de manual de
instruções, com algoritmos lineares ou imutáveis.
* * *
20
6 Referências
“proximal” em língua portuguesa
21
Vygotsky, L. S. (1932/2010) Two fragments of personal notes by L. S.
Vygotsky from the Vygotsky family archive (Prepared for publica-
tion and with comments by E. Zavershneva). In: Journal of Russian
and East European Psychology, vol. 48, no. 1, January-February,
2010, p. 91-96.
* * *
22