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De modo muito geral a epistemologia social visa investigar como aspectos da vida cognitiva –
individual e coletiva – se relacionam com evidências, práticas sociais e grupos ou entidades coletivas; isto
é, de que forma estados cognitivos são afetados por aspectos da vida social. Em suma: o estudo da
dimensão social do conhecimento. De modo mais específico podemos reconhecer pelo menos duas
formas de agregar as pesquisas que tratam desse tema. Uma mais próxima da sociologia do conhecimento
e outra mais próxima da epistemologia analítica. Neste verbete nos concentraremos na exposição da
taxonomia apresentada por Goldman e Blanchard (2016), que possui estreita relação com o trabalho de
Alvin Goldman na tradição analítica. Antes disso, porém, apresentamos um breve histórico sobre o uso
do termo “epistemologia social” dentro e fora da filosofia.
1. Breve Histórico
O termo “epistemologia social” foi utilizado pela primeira vez por Jesse Shera (1977) no contexto
da biblioteconomia (ZANDONADE, 2004; LAMAR, 2007; CICHOSKI, 2013). Dentro da filosofia o termo
aparece pela primeira vez apenas em 1987, pela ocasião da publicação de uma edição especial da revista
Synthese, com o tema epistemologia social. Na introdução, o organizador, Frederick Schmitt, manifesta o
tom de crítica à epistemologia analítica como praticada até então: essa muito pouco se interessou pela
relação entre conhecimento e sociedade, fixando-se demasiadamente em processos e avaliações
individuais. E é para suprir essa lacuna que se faz necessária uma “socialização” da epistemologia.
De acordo com Schmitt (1994, 1999), a ênfase social na filosofia analítica em geral e na
epistemologia em particular visa utilizar essas ferramentas e métodos para compreender a constituição
social humana. E foi a partir do momento em que filósofos analíticos se voltaram para os aspectos sociais
que passou-se a notar, de maneira cada vez mais nítida, a existência de um viés individualista na produção
filosófica.
1
Professor da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). E-mail: jleonardo.ruivo@gmail.com.
2
Professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). E-mail: luizpcichoski@gmail.com.
Atentar para esses vieses permite à comunidade considerar, ou mesmo, reconsiderar, seriamente
as consequências de se aderir a uma premissa individualista. Mesmo sem entrar no mérito da discussão,
podemos exemplificar esse ponto no contexto da epistemologia do testemunho: há um amplo
reconhecimento de que o ideal de autonomia intelectual é o que produz pressão sobre a necessidade de
que o testemunho seja fonte secundária de justificação. Contudo, somente com a constatação de uma
premissa individualista torna-se claro o risco de um ceticismo, afinal: se boa parte do nosso conhecimento
histórico, por exemplo, parece ser baseado no testemunho como fonte primária de justificação, então, ou
se reconsidera o lugar do conhecimento histórico, ou se reconsidera o lugar do testemunho como fonte
secundária de justificação. A tradição anti-individualista pressiona o segundo disjunto da consequente.
Cabe notar que essa preocupação com a dimensão social do conhecimento não é uma
preocupação exclusiva da filosofia analítica. De acordo com Martin Kusch (2011), Alvin Goldman e Thomas
Blanchard (2016), podemos encontrar, no final dos anos 60 e início dos 70, em autores como Thomas
Kuhn; Michel Foucault; nos defensores do “programa forte” da Sociologia da Ciência; e na emergência da
filosofia feminista uma mesma preocupação: mapear e compreender de que forma conceitos como
conhecimento, racionalidade e justificação se relacionam com aspectos da vida social.
Ainda que esse conjunto de abordagens partilhe de uma preocupação semelhante, podemos
identificar dois modos bastante diferentes de fazer epistemologia social, caracterizados por Kusch (2011)
como uma compreensão ampla e estreita da área. De modo amplo, a área abrange toda investigação
sobre o papel da dimensão social dos conceitos epistêmicos (conhecimento, crença verdadeira,
justificação, sabedoria, entendimento, dentre outros). Nessa compreensão a epistemologia social engloba
disciplinas como a sociologia do conhecimento, história social da ciência ou filosofia das ciências sociais,
assim como estudos que seguem linhas pragmatistas, marxistas e da hermenêutica. A epistemologia social
compreendida de forma estreita se inicia em 1980 e está centrada na epistemologia analítica, influenciada
pela filosofia feminista e filosofia da ciência.
Embora Kusch pretenda ultrapassar tal cisão3, a visão estreita (para utilizar o vocabulário do
autor) parece ser a que melhor conseguiu determinar um programa de pesquisa mais ou menos coeso.
Nesse sentido, cabe notar como tal concepção estreita se aperfeiçoou a fim de incorporar um programa
de pesquisa vasto que detalharemos a seguir.
3
Ele subdivide-a em, respectivamente: epistemologia social analítica, genealógica, histórica, política e epistemologia
naturalizada (cf. KUSCH, 2011)
O projeto da epistemologia social passa a fazer parte da agenda da filosofia analítica
principalmente a partir dos trabalhos de Alvin Goldman, que tem início no final dos anos 1980 e cuja forma
mais acabada encontra-se no seu livro Knowledge in a Social World, de 1999. A marca central do projeto
de Goldman é que a pesquisa em epistemologia social deve ser orientada para a noção de verdade. Outros
autores que também contribuíram significativamente para o campo da epistemologia social de orientação
analítica, ao longo da década de 1990, foram C.A.J Coady, Edward Craig, Steve Fuller, Philip Kitcher e
Frederick Schmitt. Esse último desenvolveu um robusto trabalho ao longo do final da década de 1980 e
na década de 1990, onde destacam-se o supracitado volume especial da Synthese além de livros e
verbetes que buscaram refletir sobre a natureza e o escopo da epistemologia social. Steve Fuller, por sua
vez, participou da edição especial organizada por Schmitt, e contribuiu significativamente para a área
tanto com a criação da revista Social epistemology, em 1987, assim como com a publicação de um livro
com o mesmo nome em 1988, sedimentando assim a utilização do termo no contexto filosófico. Porém,
o autor distanciou-se da concepção estreita de epistemologia social, se aproximando de tópicos e temas
relativos a sociologia do conhecimento científico.
Alvin Goldman trouxe para a epistemologia formas paradigmáticas de trabalhar com fenômenos
sociais tanto com seu livro de 1999 quanto com o lançamento, em 2004, da revista Episteme. Esses marcos
serviram para mostrar que, para além de rótulos, o critério distintivo das pesquisas em epistemologia
social se dá através da do tipo de problemas abordados. Talvez por isso que Goldman e Blanchard (2012,
2016) situam como critério de demarcação para o trabalho em epistemologia social o modo como o
“social” é determinado e não a aproximação ou afastamento com a epistemologia analítica. Diante disso,
são propostos três ramos para a epistemologia social: a epistemologia social pode ser interpessoal,
coletiva ou institucional.
O terceiro ramo da epistemologia social incide sobre o que os autores chamam de instituições e
sistemas. Aqui, visa-se a avaliação epistemológica de práticas sociais, como, por exemplo, o impacto de
preconceitos na recepção de informação ou atribuição de credibilidade (a chamada injustiça epistêmica);
discussões sobre a confiabilidade de meios alternativos de informação (fontes como Wikipédia, Facebook
ou a Internet de forma geral); sobre a capacidade do sistema legal em rastrear verdades (e, com isso,
promover a justiça). O que há de comum no conjunto de questões desse ramo é que o objeto da
epistemologia social não é tão somente a avaliação da performance epistêmica de indivíduos, mas
também de sistemas (práticas sociais e institucionais). Dessa forma, abre espaço para a discussão da
possibilidade de uma “epistemologia aplicada”: de que forma a teoria epistêmica pode guiar a crítica,
construção ou reforma de estruturas sociais?
Isso faz deste ramo o mais vasto e diverso, podendo abrigar uma miríade de tópicos como:
construtivismo social, epistemologia da argumentação, epistemologia da democracia, epistemologia do
direito, epistemologia da educação, epistemologia feminista, epistemologia da internet, epistemologia
moral, epistemologia social da ciência, liberdade de expressão e relativismo epistêmico.
3. Perspectivas da área
A área da epistemologia social, ainda que bastante nova, dispõe de contornos cada vez mais
precisos. As ramificações propostas por Goldman e Blanchard delineiam um critério inclusivo, uma vez
que desloca o foco para problemas filosóficos ao invés de correntes ou modos de se fazer filosofia. Há,
contudo, tentativas recentes de delinear o campo que ainda estão sendo exploradas, como os trabalhos
de Patrick Reider (2016) e Sanford Goldberg (2016). De forma mais dinâmica pode-se acompanhar as
produções em epistemologia social em duas revistas. A Episteme, fundada por Goldman e a Social
Epistemology, fundada por Fuller. Essa última ainda mantém o blogue Social Epistemology Review and
Reply Collective permitindo assim um espaço profícuo e diverso para o debate.
Ainda que em desenvolvimento, as caracterizações apresentadas servem para mostrar como a
epistemologia social tem se constituído como uma área diversa, incorporando importantes debates sobre
como aspectos da vida cognitiva – individual e coletiva – enfatizando a relação que os estudos sobre o
conhecimento têm com práticas interpessoais e institucionais.
LEITURAS INTRODUTÓRIAS
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REFERÊNCIAS
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Bimestral
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