Você está na página 1de 6
| ALGUMAS NOTAS CRITICAS SOBRE O PRINCiPIO DA PRESUNCAO DE VERACIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS, Alexandre Santos de Aragio* © prinetpio da legalidade se apresenta como a sujeigto de toda atividade administraiva, em sentido amplo, & lei, no podendo atuar sem base legal ou ‘onsttueional.! [No dircito positive brasileiro, esse postulado, além do disposto no art. 37, esti ccontido no art. 5, inciso Il, de Constituigdo Federal e, como conscquéncia, obriga ‘0 Estado, como administrador dos interesses da socicdade, a agir secundum legem, jamais contra legem ou mesmo praeter legem: Asseutada tal premissa, eabe dizer que a doutrina brasileira reconhece uma prosuncdo relativa de legatidade? como um dos atributos dos stos da adminisiragio pilblce e, em docorréncia dela, presiime-se que seus atos sejam veridicos ¢ legtimos, {tanto cm relagio a0s fatos por cla invocados como sua cause, quanto no que toca as razbes juridicas que os motivaram [Nesse diepasio, tal presungio abrange dois aspectos: de um lado, a presungdo de verdade, que diz respeito a certeza dos fatos; de outro lado, & presungio da legalidade, pois, se a administrasdo piblica se subimete & lei, presume-se, conforme rmencionado, até prova em contrério, que seus atos sejam praticados com obscrvncia das normas legais pertinentes. Ensina Dinaan Gunes que: '@ presungdo de legalidade implica que sto exarado pela ‘Administragao presume-se legal (conforme o direito), valendo até o reconhecimento jurfdieo de sus nulidade. Em decorréneia de sua presumida corres, tem-se a presungio de veracidade do ato: seus pressupostos fticos so admitides como verdadeitos até prova em contrivio* Essa presungiio de legitimidade do agir do Hstndo, que vem expressa no proprio contetide democritico do estado de direito, 0 submete, além da vontade ‘Mee em Dirito Poblico pela Univecsade do Esto do Rio de Janeiro (Ver) ¢ Dexter ea Ditsto do Esto pee Universi de Sto Paulo (USP. Professor-tulr de Direto Admiiststive a Ut). Proeuador do stad do Rio de Zanciro o Advogao, "MORE NETO, Dingo de Figured. Caso de dae adnate Rio de ae Fos, 208, 9. id p88 ® GUEDES, Demian A presung de veraciade eo estan democrtien dedi: uma cavalo qu 48 limi. n: Dire administrating e seu noses paradigmas, lo Horiaonts: Fé, 2008p 245, “ GUEDES, Dunnan, A presunsto de vercidade 0 et democritic de dro: oma reavaliago que se mpi, in Dine administration o seus none paradignus, Bao Movant: Fénum, 2008 ‘Revista do Dieto da Provuradria Geral, Rio We lato, (9) 2015 a _juridicamente positivada - situadn no campo do principio da logalidade -, também & vontade democraticamente expressa? ‘esse sentido, cita-se a pertinente prelego de Dioso pe Ficuakupo Monsen Nato, afirmando que’ «8 Iegitimidade se deriva diretamente do prine(pio democritico, destinada a informar fundamentalmentea relaedo entre a vontade oral do povo e as suas diversas expressOes estatais - politicas, administrativas © judiciarias, Trata-se de uma vontade diftss, ceaplada e definida formalmente a partir de debates politicos, de processos eleitorais e de instrumentos de participaco politica ispostos pela ordom juridiea, bem como captada e definida informalmente pelos veiculos abertos a liberdade de expressio clas pessoas, para saturar toda estrutura do Hstado democritico, de modo a’se tornar necessariamente informativa, em maior ‘ou menor grau, conforme hipotese aplicativa, do exercieio de todas as funcées ¢ em todos os nivels em que se deva dar alguma integragio juridica de sua ago, Contudo, insta consignar que tal prosungae & relative, juris fant, admitindo prova ou argumentagio em sentido contririo, da mesma forma que a possibilidade de sua impugnagio judicial € sempre garantida® Esse € o principio que embasa a dita “fe piblice” atribuida a declaragbes proferides por autoridades piblicas ou agentes dela delegatirios (0 tabelifo possui £8 piblica nas declaragbes que afianga acerca de contratos imobillrios; 0 guatda de trinsito, ainda que nio tenba como obrigar o motorista supostamente alcootizado a realizar o teste do bafbmeteo, pode e deve indicar os sinais extriores de embringuez, lais como a dificuldade de se expressar verbalmente o andar com dificuldade, & cssas afirmages sero tas, na esfera adminisrativa, at prova em contrtio, como verdadeiras quanto a existéncia doa fatose vélidas quanto a sua juriicidade).* Morea Neto, Cure le Divito dminstratv, 15. Rio de Sanco: Foree 8 * Curios oamo«orenugf do dieito peruano paoce sor invrs dori tasifito com tmapresne30 ti versie das aflemagSes dos adeno, no de adminis pblica, coin expresso na Loy 2744/2001, nos seine tence: "1,7 ~ Principio de prenmncin de seracidad. Bn a eacion el procdhintent aanisiroiv, a8 presume gus les dcumento ydeclarocioner formulas por Tos faints en forma prescrta por sta Ley, esponden la ered de fas bochas gue els eer. ‘uaa presncion admite prueba encontrar" Vale lerabrar gue st 19, isin , da Conattuigao da Replica, exablece que wm eto politico Unio, eta, municipio, Ditto Federal ~nio pode recwsr f6 aos documentos dos dernier. «Por hundamentor everce, ht olgadoe que tmbém imputam aos pariulres 0 Gas G2 prove de ‘qe alo contra cano 9 meioambiete “Tata-se dx invero do Gos pbaro em acto evil ‘bles (ACP) que objetiva a ceparplo de dazo ambeatl A Twnna ented gus, nas ses civ fmbicnis 0 caster pdblico e eletiva do bom jroo ttlede nfo eventual hiposueténcia do sutor da demena om slap ao eu cond &eonlusto de que algine dreas do eotsumidor tbe ‘doven sor erendios ao stor daqucae age, poe ease buscar eaguaria: (@ lta vars reparar) © ‘ribo pablo coletvo conmbstenclado no mci ambiente. A ext reps, cme pinlpi da Dreeaueto, sce preceitua que o mo ambient deve ter em seu fiver 9 beneco da dvd no cao de Incetea (pr fla do provascentfiamente celevaues) sob o exo causa ene eterminada atividnde 2 ovina de Diode Procurdoria Gen, Io defacto, (9), 2018 | | / : | i i Quanto as consequéncias priticas de tal presungiio, © posicionamento outrinirio tradicional defende que a presuncio de veracidade do ato administrativo transfere ao particular ndo apenas o nus de impugné-o, mas de fazer prova de sua invalidade ow inveracidade. Nesse sentido, Hnuy Lores Mri leciona que, entre 1s consequéncias da presuno de legitimidade, esti “a transferéncia do Onus da prove da invalidede do ato adrinistrativo para quem a invoca”.? Todavia, no atual estado democritico de direito esse principio tom de ser visto com cautela, sobretudo em seus aspectos incompativeis com o devido processo legal. ‘Acesse respeito, Eouanoo Garcia ne Enreeria ¢ TowAs-RaMon Fernanne7, ensinam, tmanifestando como o principio da motivagio deve atuar para mitigar ou abolir © principio da presuncio de veracidade dos fatos alegacios pela administraglo, que “2 ‘Administragio Pablica deve provar no plano material das relap%es, de maneira que, se deixa de provar,¢, todavia, di como provados detetminados fatos, a decisfo que adotar rd inva”. Sobre esse aspecto, Demian Guaons lucida que entre 0s institutos centrais das relagbes de dirvto piblico que demandam uma cuidadosa reavaliagdo esti a presungdo de veracidade dos atos administrativos, que, apesar de nfo contar com Findamentaglo legal especifca, ainda é considerada o “Fantasma que apavora qucm fitiga com a Administragao”.*" Diz, ainda, que: porse trtar de uma presung0 que nfo ostents qualquer respaldo legislative — especialmente apés a redemocratizagto do pi © a promulgagio da Constituigko de 1988 —, » presungio de veracidade deve ser analisada com ceria “suspeits", promovendo-se sua cautelosa oposigtio a outros valores principios administrativos, estes sim, expressos no ordenamento jidico,"* E continua 0 autor afirmando que “parcela da doutrina patria entende que a presunpao de veracidade cessa diante do questionamento ou da impugnagao do ato”. atv cfeo ambicaal noclvo. Asim, a inteprctar oat. ©, VIM, da Leto. $.078/1990 ei oar 21 da Lin. 7347/1988, coajugado com o prncpio de precaue,jusitia-se a inverBo do 6s da prove, trnsfrindo para o empreendedor da atvideds posencialment esive onus de demonstra sean do emproendmento. Precedente ciao: RHSp 1.049:822-88, Die 18/5200" (REsp 972.902-RS, rel ‘na, Eliana Calmon,jlgado om 258/208). » LOWES MEIRELLES, lel), Dio adntstrativo brat. So Paulo: Maeiros, 1993.9. Vl ° Guedes, Demian. presungo de vracidade eo estado democrticn de isto, op ct p 246, " Edumrdo Carole de Ena ¢ Tomde-Raméa Fortande, spul GUEDES, Demian A prosungse do ‘verve da ats da admis pion ¢ proses aminsatvo 0 dever de eae prove, Revista intrssePiblleo, v.35, p18, 2006. = DALLAR, Aditon Abreu; FERRAZ, Sigh. Proceso adalsrura. SEo Peo: Malhizes, 2001. p 3s, Guedes, A presi de veracdade o etd demacrhico de ditto, op ci, 9.248, "Thi p24 Revista de Dives ta Prosuraona Geral, Ro de Tanai, (69), 2075 “3 Esso é também o entendimento de Banoera Dk Mito, que, ao reconhecer « presungo de legalidade dos atos administrativos, lembra que a dite presungio s6 existe até fais atos serem questionados em juizo."* ‘Nesta mesma estera, @ professora Lucia VALLE FIGUEIREDO assevera que ess presungo se inverte quando os ates forem contestados niio apenas em juizo, mas também adiministrativamente.!* Patalelamente @ tais assertivas, Siroro Fenn © Avison DaLcari lembram ser 0 Poder Pablico “quem tem que demonstrar a legalidede de sua atuagSo”. Assim, coneluem os autores que “a presungo de legalidade vale até 0 momento em que o ato for impugnado”. Em nossa opiniao, por forga do devido processo legal © dos prinefpios da publicidade, da finalidade e da motivagio, « administragio pobliea tem de demonstrar 08 fatos que ensejaram sua atuagflo, com 0 que, portant, no concordamos com tum principio da veracidade dos fatos alegados pela administragdo, salvo em casos excepcionais em que essa prova seria, para ela, de impossivel realizagéo (a chamada “prova diabslica”) Para Séxo1o FoRKA7, 0 processo acminisrativo & pressuposto de uma atividads adinistrativa transparent, na qual seja possivel perceber as linhas de atuagio do poder pilblco e seus desvios. Acerea disso, Na.sox Niky Cosn\ observa que a verdadeira demoeracia passa pela abertura democratizagio do Estado, com o estabelecimento de um processo adminisrativo efetivo, no qual o cidadAo possa ter reconkecido seus direitos em face da administragio.!* © principio de motivasao imputa ao agente pibtico, conforme expe Droao oF igure Mowéara Neto, “eaunciar expressamente-portanto explicita ou implicitamente + asrazbes de fto ede dieito que autorizam ou determinam a prtica de um ato juridico”,"* Viabilizando 0 conirole de tegalidade legtimidade da decisio esata lucida, ainde, o susie jursta que “o principio de. motivago & instrumental « corolrio do principio do devido processo da lei (ar. 58, LIV, CF), tendo necessiria aplieagdo as deisbes administmtivase as decistes judicidras” ‘Acesse respeito, Lucia Vata FIGUEIREDO afirma que “cabers & Administragio pprovar a esrita conformidade do ato & Ie, porque ela (Adiministraefo) 6 quem detém a comprovago de todos os fatoseatos que culminaram com a emaneeto do provimento administrtivo contestado” (O autor americano Ricrano H, Gastans observa que o devido processo legal, no fmbito das instincias administrativas, traz, como ertério de aferigto de lenitimidade, "abi, p24 "FIGUEIREDO Lia Vl Cis de Dir Aminisrato, Matos, So Pl, Mac, 201 "COSTA, Nelson Ney, Proceso adnate suas ects, Ro de Inet: Foes 2003. p. 264 "hid, 251 ' MOREIRA NETO, Diogo de figuindo, Curso de dito adbinistratro. 18 ete Ri de Forense, 2010. p. 100. * iid, p. 100-101 * FIGUEIREDO, Leia Valle. Cieso deine adnnisiraivo, S80 Paulo: Malietos, 2001p. 175, ec ‘ovis de Dito da Prosuradoria Goa, Rio de Jano, (9), 2018 | i H i i ‘nus probatérios para o Estado, que dove satisfazer os intoressados e demais eritcos te decisio, demonstrando que todas as Fontes de erm, personalismos e preferéncias foram efetivamente afasiudas do processo,™ Reforgando tal obrigaglo, a expressa diego do art. 2, § dnico, VIL da Lei nt 9784/1999, aribuindo & administracao brasileira a tarefa de indicar os pressupostos de direto e de fato que determinaram a decisio eleita. O- administrador deve, por ‘onseguinte, diligenciar, sobretudo em processos sancionadores, a busca da verdade real, visando a conferr legitimidade e justica& solucdo preceituads, Sem prova niio hi legitimaglo. Se 0 processo serve apenas para eneltecer « palavra do agente piblico e, assim, abandonar o cidadio em condigies de franca fesvantagem, invertendo o prinefpio da presungo de inoeSneia, nfo se pode falar em Jegitimagao do poder estatal Com efeito, a presimg30 de veracidade de fatos meramente invoeados pela aadminstragdo piblica levara a presungto de culpa do administrado, Bntretanto,cabe destacar que, em sentido frontalmente contrarioa tal presungio de culpa, prevé 2 Constituigdo Federal, em seu art. $6, ine. LV ee eom ine. LVI, © principio da presunedo de inocéncia, Esse principio ¢ corblitio do principio do devido processo legal, ¢ impde ao Grain acusador “o Onus substancial da prova"25 ailicitude alegede. ‘esse sentido, ensina Lu FLAvio Govt que: ‘no que conceme & natureza juridica da presungto de inoveéncia urge destacar o seguinte: do ponto de vista extrinseco (formal), destarte, no Brasil, 0 principio da_presungo. de inocéacia configura um diteito constitucional fundamental € dizer, est inserido no rol dos diteitos ¢ garantias fundamentais da pessoa (art. 5, Do ponto de vista intrinsece (substancial) é um dircito de natureza predominantemente processual, com repercussdes claras © inequivocas no campo probatério, das garantias (garantista)¢ de tratamento do acusado, E continua o supracitada autor afirmando que: 8 douttina no sentido de que o conteddo do diceto fundamental da presungio de inocéncia comporta uma dupla exigéncia: (8) do uma pate, que ningusim pode ser considerado culpado até ® ASKING, Richard H. Burdon of Pronfin Modern Disconres, Yale University Pres, 1975. 257 » Op.cit,p. 28, ® BULOS, Unit Lanmégo. Contadeto Pedra anoodo, Sto Paulo: Sacivs, 2007. p.312, De seordo ‘cot ese autor, “x doclragio do principio da presunqde de inoeénen no constavaexpresamente mab ‘consiuiebs eaters pases, Mesias, «punta center era desumida do principio do ‘onzadroe do principio ds plenitude do fess" * STR, HC m 67707-8S, rel. min. Celso de Mell, DI. 14/8/1992 * GOMES, Luiz Fivio, Sob © coated process trdimensione do principio da presungo de ination. Revista dos Trbuneds, Ste Paul, ¥. 29, oot 986 p. 382 Kevists de Dire da Procuradora Geral, Rao d laneto, (9) 2013 cd

Você também pode gostar