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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE ANTROPOLOGIA

ADELE REZENDE LEONEL

TRABALHO FINAL
Ensaio Sobre Abordagens Etnográficas

Belo Horizonte – Minas Gerais


2023
ADELE REZENDE LEONEL

TRABALHO FINAL
Ensaio Sobre Abordagens Etnográficas

Ensaio final, apresentado à disciplina de


Teorias e Experimentações Etnográficas
Contemporâneas, como parte das
exigências para a conclusão da disciplina.

Belo Horizonte, 10 de dezembro de 2023.


SUMÁRIO

COMANDO ........................................................................................................................................... 4

PONTOS QUE CHAMARAM A ATENÇÃO ..................................................................................... 4

CRÍTICAS ............................................................................................................................................. 6

RENTABILIDADE DA PERSPECTIVA ............................................................................................. 6

CONCLUSÃO ...................................................................................................................................... 7

BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................................... 9
COMANDO

Ensaio escrito (de 5 a 8 páginas) produzido a partir dos interesses de cada


estudante sobre uma ou duas abordagens etnográficas exploradas ao longo do
semestre. A partir de ao menos 3 textos discutidos, neste trabalho deverão ser
explorados os pontos que mais chamaram a atenção das duplas, podendo abarcar
críticas, e rentabilidade da(s) perspectiva(s) explorada(s), etc.

PONTOS QUE CHAMARAM A ATENÇÃO

Meu ensaio será sobre a prática etnográfica da escrevivência, desenvolvida


por Conceição Evaristo e amplamente utilizada nas etnografias contemporâneas. Na
disciplina de Teorias e Experimentações Etnográficas Contemporâneas, essa
abordagem foi mais utilizada na tese de Daniel Baptista “A Palavra dos
Clandestinos: escrevivências episódicas e racismo estrutural a partir da experiência
cotista negra do PPGAN-UFMG.”
Nesse texto, Daniel ressalta suas experiências e a experiência de sus colegas
entrevistados, a partir de seu próprio ponto de vista, numa espécie de narrativa.
Essa abordagem é definida por Evaristo da seguinte forma:

“Gosto de ouvir, mas não sei se sou hábil conselheira. Ouço muito. Da voz
outra, faço a minha. As histórias também. E no quase gozo da escuta, seco os olhos.
Não os meus, mas de quem conta. E, quando de mim uma lágrima se faz mais rápida
do que o gesto de minha mão a correr sobre o meu próprio rosto, deixo o choro viver.
E, depois, confesso a quem me conta, que emocionada estou por uma história, que
nunca ouvi e nunca imaginei para nenhuma personagem encarnar. Portanto essas
histórias não são totalmente minhas, mas quase que me pertencem na medida em
que, as vezes, se (con)fundem com as minhas. Invento? Sim, invento, sem o menor
pudor. Então, as histórias não são inventadas? Mesmo as reais, quando são
contadas. Desafio alguém a relatar fielmente algo que aconteceu. Entre o
acontecimento e a narração do fato, alguma coisa se perde e por isso se acrescenta.
O real vivido fica comprometido (ou o não comprometido) entre o vivido e o escrito
aprofunda mais o fosso. Entretanto, afirmo que, ao registrar essas histórias, continuo
no premeditado ato de traçar uma escrevivência” (EVARISTO, 2016, p. 7).
O que mais me chama atenção nessa abordagem é a veracidade com que ela
apresenta sua versão da história, deixando claro que independente da abordagem
utilizada, a histórica contará com a sua versão dela, e que não é possível contar algo
exatamente como aconteceu. Trazendo um ar de literatura que deixa a obra mais
interessante para a leitura.
Outro ponto interessante é o foco em histórias de vivências não
hegemônicas. Nesse aspecto lembra-me o texto de Lila Abu-Lughod: “A Escrita
Contra a Cultura”. As críticas aos pensamentos racistas e hegemônicos ocidentais
são fundamentais para as duas abordagens apesar da escrevivência de Evaristo
não descrever isso de forma direta, não peca em deixar de lado as críticas.
Ademais, nada impede que pesquisadores adeptos da escrevivência abordem
de forma direta as críticas às sociedades ocidentais. Tendo por exemplo o texto de
Daniel Baptista, é evidente sua abordagem densamente crítica à comportamentos e
institucionalizações racistas na UFMG.

“A “palavra dos clandestinos” é, justamente, esse trabalho: o registro escrito,


a escrevivência, a elaboração narrativa das histórias de sujeitos e personagens que,
ao ingressarem (e permanecerem) nos espaços institucionais do PPGAN e da UFMG,
transformaram suas trajetórias, consciente ou inconscientemente, em atos de
reivindicação ontológica, ainda que tal reivindicação não tenha sido declarada ou, até
mesmo, tenha sido evitada, em muitos momentos, por alguns desses discentes.”
(BAPTISTA. 2023)

Para mais, a escrevivência ressalta seu modo próximo de lidar com os


interlocutores, de uma forma como eu não havia percebido em nenhuma outra
abordagem. No texto de Daniel, por exemplo, ele mostra de forma ampla a relação
que ele tinha com seus interlocutores, inclusive no momento da escrita de sua tese,
da escolha dos nomes que os representaria na tese, e nas lutas diárias antirracistas
no ambiente acadêmico. A forma como Daniel descreve a sua tese expressa seu
contato forte e tomada dos sentimentos dos seus interlocutores que resume bem o
que foi escrito por Conceição no trecho mais acima.
CRÍTICAS

Apesar de considerar uma abordagem muito completa, também existem


questões sobre sua aplicação. Nesse sentido, é uma abordagem difícil de ser feita
em contextos digitais em que o pesquisador vai trabalhar apenas com comentários,
ou seguindo uma “hashtag” como por exemplo, no trabalho de Luiz Augusto Vieira
Júnior: “Quantas Curtidas Merece Essa Trans?”: A Recepção da Transexualidade
nas Mídias Digitais” em que o autor trabalha seguindo comentários relacionados a
levantamentos feitos no Portal Globo e em Grupos chamados: Transgente e
Hetero/orgulho.
“Os comentários que tive o acesso serão analisados, como também já
mencionado na introdução, a partir da análise de discurso proposto por Foucault
(2006) com enfoque nos estudos teóricos Queer de gênero que dialogam com
vertentes pós-estruturalistas, como também de bibliografias que se valem de
perspectiva sócio antropológica sobre os temas mídia digital, recepção, visibilidade,
ódio, luta, resistência, violência social, dentre outros relacionados à problemática de
pesquisa que vão sendo encontrados imergido no campo. Assim, por meio de um
aporte teórico foucaultiano recorro e dialogo com teóricos pós-estruturalistas
possibilitando uma discussão que problematize os enunciados discursivos levantados
pela recepção da transexualidade sobre o escopo dos direitos das transexuais e da
legitimação da transexualidade pensando a identidade de gênero e sexualidade como
uma dimensão biopolítica à luz da teoria Queer89; englobando inclusive reflexões a
respeito da abordagem antropológica imersiva nas relações sociais pela internet.”
(VIEIRA Jr. 2018)

Nesse contexto o autor não vivencia diretamente experiências com seus


interlocutores mesmo que digitalmente. Ele apenas segue os comentários. Portanto,
a lógica da escrevivência seria dificultada nesse contexto de pesquisa.

RENTABILIDADE DA PERSPECTIVA

A perspectiva da escrevivência pode produzir distintos resultados. Ela pode


ser muito proveitosa no sentido de que permite que tanto o pesquisador quanto seus
interlocutores possam se expressar mais livremente, escrevendo sobre seus
sentimentos, pensamentos, impressões, que também permite com que os leitores do
trabalho compreendam melhor e se sintam mais à vontade com a leitura. Além disso
ela, muitas vezes, dispensa gravadores e anotações desnecessárias, fazendo com
que os interlocutores se sintam mais confortáveis em contar sobre suas
experiências, fazendo com que as entrevistas durem mais e sejam mais proveitosas
para a pesquisa.
Tendo entrevistas mais longas e a oportunidade de se expressar mais
livremente faz com que a pesquisa seja mais extensa, e pode-se falar de modo
menos formal trazendo mais facilidade em escrevê-la. Além disso, por meio das
conversas com os interlocutores e consigo mesmo, o pesquisador pode perceber
aspectos que ele ainda não tinha percebido no início da pesquisa; novas teorias
podem surgir.
Desse modo, unindo uma experiência mais gratificante e produtiva para o
pesquisador, os interlocutores e os leitores, a escrevivência, acredito eu, seja uma
perspectiva extremamente rentável.
No entanto, mesmo com tantas vantagens, o pesquisador pode encontrar
muitos desafios com a realização da pesquisa no mundo acadêmico. Isso ocorre,
pois ainda há preconceito com essa perspectiva por ser considerada, por muitos
conservadores como “pouco científica e muito pessoal”. Por conta disso, o
pesquisador pode ter problemas com sua banca e eventuais professores que
discordem dessa perspectiva.

CONCLUSÃO

Por fim, tendo em vista todos os aspectos citados no presente trabalho, a


perspectiva da escrevivência é muito ampla com muitos pontos positivos que
permitem que o pesquisador possa trabalhar de forma livre e criativa. Tendo em
vista essas questões, os apontamentos que mais me chamam atenção são a
veracidade com que aborda o fato de que é uma escrita posicionada e parcial; a
tematização que tende a escrever sobre temas de vivências não hegemônicas
dando campo para críticas sobre a sociedade ou aspectos específicos dela, e o
modo próximo com que os pesquisadores e interlocutores são dispostos, por terem
conversas mais longas e vivências conjuntas mais amplas.
Apesar de muitos pontos positivos, existem questões como o fato de não ser
uma pesquisa fácil de ser aplicada em contextos digitais, onde não há troca entre o
pesquisador e os interlocutores diretamente. Em contextos acadêmicos atuais ela
pode não ser bem aceita por alguns professores mais conservadores, por ser
considerada demasiadamente subjetiva.
Mesmo com todas estas observações, acredito que a escrevivência
proporciona uma boa rentabilidade, permitindo que tanto o pesquisador e seus
interlocutores se expressem melhor, propiciando uma leitura mais interessante.
BIBLIOGRAFIA

• ABU-LUGHOD, Lila. 2018. A escrita contra a cultura. Equatorial, Natal, v. 5, n.


8.

• BATISTA, Daniel. 2023. “A palavra dos clandestinos”: escrevivências


episódicas e racismo estrutural a partir da experiência cotista negra do
PPGAn-UFMG. Tese (Doutorado em Antropologia Social). Universidade
Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte.

• EVARISTO, Conceição. 2016. Olhos D'água – 1. ed. – Rio de Janeiro: Pallas:


Fundação Biblioteca Nacional.

• HERMINIO, Beatriz. A escrevivência carrega a escrita da coletividade, afirma


Conceição Evaristo - Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São
Paulo - 2022. Disponível em: http://www.iea.usp.br/noticias/a-escrevivencia-
carrega-a-escrita-da-coletividade-afirma-conceicao-evaristo#content.
acessado em: 10/12/2023.

• VIEIRA Jr., Luiz. 2018. O acesso aos comentários e seus tipos de


enunciados. In: “Quantas curtidas merece essa trans?”: a recepção da
transexualidade nas mídias digitais. Tese (Doutorado em Ciências Sociais).
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho.

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