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A OBRA PERSPECTIVAS
SOCIOLÓGICAS: UMA VISÃO
HUMANÍSTICA DE PETER BERGER*
Eliane Gonçalves**
A
brir o Webinário “Leituras de Peter Berger”, este autor que tanto me ensinou
sobre a sociologia, me conduz imediatamente às suas ideias centrais: estar
aqui é como tatear no escuro quando se é criança, sentir este medo diante do
desconhecido que abala nossa segurança ontológica mediante o risco. Aqui
me explico:
1) Não é comum estar sob a pele de alguém que fala sobre um teórico das ciências
sociais. Minha ligação com a pesquisa empírica sobre gênero aliada à refle-
xão filosófica e política envolvendo o feminismo tem demarcado o escopo da
minha fala pública enquanto acadêmica. Assim, aceitei este empreendimento
meio perplexa e envaidecida, indagando o que exatamente queriam de mim.
Este livro introdutório tem uma missão: seduzir leitores(as) para a compreensão da
sociologia. Um livro para ser lido e não estudado, já nos alerta Berger no
primeiro parágrafo do prefácio. Se conseguimos chegar até o final e não pular
ALTERNAÇÃO E BIOGRAFIA
Então, Berger nos apresenta o seu Excurso no capítulo 3 – Alternação e biografia (ou:
como adquirir um passado pré-fabricado). Acho que foi a primeira vez que li algo
assim. Aqui o autor se aproxima muito do que para mim é a teoria do ponto de
vista (standpoint theory) na epistemologia feminista, algo controversa como todas
as teorias. Mas Berger a coloca de maneira muito interessante. Um ponto de vista
determinará o modo como o sociólogo percebe e descreve o seu objeto. E afetará
a maneira pela qual descreve a si mesmo, sua biografia. Há aí um respeito ao ca-
ráter relativo das verdades particulares; o que é certo, ou normal, varia conforme a
localização dos indivíduos. Essa possibilidade de ver os pontos de vistas alterados
de acordo com a experiência - morar em outro país, deslocar de um estrato social
a outro, mudar de partido político, tornar-se vegetariano, sair do armário, entre
outras - é o que o autor denomina de “alternação biográfica” - quando podemos
escolher entre sistemas de significados diversos e mesmo contraditórios -, um ter-
mo que, segundo o autor, soa melhor que “conversão” impregnado de conotações
religiosas. Esses significados mudam no curso da vida. Por esta via de compreen-
são dos processos de significação a partir da experiência, Berger alude à capa-
cidade de vivermos várias realidades mesmo contraditórias sem que percamos
nossa integridade ou nossa “segurança ontológica”. As inúmeras possibilidades
de alternação biográfica levam o autor a pensar novamente em cosmopolitismo,
uma característica comum à cena urbana em expansão no mundo moderno.
Tal processo faz parte do modo como somos moldados e de como moldamos de volta
CONCLUSÃO
Caminhando para minhas palavras finais, quero dizer que minha admiração pela pri-
meira leitura deste livro só encontra paralelo com a de Frédéric Vandenberghe,
em um ensaio sobre Berger como um tributo, no ano de sua morte:
Recordo-me, como se hoje fosse, o dia em que, ainda jovem universitário, li esse
livro, numa aula de estatística. Acostumado a uma concepção positivista
dos seres humanos como um fator, estes se transformaram, de repente, em
atores que começaram a dançar. (...) Agora, que ele já se foi, nós podemos
agradecer sua orientação para a teoria social, elogiar o brilhantismo de seus
primeiros trabalhos, enaltecer sua sensibilidade existencial sobre a condição hu-
mana, honrar a ausência de pretensão que marca seus escritos e nos deliciar com
algumas das brincadeiras que ele foi salpicando ao longo de sua obra (VAN-
DENBERGHE, 2017, s.p.).
Acredito que quando um autor ou autora nos afeta intelectual e emocionalmente é por-
que sua narrativa contém elementos de grande ressonância - consonante ou dis-
sonante, não importa - em nós mesmas/os. Significa que sua humanidade está
estampada no que escreve e que suas opiniões não são conciliatórias apenas, ou
seja, não buscam atrair pelo alinhamento fácil às suas ideias. Berger produziu
uma obra vasta e duradoura e, por isso mesmo, objeto de problematizações e
críticas. O webinário prestou-lhe uma justa homenagem. Estou muito feliz de
ter contribuído, ao me juntar a outras vozes, para fazer esta “pedagogia sobre
Berger” que alcançou tanta gente de dentro e de fora das ciências sociais.
Abstract: the present article is a rewritten and slightly expanded version of the lecture
given on September 17th, 2020, at the opening of the Webinar “Peter Berger’s
Readings”. From a situated, particular and interested appreciation, I offer
a commented explanation of his longest-running work: Invitation to Sociol-
ogy, a humanistic perspective, offering examples of its use in the classroom
in undergraduate social science classes, as well as connections with other
theoretical approaches.
REFERÊNCIAS