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Rizoma Uma Introducao Aos Mil Platos de
Rizoma Uma Introducao Aos Mil Platos de
Resumo:
Introdução
1
Estudante de graduação do curso de Letras (bacharelado em Português) da UFMG.
2
Estudante de graduação do curso de História (bacharelado/licenciatura) da PUC-MG.
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Doravante, iremos nos referir aos autores utilizando-nos da abreviatura D&G (Deleuze & Guattari).
construtivista" (DELEUZE e GUATARRI, 2004: 08), dizem os autores.
O Anti-Édipo foi um livro escrito no calor dos eventos do Maio de 68, e escrito
para aqueles que estavam fartos da psicanálise: "Sonhávamos em acabar com Édipo"
(DELEUZE e GUATARRI, 2004: 07), mas as reações ao Maio de 68 e o desenrolar da
história mostraram o quanto Édipo4 era forte e ainda dominava – e, como um olhar mais
cuidadoso pode observar, ainda domina certa parcela considerável do pensamento
psicanalítico contemporâneo. Era preciso tentar algo novo, e o que se propõe com os
“platôs” é justamente esta tentativa, a de constituir um pensamento que se efetue através
do "múltiplo" – e não a partir de uma lógica binária, dualista, do tipo “um-dois”,
“sujeito-objeto”, que se efetue por dicotomia, tal como vemos na psicanálise, na
lingüística e na informática –, de modo a construir uma teoria das multiplicidades que
fosse imanente, que colocasse propostas concretas de pensamento ao invés de
simplesmente se limitar à crítica da psicanálise.
O conceito desenvolvido por D&G amplia muito esta definição, justamente pelo
fato de que o conceito na botânica não comporta a multiplicidade, se limitando a definir
um tipo específico de caule. Para D&G, este tipo de caule em conjunto com a terra, o ar,
animais, a idéia humana de solo, a árvore, e etc formariam o rizoma, não se limitando
apenas à pura materialidade, mas também à imaterialidade de uma máquina abstrata que
4
O “Édipo” ao qual nos referimos e ao qual aludem os autores é apresentado como um construto, um
dispositivo histórico que estabelece um certo número de relações de poder entre a sociedade e os
indivíduos.
5
Enciclopédia On-line Wikipédia Disponível em <http://www.wikipedia.org/rizoma>. Acessado em
Março, 2005.
o arrasta, sendo, portanto, um conceito ao mesmo tempo ontológico e pragmático de
análise.
Rizoma
Qualquer ponto de rizoma pode ser conectado a qualquer outro e deve sê-lo.7
Descentramento do sujeito, negação da genealogia, afirmação de uma heterogênese8 em
oposição à ordem filiativa do modelo de árvore e raiz. O rizoma é distinto disso tudo,
pois não fixa pontos nem ordens - há apenas linhas e trajetos de diversas semióticas,
estados e coisas, e nada remete necessariamente a outra coisa. Para demonstrar estes
princípios, D&G recorrem à ontologia da linguagem, e conseqüentemente à lingüística:
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DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. Mil platôs: Capitalismo e esquizofrenia. Vol. 5. São Paulo, Ed.
34. 1997. pg. 220.
7
DELEUZE, Gilles. GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Vol. 1. Pg.15.
8
A heterogênese seria algo como a produção do inusitado em nossas vidas, algo como desfazermo-nos de
um território existencial e criar outros simultaneamente. A heterogênese é um processo similar à noção de
linhas de fuga (outra noção proposta por D&G). Para maiores esclarecimentos ver DELEUZE, Gilles.
GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Vols. 1 e 5. Ed 34. 2004
"A árvore lingüística à maneira de Chomsky começa ainda num ponto S9 e procede por
dicotomia" (DELEUZE e GUATARRI, 2004: 15), sendo assim "um marcador de poder
antes de ser marcador sintático". (DELEUZE e GUATARRI, 2004: 15) Tais modelos
não dão conta nem da abstração nem da materialidade da língua,
por não atingir a máquina abstrata que opera a conexão de uma língua com os
conteúdos semânticos e pragmáticos de enunciados, com agenciamentos
coletivos de enunciação, com todo uma micropolítica do campo social.
(DELEUZE e GUATARRI, 2004: 15)
3º - Princípio de multiplicidade
Pensar o múltiplo efetivamente como substantivo, pois é aí que ele não tem mais
nenhuma relação com o uno como sujeito ou objeto, como realidade natural e
espiritual, como imagem e mundo, pois a multiplicidade não constitui sujeito e muito
9
“S” aqui se refere à sentença como axioma central de um diagrama em forma arborescente que procede
sua analítica pela hierarquização sucessiva de elementos locais que remontam a tal axioma. Tal descrição
é espelhada na proposta apresentada pela gramática gerativa de Noam Chomsky de análise dos elementos
sintáticos constituintes de uma competência lingüística supostamente comum a todos os seres humanos.
menos objeto, mas apenas determinações, grandezas e dimensões, "que não podem
crescer sem que se mude de natureza". (DELEUZE e GUATARRI, 2004: 16) As
multiplicidades se definem pelo fora, pelas linhas que compõe um rizoma, linha abstrata
e linha de fuga. O plano de consistência (ou plano de imanência) é o fora de todas as
multiplicidades, e nele a linha de fuga marca ao mesmo tempo "um número de
dimensões finitas que a multiplicidade preenche", assim como "a impossibilidade de
toda dimensão suplementar" e também a "possibilidade e a necessidade de achatar
todas estas multiplicidades sobre um mesmo plano de consistência ou exterioridade".
(DELEUZE e GUATARRI, 2004: 17)
Um rizoma pode ser rompido e quebrado em algum lugar qualquer, mas também
retoma segundo uma de suas linhas ou segundo outras linhas.
Cada vez que há ruptura no rizoma as linhas segmentares explodem numa linha
de fuga, mas estas linhas de fuga são parte do rizoma: as linhas não param de remeter
umas às outras. Traça-se uma linha de fuga quando se faz uma ruptura, mas nela podem
encontrar-se com elementos que reordenam o conjunto e reconstituem o sujeito. "Como
é possível que os movimentos de desterritorialização e os processos de
reterritorialização não fossem relativos, não estivessem em pérpetua ramificação,
presos uns aos outros?"10 (DELEUZE e GUATARRI, 2004: 18)
Nossa evolução e morte se deu mais por gripes, vírus e bactérias polimórficas e
rizomáticas do que por doenças hereditárias.
"Um rizoma não pode ser justificado por nenhum modelo estrutural ou
10
A propósito da desterritorialização e suas relações com o território, ver também “Conclusão: Regras
concretas e Máquinas Abstratas”, In: Mil Platôs – capitalismo e esquizofrenia, vol. 5.
gerativo". Toda a lógica dos sistemas arborescentes é uma lógica do decalque e da
reprodução, tanto na lingüística quanto na psicanálise, faz-se um decalque de algo que
já está dado, a partir de “uma estrutura que sobrecodifica ou de um eixo que suporta“.
(DELEUZE e GUATARRI, 2004: 21)
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A “psicanálise do pequeno Hans” trata-se da monografia-príncipe de Freud sobre psicanálise da criança
encontrada na obra Cinco psicanálises.
Vejamos, na Figura 1, a cartografia (mapa) apresentada por Guattari a propósito do caso
Hans12:
Figura 1:
A – território familiar;
B – território do leito conjugal dos pais;
C – aparência da mãe;
D – objeto do poder fálico;
E – territorialidade maquínica do fantasma inconsciente.
Figura 2:
13
GUATTARI, Félix. Notas para uma esquizo-análise. In: O inconsciente maquínico: ensaios de esquizo-
análise. Ed. Papirus, 1988. Pg. 172.
Na figura acima percebemos com mais clareza a combinação das diversas linhas
que compõem o rizoma, que, nesse caso, (as linhas) assumem um caráter molar, de
segmentariedade dura – no caso, um processo de dominação política ditatorial.
Elementos moleculares, como a ruptura leninista e a máquina de seu partido, atuaram
primeiramente em um movimento de dissolução da antiga molaridade aristocrata da
Rússia do início do século passado, para, posteriormente, serem capturados nos
bloqueios efetuados por outras linhas – desencadeadas pela morte de Lênin e pela crise
econômica e social. Neste ponto, uma molecularidade capturada é anulada por
segmentariedades que efetivam o impasse e a levam ao nível molar, instaurando o
regime centralizador de Stalin
Bem sabemos que o capitalismo agiu no fim dos anos 80 como um vetor de
desterritorialização – linha de fuga que explode o rizoma que configurou o comunismo
soviético –, desencadeando toda uma reterritorialização dos agenciamentos, uma
reorganização das linhas. Em Anti-Édipo fica clara este caráter desterritorializante-
reterritorializante do capital, sempre disposto a ir assimilando elementos novos que
podiam fazer parte até mesmo de sua crítica, como por exemplo, nos anos 60, onde:
Considerações finais
O rizoma talvez seja o mais deleuziano dos conceitos de "Mil Platôs". É possível
perceber ressonâncias da idéia de diferença tal como Deleuze a coloca: diferença como
pura imanência, não remetendo a nada senão a ela mesma, numa superfície onde tudo se
esvai – plano de consistência ou máquina abstrata15.
15
Para maiores esclarecimentos acerca das noções de “máquina abstrata” e de plano de consistência, ver
DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. Mil platôs: Capitalismo e esquizofrenia. Vol. I. Pgs. 87 e 88. Ver
também GUATTARI, Félix. ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo. Pgs. 320 e 321.
16
A respeito do conceito de nietzschiano de vontade de potência e sua utilização por Deleuze, ver o texto
“Mistério de Ariadne segundo Nietzsche”, in DELEUZE, Gilles, Crítica e Clínica. Ed. 34. Para uma
concepção cosmológica de vontade de potência, ver o trabalho de Scarlet Marton: Nietzsche: Das forças
cósmicas aos valores humanos. Belo Horizonte: Ed. Ufmg, 2000.
cosmológica de vontade de potência subordinada à intempestividade que a diferença
pode afirmar-se sem as negatividades de uma outra identidade, conseqüentemente, é
apenas sobre ela que o rizoma pode ser caracterizado. O rizoma funciona apenas quando
desistimos das oposições binárias, e funciona como a grande cosmologia que atravessa
todos os Platôs – no rizoma entraímos e saímos em qualquer lugar.
Para lembrar Nietzsche, em seu prólogo para "Além do bem de do mal": O arco
ficou tenso e as flechas foram lançadas, cabe a nós agarrá-las e atirá-las para novos
rumo, para alvos ainda mais distantes. (NIETZSCHE, 1992: 06) O presente trabalho se
constitui como um esforço para propiciar novas tentativas de se pensar velhos temas,
como a condição humana, a economia, a subjetividade, a política, e a sociedade. Temas
velhos, mas sempre atuais – talvez até mesmo inatuais e extemporâneos – e passíveis de
constantes reconstruções, revezamentos e modificações – tal como o rizoma.
Referências bibliográficas:
_______________. Conversações. Trad. Peter Pál Pelbart. - Rio de Janeiro: Ed. 34,
1996.
DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Vol. I.
São Paulo, Ed. 34. 2004.
DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Vol.
V. São Paulo, Ed. 34. 1997.
PELBART, Peter Pál. Vida capital: Ensaios de biopolítica. São Paulo, Iluminuras. 2003.
CABRAL, Cléber; BORGES, Diogo. Rizoma: uma introdução aos Mil Platôs de
Deleuze e Guattari. Revista Critério, Disponível em:
<http://www.revista.criterio.nom.br/artigo-rizoma-mil-platos-deleuze-guattari-diogo-
borges-cleber-cabral.htm>.