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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS - FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
MESTRADO EM DIREITO

ERICKSON ARAÚJO SANTANA DE OLIVEIRA

EFICIÊNCIA E DIREITO: O PAPEL DA MAXIMIZAÇÃO DA RIQUEZA NA


ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO A PARTIR DA OBRA DE RICHARD POSNER

RECIFE
2016
ERICKSON ARAÚJO SANTANA DE OLIVEIRA

EFICIÊNCIA E DIREITO: O PAPEL DA MAXIMIZAÇÃO DA RIQUEZA NA ANÁLISE


ECONÔMICA DO DIREITO A PARTIR DA OBRA DE RICHARD POSNER

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado


em Direito do Programa de Pós-Graduação
em Direito do Centro de Ciências Jurídicas -
Faculdade de Direito do Recife da Universidade
Federal de Pernambuco, como requisito parcial
à obtenção do título de mestre em Direito. Área
de Concentração: Retórica e Pragmatismo no
Direito

Orientador: Prof. Dr. Torquato da Silva


Castro Jr.

RECIFE
2016
Catalogação na fonte
Bibliotecária Eliane Ferreira Ribas CRB/4-832

O48e Oliveira, Erickson Araújo Santana de


Eficiência e direito: o papel da maximização da riqueza na análise econômica
do direito a partir da obra de Richard Posner. – Recife: O Autor, 2016.
128 f. : fig.

Orientador: Torquato da Silva Castro Junior.


Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. CCJ.
Programa de Pós-Graduação em Direito, 2016.
Inclui bibliografia.

1. Direito e economia. 2. Posner, Richard A., 1939- . 3. Direito - Filosofia. 4.


Eficiência. 5. Riqueza - Aspectos sociais. 6. Direito comum. 7. Juízes - Decisões.
8. Renda - Distribuição - Brasil. 9. Pedra de Rosetta. 10. Valor (Direito). 11.
Pragmatismo. 12. Direitos fundamentais. 13. Brasil - Política social. 14.
Macroeconomia. 15. Democracia. I. Castro Junior, Torquato da Silva (Orientador).
II. Título.

340.11 CDD (22. ed.) UFPE (BSCCJ2016-018)


Erickson Araújo Santana de Oliveira

“Eficiência e Direito: o papel da maximização da riqueza na Análise


Econômica do Direito a partir da obra de Richard Posner”

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em


Direito da Faculdade de Direito do Recife / Centro de
Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Pernambuco,
como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em
Direito.
Área de concentração: Teoria e Dogmática do Direito.
Orientador: Prof. Dr. Torquato da Silva Castro Jr.

A banca examinadora composta pelos professores abaixo, sob a presidência do


primeiro, submeteu o candidato à defesa, em nível de Mestrado, e o julgou nos seguintes
termos:

MENÇÃO GERAL: APROVADO

Professor Dr. Adrualdo de Lima Catão (Presidente/UFPE)


Julgamento: ___________________ Assinatura:_______________________

Professora Dra. Flavianne Fernanda Bitencourt Nóbrega (1ª Examinadora externa/UFPB)


Julgamento: ___________________ Assinatura:_______________________

Professor Dr. Bruno Meyerhof Salama (2º Examinador externo/FGV-SP)


Julgamento: ___________________ Assinatura:_______________________

Recife, 15 de fevereiro de 2016.

Coordenador Prof. Dr. Edilson Pereira Nobre Júnior.


À minha família: meu pai, minha mãe e os meus
irmãos.
AGRADECIMENTOS

É um prazer agradecer ao professor Torquato da Silva Castro Jr. (UFPE), pela orientação, e aos
professores Bruno Meyerhof Salama (FGV-SP), Adrualdo de Lima Catão (UFAL) e George
Browne Rego (UFPE), que me apontaram, uns mais, outros menos, o caminho certo; aos colegas
Gustavo Azevedo, Ítalo Oliveira e Luiz Augusto Freire da Silva, pelos primeiros comentários;
a Rodrigo Guimarães Colares e Danielle de Melo Gomes Siqueira, pela compreensão e apoio
inestimáveis; aos meus pais, que antes de mim já sabiam; e à Luciana Valença Garcia, pelo amor
devoto e desinteressado.

Os erros e insuficiências deste trabalho são todos do autor.


My real name is Doctor Frankenstein. I am very
proud of my monster and I hope to say some
words in defense of him.
(Richard Posner)
RESUMO

O propósito desta pesquisa é descrever e caracterizar a evolução do conceito de maximização da


riqueza na obra de Richard A. Posner. Diversos trabalhos anteriores ressaltam a existência de
"fases"no pensamento do autor paradigma, enquanto este trabalho busca encontrar um motivo
condutor que permeie toda sua obra e que represente sua unidade. Para tanto, o trabalho
acompanha a evolução do pensamento do autor-paradigma, usando o conceito de eficiência
como chave para melhor compreensão de sua obra, desde a identificação deste como "pedra de
Rosetta"para compreensão do common law, passando por sua utilização como critério normativo,
até a sua acomodação no pragmatismo cotidiano proposto pelo autor. Por extrapolação, o
trabalho dialoga diretamente com o movimento da Análise Econômica do Direito, da qual o autor-
paradigma foi e continua a ser figura chave, procurando encontrar uma forma de racionalidade
comum a todo movimento que pudesse ser utilizada para avaliação de políticas públicas. Por
fim, trata da utilização da teoria macroeconômica como um novo vetor da Análise Econômicado
Direito.

Palavras-chave: Posner. Eficiência. Maximização da Riqueza. Pragmatismo. Análise Econô-


mica do Direito. Direito e Economia.
ABSTRACT

The purpose of this research is to describe the evolution of the wealth maximization concept
by looking at the work of Richard A. Posner. Several prior researches emphasize the existence
of "phases"in his work, while this research was designed to identify a "leitmotiv"that would
pervade all his work and represent its unity. To that effect, this dissertation follows the evolution
of Posner’s work, using the concept of economic efficiency as key to better understand his work,
from the identification of such concept as a "Rosetta stone"of the common law, passing it as a
normative criterion, to its accomodation in the everyday pragmatism put forth by the author. This
dissertation, by extrapolation, opens a direct dialogue with the Law and Economics movement,
of which the author was and continues to be a key figure, seeking a form of rationality that is
common to all the movement e that could be used as a mean to evaluate public policy. At last, it
focus on the usage of macroeconomic theory as a new vector for Economic Analysis of Law.

Keywords: Posner. Economic Efficiency. Wealth Maximization. Pragmatism. Economic


Analysis of Law. Law and Economics.
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
2 EFICIÊNCIA COMO LÓGICA INTERNA DO COMMON LAW . . . . 13
2.1 UM BREVE HISTÓRICO DA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO . . . 13
2.2 O CONCEITO DE COMMON LAW NA OBRA DE RICHARD POSNER . 18
2.3 A HIPÓTESE DA EFICIÊNCIA DO COMMON LAW OU COMO A EFICI-
ÊNCIA INFORMA O DIREITO PRODUZIDO PELOS JUÍZES (JUDGE-
MADE LAW) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
2.4 O PAPEL DOS JUÍZES NA PROMOÇÃO DA EFICIÊNCIA . . . . . . . . 32
2.5 CRÍTICAS ÀS TEORIAS ECONÔMICAS POSITIVAS DO COMMON LAW 36
3 DA POSITIVIDADE À NORMATIVIDADE: A MAXIMIZAÇÃO DA
RIQUEZA COMO FUNDAMENTO AXIOLÓGICO DO DIREITO . . 41
3.1 UMA GILHOTINA DE HUME ÀS AVESSAS E A EFICIÊNCIA NO MER-
CADO DOS FUNDAMENTOS MORAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
3.2 O CRITÉRIO DE MAXIMIZAÇÃO DA RIQUEZA . . . . . . . . . . . . . 43
3.3 A MAXIMIZAÇÃO DA RIQUEZA COMO CRITÉRIO VALORATIVO
DAS NORMAS E INSTITUIÇÕES JURÍDICAS: O FUNDAMENTO DA
ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO SEGUNDO RICHARD POSNER 48
3.4 O PROBLEMA DA EFICIÊNCIA ENQUANTO VALOR . . . . . . . . . . 60
3.4.1 Inconsistências Lógicas e Dificuldades Metodológicas . . . . . . . . . . . 60
3.4.2 O problema da racionalidade e do consentimento dos agentes . . . . . . 63
3.4.3 O problema da distribuição de riqueza . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
3.5 A AUTONOMIA DO DIREITO FRENTE À ECONOMIA . . . . . . . . . 67
3.5.1 O problema dos direitos fundamentais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
3.5.2 A eficiência como meio ou como fim? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
4 A EFICIÊNCIA POSTA EM CONTEXTO: UMA ESCOLHA PRAG-
MÁTICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
4.1 O ESVAZIAMENTO DA RELEVÂNCIA DOS GRANDES SISTEMAS
MORAIS NA SOLUÇÃO DE PROBLEMAS PRÁTICOS . . . . . . . . . . 74
4.2 UMA ABORDAGEM PRAGMÁTICA PARA O DIREITO . . . . . . . . . 78
4.2.1 A divisão de trabalho entre o Judiciário e o Legislativo . . . . . . . . . . 79
4.2.2 As intuições morais como teste definitivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
4.2.3 A Constituição como reduto de segurança . . . . . . . . . . . . . . . . . 82
4.3 O PRAGMATISMO JURÍDICO-ECONÔMICO E A SUA APLICAÇÃO A
POLÍTICAS PÚBLICAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83
4.3.1 A racionalidade econômica (liberal) como forma de alcançar objetivos
sociais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84
5 A CONTEMPORANEIDADE DO DEBATE SOBRE EFICIÊNCIA E
EVENTUAIS DESDOBRAMENTOS PARA A TEORIA DO DIREITO 93
5.1 ARGUMENTOS DE CARÁTER CONSEQUENCIALISTA NO DIREITO . 95
5.1.1 O pragmatismo cotidiano de Posner e o consequencialismo irrestrito . . 95
5.1.2 Levando as consequências a sério . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97
5.1.3 O uso pragmático da razão prática e a prática do consequencialismo
restrito no Direito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102
5.2 MACROECONOMIA E ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO . . . . . 105
5.2.1 As interseções entre Direito e Macroeconomia . . . . . . . . . . . . . . . 108
5.2.2 A convergência de duas artes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112
6 CONCLUSÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 114
REFERÊNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117
10

1 INTRODUÇÃO

Em um levantamento de dados realizado no ano 2000, o juiz norte-americano Richard


Posner foi apontado como o autor mais citado em artigos jurídicos de língua inglesa no século
XX, ficando à frente, por exemplo, do célebre segundo colocado, Ronald Dworkin1 . Muito da
sua fama se deve ao número de assuntos abordados ao longo de sua extensa obra (durante sua
longa carreira, Posner já escreveu 40 (quarenta) livros e tem centenas de artigos publicados),
indo desde o Direito Antitruste norteamericano, passando por discussões sobre prática de plágio,
terrorismo, democracia, até a crise econômica de 2008 e o papel de Macroeconomia na Análise
Econômica do Direito, de maneira mais recente.
No entanto, é como influente pensador da corrente de Direito e Economia – ou Aná-
lise Econômica do Direito (como o próprio Posner costuma chamá-la2 ) – que Posner realmente se
destaca3 . Segundo um dos fundadores desta corrente, o vencedor do Prêmio Nobel de Economia
Ronald Coase, o papel principal, o "leading role", nesta disciplina caberia exatamente a Richard
Posner4 .
Diante da relevância do tema e do alcance do autor no contexto brasileiro, e levando
em consideração o ambiente ainda relativamente imaturo da disciplina no Brasil, esta dissertação
trata do conceito de eficiência na Análise Econômica do Direito, a partir da obra de Richard
Posner, e de sua evolução e dos contornos que assumiu ao longo do tempo, assim como das
críticas recebidas (que não foram poucas) e das justificativas utilizadas na sua defesa, por Posner
e por outros autores que se filiam à mesma corrente de pensamento.
Algumas dificuldades nesta pesquisa precisam ser destacadas de plano. Em primeiro
lugar, trata-se de uma obra autoral ma non troppo: o pano de fundo é a Análise Econômica do
1 V. SHAPIRO, Fred R. The most-cited legal scholars. Journal of Legal Studies, v. 29, n. S1, p. 409–426, jan.
2000. N.B: o artigo exclui deliberadamente os autores estrangeiros, a exemplo de Kelsen e Hart, bem como
aqueles que, apesar de possuirem artigos publicados em revistas jurídicas, não são “juristas”, a exemplo de
Williamson e Coase.
2 Cf., por evidente, o título de sua enciclopédia: POSNER, Richard A. Economic Analysis of Law. 8a . ed. New
York: Wolkers Kluwer, 2011.
3 Sobre as discussões a respeito da nomenclatura desta corrente de pensamento, ou movimento, vide, no contexto
brasileiro, SALAMA, Bruno Meyerhof. Apresentação. In: SALAMA, Bruno Meyerhof (Ed.). Direito e
Economia: Textos Escolhidos. 1a . ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 9–57.. Para uma visão mais generalista e
propositiva, cf., por todos, MILLER, Geoffrey. Law and economics versus economic analysis of law. NYU
Law and Economics Research Paper, n. 11-16. Disponível em http://ssrn.com/abstract=1804920.. Miller
propõe uma distinção entre as duas expressões, sendo que "law and economics"denotaria uma parceria entre as
duas disciplinas de igual para igual, enquanto "economic analysis of law"diria respeito à aplicação do raciocínio
econômico às normas e instituições jurídicas. Para os fins do presente trabalho, em que a caracterização do
movimento, ou disciplina, em si, é um assunto de interesse paralelo, adotamos a posição de Bruno Salama e
tratamos as expressões como se sinônimas fossem.
4 COASE, Ronald. Law and economics at chicago. Journal of Law and Economics, v. 36, n. 1, abr. 1993.
11

Direito, mas o fio condutor é a vasta obra de Posner. Esta longa bibliografia é um desafio sob
pelo menos dois aspectos importantes. O primeiro deles tem que ver com a extensão da obra, e
com a impossibilidade prática de manejar todos os textos do autor no tempo dedicado à pesquisa.
Para contornar esta dificuldade, neste trabalho procurou-se isolar aqueles com maior ênfase
teórica e aqueles de maior importância para a questão da eficiência (maximização da riqueza),
que mais contribuem para a formação da linha evolutiva dos conceitos abordados na obra de
Posner.
Por se tratar de uma análise não-exaustiva, as escolhas feitas neste trabalho podem,
ao menos em tese, levar a conclusões equivocadas ou imprecisas. Entende-se que este é um risco
inerente aos trabalhos autorais em geral, risco este que é infinitamente maior quando se trata
da obra de um autor vivo. É que contar a história de uma ideia (ou mesmo uma História das
Ideias) implica preencher os vazios com a imaginação daquele que a descreve. A síntese mental
dos pontos isolados pouco serviria se não houvesse o traço que os une (pensemos num jogo de
“ligar os pontos”). Para minimização deste risco, extensa bibliografia secundária foi consultada,
dentre as quais destacaria os trabalhos nacionais que muito colaboraram para a fixação do status
quaestionis5 no contexto brasileiro.
Tratando da linha evolutiva, chegamos ao segundo aspecto do desafio. A produção
dispersa de um autor que tanto produz é difícil de organizar e condensar em um todo uno,
acabado e, sobretudo, coerente. Enquanto obras recentes procuraram indicar a existência de
fases de um chamado eficientismo na obra de Posner6 , distintas entre si como se existissem, ao
longo do tempo, autores diferentes, este trabalho procura reconstruir o pensamento de Posner em
torno da questão da eficiência, revelando os contornos de uma linha cambiante de pensamento,
sem, contudo, perder a unidade que lhe é própria.
Assim, a seção 2, procurará discutir os aspectos da chamada “primeira fase” do
5 V. nota anterior e mais SALAMA, Bruno Meyerhof. A história do declínio e queda do eficientismo na obra
de richard posner. In: LIMA, Maria Lúcia L. M. Pádua (Ed.). Agenda contemporânea: direito e economia:
Trinta anos de brasil. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 1, p. 284–321., JÚNIOR, Ronaldo Porto MACEDO. Posner
e a análise econômica do direito: da rigidez neoclássica ao pragmatismo frouxo. In: LIMA, Maria Lúcia L.
M. Pádua (Ed.). Agenda contemporânea: direito e economia: Trinta anos de brasil. São Paulo: Saraiva,
2012. v. 1, p. 262–279. e LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito e economia: os caminhos do debate. In:
LIMA, Maria Lúcia L. M. Pádua (Org.) (Ed.). Agenda contemporânea: direito e economia: Trinta anos de
brasil. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 1.
6 V.g, MATHIS, Klaus. Effiency Instead of Justice? [S.l.]: Springer, 2009., SALAMA, Bruno Meyerhof. A
história do declínio e queda do eficientismo na obra de richard posner. In: LIMA, Maria Lúcia L. M. Pádua
(Ed.). Agenda contemporânea: direito e economia: Trinta anos de brasil. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 1, p.
284–321. e LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito e economia: os caminhos do debate. In: LIMA, Maria
Lúcia L. M. Pádua (Org.) (Ed.). Agenda contemporânea: direito e economia: Trinta anos de brasil. São
Paulo: Saraiva, 2012. v. 1.
12

pensamento de Posner e a identificação da eficiência como lógica interna, ou estrutura profunda


do common law, passando pelo significado preciso desta expressão na obra de Posner e o papel
dos juízes na consolidação e manutenção desta “lógica interna”.
A seção 3 tratará da passagem da eficiência como fato, para eficiência como norma,
e da hipótese da eficiência como maximização da riqueza e sua colocação como fundamento
axiológico e moral do direito. O mesmo capítulo discutirá as críticas à esta concepção e os
reflexos desta na relação entre o direito e a economia.
A seção 4 cuidará da contextualização da eficiência, e da abordagem pragmática
assumida por Posner em torno da questão e da sua posição quanto aos fundamentos morais.
Por fim, a utilidade da eficiência na criação e execução de políticas públicas será considerada.
Pretende-se, com este capítulo, encerrar a análise da evolução do conceito de eficiência na obra
de Posner.
A seção 5 traz considerações sobre uma possível posição da eficiência em contextos
atuais. Discutir-se-á o papel do consequencialismo no direito e as relações entre o pragmatismo
posneriano e a democracia, bem como a relação entre a macroeconomia e o direito, partindo do
abandono dos paradigmas liberais (econômicos) por Posner, a reboque da crise financeira de
2008, procurando apontar caminhos a serem trilhados em uma eventual análise macroeconômica
do direito. Por fim, a utilização do paradigma matizado de eficiência enquanto ferramenta para
análise do direito legislado (civil law) será discutido brevemente.
13

2 EFICIÊNCIA COMO LÓGICA INTERNA DO COMMON LAW

2.1 UM BREVE HISTÓRICO DA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO

Fundada na década de 1960 a partir dos insights econômicos sobre o direito de


Ronald Coase e Guido Calabresi trazidos à tona nos artigos seminais sobre o custo social e
responsabilidade civil (respectivamente, The Problem of Social Cost e Some Thoughts on Risk
Distribution and the Law of Torts1 ), a Análise Econômica do Direito, utilizando uma definição
necessariamente incompleta e imprecisa, tem por objetivo aplicar ao estudo do Direito os métodos
e instrumentos típicos das Ciências Econômicas.
A Análise Econômica do Direito seria, portanto, uma forma interdisciplinar de
produção de conhecimento, de caráter predominantemente prático, sendo derivado, inicialmente,
da extrapolação do racional da teoria microeconômica (e, posteriormente, das demais áreas e
disciplinas contidas no que, por convenção, resolveu-se chamar “Ciências Econômicas”), por
sua vez causada, em especial, pela constatação de que a Economia é também relevante para o
estudo de comportamentos não-mercadológicos.
Esta extrapolação, segundo a tradição da Análise Econômica do Direito, encontraria
raízes em trabalhos ainda anteriores, em especial na obra de Gary S. Becker, chamado por
muitos um “imperialista econômico”2 No entanto, suas ideias parecem aproximar-se mais de
um movimento translativo simples e razoavelmente intuitivo: uma vez que o postulado clássico
da Microeconomia é o de que os homens agem conforme a sua razão, não faria sentido que
fossem racionais quando suas decisões dissessem respeito a transações “econômicas” e, ao
mesmo tempo, irracionais nas demais situações fora de um contexto mercadológico em que se
encontrassem3 .
É preciso destacar que esta expansão do objeto das Ciências Econômicas não se
1 Respectivamente, COASE, Ronald. The problem of social cost. Journal of Law and Economics, v. 3, p. 1–44,
out. 1960. e CALABRESI, Guido. Some thoughts on risk distribution and the law of torts. Yale Law Journal,
n. 49, 1961.. Há uma recente tradução do primeiro em língua portuguesa: COASE, Ronald. O problema do
custo social. In: SALAMA, Bruno Meyerhof (Ed.). Direito e Economia: Textos Escolhidos. São Paulo:
Saraiva, 2010. p. 59–112.
2 O próprio Becker, assumindo para si a alcunha, descrevia sua pesquisa como a análise econômica de problemas
presentes na vida social, para além daqueles chamados, convencionalmente, de problemas econômicos. Cf
POSNER, Richard A. Economic Analysis of Law. 8a . ed. New York: Wolkers Kluwer, 2011., p. 31, além de
BECKER, Gary S. The economic way of looking at life. In: FOUNDATION, NOBEL (Ed.). Singapura: Torsten
Persson, 1997.. Sobre a alcunha de imperialista econômico, v. BECKER, Gary S. Economic imperialism.
Religion & Liberty, v. 3, n. 2, mar. 1993..
3 Novamente, cabe-nos citar Gary S. Becker, a quem é creditada a atribuição de relevância da ciência econômica
na análise de comportamentos não-mercadológicos. Cf. BECKER, Gary S. The Economic Approach to
Human Behaviour. Chicago: University of Chicago Press, 1976.
14

deu sem resistência por parte das demais ciências ditas “sociais”, as quais vêm percebendo, nas
últimas décadas, suas respectivas áreas de atuação serem invadidas por cientistas iniciados nos
instrumentos de análise criados ou aperfeiçoados por economistas, notadamente com a utilização
crescente de modelos estatísticos e matemáticos.
Uma outra observação preliminar que se faz necessária é a de que a colocação do
direito, suas normas e institutos como objetos da ciência econômica não é novidade. De fato,
muito embora a historiografia canônica do movimento destaque o importante papel do clima
acadêmico na Universidade de Chicago a partir das décadas de 1940 e 1950, ou mesmo os
artigos de Coase e Calabresi, diversos autores indicam origens distantes para o tratamento do
direito como objeto das ciências econômicas. Entre estas origens distantes, estariam as obras
de Beccaria, Adam Smith, David Ricardo, Thomas Maltus, Karl Marx, Jeremy Bentham, entre
outros4 .
Por outro lado, para aqueles que defendem a importância do clima acadêmico na
Universidade de Chicago nas décadas de 1940 e 1950, o fato de haver um economista no
Departamento de Direito parecer ter tido uma influência enorme no jump-start do movimento5 .
Apesar disso, entre nós é sabido que a Lei de 11 de agosto de 1827, já previa
a matéria de Economia Política como a primeira cadeira do 5o ano dos Cursos de Ciências
Jurídicas e Sociais criados, um na cidade de São Paulo, e outro na de Olinda. O próprio Visconde
da Cachoeira, no texto que precede o seu Projeto de Estatuto para o Curso Jurídico – citado
pela própria lei – já entendia que sem o ensino de economia política não se poderiam formar
“verdadeiros e hábeis” jurisconsultos6 .
Mais ainda, o Prof. Pedro Autran da Matta e Albuquerque, autor do primeiro tratado
de Economia Política publicado no Brasil e lente da cadeira de Economia Política no Curso
Jurídico de Olinda, no seu Tratado de Economia Política, publicado em 1850, já manifestava a
4 Neste sentido, cf. CABANELLAS, Guillermo. El análisis económico del derecho. evolución histórica, metas
y instrumientos. In: KLUGER, Viviana (org.) (Ed.). Análisis Económico del Derecho. Buenos Aires:
Heliasta, 2006.; PEARSON, Heath. Origins of Law and Economics: The economist’s new science of law,
1830-1930. Cambridge: Cambridge University Press, 1997., BACKHAUS, Jürgen. The Elgar Companion to
Law and Economics. Cheltenham: Edward Elgar, 1999., MACKAAY, Ejan. History of law and economics.
In: BOUCKAERT B.; DE GEEST, G. (Eds.) (Ed.). Encyclopedia of Law and Economics. Cheltenham:
Edward Elgar, 2000. v. 1., entre outros. Entre nós, v. LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito e economia: os
caminhos do debate. In: LIMA, Maria Lúcia L. M. Pádua (Org.) (Ed.). Agenda contemporânea: direito e
economia: Trinta anos de brasil. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 1. e SALAMA, Bruno Meyerhof. Apresentação.
In: SALAMA, Bruno Meyerhof (Ed.). Direito e Economia: Textos Escolhidos. 1a . ed. São Paulo: Saraiva,
2010. p. 9–57.
5 DUXBURY, Neil. Patterns of American Jurisprudence. Oxford: Oxford University Press, 1997.
6 MELO, Luiz José de Carvalho e. Estatuto dos cursos jurídicos. Rio de Janeiro: Instituto dos Advogados
Brasileiros, 1977., pp. 11-16.
15

opinião de que o jurista deveria se preocupar com as consequências que a lei teria, razão pela
qual entendia importante o estudo da Economia Política7 .
Do que se conclui que a presença de economistas no Departamento de Direito em
determinada universidade, no caso específico, a Universidade de Chicago, pode ter contribuído
para a ascensão desta corrente de pensamento, mas não é um fator determinante, nem tampouco
suficiente, para tanto8 .
Este estudo clássico das instituições e normas jurídicas pela Economia, entretanto,
consistia basicamente na aplicação de conhecimentos econômicos em áreas em que tradicional-
mente já era esperada a presença de análises de cunho econômico (mercadológico, melius), como
o direito tributário, o direito concorrencial, etc. Porém, quando economistas passaram a discutir,
por exemplo, o efeito dissuasivo das políticas criminais, criminologia, pena de morte, a proteção
do consumidor, ou mesmo até o divórcio, a reação não poderia ser outra senão o estranhamento.
Com efeito, o jurista é acostumado a absorver argumentos de cunho filosófico e
moral acerca destas questões, e em seguida filtrá-los, traduzi-los para a linguagem própria do
direito, para, por fim, dar-lhes uma roupagem jurídica, tornando-os “compatíveis com a própria
autorregulação do direito”9 . Essa dinâmica de repulsa e absorção se desenvolve ao longo do
tempo na aposta do direito em diferenciar-se em torno da sua própria identidade.
À esta doutrina positivista, opuseram-se diversos movimentos, tão variados quanto
diferentes entre si, dentre os quais aqueles que cabem sob a denominação comum de “realismo
jurídico”, que externaliza, grosso modo, o desejo de abertura do direito aos fatos10 e sinaliza
positivamente à interdisciplinaridade com as demais ciências e campos do conhecimento humano.
Neste contexto, por ser a Análise Econômica do Direito um campo eminentemente
prático do conhecimento, e possuidor de forte caráter consequencialista, seja na sua vertente
descritiva ou prescritiva11 , seus aspectos mais teóricos despertam pouco interesse entre os
acadêmicos inseridos neste movimento, mais ou menos como o desinteresse experimentado
pelo profissional do direito pelas grandes questões da Filosofia do Direito tradicional, como o
7 ALBUQUERQUE, Pedro Autran da Matta. Tratado de Economia Política. Recife: Typographia Universal,
1859., p. X.
8 Sobre a discussão a respeito das causas do crescimento extraordinário da Análise Econômica do Direito nos
Estados Unidos e a sua não-correspondência no Reino Unido e na Europa continental, vide DAU-SCHMIDT,
Kenneth G. Lost in translation: The economic analysis of law in the united states and europe. Columbia
Journal of Transnational Law, n. 44, p. 602–621, 2006.
9 RESTA, Eligio. Diritto Vivente. Bari: Laterza, 2008., p. 102.
10 FARALLI, Carla. A filosofia contemporânea do direito. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2006.
11 GICO JR., Ivo. Introdução ao direito e economia. In: TIMM, Luciano Benetti (Ed.). Direito e Economia no
Brasil. 1a . ed. São Paulo: Atlas, 2010.
16

conceito de direito e de justiça, por exemplo12 .


Este desinteresse parece diretamente proporcional ao tempo de maturação da disci-
plina. Isto é, quanto mais bem estabelecido e maduro um campo do saber prático se encontra,
tanto menor é o interesse pelos seus fundamentos teóricos distantes da prática do dia-a-dia, talvez
em virtude da diminuição da possibilidade de descobertas realmente significativas no campo
teórico13 . E a literatura mais recente tem evidenciado isto, com incursões constantes em teorias
cada vez mais sofisticadas, sem se preocupar em analisar a legitimidade da utilização deste tipo
de instrumental na análise do direito14 .
Tanto é assim que, nos Estados Unidos, onde o movimento floresceu com mais vigor
em relação a outras partes do mundo, as discussões sobre a conveniência ou a utilidade desta
relação interdisciplinar já há muito perderam o vigor e viram o interesse dos debatedores se esvair
ao longo do tempo. Este “esfriamento” das discussões mais teoréticas parece, neste sentido,
refletir um amadurecimento do campo de estudo, libertando os seus estudiosos do incômodo
ônus de defender a condição, posição ou legitimidade da própria disciplina15 .
Ao mesmo tempo, é fundamental que um novo campo do conhecimento, possuidor
de um repertório discursivo próprio e altamente especializado, se livre do ônus de provar a sua
utilidade, caso pretenda ser levado a sério no confronto com outros campos do conhecimento,
cujos objetos e métodos já se encontram relativamente bem definidos. Afinal, quando a história
do direito moderno tem sido contada como a saga de sua relativa emancipação em relação
12 Em contrário, v. REALE, Miguel. Introdução. In: . Teoria Tridimensional do Direito. 3a . ed. São
Paulo: Saraiva, 1980.
13 Cf., especificamente sobre este ponto, POSNER, Richard A. On the receipt of the ronald h. coase medal:
Uncertainty, the economic crisis, and the future of law and economics. American Law and Economics Review,
v. 12, n. 2, 2010., pp. 278-279.
14 V., por exemplo, artigos brasileiros recentes sobre o registro de ocorrências policiais na cidade de São Paulo ou
sobre o regime de parceiras público-privadas, para ficarmos somente no último volume da Economic Analysis
of Law Review. Cf. JUSTUS, M.; SCORZAFAVE, L. G. Underreporting of property crimes: An empirical
economic analysis. Economic Analysis of Law Review, v. 5, n. 2, p. 271–284, 2014. e FERNANDEZ,
R. N.; CARRARO, A.; NETO, G. BALBINOTTO; SILVA, R. V. Uma adordagem de law & economics para as
parcerias público-privadas no brasil. Economic Analysis of Law Review, v. 5, n. 2, p. 205–219, 2014.
15 Os comentadores têm, em geral, sido bastante generosos com a descrição da posição da Análise Econômica do
Direito no mundo acadêmico do direito, tendo sido alcunhada de “o mais influente movimento de pensamento
jurídico no período pós-Segunda Guerra Mundial”, por Ron Harris, e de “mais importante desenvolvimento na
academia jurídica no século XX”, por Bruce Ackerman (cf. SALAMA, Bruno Meyerhof. Apresentação. In:
SALAMA, Bruno Meyerhof (Ed.). Direito e Economia: Textos Escolhidos. 1a . ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
p. 9–57., p. 16). Mais recentemente, Nuno Garoupa e Thomas Ulen descreveram o movimento como uma parte
proeminente e, talvez, predominante, das ferramentas de análise dos professores de direito dos Estados Unidos,
independentemente do seu campo de especialização. O movimento, no entanto, não encontra a mesma recepção
em todos os lugares. Sobre a proeminência da Law and Economics e as diferenças do impacto da disciplina nos
Estados Unidos e na Europa, v. ULEN, Thomas S.; GAROUPA, Nuno M. The market for legal innovation: Law
and economics in europe and the united states. Alabama Law Review, v. 59, n. 5, p. 1555–1633, 2008.
17

outras ordens normativas16 , a introdução de um jargão econômico na discussão e a análise


econômica de problemas tidos como jurídicos exige fundamentos sólidos, capazes de legitimar a
decisão de substituir um código pelo outro ou deslocar o sentido de determinados conceitos17 já
sedimentados. Este tipo de questionamento é precisamente o que costuma ocorrer numa etapa de
relativa imaturidade do movimento.
Em que pese o alto grau de especialização e sofisticação do movimento como um
todo nos Estados Unidos e, em menor grau, na Europa, somente de poucos anos para cá a
disciplina vem ganhando espaço no Brasil, com menção honrosa da presença de disciplinas
específicas em cursos de graduação e pós-graduação e um crescente, embora ainda incipiente,
em termos relativos, mercado editorial18 .
Esta relativa imaturidade da Análise Econômica do Direito no Brasil faz com que os
aspectos teóricos ainda guardem um certo mistério, a ser desvendado por aqueles que dela se
aproximam. Também neste sentido, as obras de Posner traduzidas ao português (em significativo
volume) caminham numa linha tênue entre a Filosofia do Direito e a Teoria Geral do Direito19 ,
o que faz com que a sua obra seja também a mais procurada e comentada pela comunidade
acadêmica que discute o assunto desde o ponto de vista teórico no Brasil20 .
16 Cf. ADEODATO, João Maurício Leitão. Ética e Retórica. 2a . ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
17 Cf. ACKERMAN, Bruce A. Law, economics, and the problem of legal culture. Duke Law Journal, v. 1986,
n. 6, 1986.
18 Cf. TIMM, Luciano Benetti. Introdução. In: COOTER, Robert; ULEN, Thomas (Ed.). Direito & Economia.
Porto Alegre: Bookman, 2010.. Nos últimos anos, vimos a expansão do mercado para publicação de livros
nesta vertente, com especial destaque para: ZYLBERSZTAJN, D; STAJN, R. Direito & Economia: Análise
econômica do direito e das organizações. 1a . ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.; TIMM, Luciano Benetti.
Direito e Economia no Brasil. 1a . ed. São Paulo: Atlas, 2010., este com uma segunda edição já publicada,
bem como as coletâneas de Bruno Salama, Patrícia Sampaio e Maria Lúcia Lima: SALAMA, Bruno Meyerhof.
Direito e Economia: Textos Escolhidos. 1a . ed. São Paulo: Saraiva, 2010., SAMPAIO, Patricia (Org.).
Direito e Economia em dois mundos: Doutrina jurídica e pesquisa empírica. São Paulo: FGV Editora, 2013.
e LIMA, Maria Lúcia L. M. Pádua. Agenda contemporânea: direito e economia: Trinta anos de brasil. São
Paulo: Saraiva, 2012.. O mercado também absorveu a demanda por obras estrangeiras, que foram vertidas para
o português e aqui publicadas, como o tradicional COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito & Economia.
Porto Alegre: Bookman, 2010. e a tradução do livro-texto do Prof. Ejan Mackaay, MACKAAY, Ejan. Análise
Econômica do Direito. São Paulo: Atlan, 2015., bem como diversos livros de Posner, traduzidos pela editora
WMF Martins Fontes, dos quais trataremos a seguir com mais vagar. Uma produção de margem também parece
despontar nas revistas especializadas, inclusive com a criação, em 2010, da Economic Analysis of Law Review,
editada pela Universidade Católica de Brasília e uma constante, e crescente, inserção de autores “juseconomistas”
em outras revistas jurídicas.
19 Curiosamente, seu livro de maior fôlego e alcance, Economic Analysis of Law ainda não foi traduzido para o
português.
20 Nos programas de pós-graduação, esta influência se torna ainda mais clara. Cf., neste sentido: ANDRADE,
Fábio Martins de. O argumento pragmático ou consequencialista de cunho econômico e a modulação
temporal dos efeitos das decisões do Supremo Tribunal Federal em matéria tributária. Tese (Doutorado)
— UERJ, Rio de Janeiro, 2010., ARRUDA, Thais Nunes de. Como os juízes decidem os casos difíceis?: A
guinada pragmática de richard posner e a crítica de ronald dworkin. Dissertação (Mestrado) — USP, São Paulo,
2011., FISCHMANN, Filipe. Direito e Economia: um estudo propedêutico de suas fronteiras. Dissertação
(Mestrado) — USP, São Paulo, 2010.; PIETROPAOLO, João Carlos. Limites de critérios econômicos na
18

2.2 O CONCEITO DE COMMON LAW NA OBRA DE RICHARD POSNER

A eficiência do common law, conforme proposta por diversos autores, dentre eles
Posner, é uma das hipóteses que legitima uma análise econômica positiva do Direito, nos termos
já discutidos acima. Mas antes de entrarmos no mérito da discussão, convém esclarecer o alcance
daquilo que está sendo discutido, passando, necessariamente, pelo tratamento específico do
conceito de common law utilizado nas discussões.
Com efeito, diferentemente das definições sistêmicas com as quais estamos acos-
tumados (ao menos no contexto brasileiro), Posner utiliza um conceito restrito do que seria o
common law, sobre o qual é construída a hipótese de um common law possivelmente eficiente.
A expressão common law, em Posner e, de resto, em todo o presente trabalho,
deve ser entendida como designando aquele direito produzido por juízes (judge-made law),
em oposição àquele direito produzido por legisladores, assembleias constituintes ou outros
organismos de natureza não-judicial21 . Em outras palavras, o direito produzido pelos juízes seria
simplesmente aquele distinto do direito legislado22 .
A distinção é importante na medida em que os proponentes da chamada teoria
“descritiva” da eficiência no Direito postulam a aparente incapacidade do judiciário de lidar com
problemas de “distribuição” da riqueza, daí se segue que a análise da eficiência no Direito deve
se debruçar sobre o ofício dos juízes produtores do direito, ou seja, dos juízes do common law.
Assim, convém destacar, em breves linhas, as diferenças fundamentais entre o
sistema do common law e o sistema do civil law. Segundo a narrativa comum, a chamada família
do common law comporta o direito inglês e os direitos que se modelaram sobre ele, enquanto a
do civil law compreende o direito dos países nos quais a ciência do direito se formou a partir
da base do direito romano23 . Para os nossos fins, no entanto, a diferença entre os dois sistemas
reside, fundamentalmente, na origem das normas jurídicas. Enquanto no civil law, as regras
do direito tendem a ser regras de conduta, ligadas a preocupações de justiça ou de moral, no
common law o direito surge a partir da necessidade de resolução de conflitos particulares por
aplicação do direito: hermenêutica e análise econômica do direito. Tese (Doutorado) — USP, São Paulo,
2010.; RIEFFEL, Luiz Reiner Rodrigues. Um mundo refeito: o consequencialismo na análise econômica do
direito de richard posner. Dissertação (Mestrado) — UFRGS, Porto Alegre, 2006. e ROSA, Christian Fernandes
Gomes da. Eficiência como axioma da Teoria Econômica do Direito. Dissertação (Mestrado) — USP, São
Paulo, 2008.
21 Cf. POSNER, Richard A. The law and economics movement. The American Economic Review, v. 77, n. 2,
1987., p. 5.
22 POSNER, Richard A. Pragmatic liberalism versus classical liberalism. The University of Chicago Law
Review, v. 71, 2004., p. 68.
23 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. 4a . ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
19

parte dos magistrados. No common law, o princípio regente do Direito Privado é aquele que
diz que ubi Remedium, ibi Jus, significando que onde há um remédio, há o direito. Em outras
palavras, o procedimento, o remédio jurídico, é o que dá forma ao direito substantivo24 .
Em relação aos direitos de propriedade, contratual, antitruste e com relação aos
delitos civis ou responsabilidade civil, assim como aos direitos básicos de natureza penal e
processual, o sistema de common law (em especial nas jurisdições anglo-americanas) permite
que os juízes, ao exercerem seu ofício judicante, criem o direito, e não somente o apliquem25 ,
como em geral se diria do ofício dos juízes em países de civil law segundo a tradição legicentrista
que gravita em torno do juiz “bouche de la loi” de Montesquieu.
A bem da verdade, também sob a tradição do civil law os juízes possuem um certo
espaço de manobra a partir do qual, efetivamente, criam direito. Esta afirmação não é verdadeira
somente às margens do direito, onde a abertura normativa é sabidamente grande26 , mas é o caso
também da jurisprudence constant no direito francês, e, através de um esforço de coordenação
crescente, dos milhares de verbetes de súmulas editadas pelos tribunais brasileiros, em especial
pelos tribunais superiores.
O fato é que a observação feita por Holmes, de que a vida do direito não deriva da
lógica, mas da experiência27 , alcançou um significado profundo na obra de Posner. Segundo o
próprio Holmes, não se pode considerar o próprio direito como estando contido em “axiomas e
corolários de um livro de matemática”28 , mas sim como se o direito corporificasse a história do
desenvolvimento de uma nação ao longo de séculos.
Neste mesmo sentido, um dos pontos de especial interesse na carreira de Posner tem
sido a evolução do direito, desde as sociedades primitivas até os dias atuais, intento no qual se
nota, com relativa clareza, a influência de Holmes no seu pensamento.
De fato, Holmes descrevia a responsabilidade civil e criminal29 (e, até certo ponto,
24 Cf. HEPBURN, Charles M. The Historical Development of Code Pleading in America and England. New
Jersey: The Lawbook Exchange, 2002., p. 20 e ss. Além disso, no Direito Romano, ação era o que distinguia o
direito do simples interesse, de modo que Moreira Alves é categórico ao afirmar que “não há direito subjetivo
sem ação judicial que o tutele em caso de violação”, em ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano. 14a .
ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.. No mesmo sentido, Cretella Júnior, definia Direito e proteção judiciária
como “conceitos correlatos e inseparáveis. Quando se fala de direito, fala-se de proteção judiciária, porque sem
esta o próprio conceito de direito não existe”: cf. CRETELLA JÚNIOR, José. Direito Romano Moderno:
Introdução ao direito civil brasileiro. 2a . ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980.
25 cf. POSNER, Richard A. Prefácio à edição brasileira. In: . A Economia da Justiça. São Paulo: WMF
Martins Fontes, 2010.
26 cf. POSNER, Richard A. Problemas de Filosofia do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2007., p. 6.
27 HOLMES JR, Oliver Wendell. The Common Law. Cambridge: Harvard University Press, 2009., p. 3.
28 HOLMES JR, Oliver Wendell. The Common Law. Cambridge: Harvard University Press, 2009., p. XXIV.
29 Tradução livre da expressão “liability”.
20

o direito como um todo) como oriundas do sentimento de vingança. A tentativa – também de


caráter positivo, diga-se – de identificar a origem remota de certas regras de responsabilidades
constantes do common law tem raiz na ideia de que as regras existentes em uma sociedade
derivam de costumes, crenças e necessidades primitivas30 – ainda que os sinais sensíveis destes
costumes, crenças e necessidades tenham desaparecido com o passar do tempo.
As ideias de Holmes e Posner sobre o que seria o common law têm William Blacks-
tone como fonte comum31 . Blackstone indicava que o common law é um conjunto de práticas de
antiguidade imemorial32 , pelas quais os juízes seriam guiados. Além disso, incluiria as práticas e
doutrinas que não precisariam da forma escrita para serem válidas, senão que seriam consagradas
pela sua utilização constante nas cortes e tribunais ao longo do tempo33
O direito legislado – o direito escrito – teria uma importância secundária, e estaria
destinado a fixar, em suporte físico, as regras consagradas pelo uso ao longo do tempo. No
entanto, a ideia de que a lei – ou o direito – deriva da experiência histórica dificilmente pode
ser vista como novidade. Os jurisconsultos romanos já tratavam o jus civile como originário
dos costumes de determinado povo34 , e, entre nós, Tobias Barreto já dizia em 1883, com sua
eloquência característica, que “o Direito não é um filho do céu”, mas tão somente “um fenômeno
histórico, um produto cultural da humanidade”35 .
A diferença entre as duas posições reside mesmo na percepção de que o direito
possui uma tendência monótona a sofrer mutações, movendo-se no sentido genérico de melhorar
a condição humana, obedecendo, portanto, uma ideia de progresso. Neste sentido, se para
Holmes o direito se move da barbárie até a civilização36 e que determinadas situações, como
a regra da vingança, não poderiam subsistir diante do avanço da civilização a um determinado
30 HOLMES Jr., O. W. Op. Cit., p. 7.
31 GAROUPA, Nuno; LIGÜERRE, Carlos Gómez. The syndrome of the efficiency of the common law. Boston
University International Law Journal, v. 29, p. 287–355, 2011.
32 POSNER, Richard A. The Economics of Justice. Cambridge: Harvard University Press, 1982.
33 A metáfora de Chesterton sobre o conservadorismo é neste caso bastante elucidativa. O common law, como a
tradição, é como o poste branco que precisa ser repintado para que continue a ser o que é: “Se você abandona um
poste branco à própria sorte, ele logo será um poste preto. Se você deseja particularmente que ele seja branco,
precisa pintá-lo continuamente; isto é, você precisa estar sempre promovendo uma revolução. Em resumo,
se você quer o velho poste branco, precisa ter um novo poste branco” em CHESTERTON, Gilbert Keith.
Ortodoxia. São Paulo: Mundo Cristão, 2008., pp. 122-123.
34 JUSTINIANO I, Imperador. Institutas do Imperador Justiniano: manual didático para uso dos estudantes
de direito de constantinopla, elaborado por ordem do imperador justiniano, no ano de 533. 2a . ed. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2005., pp. 122-123.
35 MENESES, Tobias Barreto de. Ideia do direito. In: . Estudos de Direito. Salvador: Livraria Progresso
Editora, 1951.
36 Cf. HOLMES Jr., O. W. Op. Cit., p. 7.
21

patamar37 , para Posner a história do direito pode ser explicada como uma longa marcha até a
eficiência econômica.
A ideia geral pode ser ilustrada por meio de um exemplo tirado da descrição das
regras de responsabilidade em sociedades primitivas. Em seu livro Law & Literature, Posner
descreve a vingança como um protótipo jurídico: em uma sociedade em que não há possibilidade
de obter uma indenização por um dano causado por outra pessoa por uma via heterônoma, uma
vítima em potencial possui duas alternativas: ou aumenta a sua capacidade de defesa, investindo
em autoproteção, ou promove retaliação contra a pessoa do agressor38 .
A primeira hipótese envolveria um alto custo (monetário ou não), sem qualquer
garantia de sucesso. A segunda, por sua vez, seria economicamente ineficiente, vez que um
homem racional – um homo oeconomicus – perceberia rapidamente que o dano sofrido é um
custo irrecuperável e que causar algum dano ao agressor não anularia o dano sofrido pela vítima
em primeiro lugar. Em outras palavras, perseguir um agressor procurando vingança, do ponto
de vista estritamente racional, seria um desperdício irracional de recursos, ou, para usarmos a
expressão inglesa, o agente racional estaria throwing good money after bad.
No entanto, a instituição da vingança como prática social poderia ter um efeito
dissuasivo, e ser mesmo racional, se satisfeitos alguns pressupostos. De fato, a ameaça de
retaliação pode ser vista como um mecanismo básico através do qual a ordem social seria
mantida39 . Para isso, a vítima em potencial deve convencer o potencial agressor de que haverá
retaliação mesmo que o custo real seja superior à expectativa de benefício oriundo da retaliação.
Para uma maior eficácia (especialmente em relação a assassinatos), esta “tática” deve envolver
os familiares, estendendo a responsabilidade do agressor aos seus familiares40 .
Esta extensão de responsabilidade, resultando em uma responsabilidade coletiva,
portanto, teria um duplo efeito: de um lado, a família do agressor agora teria um maior incentivo
para impedir que este cometa atos ilícitos. E, por outro lado, ao mesmo tempo que aumenta o
número de potenciais “vingadores”, o número de alvos também aumenta, reduzindo, assim, o
custo sistêmico.
Ocorre que, quanto maior o número de familiares do lado do agressor, menor o
incentivo para que não haja retaliação, o que tornaria o sistema dinamicamente instável41 . Além
37 Ibid, p. 16.
38 POSNER, Richard A. Law & Literature. Cambridge: Harvard University Press, 2009., p. 76.
39 cf. POSNER, Richard A. The Economics of Justice. Cambridge: Harvard University Press, 1982.
40 POSNER, Richard A. Law & Literature. Cambridge: Harvard University Press, 2009., p. 78.
41 POSNER, Richard A. A Economia da Justiça. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010., p. 82.
22

disso, o sistema é custoso: uma vez que não há pessoas especializadas na manutenção da ordem
– como existiria em um Estado moderno, por exemplo – cada um tem que destinar uma parcela
de seu tempo a ser policial, procurador, juiz e algoz, gerando uma perda de eficiência decorrente
da sub-especialização.
Diversas objeções poderiam ser feitas do ponto de vista moral a esta prática que se
perpetua, às vezes, por gerações, e resiste até mesmo ao estabelecimento do Estado de Direito,
ignorando-o e funcionando como uma espécie de teia “alimentada pelo velho sentimento de
ódio famélico, ressentido, vingativo”, aliás presente até hoje no “Brasil profundo”, conforme
evidenciado por recentes pesquisas42 , fazendo vivas as palavras de Guimarães Rosa: ”Matar,
matar; sangue manda sangue”43 .
No entanto, segundo Posner, este sistema não seria um barbarismo, como apontado
por Holmes, mas um verdadeiro sistema de controle social. De fato, Posner vai além e identifica
um papel suplementar do sentimento de vingança mesmo nas sociedades modernas, capaz de
incentivar a aplicação rigorosa das leis penais, por exemplo44 .
O abandono da vingança como meio de controle social, neste sentido, não teria se
dado por razões morais, e sim pela existência de um excedente econômico na atribuição do
poder de coerção em alguns especialistas45 , a legitimar, em outras palavras, a alçada do Estado à
condição de legítimo detentor do monopólio da força46 , capaz de tornar criminoso até mesmo o
ato de “fazer justiça pelas próprias mãos”47 .
Desde logo perceba-se que a condição de sociedade primitiva descrita acima não se
trata do “estado de natureza” hipotético, onde haveria uma “guerra de todos contra todos”, como
em Hobbes, mas de uma situação em que já existe uma efetiva forma de organização social, a
qual poderia, inclusive, ter o aval de uma autoridade, que, nestes casos, sancionaria a aplicação
da “justiça privada”.
Com efeito, seriam, grosso modo, duas formas de abstração dos fundamentos da
organização social, mas baseadas em causas aproximadas. De um lado, argumenta-se que o
42 MAIA, Dalila Maria; CAVALCANTE, Peregrina Fátima. Sertão, espaço e tempo: conflitos de famílias e
vingança privada. O público e o privado, n. 7, jan 2006.
43 ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994., p. 35.
44 POSNER. R. A., Op. Cit., p 78.
45 POSNER. R. A., Op. Cit., p 82.
46 Para uma visão sociológica do Estado enquanto única fonte do “direito” de usar a violência, v. WEBER, Max.
A política como vocação. In: . Ensaios de Sociologia. 5a . ed. Rio de Janeiro: LTC Editora, 1982.
47 A definição do crime de “exercício arbitrário das próprias razões”, previsto no art. 345 do Código Penal em
vigor, é bastante ilustrativa: “Art. 345 - Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora
legítima, salvo quando a lei o permite: (...) Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena
correspondente à violência.”
23

fundamento se encontra nos freios e contrapesos da possibilidade de sofrer retaliação por uma
atitude ilícita. Por outro lado, o fundamento da sociedade estaria no receio de levar uma vida
infeliz, “solitária, pobre, sórdida, brutal e curta”48 .
As duas abstrações não são excludentes, e ambas estão fundadas em razões conse-
quencialistas. Impondo uma ordem cronológica arbitrária, poderíamos dizer que o direito em
uma “sociedade da vingança” seria uma etapa intermediária entre o “estado de natureza” e o
direito de uma sociedade organizada sob um Estado, ou mesmo uma sociedade característica de
um Estado “primitivo”, que, gradualmente, evoluiria para os contornos do que hoje conhecemos
como Estado de Direito49 .
É que abdicar da prerrogativa de fazer justiça com as próprias mãos é condição para
o pacto social, pelo qual se estabelece uma sociedade civil sob um soberano. Este soberano, por
sua vez, em troca da “força” que recebe dos súditos, oferecer-lhes-ia proteção. Qualquer que
seja a causa, a conclusão é a mesma: a vida em sociedade, organizada sob um Estado soberano
e governada pelas leis, seria uma forma superior de vida, seja do ponto de vista moral, seja do
ponto de vista econômico.
Assim, desconsiderando as demais nuanças da exposição de Posner (entre elas, a
incorporação dos princípios de retribuição, composição e compaixão ao contexto das sociedades
primitivas), tem-se que a vingança não seria um mecanismo de controle social imoral, posto
que pode ser vista como resultado de um sentimento inclusive natural e mesmo religioso50 ,
mas certamente ineficiente, especialmente quando comparado com as demais alternativas de
organização disponíveis.
Afastando-se a pecha de “barbarismo” atribuída por Holmes, portanto, pode-se dizer
que a evolução do direito nas sociedades modernas se move por critérios consequencialistas,
critérios estes que possuiriam, segundo Posner, acentuados contornos econômicos, dos quais
tratam as seções seguintes.
48 HOBBES, Thomas. Leviathan. Oxford: Oxford University Press, 1998., p. 84. No original, se lê: “(. . . ) and
the life of man, solitary, poor, nasty, brutish, and short.”
49 De acordo, aliás, com o que diz o próprio Posner em POSNER, Richard A. A Economia da Justiça. São
Paulo: WMF Martins Fontes, 2010., pp. 242-245.
50 Como, por exemplo, a Lei do Talião, prevista no Levítico ou no Êxodo.
24

2.3 A HIPÓTESE DA EFICIÊNCIA DO COMMON LAW OU COMO A EFICIÊNCIA IN-


FORMA O DIREITO PRODUZIDO PELOS JUÍZES (JUDGE-MADE LAW)

Vimos, na subseção anterior, que o common law em Posner seria aquele direito
produzido por juízes (judge-made law), e que este direito – enquanto forma de organização social
– parece possuir uma tendência monotônica de mover-se em direção à eficiência econômica. Esta
subseção lida com a chamada hipótese da eficiência do common law e trata de como a eficiência
daria forma ao direito.
A tese da eficiência do common law foi primeiro proposta por Posner na primeira
edição do seu Economic Analysis of Law51 , em que ele sustenta a tese de que existiria uma lógica
econômica implícita no common law52 . Desta forma, seria possível descrever diversas áreas
do direito “produzido por juízes” em termos econômicos, de modo a explicar não somente as
doutrinas relacionadas a cada uma delas, mas sobretudo a tornar claro que as áreas do direito
são, em verdade, partes de uma unidade econômica. Assim, a Economia seria, diz Posner, “a
estrutura profunda do common law” e as doutrinas a respeito das áreas do direito seriam “a
estrutura superficial”53 do common law.
Ao afirmá-lo, Posner, em princípio, está realizando uma mera descrição do common
law, dissecando-o e examinando os seus componentes mais básicos, de acordo com a metodologia
proposta por Milton Friedman e abertamente encampada pelo próprio Posner, segundo a qual o
papel das suposições científicas na construção de um modelo – no caso de Friedman, um modelo
propriamente econômico – não é o de retratar a realidade de um modo realista, mas sim fornecer
aproximações adequadas ao propósito analítico a que se destinam54 .
É evidente, no entanto, que uma ciência que se pretende aplicada, nos dizeres de von
Mises, não pode ser um “sistema integrado de raciocínios apriorísticos desligado de qualquer
referência à realidade”55 , como se pura lógica ou matemática fosse, senão deve se satisfazer com
o fato de que o tratamento (teórico) das suposições pode ser útil para a compreensão da realidade.
No mesmo sentido, Friedman defende que uma hipótese teórica deve possuir relevância analítica,
e não exatidão descritiva, posto que um modelo que representasse os fatos exatamente como
51 POSNER, Richard A. Economic Analysis of Law. 8a . ed. New York: Wolkers Kluwer, 2011.
52 Na verdade, Posner atribui esta “descoberta” da lógica ecônomica interna do common law ao artigo de Coase,
já citado. Cf. POSNER, R.A., Op Cit, p. 30.
53 Cf. POSNER, R.A., Op Cit, p. 315.
54 FRIEDMAN, Milton. Essays in Positive Economics. Chicago: University of Chicago Press, 1953., pp. 3-43.
55 Cf. MISES, Ludwig von. Human Action: A treatise on economics. 4a . ed. San Francisco: Fox & Wilkes,
1996., p. 66.
25

estes se apresentam no mundo real não se prestaria à análise de qualquer outra situação que
não exatamente a que gerou o modelo, tornando-a completamente inútil do ponto de vista
teórico-analítico.
Em outras palavras, uma teoria significativa deve estabelecer quais pontos são
importantes para o entendimento de determinada classe de fenômenos que se apresentam no
mundo real, em detrimento de outros que, por serem considerados não-importantes, são deixados
de fora. Não interessa se existe uma correlação exata até os mínimos detalhes no modelo teórico
e no mundo dos fatos: a hipótese deve prever comportamentos no mundo observável como se
“estes ocorressem num mundo hipotético e altamente simplificado, contendo apenas as forças
que a hipótese considera importantes”56 .
A incompletude de um modelo teórico, aliás, não é uma característica exclusiva dos
modelos utilizados nas ciências sociais, nem muito menos na Economia. Mesmo as ciências
chamadas “duras”, como a Física, por exemplo, por vezes se utilizam de modelos parciais e
sabidamente incompatíveis entre si, mas que são capazes de descrever certos aspectos do universo
de fenômenos observáveis, como é o caso da mecânica quântica e da teoria da relatividade geral57 .
Esta incompletude, no entanto, está longe de invalidar um modelo teórico; na verdade,
ela o legitima, como o próprio Posner descreve:

“(...) uma teoria econômica do direito não capturará, em sua totalidade, a


complexidade, riqueza e confusão dos fenômenos (...) que procura iluminar.
Mas a sua falta de realismo, no sentido de uma completude descritiva, longe de
invalidar a teoria, é uma precondição desta. Uma teoria que procura reproduzir
fielmente a complexidade do mundo empírico em suas suposições não seria
uma teoria – uma explicação – mas uma descrição”.58

A utilidade analítica de uma hipótese teórica, portanto, deveria ser testada por meio
de um triplo teste: (a) deve, primeiro, possuir a habilidade de explicar a realidade. Em seguida,
(b) deve possuir poder preditivo. Por fim, deve (c) possuir a habilidade de assinalar intervenções
efetivas no mundo real59 . Mais adiante no mesmo livro, ao tratar do aspecto positivo da Análise
56 FRIEDMAN, M. Op. Cit. Tradução livre de “(...) as if they occurred in a hypothetical and highly simplified
world containing only the forces that the hypothesis asserts to be important.”
57 Cf. HAWKING, Stephen. Uma breve história do tempo: do big bang aos buracos negros. Rio de Janeiro:
Rocco, 1994., p. 33.
58 cf. POSNER, Richard A. Economic Analysis of Law. 8a . ed. New York: Wolkers Kluwer, 2011., p. 21.
Tradução livre do inglês. No original lê-se: “(...) an economic theory of law will not capture the full complexity,
richness, and confusion of the phernomena (...) that it seeks to illuminate. But its lack of realism in the sense of
descriptive completeness, far from invalidating the theory, is a precondition of theory. A theory that sought
faithfully to reproduce the complexity of the empirical world in its assumptions would not be a theory – an
explanation – but a description.”
59 POSNER, R.A. Ibid. Ibidem.
26

Econômica do Direito, ainda de maneira introdutória, Posner é claro em afirmar que muitas áreas
do direito estariam marcadas com o carimbo do pensamento econômico60 .
A despeito deste insight inicial, poucas decisões judiciais à época continham refe-
rências explícitas a conceitos econômicos. A resposta de Posner para essa constatação é de
que o fundamento de determinada decisão judicial é frequentemente ocultado pela retórica
característica dos julgados. Não obstante, seríamos capazes de encontrar um caráter econômico
sob a superfície retórica de diversos julgamentos.
Perceba-se que, ao tratar do papel da ideologia dos juízes do século XIX, Posner
acaba por atribuir ao julgador um papel eminente no processo evolutivo do common law, como se
este efetivamente julgasse os casos com base em uma ideologia liberal-econômica, mas revestisse
os seus votos (opinions) de uma retórica destinada a ocultar a sua real motivação. Seriam, nos
dizeres de Castro Jr., “quereres travestidos de saberes”61 .
O ponto de partida destas descrições, segundo Posner, é o artigo The Problem of
Social Costs de Coase, que sugere que “o Direito de Propriedade inglês62 teria uma lógica
implícita econômica”63 . A afirmação de Posner, no entanto, parece ignorar diversas afirmações
em contrário feitas pelo próprio Coase ao longo de seu artigo. Ao analisar superficialmente os
pressupostos dos julgamentos de casos que envolvessem direitos de propriedade, Coase pondera:

“(...) [P]arece claro, a partir de um exame superficial, que as cortes têm reco-
nhecido as implicações econômicas de suas decisões e estão cientes (...) da
natureza recíproca do problema. Além disso, de tempos em tempos, elas levam
essas implicações econômicas em consideração, juntamente com outros fatores,
para chegar às suas decisões” (grifo nosso)64

De fato, qualquer fator que apenas de tempos em tempos e em conjunto com outros
fatores parece ser levado em consideração nem de longe satisfaz a pretensão científica de
descrever ou de explicitar a lógica econômica intrínseca de qualquer coisa, ou pelo menos não
traria nenhum benefício analítico, já que ninguém negaria que circunstâncias ou fundamentos
morais, ideológicos ou mesmo religiosos, especialmente caros ao juiz do caso – sejam elas qual
60 Ibid, p. 31.
61 V. CASTRO JR., Torquato da Silva. A bola do jogo: uma metáfora performativa para o desafio da pragmática
da norma jurídica. In: ADEODATO, J. M. L.; BITTAR, E. C. (Ed.). Filosofia e Teoria Geral do Direito:
homenagem a tercio sampaio ferraz júnior. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p. 1075–1088. e CASTRO JR.,
Torquato da Silva. Direito à mentira talvez sempre também. Mimeo.
62 Aqui usando a expressão “direito de propriedade” como equivalente de “law of nuisance”, conforme proposto na
tradução brasileira do artigo. V. COASE, Ronald. O problema do custo social. In: SALAMA, Bruno Meyerhof
(Ed.). Direito e Economia: Textos Escolhidos. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 59–112.
63 cf. POSNER, Richard A. The economic approach to law. Texas Law Review, v. 53, 1975., p. 758.
64 COASE, R. Op Cit., p. 81.
27

forem – poderiam ter uma participação significativa no processo decisório, de vez em quando e
em conjunto com outros fatores. Além disso, Coase descreve a atuação dos juízes em relação aos
problemas econômicos trazidos pelos casos perante as cortes como se o sentido de determinado
instituto sofresse mutação:

“As cortes nem sempre se referem, de forma clara, ao problema econômico


trazido pelos casos com os quais se deparam, mas parece provável que na
interpretação de algumas palavras e frase, tais como ‘razoável’ ou ‘uso comum
ou ordinário’, reconheça-se – talvez, inconscientemente e, certamente, de forma
não muito explícita – o aspecto econômico das questões sob análise”65 (grifo
nosso)

Sobre o agir consciente (ou não) dos juízes ao decidir casos levando em consideração
aspectos econômicos em algum momento, falaremos, de uma maneira mais geral, adiante. Por
ora, e antes de passar a descrever com mais detalhes o conteúdo da hipótese da eficiência do
common law, diga-se que se os juízes conduzissem seus processos com base em “injunções
diretas da economia”, para usar os termos de Neves66 , esses “colocariam de lado o código-
diferença lícito/ilícito e os respectivos programas e critérios”67 , sacrificando o direito no altar da
economia (ou de qualquer outro código de um subsistema – no sentido luhmanniano – que lhe
fizesse as vezes)68 .
Evidentemente, esta troca de códigos nem sempre é explícita. De fato, os juristas
são proficientes na arte de apresentar um silogismo que tem por premissa maior uma regra geral
prévia para justificar, e, sobretudo, legitimar uma decisão a que se chegou por outros meios69 . De
resto, fiquemos com a indicação feita por Adeodato de exemplo de “mencionar o que geralmente
juízes não mencionam”, contida na ementa do julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, de
recurso extraordinário sobre justa indenização em desapropriações:

“Ofício judicante – postura do magistrado. Ao examinar a lide, o magistrado


deve idealizar a solução mais justa, considerada a respectiva formação humanís-
65 COASE, R. Op Cit., p. 84.
66 NEVES, Marcelo Pinto Costa. Da autopoiese à alopoiese do direito. Anuário do Mestrado em Direito da
Universidade Federal de Pernambuco, n. 5, jan 1995., p. 291.
67 Ibid. Ibidem.
68 V., também, DERZI, Misabel de Abreu Machado; BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. A análise econômica
de posner e a ideia de estado de direito em luhmann: breves considerações críticas. Revista da Faculdade
de Direito da UFMG, n. Esp, p. 327–352, 2013., p. 351: “No Estado de Direito, o juiz não está legitimado
a, diretamente, reexaminar os interesses econômicos envolvidos, guiados pela maximização da riqueza e,
monocraticamente, abandonar o filtro que o legislador já usou e, assim, afastar a sua escolha. Tal arbitrariedade
não é suportável no Estado Democrático de Direito”.
69 Cf. ADEODATO, João Maurício Leitão. O silogismo retórico (entimema) na argumentação judicial. Anuário
do Mestrado em Direito da Universidade Federal de Pernambuco, n. 9, 1998., p. 136.
28

tica. Somente após, cabe recorrer à dogmática para, encontrado o indispensável


apoio, formalizá-la.”70

O papel dos juízes na evolução do common law no sentido da eficiência, ao contrário


do que possa parecer, não foi abordado de frente por Posner. Em meados da década de 1970,
Posner ainda destacava, como resultado de pesquisas então recentes, a constatação de que o
sistema jurídico em si mesmo teria sido “fortemente influenciado por uma preocupação (mais
implícita do que explícita) de promover a eficiência econômica”71 e descrevia taxativamente
que as normas jurídicas materiais tinham como importante objetivo aumentar a eficiência
econômica72 .
Neste mesmo sentido, ainda em 1981, ao discutir a aplicabilidade de seu modelo de
abordagem do common law pela ótica de mercados hipotéticos (de que falaremos mais adiante),
Posner descrevia o common law como se parecesse “projetado, conscientemente ou não, para
alocar recursos da forma como um mercado real o faria, mas em circunstâncias nas quais os
custos das transações são tão altos que o mercado deixa de ser um método viável de alocação”73 .
Com efeito, boa parte da produção de Posner durante a década de 1970 procurou
evidenciar esta dita “lógica interna” do common law, expondo a doutrina jurídica do common
law através de uma abordagem econômica, passando pelos mais variados temas, como, por
exemplo, o conflito entre o direito de legítima defesa de propriedade privada e o direito à vida
ou à integridade física de um invasor, exemplificados na licitude de utilização de espingardas
automáticas (“spring guns”)74 .
Em paralelo, diversas formulações a respeito da eficiência do common law foram
tomando corpo da década de 1970 em diante. Estas formulações podem ser classificadas, como
propõe Zywicki, em dois grandes grupos: a análise da eficiência do direito pela demanda e pela
oferta75 , aperfeiçoando a metáfora econômica com o Judiciário fazendo as vezes de fornecedor
de bens – neste caso, a prestação jurisdicional76 .
70 STF. RE no 111.787/GO. Min. Rel. Aldir Passarinho. Rel. Ac. Marco Aurélio Mello. Apud: ADEODATO,
João Maurício Leitão. Ética e Retórica. 2a . ed. São Paulo: Saraiva, 2006., p. 312.
71 POSNER, Richard A. The economic approach to law. Texas Law Review, v. 53, 1975.. Tradução livre do
original inglês, onde se lê “(. . . ) the legal system itself (...) has been strongly influenced by a concern (more
often implicit than explicit) with promoting economic efficiency”.
72 POSNER, Richard A. An economic approach to legal procedure and judicial administration. The Journal of
Legal Studies, v. 2, 1973.
73 POSNER, Richard A. A Economia da Justiça. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010., p. 75.
74 POSNER, Richard A. Killing or wouding to protect a property interest. Journal of Law and Economics,
v. 14, n. 1, p. 201–232, abr 1971.
75 ZYWICKI, Todd J. The rise and fall of efficiency in the common law: A supply-side analysis. Northwestern
University Law Review, v. 97, n. 4, p. 1551–1633, 2003.
76 Do ponto de vista pragmatista, nos dizeres de Catão, os juízes prestam um serviço público, qual seja, o
29

Dentre aqueles que procuraram tratar da teoria da eficiência do common law pelo lado
da demanda, entendendo que a força-motriz da eficiência no sistema jurídico seria a demanda
gerada pela ação dos vários litigantes, estão Rubin e Priest, que são uníssonos em dizer que a
pressão evolutiva do common law existe – e se materializa – independentemente da vontade dos
juízes77 .
Com efeito, Rubin argumenta que o interesse do público em maximizar a sua própria
utilidade seria um mecanismo evolutivo do direito, oriundo do fato de que é mais provável
que existam ações que versem sobre regras que são ineficientes. Este interesse, ademais, seria
intensificado conforme o peso que as partes atribuem ao resultado de determinado julgamento
enquanto precedente potencialmente utilizável na resolução de demandas futuras78 .
Neste sentido, existiriam três situações: (a) na primeira delas, ambas partes estão
interessadas na formação de precedentes; (b) na segunda, apenas uma das partes está interessada
na formação de precedente; e, por fim (c) na terceira, nenhuma das partes se interessa pela
formação de precedentes79 .
Rubin conclui, por meio de modelos matemáticos, que se ambas partes possuem um
interesse substancial em casos da mesma natureza e a regra em discussão é ineficiente, as partes
irão questioná-la em juízo até que esta seja modificada. Isto se daria por conta de uma regra de
pressão evolucionária, e não em virtude da sabedoria econômica de algum juiz. De fato, mesmo
se os juízes decidissem independentemente da eficiência, mais cedo ou mais tarde uma regra tida
por eficiente prevaleceria, em detrimento de uma alternativa ineficiente, vez que a atitude ou a
ideologia do juiz não toma parte no modelo proposto80 .
Por outro lado, quando somente uma das partes se interessa pela formação de
precedentes, haveria uma tendência de que a parte interessada ingressasse em juízo até que o
precedente mude em seu favor. Neste caso, não haveria tendência à eficiência81 . Por fim, se
nenhuma das partes possui interesse na formação de precedentes, a regra atual seria mantida, e as
serviço de solucionar, legitimamente, os conflitos. Cf. CATÃO, Adrualdo de Lima. Law and economics,
consequentialism and legal pragmatism: the influence of oliver holmes jr. In: 25th IVR World Congress: Law,
Science and Technology Frankfurt am Main 15–20 August 2011 ; Paper Series ; 045. [S.l.: s.n.], 2012., p.
4: “In pragmatic view, judges provide a public service. The service of legitimate solution of conflicts. But they
provide this service not only by applying the legislative rules, but by creating the Common Law”.
77 Para uma visão caricatural, que atribui a esta concepção a pecha de “conservadora”, e, portanto, à direita na
matriz política norte americana, v. MALLOY, Robin Paul. Law and Economics: A comparative approach to
theory and practice. St. Paul: West Publishing Co, 1990., pp. 60 e ss.
78 RUBIN, Paul. Why is common law efficient? The Journal of Legal Studies, n. 6, 1977., pp. 51-52.
79 Ibid., p. 53.
80 Ibid., pp. 53-55.
81 Ibid, pp. 55-56.
30

partes somente ingressariam em juízo se houvesse uma diferença na estimativa da probabilidade


de ganho82 .
Priest, em um artigo de resposta, simplifica o modelo proposto por Rubin, partindo
do pressuposto da constatação de que “os custos de transação no mundo real são positivos”83 .
No modelo de Priest, a pressão evolucionária do common law deriva do fato de que regras
ineficientes geram custos maiores do que regras eficientes, aumentando a utilidade auferida pelas
partes na reversão de determinado precedente gerador de uma determinada regra “ineficiente”.
A interpretação de Priest não trata dos interesses e preferências de determinados
indivíduos, como Rubin, ou dos juízes, como Posner, mas de mudanças sistemáticas no conjunto
agregado de normas jurídicas em vigor. Neste contexto, seria possível determinar uma tendência
de expansão da proporção de normas eficientes em vigor, em relação àquelas ineficientes.
Esta proporção seria calculada em função de: (a) o estoque de normas eficientes e
ineficientes no período anterior; (b) as taxas de “re-litigância” de normas eficientes e ineficientes;
e (c) da proporção de normas eficientes prolatadas pelos juízes (representativa do viés eficientista
destes)84 .
De acordo com o modelo proposto, existiria uma tendência das normas jurídicas
se tornarem eficientes no common law, independentemente do viés judicial ou do método
utilizado para decisão. Normas eficientes, neste sentido, “sobreviveriam” justamente pela baixa
probabilidade relativa de serem rediscutidas e modificadas por meio da propositura de novas
ações. A contrario, normas ineficientes teriam maior probabilidade de serem modificadas ao
longo do tempo85 .
Satisfeitos os pressupostos, a tendência para a eficiência do common law não depen-
deria da habilidade dos juízes em distinguir resultados eficientes dos ineficientes, nem sequer da
sua vontade em fazê-lo. De fato, segundo Priest, mesmo quando os juízes ativamente ignoram
os efeitos alocativos das suas decisões, a decisão das partes individuais em rediscutir o assunto
prevaleceria, o que, no longo prazo, significaria o aumento da proporção de normas eficientes86
no corpo do ordenamento jurídico vigente.
Ambos modelos têm como pressuposto, ainda que de forma mais comedida no caso
de Rubin, o fato de que as pessoas são maximizadoras racionais de sua utilidade, inclusive em
82 Ibid, pp. 56-57. Sobre o papel da probabilidade de ganho sobre a litigância, v. a demonstração formal na p. 57.
83 PRIEST, George L. The common law process and the selection of efficient rules. The Journal of Legal
Studies, n. 6, p. 65–82, 1977.
84 Ibid., p. 69.
85 Ibid., pp. 70-72.
86 Ibid., pp. 72-73.
31

relação à decisão de ingressar ou não em juízo a fim de discutir determinado fato ou tese. E é
precisamente neste ponto que a microeconomia, preocupada em analisar racionalmente o agir
individual, de maneira pretensamente científica, encontra a eficiência do common law, enquanto
sistema jurídico.
Um terceiro modelo foi apresentado por Goodman, em seu artigo An Economic
Theory of the Evolution of Common Law87 . Goodman inicia por descrever uma disputa judicial
como um jogo de duas pessoas, no qual introduz um coeficiente de viés (linear biasedness,
em inglês, representado pela letra grega λ ), que representa a razão entre os custos incorridos
pelas duas partes para que ambos tenham a mesma probabilidade de ganho. Assim, se λ = 1, o
julgador não possui nenhum viés88 .
Em seguida, Goodman dá forma ao modelo ao introduzir o conceito econômico de
retornos decrescentes de escala no tratamento dos custos incorridos pelas partes89 . Retorno
decrescente, neste caso, significa, grosso modo, que a utilidade marginal de um acréscimo nas
despesas jurídicas se reduziria conforme o aumento da própria despesa90 .
Isto significaria, de um lado, que este jogo de dois jogadores sempre possui um ponto
de equilíbrio, e, do outro lado, que a parte com um maior interesse econômico no jogo (ou seja,
no processo), teria, no ponto de equilíbrio, uma maior probabilidade de vencê-lo. No longo prazo,
isto significa que uma parte que possua grande interesse econômico em um determinado processo
teria uma probabilidade maior de sair vitorioso, ainda que um determinado precedente favoreça
uma solução ineficiente. Intuitivamente, portanto, “se o precedente é suficientemente ineficiente,
espera-se que seja superado por uma série de decisões contrárias”91 , conclui Goodman.
Os modelos indicados acima certamente não esgotam o conjunto de formulações
possíveis e outras até verificadas historicamente, as quais podem assumir diversas feições, con-
forme o caso92 , e certamente acarretam uma modificação na formulação tradicional, descrita por
Coase e Posner, de que a eficiência pareceria um movimento, inconsciente ou não, impulsionado
87 GOODMAN, John C. An economics theory of the evolution of common law. The Journal of Legal Studies,
v. 7, n. 2, p. 393–406, 1978.
88 Ibid., pp. 394-395
89 Ibid., p. 395
90 Matematicamente: seja U a utilidade obtida de um investimento C em despesas jurídicas. Pela lei do retorno
decrescente, a variação marginal de C será maior do que a variação marginal de U, ou, em notação matemática,
∂ dU ∂ dC
U < C
91 Ibid, Ibidem. Tradução livre do original inglês, onde se lê: “if precedent is sufficiently inefficient we expect it
to be overturned through a series of reversals”.
92 Para um apanhado geral destas teorias, v. KORNHAUSER, Lewis A. A guide to the perplexed claims of
efficiency in the law. Hofstra Law Review, v. 8, n. 3, 1980., pp. 627 e ss. Outra tentativa de descrição é feita
por GOULD, John P. The economics of legal conflict. The Journal of Legal Studies, v. 2, n. 2, jun 1973.
32

majoritariamente pelos juízes (de que falaremos adiante). Servem, contudo, para evidenciar
que a hipótese da eficiência do common law era uma das várias teorias positivas ou hipóteses
econômicas do (ou sobre o) direito, da qual Posner, dentre outros, era ferrenho defensor.

2.4 O PAPEL DOS JUÍZES NA PROMOÇÃO DA EFICIÊNCIA

Se o direito é feito pelos juízes, e se o direito tem evoluído, historicamente, no


sentido de maximizar a eficiência, o que seria do exercício da própria atividade judicante? A
tendência da eficiência seria resultado apenas dos incentivos externos daqueles que aparecem
diante do juiz para obter qualquer medida judicial, como dizem Rubin, Priest e Goodman, ou
teriam os juízes papel ativo nesta evolução?
Mais ainda, teria o mindset alguma influência no comportamento dos juízes, dos
litigantes e dos operadores do Direito em geral, de modo que estes, de maneira intuitiva, optassem
por decidir ou por se posicionar a favor de soluções que mimetizassem aquelas que seriam obtidas
por um mercado eficiente do ponto de vista econômico?
Alguns autores, entre eles Posner e Coase, como vimos, levavam adiante a ideia de
que os juízes teriam alguma participação preponderante neste processo. Utilizando a classificação
proposta por Zywicki93 , estas teorias seriam, portanto, análises econômicas do direito pelo lado
da oferta.
Zywicki vai mais além e identifica uma conjuntura estrutural histórica na qual o
common law foi gerado e que possuía algumas características específicas que possibilitaram
o acúmulo de regras eficientes e a formação de sua essência94 . A primeira delas é que antes
da adoção da doutrina do stare decisis (que, segundo o autor, teria acontecido de maneira
generalizada apenas no final do século XIX), a doutrina do precedente fraco (weak precedent)
permeiava a doutrina do common law (os reflexos de uma postura mais flexível quanto aos
precedentes pode ser intuída do modelo de Paul Rubin, exposto acima).
A segunda delas é que, durante certo tempo, não houve na Inglaterra uma estrutura
hierárquica e organizada do Poder Judiciário, mas sim uma série de jurisdições juxtapostas umas
às outras. Como boa parte da remuneração dos juízes dependia das custas judiciais pagas pelos
litigantes95 , e estes podiam escolher o tribunal ao qual submeteriam determinada questão, os
juízes tinham incentivos para prover a justiça da maneira mais imparcial, correta, razoável, rápida
93 ZYWICKI, T. Op. Cit.
94 ZYWICKI, T. Op. Cit., p. 82.
95 ZYWICKI, T. Op. Cit., p. 34.
33

e eficiente possível96 .
Por fim, o common law tradicional preocupava-se mais em valorizar a ordem privada
e os costumes do que impor à população normas cogentes de cumprimento obrigatório por
todos. Neste sentido, a produção do common law consistia, em larga medida, na enunciação de
cláusulas standard, cuja aplicabilidade poderia ser afastada pelas partes em determinado negócio
jurídico97 , quando, por exemplo, entendiam que a determinada regra era ineficiente.
Segundo Posner, e estritamente em concordância com a ideia de “modelo”, exposta
acima, a teoria positiva da eficiência do common law deve ser entendida como uma explicação
das regras e efeitos do common law, e não como uma explanação sobre as razões pelas quais o
common law passou a se preocupar com a eficiência98 .
No entanto, o próprio Posner oferece um pequeno apanhado de explicações para
tal. A primeira delas tem que ver com o período formativo do common law, entre 1800 e 1950,
durante o qual o utilitarianismo teria ocupado lugar de destaque na ideologia política inglesa
e norte-americana99 . Em uma outra versão do mesmo argumento, a eficiência do common law
seria derivada do fato de que grande parte de sua doutrina teve origem no século XIX, onde
a ideologia do laissez-faire, baseada na economia clássica, seria a ideologia dominante das
classes educadas nos Estados Unidos100 . Daí se seguiria que os juízes escolhidos dentre este
pool estariam imbuídos da ideologia liberal e dispostos, inconscientemente ou não, a moldar a
realidade através dos seus julgamentos conforme a sua consciência liberal-econômica.
Uma segunda possível causa seria a ausência de instrumentos jurídicos por meio dos
quais os juízes pudessem favorecer uma determinada classe social, forçando-os a adotar medidas
que enriquecessem a sociedade como um todo, na expectativa de que aquela determinada classe
social pudesse compartilhar os ganhos101 .
Essas considerações, no entanto, serviriam para contextualizar o ambiente no qual
96 ZYWICKI, T. Op. Cit., p. 36. Perceba-se que os mesmos adjetivos são utilizados atualmente para explicar, de
certa forma, a atratividade dos procedimentos arbitrais.
97 ZYWICKI, T. Op. Cit., p. 72.
98 cf. POSNER, Richard A. A reply to some recent criticisms of the efficiency theory of the common law. Hofstra
Law Review, v. 9, 1981., p. 776.
99 Ibid. Ibidem.
100 POSNER, Richard A. Economic Analysis of Law. 8a . ed. New York: Wolkers Kluwer, 2011., p. 32 e
POSNER, Richard A. Problemas de Filosofia do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2007., p. 482.
101 Um argumento similar, porém produzido em um contexto completamente diferente, é o de Shavell e Kaplow
sobre a superioridade do sistema tributário no atingimento do objetivo de distribuição de renda, quando
comparado com a utilização de normas jurídicas. Cf., a respeito, KAPLOW, Louis; SHAVELL, Steven. Why
the legal system is less efficient than the income tax in redistributing income. The Journal of Legal Studies,
v. 23, n. 2, p. 667–681, 1994. V. também, SHAVELL, Steven. Foundations of Economic Analysis of Law.
Cambridge: Harvard University Press, 2004., pp. 647 e ss.
34

teria surgido uma suposta essência do common law, indicando sobretudo as limitações impostas
aos juízes pelas circunstâncias nas quais eles estariam envolvidos102 , mas pouco ou nada diz
sobre a propensão dos juízes em contribuir para a eficiência do sistema jurídico como um todo.
É que, nas palavras do próprio Posner,

No coração da análise econômica do direito, há um mistério, que é também


uma vergonha: como explicar o comportamento dos juízes em termos econô-
micos quando quase a totalidade da pressão imposta pelas regras que regem a
remuneração e outros termos e condições dos cargos judiciais é no sentido de
divorciar a atuação judicial dos incentivos (...), dos diferentes custos e benefí-
cios associados a comportamentos diferentes, e que determinam a ação humana
de forma econômica?103

De forma resumida, portanto, além da pressão natural, resultante do lado da demanda


da prestação jurisdicional, a longa marcha até a eficiência, pelo lado da oferta, teria como fator
histórico (ainda que hipotético) a predominância da ideologia utilitarista-neoliberal no ideário dos
juízes que exerciam as suas atividades durante o período formativo do common law, bem como
a ineficiência inerente ao sistema que limitaria a ação dos juízes em benefício de determinada
classe. Tudo isso faria com que os juízes se preocupassem mais em fazer crescer o bolo do que
em dividi-lo104 .
A afirmação genérica de que a ideologia ocupa um lugar preponderante na formação
do Direito é, aliás, uma que mereceria um exame mais detido por si só. No entanto, fiéis a
metodologia escolhida (a de modelar o sistema jurídico a partir de pressupostos econômicos),
os teóricos da Análise Econômica do Direito pouco se dedicam ao assunto. No entanto, esta
construção é lugar-comum nos ambientes acadêmicos brasileiros, sobretudo no contexto da
intitulada teoria marxista do direito105 , mas não só.
Os manuais e os autores de Introdução ao Estudo do Direito não raro destacam o
fator ideológico como parte do processo formador de novas leis, ou, um ou dois passos atrás,
102 ZYWICKI, T; STRINGHAM, E. P. Common law and economic efficiency. In: PARISI, Francesco; POSNER,
Richard (Ed.). Encyclopedia of Law and Economics. 2a . ed. Chatelham: Edward Elgar, 2011.
103 POSNER, Richard A. What do judges and justices maximaze?: (the same thing everybody else does).
Supreme Court Economic Review, v. 3, n. 1, 1993. Tradução livre do original inglês, onde se lê: “At the heart
of economic analysis of law is a mystery that is also an embarrassment: how to explain judicial behavior in
economic terms, when almost the whole thrust of the rules governing the compensation and other terms and
conditions of judicial employment is to divorce judicial action from incentives — to take away the carrots and
sticks, the different benefits and costs associated with different behaviors, that determine human action in an
economic mode”?
104 A metáfora é atribuída a Antonio Delfim Netto, Ministro da Fazenda nos governos Costa e Silva (1967-1969)
e Médici (1969-1973).
105 Nas palavras de Peteris Stucka, o direito figuraria como “o conjunto das relações em geral, como um sistema
de relações que corresponde aos interesses das classes dominantes e salvaguarda estes interesses através da
violência organizada”. V. STUCKA, P. Apud: PACHUKANIS, E. B. Ideologia e direito. In: . Teoria
Geral do Direito e Marxismo. São Paulo: Acadêmica, 1988.
35

no campo da Teoria Geral ou da Filosofia do Direito, refletem sobre o direito positivo como o
coroamento de um discurso que venceu106 .
Estas indicações, se servem para aprofundar a nossa compreensão sobre o fenômeno
jurídico no Brasil, ainda que a atividade legislativa seja – em tese – apartada da aplicação das leis,
tanto mais são verdadeiras a respeito de um sistema em que o próprio corpus de normas jurídicas
é fruto direto da atividade judicante dos juízes e, por via mediata, dos demais operadores do
direito. Como a criação do direito, ao menos do direito privado, é fundamentalmente endógena no
common law, a influência no desenvolvimento do ordenamento jurídico destes estágios e decisões
iniciais com base em uma ideologia específica, pode assumir contornos bastante expandidos,
sobretudo se levamos em consideração a teoria da dependência da trajetória, segundo a qual:

A doutrina do stare decisis, assim, cria um processo explicitamente dependente


de trajetória. Decisões posteriores são baseadas em, e limitadas por, decisões
anteriores. (...) Precisamente porque cada decisão aumenta a probabilidade
de que a próxima irá tomar uma forma particular, o common law exibe de-
pendência de trajetória de recursos crescentes. Porque o direito muda por um
processo de evolução interminente e sem embargo historicamente limitada, o
common law exibe uma dependência de trajetória evolucionária. E porque o
processo legal envolve a tomada sequencial de decisões em um procedimento
marcado por alternativas concorrentes e múltiplos atores, o common law exibe
uma dependência de trajetória sequencial. Portanto, assim como os processos
biológicos e sociais são limitados pela história, o direito é firmemente guiado
pela mão pesada do passado107 .

Com efeito, as palavras de Warat, sobre o senso comum teórico dos juristas são ainda
mais penetrantes108 , se levarmos em consideração que no múnus de um juiz de common law
está a própria criação do Direito: não se trata, tão somente, do “retorno da episteme à doxa”,
106 A referência mais próxima é a de Adeodato: “A tese repetida aqui é que todo direito tem conteúdo ético,
todo direito é essencialmente ético, pelo menos para determinado grupo social, justamente o vencedor na
“luta pelo direito”, na luta para transformar suas convicções éticas em direito posto”. V. ADEODATO, João
Maurício Leitão. A construção retórica do ordenamento jurídico: três confusões sobre ética e direito. In:
CARVALHO, Paulo de Barros (Org.). Sistema tributário brasileiro e a crise atual. São Paulo: Noeses, 2009.
v. 6, p. 355–366.
107 HATHAWAY, Oona A. Path dependence in the law: The course and pattern of legal change in a common
law system. The Iowa Law Review, v. 86, n. 2, 2001. Tradução livre do original inglês, onde se lê “The
doctrine of stare decisis thus creates an explicitly path-dependent process. Later decisions rely on, and are
constrained by, earlier decisions. (...) Because each legal decision increases the probability that the next will
take a particular form, the common law exhibits increasing returns path dependence. Because the law changes
through a process of punctuated yet historically constrained evolution, the common law exhibits evolutionary
path dependence. And because the legal process involves sequential decision making in a process marked by
competing alternatives and multiple actors, the common law exhibits sequencing path dependence. Therefore,
just as biological and social processes are constrained by history, the law is firmly guided by the heavy hand of
the past”.
108 WARAT, Luís Alberto. Saber crítico e senso comum teórico dos juristas. Sequência, v. 3, n. 5, p. 48–57,
1982.
36

destinado a legitimar um conjunto de crenças procedimentais, senão que a própria doxa, se torna,
de certa maneira, a episteme.

2.5 CRÍTICAS ÀS TEORIAS ECONÔMICAS POSITIVAS DO COMMON LAW

A hipótese da eficiência do common law não foi poupada de duras críticas, a maioria
delas vinda de críticos do movimento Law and Economics, mas também de um proponente ao
outro (como o caso de Goodman contra o modelo que ele chama de Rubin-Priest). O próprio
Posner descreve (e rebate) algumas dessas críticas, em seu A Reply to Some Recent Criticisms
of the Efficiency Theory of the Common Law109 , condensando-as em respostas aos artigos de
Kornhauser110 , Tullock111 e Markovits112 , todos publicados por ocasião de um Simpósio sobre a
importância da eficiência para o Direito em 1980113 .
A escolha de Posner ao criticá-los parece bem colocada, concentrando em alguns
pontos trazidos pelos autores as principais classes de argumentos contra a teoria da eficiência do
common law. Seriam estes argumentos metodológicos, de um lado, e empíricos, do outro. Kor-
nhauser, segundo Posner, traz em seu artigo uma crítica sobretudo metodológica, argumentando
que o modelo utilizado pelos teóricos da análise econômica positiva do Direito não se sustenta
quando confrontado com a realidade114 , o que seria facilmente rebatido uma vez esclarecida a
diferença entre explicar o direito e descrever o direito, o que tentamos trazer acima.
Por sua vez, segundo Posner, Tullock e Markovits questionam o substrato de evidên-
cias que sustentariam a teoria econômica positiva do common law115 : Tullock indicando duas
passagens do Economic Analysis of Law, as quais seriam resultado de um empirismo casual e
109 POSNER, Richard A. A reply to some recent criticisms of the efficiency theory of the common law. Hofstra
Law Review, v. 9, 1981.
110 KORNHAUSER, Lewis A. A guide to the perplexed claims of efficiency in the law. Hofstra Law Review,
v. 8, n. 3, 1980.
111 TULLOCK, Gordon. Two kinds of efficiency. Hofstra Law Review, v. 8, n. 3, p. 659–669, 1980.
112 MARKOVITS, Richard S. Legal analysis and the economic analysis of allocative efficiency. Hofstra Law
Review, v. 8, n. 4, p. 811–903, 1980.
113 HOFSTRA LAW, REVIEW. Symposium on efficiency as a legal concern introduction. Hofstra Law Review,
v. 8, n. 3, 1980.
114 Cf. POSNER, R. A. Op. Cit., p. 780-781, e também KORNHAUSER, L. A., Op. Cit., p. 627: “the
development of these [nonevolutionary] models over time suggests that for each efficiency result in a simple
word, a suboptmal result in a more plausible world will be found. The common law may be efficient, but
economic models of legal phenomena at best provide a shaky logical foundation for nonevolutionary claims”
e, na p. 633: “Evalution of the evolutionary claims, therefore, presents significant difficulties. Having only
been advanced recently, their logic in rudimentary and has not yet been subjected to extensive criticism. The
discussion above outlines only several potential reasons to suspect that careful elaboration of these models will
lead to predictions at variance with the descriptive claim”.
115 POSNER, R. A. Op Cit., p. 781-785.
37

Markovits discutindo a superioridade, do ponto de vista alocativo, da responsabilidade objetiva


em relação à responsabilidade subjetiva (incluindo um elemento de culpa, ou, nos termos do
common law americano, negligence).
Além destas críticas destacadas por Posner, tanto Tullock quanto Markovits também
trazem críticas metodológicas. Tullock, por exemplo, problematiza o problema do cálculo da
eficiência em casos específicos, sublinhando a dificuldade de traçar conclusões sem que sejam
frutos de uma constatação ad hoc dos custos envolvidos, em conjunto com uma ilação a respeito
de que troca aconteceria se não existissem custos de transação116 .
Markovits, por sua vez, estabelece como dificuldade inicial o próprio conceito de
maximização da riqueza117 , além da ausência de evidências sobre (i) a eficiência do common
law como se encontra118 e, diante da dubiedade em que uma situação pode ser vista, a uma só
vez e de acordo com as preferências do observador, como sendo economicamente eficiente ou
não, (ii) a ausência de justificativa para a alegação de que o common law seria eficiente, ou, em
outras palavras, o fato de que a teoria posneriana pouco explicaria do common law119 .
Sobre o conceito de maximização da riqueza, falaremos adiante. Mas apenas sob o
pretexto de conclusão, em relação à hipótese de eficiência do common law, há que se considerar
com mais detalhes o argumento suscitado por Markovits a respeito da ausência de evidência
sobre a eficiência real do common law. Mais especificamente, sobre a ausência de evidências
unívocas neste sentido, sem entrar nos detalhes das evidências e as diferentes formulações a
respeito de ramos do common law sobre os quais este trabalho teria inevitavelmente pouco a
acrescentar.
Já em 1990, em seu Problemas de Filosofia do Direito, Posner volta a tratar das
críticas direcionadas à Análise Econômica do Direito. Especificamente em relação à análise
positiva, Posner se ocupa, em primeiro lugar, das críticas que resvalam na Análise Econômica
do Direito por continência. Essas se ocupam da ciência econômica em si, entendendo-a como
uma ciência “fraca”120 . No entanto, Posner diminui o peso dessas críticas ao questionar o valor
relativo desta abordagem quando comparada com possíveis “candidatos” ao papel de liderança
na configuração de uma teoria positiva do direito, como a filosofia do direito, a antropologia do
116 TULLOCK, G. Op Cit., p. 667.
117 MARKOVITS, R. S. Op Cit., pp. 814-827.
118 No caso de Markovits, o argumento é construído por meio de uma revisão das afirmações de Posner sobre a
eficiência do tort law. V. MARKOVITS, R. S. Op Cit., pp. 828 e ss.
119 MARKOVITS, R.S. Op Cit., pp. 848 e ss.
120 POSNER, Richard A. Problemas de Filosofia do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2007., pp. 487-491.
38

direito e a sociologia do direito121 .


Além disso, ao refutar a ideia do confinamento da economia às atividades mercado-
lógicas, Posner ressalta as contribuições feitas ao conhecimento humano pela utilização da teoria
econômica em campos tradicionalmente afastados do estudo dos economistas122 .
Ao tratar, no entanto, das críticas direcionadas especificamente à Análise Econômica
do Direito, de que aliás já se tratou acima, de que (i) a hipótese positiva não pode ser realmente
testada e de que (ii) a ambiguidade dos resultados específicos a que se chega ao utilizar-se
esta abordagem, Posner parece ter aceitado a relevância das críticas, reconhecendo-as como
“substanciais”123 , no entanto exageradas, ao identificar, ainda outra vez, doutrinas do common
law que, por pouco, não seriam “explicitamente econômicas”, como a fórmula de negligência de
Learned Hand124 . O fato é que Posner admite serem “muitas as fraquezas” da teoria positiva,
mas destaca o mérito pedagógico de “permitir que a miscelânea de regras e doutrinas do common
law se organizem na forma de um sistema coerente”, assim como o alerta aos juristas de que é
possível teorizar cientificamente sobre o direito, “desafiando-os a procurar novas teorias, ainda
que até o momento essa busca se mostre bastante infrutífera”125 .
A questão central, para além da pouca utilização de métodos quantitativos e estatísti-
cos para análise do direito, parece ser a dificuldade metodológica ocasionada pela pouca precisão
na definição do que seria a eficiência econômica ou a “regra da maximização da riqueza”, o
que traz consigo ambiguidade nas conclusões. É o que, muitos anos depois, sustenta David
Friedman, quando diz que um estudioso procurando por evidências de que o common law é, de
fato, eficiente, quase sempre as encontra, descobrindo o que seria eficiente somente depois de ter
analisado o direito:
121 POSNER, R. A., Op Cit., p. 493.
122 POSNER, R. A., Op Cit., p. 497.
123 POSNER, R. A., Op Cit., p. 498.
124 Na descrição de Battesini: “No caso United States v. Carroll Towing Company, uma das questões a ser
decidida pelo Juiz Learned Hand era se teria havido negligência contributiva por parte da empresa Conners
Company, proprietária de uma embarcação, ao deixá-la amarrada ao píer da baía de New York, sem ninguém a
bordo, tendo ocorrido o rompimento das amarras e a colisão com outra embarcação. Ao apreciar a situação
constituída, o Juiz Learned Hand declarou: “não haver regra geral para determinar quando a ausência deum
barqueiro ou de alguém que o substitua tornará o proprietário da embarcação responsável por danos a outros
barcos causados por rompimento das amarras”, considerando que, “a obrigação do proprietário, como em
outras situações, de evitar danos a terceiros é função de três variáveis: (1) a probabilidade de o barco se soltar;
(2) a gravidade dos danos causados, e; (3) o ônus das precauções adequadas”. Utilizando a notação P para
a probabilidade do dano, L para o dano e B para o ônus dos cuidados, o Juiz Learned Hand enunciou que
a responsabilidade depende de que B seja menor do que L multiplicado por P” (B < P.L).” V. BATTESINI,
Eugênio. Direito, economia e responsabilidade objetiva no brasil. Revista do Instituto de Direito Brasileiro,
v. 1, p. 59–111, 2012.
125 POSNER, R. A., Op Cit., p. 501.
39

Na maioria dos casos, a gama de argumentos plausíveis é grande o suficiente


para que um pesquisador engenhoso possa encontrar ao menos um que justifique
o direito em vigor atualmente. Às vezes, através de um exame suficientemente
cuidados, verifica-se que o argumento, embora plausível, está errado. Às vezes
isso não acontece.
A minha própria conclusão é que o debate ainda está aberto sobre a tese de
Posner. Algumas características do common law fazem sentido como se es-
peraria de um sistema jurídico eficiente, outras não, e em muitos casos nós
simplesmente não sabemos com alguma confiança qual regra seria eficiente126 .

Friedman ainda propõe uma pequena modificação da teoria, que a fortaleceria,


ainda que de forma limitada: o common law fora eficiente, mas tem se afastado da eficiência
por boa parte do século passado127 . No final do dia, mesmo enfraquecida pelas críticas ditas
“substanciais”, ao menos na sua forma originalmente proposta por Posner, a teoria econômica
positiva do Direito guarda, além dos méritos didáticos já discutidos acima, o valor de ter
demonstrado a unidade talvez não daquilo que o common law é, mas da espécie de problema
cuja resolução dependeria do Direito128 .
E, mesmo diante das críticas, uma forma fraca da teoria positiva, de que a teoria
econômica positiva do Direito descreve a maioria das regras jurídicas ou identifica uma influência
– talvez uma dentre inúmeras – sobre a formação das regras jurídicas, conforme proposta pelo
próprio Posner, poderia “alegar uma certa sustentação empírica”, e pode servir como ponto de
partida contingente (temporária, até) para uma análise do direito mais ampla e interdisciplinar,
conforme o próprio Posner sustenta:

Parece que intuições sobre a maximização da riqueza deram forma, de forma


significativa, às doutrinas do common law e que a lei escrita[estatutária] não
reflete a um grau muito maior a pressão de grupos de interesse. Apesar de que
seria um exagero grosseiro concluir que a lógica da common law tem sido a
maximização da riqueza e da lógica da lei estatutária a redistribuição da riqueza
a partir das provas reunidas até o momento, a afirmação contém alguma verdade
- e (...) compromete as sugestões de que o direito é um campo autônomo de
pensamento e ação social.
(...) Um dia o que eu tenho chamado de teoria econômica positiva de lei será
subsumido em uma teoria mais ampla - talvez, embora não necessariamente,
uma teoria econômica - do comportamento social que chamamos de lei. En-
quanto isso, (...) a teoria econômica do direito é uma regra padrão, ou uma
126 FRIEDMAN, David. Law’s Order: What economics has to do with law and why it matters. Princeton:
Princeton University Press, 2000.. Tradução livre do original inglês, onde se lê: “In most cases the range of
plausible arguments is wide enough so that an ingenious searcher can find at least one that justifies existing law.
Sometimes, on sufficiently careful examination, it turns out that the argument, although plausible, is wrong.
Sometimes it doesn’t. My own conclusion is that the jury is still out on the Posner thesis. Some features of the
common law make sense as what we would expect in a efficient legal system, some do not, and in many cases
we simply do not know with any confidence what the eficient rule would be”.
127 FRIEDMAN, D. Op Cit., p. 306.
128 FRIEDMAN, D. Op Cit., p. 307.
40

presunção - o lugar certo para começar, embora não necessariamente o ponto


de chegada, na análise do direito do ponto de vista positivo.129

129 POSNER, Richard A. Problems of Jurisprudence. Cambridge: Harvard University Press, 1993., pp. 371-
372. Tradução livre do original inglês, onde se lê: “It seems that intuitions about wealth maximization have
shaped to a significant degree the doctrines of the common law and that statute law does reflect to a much
greater degree the pressure of interest groups. Although it would be a gross overstatement to conclude from
the evidence gathered to date that the logic of the common law has been wealth maximization and the logic of
statute law wealth redistribution, the statement contains some truth – and (...) undermines suggestions that law is
an autonomous field of social thought and action. (...) Some day what I have been calling the positive economic
theory of law will be subsumed under a broader theory – perhaps, although not necessarily, an economic theory –
of the social behavior we call law. Meanwhile, (...) the economic theory of law is a default rule, or presumption
– the right place to start, although not necessarily to end, in analyzing law from a positive standpoint”.
41

3 DA POSITIVIDADE À NORMATIVIDADE: A MAXIMIZAÇÃO DA RIQUEZA


COMO FUNDAMENTO AXIOLÓGICO DO DIREITO
Vimos, na seção anterior, parte da teoria econômica positiva do Direito, com a
descrição do modelo de compreensão do common law enquanto sistema, como se este possuísse
uma tendência monotônica a aproximar-se de uma situação economicamente eficiente, produ-
zindo a reboque uma vasta literatura destinada a explicar e descrever o direito sob um enfoque
economicista.
No entanto, como o próprio Posner acentua, a análise positiva do Direito era apenas
uma de suas proposições. A segunda, muito mais polêmica, não procurava encontrar no direito
um elemento exógeno que lhe servisse de pedra de Rosetta, mas sim alçar a eficiência econômica,
ou a maximização da riqueza, ao status de paradigma valorativo do direito.
Segundo a proposta de Bruno Salama, este apanhado de trabalhos através dos quais
se pretenderia tratar da maximização da riqueza como axioma valorativo do direito seria melhor
entendido com uma segunda fase da obra de Posner1 , em que ocorreria a troca da justiça pela
eficiência, para utilizarmos novamente a expressão de Klaus Mathis que dá nome ao seu livro2 .

3.1 UMA GILHOTINA DE HUME ÀS AVESSAS E A EFICIÊNCIA NO MERCADO DOS


FUNDAMENTOS MORAIS

Segundo a lei de Hume, ou a regra da guilhotina de Hume, conclusões de “ser” não


podem ser derivadas de regras de “dever ser”. O assunto já foi lateralmente objeto de discussão
neste trabalho, ao indicarmos um suposto valor em conservar as coisas como são. O argumento
para a transformação é tão simples quanto logicamente frouxo: vez que o direito, tal como se
mostra no common law, seria economicamente eficiente, nos termos tratados na seção anterior, o
próximo passo seria procurar, o tanto quanto possível, conformá-lo à eficiência.
Trata-se, em suma, de derivar uma regra de “dever-ser” de uma proposição de “ser”;
anátema segundo a lei de Hume3 . O direito (o common law) deve-se manter eficiente porque
é eficiente, ou ao menos assim se tem mostrado do ponto de vista histórico, relevando-se as
diversas ressalvas possíveis à teoria econômica do direito, algumas das quais tratamos na seção
1 SALAMA, Bruno Meyerhof. A história do declínio e queda do eficientismo na obra de richard posner. In:
LIMA, Maria Lúcia L. M. Pádua (Ed.). Agenda contemporânea: direito e economia: Trinta anos de brasil.
São Paulo: Saraiva, 2012. v. 1, p. 284–321.
2 MATHIS, Klaus. Effiency Instead of Justice? [S.l.]: Springer, 2009.
3 Nos dizeres do próprio Hume, esta relação do tipo deve/não deve não pode ser deduzida da relação de é/não é.
V. HUME, David. Tratado da Natureza Humana. São Paulo: Editora UNESP, 2000., p. 509
42

anterior.
O ritual de “passagem” entre a análise positiva e a normativa carrega todas as
complicações comuns às distinções entre fato/valor nas ciências. O apanhado de discussões
sobre a diferença entre economia positiva e normativa poderia ser um terreno fértil para procurar
entender o papel da ideologia (e aqui a palavra é utilizada livre de qualquer significado político
que seja) na conformação da realidade apresentada nas chamadas análises positivas: quem
procura descrever uma realidade, ao mesmo tempo a conforma? Quanto esconde aquilo que
escolhemos mostrar? O que revela aquilo que escondemos?
A verdade é que a sofisticação dos modelos econômicos faz com que seja possível
procurar sempre um ângulo ou um viés pelo qual determinada situação de direito pareça mais ou
menos eficiente, mais ou menos adequada. E muito desta indeterminação deriva da ausência de
uma definição precisa daquilo que mereceria ser buscado de acordo com a proposta da Análise
Econômica do Direito. Fala-se em eficiência, em maximização da riqueza, e a discussão em
termos abstratos permanece sempre confortável. Afinal de contas, é duvidoso que alguém em sã
consciência procure defender o desperdício de recursos.
Porém, são nas situações limites, em que o direito (ou mesmo a justiça) recorre a
outras disciplinas confinantes (o recurso tradicional é feito sobretudo à filosofia moral) para
resolver ou procurar dar uma solução razoável a conflitos difíceis, como a venda de bebês4 ,
apenas para ficarmos entre os assuntos mais polêmicos já tratados por Posner, é que a análise
econômica do direito pretende oferecer a sua contribuição normativa.
Na ausência de uma bússola moral que apascente as dissonâncias de uma sociedade
cada vez mais plural, na qual é difícil encontrar um lugar comum no qual as pessoas possam
dialogar e chegar a consensos informados, especialmente naqueles casos em que, como descreve
Posner, a legislação infraconstitucional somente se limita a criar balizamentos de caráter geral,
deixando “uma grande área em aberto para o exercício da discricionariedade judicial”5 .
Em tempos de “anarquia moral”, derivada, em parte, do declínio da influência
religiosa no cotidiano da população e do enfraquecimento da cultura ocidental “tradicional”,
várias éticas (sensu largo) procuram ser o fundamento moral de determinada posição política,
que informa, à sombra da lei, tantas decisões judiciais onde o direito excede aquilo que a lei diz6 .
4 LANDES, Elisabeth M; POSNER, Richard A. The economics of the baby shortage. The Journal of Legal
Studies, v. 7, n. 2, p. 323–348, 1978.
5 POSNER, Richard A. Prefácio à edição brasileira. In: . A Economia da Justiça. São Paulo: WMF
Martins Fontes, 2010., p. XVI.
6 RESTA, Eligio. Diritto Vivente. Bari: Laterza, 2008., p. 32.
43

Neste contexto, onde a liberdade de criação do direito supera o binômio common


law/civil law e as divisões acadêmicas das disciplinas jurídicas, Posner parece encontrar um
lugar “no balcão ao lado dos demais artigos éticos à venda em um mercado desordenado”7 para
a ética que chamou de ética da “maximização da riqueza”.

3.2 O CRITÉRIO DE MAXIMIZAÇÃO DA RIQUEZA

O esboço da análise econômica normativa do direito, como proposta por Posner,


pode ser encontrada em dois artigos escritos ainda na década de 1970. São eles: Utilitarianism,
Economics, and Legal Theory8 e The Ethical and Political Basis of the Efficiency Norm in
Common Law Adjudication9 , publicados, respectivamente, em 1979 e 1980. Ambos aparecem,
adaptados e revisados, na segunda edição de The Economics of Justice, traduzido ao português,
em sua primeira parte, denominada “Justiça e Eficiência”10 .
Como boa parte dos argumentos de Posner a favor da maximização da riqueza como
objetivo normativo aparecem na forma de distinção desta em relação ao utilitarismo11 , convém
trabalharmos o conceito, antes de explorarmos as suas implicações teóricas.
O caminho para chegarmos até o critério de maximização da riqueza começa em
Vilfredo Pareto, no seu Manual de Economia Política, em que este descreve uma situação
hipotética de equilíbrio de mercado, onde as ofelimidades de todos são maximizadas. Pareto diz
que:

“os membros de uma coletividade gozam, em determinada posição, do máximo


de ofelimidade, quando se torna impossível encontrar um meio de afastar-se
muito pouco dessa posição, de tal maneira que a ofelimidade de que goza
cada indivíduo dessa coletividade aumente ou diminua. Isso significa que todo
pequeno deslocamento a partir dessa posição tem, necessariamente, como efeito
aumentar a ofelimidade de que gozam certos indivíduos e diminuir a de que
outros gozam: ser agradável a uns e desagradável a outros.”12

Desta definição de equilíbrio proposta por Pareto, que veio a ser conhecida, de resto,
por toda ciência econômica como um ótimo de Pareto, uma determinada situação, portanto, é
7 POSNER, R. Op. Cit., p. XIX.
8 POSNER, Richard A. Utilitarianism, economics, and legal theory. The Journal of Legal Studies, v. 8, p.
103–140, 1979.
9 POSNER, Richard. The ethical and political basis of the efficiency norm in common law adjudication. Hofstra
Law Review, v. 8, p. 487, 1980.
10 POSNER, Richard A. A Economia da Justiça. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010.
11 V. KRONMAN, Anthony T. Wealth maximization as a normative principle. The Journal of Legal Studies,
v. 9, n. 2, p. 227–242, 1980.
12 PARETO, Vilfredo. Manual de Economia Política. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1988.
44

tida como ótima ou eficiente no sentido de Pareto (ou Pareto-eficiente) se é verdade que não é
possível melhorar a utilidade de um agente sem degradar a utilidade de qualquer outro agente
econômico13 .
O ótimo de Pareto é uma forma de descrever uma situação de equilíbrio de mercado.
Partindo desta definição de eficiência, um outro conceito correlato pode ser delineado de forma
relativa. Quando identificamos uma situação em que a utilidade de um agente econômico pode
ser aumentada sem que isto tenha efeito negativo sobre nenhum outro, dizemos que esta é uma
melhoria de Pareto. Por via de consequência, um ótimo de Pareto é atingido quando não há mais
melhorias de Pareto possíveis em uma determinada situação.
O desenvolvimento da chamada economia do bem-estar trouxe consigo diversas
críticas à utilização do critério de Pareto. A primeira delas é o problema da dotação inicial dos
bens. A dotação inicial dos bens (isto é, o conjunto de bens que um determinado agente possui
antes de realizar qualquer troca) é indiferente para os fins de aplicação do critério de Pareto. Em
outras palavras, a “justeza” da dotação inicial não influencia na aplicação do critério: assumimos
que, qualquer dotação inicial iria replicar a distribuição existente em determinado momento14 .
Apesar de que, dada uma determinada dotação inicial de bens, um estado Pareto-
eficiente é sempre preferível, quando se considera a dotação inicial dos bens como uma variável,
várias situações satisfazem o critério de eficiência de Pareto, inclusive os mais absurdos, conforme
afirma Amartya Sen: “um estado em que algumas pessoas estão famintas e sofrendo de carência
aguda enquanto outras estão vivendo a boa vida ainda pode ser considerada ótima no sentido de
Pareto”15 .
Complicações outras incluem a discussão sobre a formação da dotação inicial de
bens (como resultado de violência, opressão, fraude, etc.) e o fato de que a redistribuição de
renda em favor dos pobres é impossível sob a égide do princípio de Pareto, sendo que este sempre
favoreceria o status quo.
O princípio de Pareto também ignora as externalidades, que ocorrem sempre que
13 A eficiência no sentido de Pareto é, aliás, a formulação para definir eficiência econômica nos manuais de
economia. Negativamente, segundo Varian, “uma alocação ineficiente no sentido de Pareto tem a característica
indesejável de que há alguma forma de melhorar a situação de alguém sem prejudicar ninguém mais”. Segundo
Hall e Liebermann, “economic efficiency is achieved when there is no way to rearrange the production of
allocation of goods in a way that makes one person better off without making anybody else worse off”. Cf.
VARIAN, Hal R. Microeconomia: princípios básicos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. e HALL, Robert;
LIEBERMAN, Marc. Microeconomics: Principles and applications. [S.l.]: Cengage Learning, 2012.
14 V. MATHIS, K. Op. Cit, p. 36.
15 SEN, Amartya. Apud MATHIS, K. Op. Cit, p. 36. Tradução livre do original, onde se lê: “A state in which
some people are starving and suffering from acute deprivation while others are tasting the good life can still be
Pareto optimal”.
45

uma transação traz consequências para terceiros. No limite, se levarmos em consideração as


externalidades, nas palavras de Mathis, “a maioria das transações de livre-mercado viola o
princípio de Pareto, porque quase sempre afetam terceiros de um jeito ou de outro”16 .
Por fim, uma análise paretiana é estática: o processo de transição é ignorado e não
há espaço para considerar os custos de transação incorridos na troca de um estado para outro.
Além disso, o critério de Pareto não leva em consideração as futuras gerações, a menos que os
seus interesses sejam representados nos cálculos feitos pela geração atual.
Como se vê, o critério de Pareto exige que as mudanças de um estado para o
outro sejam consensuais. Ocorre que o direito é coercitivo por natureza, sendo necessária
sua modificação para que possa ser efetivamente utilizado, o que ocorreu na formulação do
chamado critério de Kaldor-Hicks. Em 1939, Nicholas Kaldor debatia as Leis dos Grãos, que
estabeleciam tarifas para a importação de grãos quando os preços caíam abaixo de um ponto
fixado, e sustentava que a sua abolição tinha sido benéfica para o Reino Unido como um todo, na
medida que o acréscimo de produtividade tornaria possível um estado de coisas em que todos
estivessem em uma posição melhor do que a anterior.
A chave, segundo Kaldor, seria provar que mesmo que todos que sofressem como
resultado de uma ação tivessem suas perdas indenizadas (ou compensadas), a comunidade como
um todo ainda estaria em uma situação melhor17 . A ideia central, portanto, é a possibilidade
de compensação. A ideia foi generalizada por John Hicks, de modo a tornar-se aplicável às
barreiras de comércio em geral18 , em um artigo do mesmo ano, The Foundations of Welfare
Economics19 .
O critério de eficiência de Kaldor-Hicks é centrado na figura da compensação
hipotética, procurando superar a restrição imposta pelo critério de Pareto. Suponhamos, ilustra-
tivamente, que a edição de uma nova lei beneficie um determinado grupo de indivíduos (tidos
como “ganhadores”) e, ao mesmo tempo, prejudique outro grupo de indivíduos (tidos como
“perdedores”). Pelo critério de Pareto, esta mudança jamais poderia ser eficiente. Mas, pelo
critério de Kaldor-Hicks, uma mudança eficiente é alcançada se os ganhadores valorizam os
seus ganhos mais do que os perdedores valorizam as suas perdas. Em outras palavras, o teste de
16 MATHIS, K. Op. Cit, p. 37. Tradução livre do original, onde se lê: “even the majority of free-will market
transactions violate the Pareto principle because they almost always affect third parties in one way or another”.
17 KALDOR, Nicholas. Welfare propositions of economics and interpersonal comparisons of utility. The
Economic Journal, v. 49, n. 195, p. 549–552, Sep 1939., pp. 550-551.
18 MATHIS, K. Op. Cit., p. 39.
19 HICKS, John R. The foundations of welfare economics. The Economic Journal, v. 49, n. 196, p. 696–712,
dec 1939.
46

Kaldor-Hicks indica que uma mudança na alocação de bens é aceitável, desde que os benefícios
aos ganhadores potencialmente excedam as desvantagens dos perdedores.
Destaque-se, desde já, que o critério de Kaldor-Hicks não exige que haja efetivamente
uma compensação aos perdedores. Com efeito, se esta compensação de fato existisse, não
estaríamos diante da aplicação do critério de Kaldor-Hicks, mas sim do critério de Pareto, uma
vez que se a compensação houvesse, os perdedores não estariam em pior situação após a mudança
na alocaão de bens.
Críticas também não faltam ao critério de Kaldor-Hicks, incluindo (i) a dificuldade
em medir o quantum de eventual compensação hipotética; (ii) a existência de situações extre-
mamente injustas, que poderiam ser consideradas eficientes, tomando em consideração que
a compensação é essencialmente hipotética neste modelo; (iii) a presença de notas de fundo
coletivista, uma vez que a aplicação do critério de Kaldor-Hicks ignora o arbítrio daqueles
que se sujeitarão às mudanças em favor da maioria, ainda que não o desejem; (iv) a ausência
de garantias em relação ao aumento da utilidade social; e (v) as desvantagens da ausência de
consenso entre os ganhadores e perdedores20 .
Tanto o critério de Pareto quanto o de Kaldor-Hicks, a despeito da conveniência
de sua utilização do ponto de vista positivo, são ainda mais problemáticos se tomados como
fundamentos normativos. No entanto, é precisamente isso que faz Posner ao alçar a eficiência
como maximização da riqueza à condição de princípio ético em seu Utilitarianism, Economics
and Legal Theory21 , onde estabelece distinções entre o seu conceito de maximização da riqueza
e aquele comum à tradição utilitarista, que procura maximizar a utilidade.
Conforme aponta Mathis, na primeira edição do tratado Economic Analysis of Law,
Posner não trata especificamente dos fundamentos normativos da Análise Econômica do Direito,
se limitando a apontar uma ligação entre a teoria econômica e o utilitarismo de Jeremy Bentham,
concluindo que “o utilitarismo de Bentham, em seu aspecto de teoria positiva do comportamento
humano, é um outro nome para teoria econômica. O prazer é valor e a dor é custo.”22
Este identificação preliminar levou H. L. A. Hart a concluir, em 1976, que o utilita-
rismo foi a inspiração da escola da análise econômica do direito, gestada na Universidade de
20 Condensadas em MATHIS, K. Op. Cit., p. 42 e ss.
21 POSNER, Richard A. Utilitarianism, economics, and legal theory. The Journal of Legal Studies, v. 8, p.
103–140, 1979.
22 POSNER, R. Apud MATHIS, K. Op. Cit., p. 144. Tradução livre do original, onde se lê: “Bentham’s
utilitarianism, in its aspect as a positive theory of human behaviour, is another name for economic theory.
Pleasure is value and pain is cost.”
47

Chicago23 . Esta observação foi considerada equivocada, mas compreensível, pelo próprio Posner,
na medida em que, ainda em 1979, ele mesmo considerava os dois sistemas insuficientemente
distintos entre si24 .
Segundo Posner, os críticos da teoria econômica normativa do direito, qualificando a
sua teoria como uma versão do utilitarismo, aproveitam as críticas direcionadas ao utilitarismo
para refutar os argumentos utilizados em favor da maximização da riqueza como princípio ético.
O utilitarismo, utilizando a definição de Posner, é a doutrina que sustenta que o valor moral de
uma ação deve ser julgado pelo seu efeito na promoção da felicidade (o agregado de prazer sobre
dor), em toda a sociedade25 .
Talvez a mais famosa das críticas ao utilitarismo seja a de Robert Nozick, formulada
em seu clássico Anarchy, State, and Utopia26 . Nele, Nozick faz um experimento mental em que
a existência de um ser é postulada. Este ser – um monstro utilitarista – percebe mais utilidade no
consumo de um determinado bem do que qualquer outra pessoa. Se tal ser existisse, de acordo
com o utilitarismo, a distribuição dos recursos da sociedade deveria ser feita de acordo com
essa disparidade de obtenção da utilidade. Por exemplo, se o monstro utilitarista obtivesse 100
unidades de prazer por cada biscoito que come, enquanto uma pessoa normal apenas obtivesse 1
unidade. O argumento segue até que, no limite, maus-tratos e mesmo a aniquilação de todas as
outras pessoas fossem justificáveis de acordo com a doutrina utilitarista27 .
A situação limite retratada por Nozick, cuja validade enquanto redução ao absurdo
não será objeto deste trabalho, nos coloca na trilha da crítica de Posner à doutrina do utilitarismo.
De fato, Posner enumera como pontos fracos do utilitarismo: (i) a indefinição do domínio do
utilitarismo (de quem a felicidade importa?)28 ; (ii) a ausência de um método de cálculo dos
efeitos de determinada decisão sobre a felicidade do grupo relevante 29 ; (iii) os perigos de
instrumentalização dos direitos das pessoas30 ; e (iv) a “monstruosidade moral”, dividida em dois
tipos: a recusa em distinguir os tipos de prazer e o fato de que um utilitarista estaria sempre
pronto a sacrificar inocentes no altar da necessidade social31
23 HART, Herbert L. A. American jurisprudence through english eyes: the nightmare and the noble dream.
Georgia Law Review, v. 11, 1976.
24 Cf. POSNER, R. Utilitarianism, p. 104.
25 Ibid. Ibidem.
26 NOZICK, Robert. Anarchy, state, and utopia. Cambridge: Blackwell, 1974.
27 NOZICK, R. Op Cit., em especial p. 41: “maximizing the average utility allows a person to kill everyone else
if that would make him ecstatic, and so happier than average”.
28 POSNER, R. Op. Cit., pp. 112-113.
29 POSNER, R. Op. Cit., pp. 113-115.
30 POSNER, R. Op. Cit., pp. 115-116.
31 POSNER, R. Op. Cit., pp. 116-117.
48

Procurando afastar-se destas objeções, Posner propõe um afunilamento daquilo que


pretende maximizar: não mais utilidade, ou bem-estar, como propõe o economista do bem-estar
médio, mas valor, no sentido econômico do termo, ou ainda “riqueza”32 .

3.3 A MAXIMIZAÇÃO DA RIQUEZA COMO CRITÉRIO VALORATIVO DAS NORMAS


E INSTITUIÇÕES JURÍDICAS: O FUNDAMENTO DA ANÁLISE ECONÔMICA DO
DIREITO SEGUNDO RICHARD POSNER

”Riqueza”, em Posner, é definida como o valor, em dólares ou o seu equivalente em


dólares, de tudo que existe na sociedade. A sua medida corresponde a quanto as pessoas estão
dispostas a pagar por algo, ou, se elas já o possuem, por quanto estão dispostas a vendê-lo. Neste
sentido, as únicas preferências relevantes para o modelo são aquelas exprimíveis em dinheiro ou
“registradas em um mercado”, para utilizarmos a expressão de Posner.
Este mercado, no entanto, não precisa ser um mercado explícito, significando que
bens e serviços podem ser trocados entre agentes econômicos sem que exista qualquer referência
a um “preço monetário”. Na esfera privada, muitos bens são trocados em mercados implícitos,
onde impera os princípios do escambo (entendido como um sistema de trocas de bens e serviços
diretamente por outros bens e serviços sem a utilização de um meio de troca, como dinheiro, por
exemplo)33 , que acontece no “mercado de casamentos”, por exemplo34 .
A referência aos mercados implícitos é importante para destacar que o conceito de
riqueza, em Posner, não equivale a outras medidas ou índices de riqueza, como o Produto Interno
Bruto (PIB), por exemplo, ou a qualquer outra medida monetária do bem-estar da sociedade,
porquanto essas unidades somente medem transações realizadas em mercados explícitos e a
preços de mercado, não incluindo outros valores e mercados implícitos:

Lembre-se que riqueza, como utilizada por economistas, não é um conceito


contábil; é medida pelo que as pessoas pagariam pelas coisas que desejam
obter (ou o que exigiriam em troca daquelas que possuem), e não pelo que
efetivamente pagam por elas. Portanto, o lazer possui valor e é parte da riqueza,
ainda que não possam ser objeto de compra e venda. Podemos nos referir ao
valor como se este tivesse um preço implícito ou um preço sombra.35
32 POSNER, R. Op. Cit., p. 119.
33 Perceba-se que a valorização de trocas realizadas é reconhecida mesmo pelo direito brasileiro, a exemplo da
anulabilidade de trocas com valores desiguais entre ascendentes e descendentes sem a anuência dos outros
descendentes e do cônjuge do alienante, prevista no art. 533, II do Código Civil, além do reconhecimento,
como renda, da diferença de valor entre dois bens permutados (a chamada “permuta com torna”) para fins de
incidência de Imposto de Renda sobre ganho de capital.
34 POSNER, R. Op. Cit., p. 120.
35 POSNER, Richard A. Economic Analysis of Law. 8a . ed. New York: Wolkers Kluwer, 2011.. Tradução livre
49

Um outro tipo de mercado não-explícito seria o caso dos mercados hipotéticos, de


importância fundamental para o direito, na medida em que mercados reais (ou explícitos) são
baseados em transações voluntárias, enquanto mercados hipotéticos guardam alguma relação
com transações involuntárias (como acontece, por exemplo, quando do cometimento de atos
ilícitos)36 . Posner utiliza duas situações para ilustrar o conceito:
Na primeira delas, uma pessoa A oferece $5,00 a B em troca de um saco de laranjas.
Se B aceitar a oferta e a troca se aperfeiçoar, podemos estar certos de que a riqueza da sociedade
foi aumentada como resultado. Antes da transação, B possuía um saco de laranjas que valia
menos de $5,00 para ele e A tinha $5,00. Após a transação, B agora possui $5,00 e A possui
um saco de laranjas que, para ele, vale mais do que $5,00. Ambos estão mais ricos, e a riqueza,
neste caso, é função do valor que A e B atribuem ao saco de laranjas.
Outra situação é aquela em que A acidentalmente esmaga o saco de laranjas de B.
Um juiz-estado que aplicasse ao caso concreto a regra de responsabilidade de Learned Hand,
procuraria estabelecer se os custos do acidente são maiores para A do que a sua expectativa de
ganhos decorrentes da atividade que deu causa ao acidente. Em outras palavras, o estado-juiz
deve medir qual o valor do saco de laranjas para B e qual o valor de andar rápido(e de maneira
descuidada) para A.
Posner admite a inexatidão desta simulação ex post, mas a considera eficaz, tendo
em vista que em muitos casos “uma corte pode estimar, com precisão razoável, qual alocação
de recursos maximizaria a riqueza”, que no entanto, deve ser limitada às situações em que os
custos de transação impedem o recurso ao mercado real para alocação de recursos de maneira
eficiente37 :

O purista insistiria que os valores relevantes não podem ser conhecidos, na


medida em que não foram revelados em uma transação de mercado real, mas eu
considero que (de toda forma, em vários casos) uma corte pode estimar, com
precisão razoável, qual alocação de recursos maximizaria a riqueza. No entanto,
levando em consideração que a determinação de valor (isto é, da disposição em
pagar) feita por uma corte é menos precisa do que aquela feita pelo mercado,
a abordagem do mercado hipotético deve ser reservada para os casos, como
o típico caso de acidente, onde os custos de transação de mercado precluem

do original, onde se lê: “[R]emember that wealth as used by economists is not an accounting concept; it is
measured by what people would pay for things (or demand in exchange for giving up things they possess), not
by what they do pay for them. Thus leisure has value and is a part of wealth, even though it is not bought and
sold.We can speak of leisure having an implicit or shadow price”.
36 Cf. MATHIS, Klaus. Effiency Instead of Justice? [S.l.]: Springer, 2009., p. 147.
37 Um exemplo bastante claro dessa utilização é a legitimação da desapropriação por interesse público, nos casos
em que seria impossível negociar com todos proprietários afetados pela duplicação de uma via urbana, por
exemplo. A respeito, cf. CALABRESI, Guido; MELAMED, A Douglas. Property rules, liability rules, and
inalienability: one view of the cathedral. Harvard Law Review, v. 85, n. 6, 1972., p. 1106 e ss.
50

a utilização de um mercado real para alocar os recursos eficientemente. Por


“mercado real” eu entendo um baseado em troca voluntária, independentemente
da utilização de dinheiro nas trocas.38

Diferentemente das transações voluntárias, que maximizam não só a riqueza da


sociedade, mas também a utilidade social – no sentido utilitarista, as transações involuntárias,
características de um mercado hipotético, não necessariamente maximizam a utilidade. O
exemplo dado por Posner para ilustrar esta situação é o de uma fábrica que emite poluentes
em uma área residencial, reduzindo o valor dos imóveis em R$2 milhões. A única maneira de
neutralizar este dano seria realocar a fábrica para um outro lugar, ao custo total de R$3 milhões.
De acordo com o princípio da maximização da riqueza, a fábrica deveria ficar onde está, sob pena
de liquidar R$1 milhão ao movê-la. Se, no entanto, trocarmos o “valor” riqueza por utilidade (no
sentido utilitarista), é possível que o ganho de utilidade coletiva como resultado da remoção da
fábrica seja superior à correspondente perda de utilidade dos donos da fábrica39 .
Um outro exemplo dado por Posner da impossibilidade de utilização da maximização
da riqueza como proxy da maximização de utilidade é o caso de um homem pobre que decide
roubar um colar de diamantes para sua esposa. O preço de mercado do colar de diamante é
R$10.000, coincidente com o valor subjetivo que o vendedor dá ao bem (isto é, ele estaria
disposto a vendê-lo por este preço). A pena ótima (considerando o valor do colar, a probabilidade
do criminoso ser pego e as despesas de custeio do sistema criminal) é de 3 anos – o equivalente a,
digamos, R$25.000 em desutilidade. Nestas circunstâncias, é plausível que o roubo representaria
uma melhoria no bem-estar da sociedade, na medida em que o ganho de utilidade do ladrão
deve exceder a perda da sociedade como resultado do roubo. A riqueza social, no entanto, não é
aumentada: em um mercado real, a ausência de disposição em pagar significa que o colar vale
menos para o ladrão do que para o atual dono. E, neste caso, o recurso ao mercado hipotético
não seria possível devido à ausência de custos de transação que permitissem ao ladrão contornar
o mercado.40 .
38 POSNER, R. Op. Cit., p. 120. Tradução livre do original, onde se lê: “The purist would insist that the relevant
values are unknowable since they have not been revealed in an actual market transaction, but I assume that (in
many cases anyway) a court can make a reasonably accurate guess as to the allocation of resources that would
maximize wealth. Since, however, the determination of value (that is, of willingness to pay) made by a court
is less accurate than that made by a market, the hypothetical-market approach should be reserved for cases,
such as the typical accident case, where market-transaction costs preclude use of an actual market to allocate
resources efficiently. By ’actual market’ I mean one based on voluntary exchange, whether or not money is used
in the exchange”.
39 POSNER, R. Op. Cit., p. 120-121.
40 POSNER, R. Op. Cit., p. 121.
51

O problema fundamental que Posner ataca em seguida é a questão de se uma teoria


ética baseada em apenas uma preferência (que seria o desejo da riqueza) não seria inferior a uma
ética que levasse em consideração o conjunto das preferências da sociedade. Ao tentar responder
a questão, sustenta que o princípio da maximização da riqueza (i) seria mais consistente com
as intuições de comportamento ético de que a busca da felicidade; (ii) comparativamente ao
utilitarismo, os elementos formais de uma teoria ética são mais facilmente deriváveis; e (iii) gera
predicamentos mais específicos do que a aplicação do princípio da felicidade utilitarista.
Uma importante parte da argumentação de Posner é baseada no fato de que as
intuições morais compartilhadas pela sociedade norte-americana (como manter as promessas,
dizer a verdade, etc.) podem ser subentendidas como facilitadoras de transações mercadológicas,
ao reduzir os custos de policiamento(policing) dos mercados por meio da auto-defesa(como
vimos na subseção 3, acima), o detalhamento de contratos41 , litígios judiciais para cumprimento
forçado das obrigações ou a resolução dos contratos em perdas e danos, entre outros.
Esse correspondência das conclusões normativas derivadas do princípio da maximi-
zação da riqueza com o substrato moral da sociedade como um todo aproximariam o princípio
da maximização da riqueza das virtudes protestantes tradicionais42 , com o benefício de tornar
explícito o benefício resultante para toda sociedade da busca individual pela riqueza, em uma
clara referência à mão-invisível de Smith43 , beneficiando a liberdade econômica em geral.
É bem verdade que Posner se refere frequentemente a uma “teoria moral”, mas a
aplica a questões jurídicas. Parece-nos, portanto, adequada a sugestão de Salama de que se trata
também de uma teoria da justiça44 . Esta teoria da justiça, por fim, implicaria, segundo Posner:

primeiramente, uma distribuição inicial de direitos individuais (à vida, à li-


berdade e ao trabalho) aos seus possuidores naturais; (ii) em segundo lugar,
mercados livres para possibilitar que esses direitos possam ser colocados, de
41 Em contrário, estudos recentes têm demonstrado que o excesso do juridiquês (legalese) em contratos norte-
americanos pouco ou nada acrescentam em contratos de negócios, quando comparados com os equivalentes
alemães, demonstrando uma espécie de custo de peso-morto comum à escola contratual americana. A respeito,
v. HILL, Claire A; KING, Christopher. How do german contracts do as much with fewer words? Chicago-Kent
Law Review, v. 79, 2004.
42 Aqui a referência a Weber e ao trabalho como vocação sustentada por uma visão religiosa é inevitável.
43 Em sua Teoria dos sentimentos morais, Smith, de forma seminal, instintivamente descreve o que viria a ser mais
tarde considerado como o resultado do excedente do consumidor. Ao descrever a forma de atuação dos “ricos”
enquanto proprietários de terras, diz: “They are led by an invisible hand to make nearly the same distribution of
the necessaries of life, which would have been made, had the earth been divided into equal portions among all its
inhabitants, and thus without intending it, without knowing it, advance the interest of society, and afford means
to the multiplication of the species.” Cf. SMITH, Adam. The Theory of Moral Sentiments. Harmondsworth:
Penguin, 2010., II, ii, II, 2.
44 cf. SALAMA, Bruno Meyerhof. A história do declínio e queda do eficientismo na obra de richard posner. In:
LIMA, Maria Lúcia L. M. Pádua (Ed.). Agenda contemporânea: direito e economia: Trinta anos de brasil.
São Paulo: Saraiva, 2012. v. 1, p. 284–321., p. 294.
52

tempos em tempos, a serviço de outra coisa; (iii) em terceiro lugar, regras


jurídicas que simulem as operações do mercado quando os custos de transação
mercadológicos são proibitivos; em quarto lugar, um sistema de recursos juris-
dicionais para impedir (deter) e corrigir invasões da esfera jurídica de outrém;
e (v) em quinto lugar, um sistema de moral pessoal (as “virtudes protestantes”
que sirvam para reduzir os custos de transação45 .

Feitas as descrições sobre o que constituiria um sistema em que prevalecesse o


princípio da maximização da riqueza, Posner volta a concentrar as suas atenções nas críticas
comumente dirigidas tanto ao utilitarismo quanto à análise econômica do direito, de que já
tratamos acima, indicando a superioridade do príncipio que propõe.
A primeira crítica é em relação a questão do domínio de aplicabilidade dos princípios,
normalmente formulada para discutir a inclusão, no cálculo utilitarista, da felicidade dos animais,
dos nascituros e dos estrangeiros. Posner diz que os animais importam, desde que possam
promover riqueza. Sobre a inclusão dos nascituros, Posner sustenta ser necessária a formulação
do problema: a questão não diz respeito à redução da riqueza da população existente, mas se
o produto social da população adicional excede o seu custo social. Como é provável que a
população de nascituros seja produtiva (pelo menos em grau comparável à atual população),
estes devem ser incluídos. Em relação aos estrangeiros, como não existe conflito entre a riqueza
total e média, os imigrantes beneficiariam a sociedade desde que qualquer externalidade negativa
seja integralmente internalizada pelos imigrantes46 .
A dificuldade com os cálculos também é um problema presente em um sistema de
maximização da riqueza. Não se pode afirmar que os “mercados hipotéticos” sejam instrumentos
hábeis a distribuir determinado bem para aquele que está mais disposto a pagar por ele como
seriam os mercados “reais”. Neste caso, Posner limita-se a afirmar que é mais fácil estimar qual
solução é capaz de maximizar a riqueza do que estimar qual política maximizaria a felicidade
coletiva47 .
Os perigos do instrumentalismo estariam presentes em um sistema de maximização
da riqueza, mas seriam menores em relação ao que encontraríamos em um sistema utilitarista. É
que naquele a única situação na qual a coerção estatal é justificável se dá diante de uma falha
45 POSNER, Richard A. Utilitarianism, economics, and legal theory. The Journal of Legal Studies, v. 8, p.
103–140, 1979., p. 127. Tradução livre do original, onde se lê: To recapitulate, the wealth-maximization
principle implies, first, an initial distribution of individual rights (to life, liberty, and labor) to their natural
owners; second, free markets to enable those rights to be reassigned from time to time to other uses; third, legal
rules that simulate the operations of the market when the costs of market transactions are prohibitive; fourth, a
system of legal remedies for deterring and redressing invasions of rights; and fifth, a system of personal morality
(the “Protestant virtues”) that serves to reduce the costs of market transactions.
46 POSNER, R. Op. Cit., p. 128-129.
47 POSNER, R. Op. Cit., p. 129-130.
53

de mercado tão séria que, no caso concreto, a única alternativa viável para a maximização da
riqueza seja a ação do Estado, por si só custosa. Esta abordagem teria a vantagem de trazer o
diagnóstico de falha de mercado e a mensuração dos custos para o campo da análise empírica48 ,
enquanto que em um sistema utilitarista os eventuais debatedores somente poderiam recorrer a
uma análise axiológica, frequentemente sem saída.
Por outro lado, Posner reconhece, por exemplo, que um sistema de maximização da
riqueza é bem menos amigável à redistribuição de riqueza do que seria um sistema utilitarista.
Neste, os utilitaristas poderiam se valer do conceito de retornos decrescentes de utilidade e do
“palpite” de que as funções de utilidade de todas as pessoas seriam parecidas para justificar a
redistribuição da riqueza. Contudo, ocorre que toda transferência compulsória de riqueza é
improdutiva (e, portanto, reduz a riqueza total), o que seria contrário ao princípio de maximização
da riqueza.
Esta conclusão, entretanto, deve ser qualificada de duas maneiras. Os esforços no
sentido de tornar a distribuição de renda mais igualitária podem ser economicamente justificadas,
em primeiro lugar, na medida em que tal distribuição pode reduzir a incidência de crimes e
portanto o custo associado com a criminalidade. Em segundo lugar, desde que exista um certo
altruísmo na sociedade e, portanto, pessoas dispostas a doar parte de sua riqueza para aqueles
em pior situação relativa, uma certa intervenção pública seria justificável, na medida em que o
alívio da pobreza sistêmica pode trazer benefícios aos desafortunados que não podem doar49 .
Por fim, é colocada a questão da monstruosidade moral, i.e., se a abordagem econô-
mica geraria resultados violentamente incompatíveis com o senso comum moral, como é o caso
do mostro utilitarista de Nozick. Como vimos, a “monstruosidade moral” do utilitarismo é
derivada de duas falhas: (i) a ausência de distinção entre tipos de prazeres; e (ii) a possibilidade
de sacrificar pessoas inocentes no altar do bem-comum.
A maximização da riqueza evita ou mitiga estes problemas, vez que esta, ainda
segundo Mathis, “é voltada para o trabalho e produção humanos, que são finitos, e não para a
capacidade de gozar de utilidade, o que é teoricamente ilimitada”50 . O que ocorre é que, em um
sistema utilitarista, mesmo o mais antissocial dos comportamentos deve ser medido de acordo
com a satisfação que traz ao agente (devendo ser contabilizado como prazer adicionado à cesta
global), enquanto que em um sistema de maximização da riqueza a única maneira de gerar
48 POSNER, R. Op. Cit., p. 130.
49 POSNER, R. Op. Cit., p. 131.
50 MATHIS, Klaus. Effiency Instead of Justice? [S.l.]: Springer, 2009., p. 158.
54

riqueza legalmente é fazer algo pelos outros – oferecendo-lhes trocas vantajosas51 .


Posner ainda considera uma outra objeção, desta vez vinda dos kantianos52 . A crítica
kantiana é que o sistema de maximização da riqueza faz tão pouco quanto o utilitarismo a
respeito da proteção da vida humana. O exemplo de Posner para expor a sua posição consiste,
fundamentalmente, em um trade off entre a vida de uma criança e a vida de 100.000 ovelhas,
cujo valor agregado é superior a qualquer quantia monetária que possa ser imputada à criança.
Posner então lança o seguinte questionamento: não deveria o economista considerar o homem
que escolhe as 100.000 ovelhas um bom homem?
A resposta é clara: sim. Posner sustenta que, diante dessa situação, apenas fanáticos
se recusariam a colocar a vida humana na balança contra bens do outro lado do fio, muito
embora a dificuldade de quantificar o valor da vida humana é o suficiente para que esta pese
bastante na balança contra bens puros e simples53 . Portanto, para Posner, não há nada de anormal
contrabalancear vidas humanas com outros bens jurídicos. Pelo contrário, esse esforço de
ponderação seria plenamente compatível com a nossa intuição moral.
Por ser extremamente polêmica, a afirmação pode se servir de um certo tempero.
Segundo Posner, se o valor da vida humana fosse absoluto as atividades arriscadas não seriam
permitidas. Esta afirmação é evidentemente verdadeira, no caso de riscos abstratos – casos
em que o governo, por exemplo, tem de realizar cálculos de custo/benefício para examinar
projetos públicos nas áreas de proteção ambiental, saúde preventiva ou segurança de transporte54 .
Diversos estudos econômicos tem por objeto atribuir valor (valuation) a vidas humanas, vários
deles adotados por governos do mundo inteiro.
Hammer, inclusive, traz os exemplos dos Estados Unidos e da Suíça, sendo que
esta última, por intermédio de sua agência governamental para o meio ambiente, considera
“apropriado” um limite de 10 milhões de francos suíços para custos com regaste, entendidos
51 POSNER, R. Op. Cit., p. 132.
52 Aqui Posner usa a expressão “kantiano” em referência “à família de teorias éticas relacionadas entre si, que,
rejeitando qualquer forma de consequencialismo, se baseiam nas noções de autonomia humana e auto-respeito.”,
ainda segundo o próprio Posner, estas teorias não precisam se aproximar muito do pensamento de Immanuel
Kant. Cf. POSNER, R. Op. Cit., p. 104, nota 4. A mesma definição é utilizada por Posner em POSNER,
Richard. The ethical and political basis of the efficiency norm in common law adjudication. Hofstra Law
Review, v. 8, p. 487, 1980., passim, em POSNER, Richard A. The value of wealth: A comment of dworkin and
kronman. The Journal of Legal Studies, v. 9, n. 2, mar 1980. e em POSNER, Richard A. The Economics of
Justice. Cambridge: Harvard University Press, 1982.
53 POSNER, R. Op. Cit., p. 133.
54 HAMMER, Balz. Valuing the invaluable?: Valuation of human life in cost-efficiency assessments of regulatory
interventions. In: MATHIS, Klaus (Ed.). Efficiency, Sustainability, and Justice to future generations.
Dordrecht: Springer, 2011. p. 211–233.
55

como os custos com atividades de prevenção com o intuito de salvar uma vida estatística55 .
Em que pese o desenvolvimento de diversos métodos econômicos para aferir o valor
de uma vida estatística, para os fins do presente trabalho basta afirmar que este não pode ser
infinito – ao menos se trabalhamos com a ideia de análise de custo/benefício. A equação a seguir
talvez facilite o entendimento. Marginalmente (ou seja, no ponto em que salvar ou não uma vida
é indiferente), seja V = C (onde V é o valor estatístico de uma vida e C é o custo de resgate),
de modo que será sempre eficiente escolher salvá-la desde que a seguinte inequação permaneça
verdadeira:

V
>1 (3.1)
C

Se, por outro lado, considerássemos, para os fins de cálculo de custo/benefício, como
a doutrina cristã o faz, que o ser humano é imagem de Deus e que a vida humana, por via de
consequência, é sagrada e inviolável, possuindo um valor intrínseco absoluto e inalienável56 , e se
nenhum outro interesse é comparável (em termos de valor) ao valor da vida humana, chegaríamos
a conclusão de que o valor da vida tende ao infinito. Assim, chegamos a seguinte equação:

limV →∞ V
>1 (3.2)
C

Segundo (3.2), nenhum denominador seria capaz de tornar a escolha indiferente (V


= C), de modo que, no limite, quando V tende ao infinito, nenhum custo de resgate tornaria a
inequação inválida. Só que os recursos são escassos, e mesmo se gastássemos toda riqueza do
mundo para salvar uma só vida, ainda assim a inequação (3.2) permaneceria verdadeira, o que,
evidentemente é um absurdo.
O problema é que, do ponto de vista abstrato, a absurdidade é mais facilmente
percebida. Do ponto de vista concreto, no entanto, frequentemente esta posição é difícil de
55 HAMMER, Balz. Op. Cit., p. 212.
56 V., por exemplo, JOÃO PAULO II, Papa São. Evangelium Vitae: sobre o valor e a inviolabilidade da
vida humana. Roma: [s.n.], 1995. Disponível em http://www.vatican.va/edocs/POR0061/I NDEX.HT M. A
imagem é tão forte que frases equivalentes são facilmente encontráveis mesmo em julgados. Veja-se, por
exemplo o seguinte acórdão do STJ: RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. PRAZO DE CARÊNCIA.
SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA. APENDICITE AGUDA. CARÊNCIA CONTRATUAL. ABUSIVIDADE DA
CLÁUSULA RESTRITIVA. DANO MORAL. OCORRÊNCIA. PRECEDENTES. 1. A cláusula que estabelece
o prazo de carência deve ser afastada em situações de urgência, como o tratamento de doença grave, pois o valor
da vida humana se sobrepõe a qualquer outro interesse. Precedentes específicos da Terceira e da Quarta
Turma do STJ. (...) 4. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. (REsp 1243632/RS, Rel. Ministro PAULO DE
TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/09/2012, DJe 17/09/2012) (grifos nossos).
56

compreender. Nos dizeres de Hammer:

Quando vidas humanas concretas estão em jogo - por exemplo, mineiros presos
em uma mina desmoronada - há um tabu universal contra qualquer recusa de
montar uma ação de resgate com o fundamento de que os custos dos esforços
de resgate excederiam o valor das vidas humanas em causa. No caso de riscos
abstratos no dia-a-dia, por outro lado, nós tacitamente aceitamos um certo risco
de mortalidade e, assim, implicitamente atribuímos um valor à vida. 57 .

No final das contas, cálculos “econômicos” de custo/benefício são feitos para men-
surar vidas humanas o tempo todo, sempre que avaliamos a redução do risco de mortalidade.
Em outras palavras, “se o valor da vida é sempre infinito, então (...) as pessoas nunca tomariam
nenhum risco – uma descrição obviamente falsa do comportamento humano.”58
Outros pontos polêmicos são levantados por Posner até o final do artigo, com um
apêndice que discute a pena de morte59 , o direito à privacidade60 , a remoção de barreiras jurídicas
para o comércio de bebês e órgãos humanos61 e o conceito de liberdade como riqueza62 . Quanto
a este último ponto, Posner sustenta a tese de que os direitos políticos não possuiriam precedência
em relação aos direitos econômicos. Do ponto de vista da maximização da riqueza, tanto faz se
o cidadão de determinado país não pode cruzar as suas fronteiras por falta de dinheiro ou por
proibição governamental; de um jeito ou de outro, a liberdade é limitada da mesma maneira63 .
Em seu artigo The Ethical and Political Basis of the Efficiency Norm in Common
Law Adjudication64 , Posner traz a ideia do consenso como estratégia argumentativa para embasar
o princípio da maximização da riqueza.
57 HAMMER, Balz. Op. Cit., p. 232. Tradução livre do original inglês, onde se lê: “When concrete human
lives are at stake – e.g. miners trapped in a collapsed mine – there is a universal taboo against any refusal to
mount a rescue action on the grounds that the costs of rescue efforts would exceed the value of the human lives
concerned. In the case of abstract risks in everyday life, on the other hand, we tacitly accept a certain risk of
mortality and thereby implicitly attribute a value to life”.
58 Cf. POSNER, Richard A. Economic Analysis of Law. 8a . ed. New York: Wolkers Kluwer, 2011. Tradução
livre do original inglês, se lê “[I]f (...) the value of life is always infinite, then (...) people would never take any
risks – an obviously false description of human behaviour”.
59 POSNER, Op. Cit., pp. 136-137.
60 POSNER, Op. Cit., pp. 137-138.
61 POSNER, Op. Cit., pp. 138-139.
62 POSNER, Op. Cit., p. 140.
63 No que Posner se aproxima bastante das concepções econômicas mais liberais. V., por exemplo, a descrição
da simbiose entre liberdade econômica e outras liberdades que faz Ludwig von Mises: “Frequentemente
as pessoas se equivocam quanto ao seu significado [o da expressão ’liberdade econômica’], supondo que
liberdade econômica seja algo inteiramente dissociado de outras liberdades, e que estas outras liberdades – que
reputam mais importantes – possam ser preservadas mesmo na ausência de liberdade econômica. Mas liberdade
econômica significa, na verdade, que é dado às pessoas que a possuem o poder de escolher o próprio modo de
se integrar ao conjunto da sociedade. A pessoa tem o direito de escolher sua carreira, tem liberdade para fazer o
que quer. Cf. MISES, Ludwig von. As seis lições. 4a . ed. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1993., p. 17.
64 POSNER, Richard. The ethical and political basis of the efficiency norm in common law adjudication. Hofstra
Law Review, v. 8, p. 487, 1980.
57

Como vimos, a vantagem de utilizar o critério de Kaldor-Hicks relativamente ao


critério paretiano de eficiência é que a sua utilização não estaria limitada aos casos em que
ninguém estivesse em uma situação pior depois de um deslocamento no conjunto dos recursos.
Ocorre que o critério paretiano satisfaz tanto os ditames de uma ética utilitarista quanto de uma
ética “kantiana” (no sentido utilizado por Posner), na medida em que uma mudança somente
poderia ocorrer com base no consentimento de todos.
Por outro lado, para satisfazer o critério de Kaldor-Hicks, uma determinada medida
não precisa maximizar a utilidade social nem respeitar a autonomia individual, já que, como
visto, o consentimento daqueles que “perdem” é prescindível. Para resolver este problema,
Posner propõe a utilização do conceito de compensação ex ante 65 . Incorporar o conceito de
compensação ex ante faria com que a maximização da riqueza se tornasse um meio termo entre
o utilitarismo puro e o kantianismo, ao levar em consideração tanto a utilidade quanto o consen-
timento, ainda que de maneira mitigada em relação aos dois paradigmas66 . O consentimento,
segundo Posner, seria o equivalente à compensação ex ante dos economistas. Como de costume,
Posner explica o conceito por meio de exemplos:

Eu sustento, e espero que indiscutivelmente, que se você comprar um bilhete de


loteria e perder na loteria, contanto que não seja um caso de fraude ou coação,
você consentiu com a perda. Muitas das perdas involuntárias e não compensadas
sentidas no mercado, ou toleradas pelas instituições que tomam o lugar do
mercado em que o mercado não pode ser posto a funcionar de forma eficaz,
são inteiramente compensadas ex ante e, portanto, são consentidas. Suponha
que algum empreendedor perde dinheiro porque um concorrente desenvolve
um produto superior. Uma vez que o o retorno à atividade empresarial incluirá
um prêmio para cobrir o risco de perdas devido à concorrência, o empresário é
compensado por essas perdas ex ante67 .

Talvez, entretanto, o exemplo mais significativo de compensação ex ante seja o de


65 Aqui, seguimos o roteiro proposto por Mathis em MATHIS, K. Op. Cit., p. 172 e seguintes. Mathis propõe a
divisão da teoria da maximização da riqueza em Posner em 4 (quatro) fases, sendo a terceira especificamente
caracterizada pela teoria do consentimento como “complemento” do critério de Kaldor-Hicks. Optamos
por seguir a divisão proposta por Salama, haja vista se tratar, segundo entendemos, de um conceito em
desenvolvimento à época. Como veremos adiante, somente com a transição para uma abordagem pragmatista é
que se vê claramente uma ruptura de pensamento.
66 POSNER, Richard A. The Economics of Justice. Cambridge: Harvard University Press, 1982., p. 98.
67 POSNER, Richard. The ethical and political basis of the efficiency norm in common law adjudication. Hofstra
Law Review, v. 8, p. 487, 1980., p. 492. Tradução livre do original inglês, onde se lê: “I contend, I hope
uncontroversially, that if you buy a lottery ticket and lose the lottery, then, so long as there is no question of
fraud or duress, you have consented to the loss. Many of the involuntary, uncompensated losses experienced in
the market, or tolerated by the institutions that take the place of the market where the market cannot be made
to work effectively, are fully compensated ex ante and hence are consented to. Suppose some entrepreneur
loses money because a competitor develops a superior product. Since the return to entrepreneurial activity will
include a premium to cover the risk of losses due to competition, the entrepreneur is compensated for those
losses ex ante.”
58

responsabilidade por acidentes com veículos automotores. Posner trabalha com pressuposto de
que um sistema de responsabilidade subjetiva(negligence)68 é mais eficiente do que um sistema
de responsabilidade objetiva(strict liability), ou seja, o somatório dos prêmios de seguro a serem
pagos tanto pelos causadores de acidentes quanto pelas vítimas é menor em um sistema de
responsabilidade subjetiva. Neste caso, Posner conclui que um sistema de responsabilidade
subjetiva é mais vantajoso para todos, uma vez que todos se beneficiariam da redução nos
custos de seguro. Esta redução nos custos de contratação de seguro – na média – compensaria
quaisquer desvantagens de incorporar um regime de responsabilidade subjetiva. Se vítimas e
causadores de acidentes, ao final, de fato estariam em melhor situação é irrelevante para o critério
de compensação ex ante69 .
No mesmo artigo, Posner compara a sua posição a de John Rawls como sendo
originárias de uma raiz liberal comum70 . Ambas teorias tratam de decisões em ambientes de
incerteza. Segundo Posner, o conceito de “posição original” foi originalmente utilizado por
economistas na tentativa de estabelecer um fundamento consensual para a maximização de
utilidade, citando Kenneth Arrow, que postulava que as escolhas dos agentes em uma posição
original tenderiam a maximizar a expectativa de utilidade. Por outro lado, Rawls teria distorcido
este cenário ao postular que as escolhas não deveriam maximizar a utilidade de cada um, mas
sim a utilidade dos mais fracos, defendendo uma escolha racional que protege os mais pobres71 .
Posner, entretanto, procura afastar-se da situação de escolha em ambientes de incerte-
zas com base no consenso. Isto porque, além da dificuldades em descrever as funções de utilidade
em uma situação como esta, a abordagem que utiliza o cenário da “posição original” abriria
espaço para o pleito daquelas pessoas não-produtivas, já que as atividades a serem exercidas por
cada um não são conhecidas de antemão. Logo, “as escolhas de um indivíduo nessa posição
refletirão, em algum grau, a possibilidade de ele se revelar um membro improdutivo da sociedade,
68 O termo “negligence” é traduzido por “responsabilidade civil por negligência” na tradução brasileira do
The Economics of Justice. No entanto, não há porque imaginar que a responsabilidade civil subjetiva do
exemplo é limitada às hipóteses de “negligência”, excluindo-se, portanto, as demais espécies do gênero “culpa”:
imprudência e imperícia. Daí a opção pela tradução do termo por responsabilidade subjetiva, que, ademais,
serve apenas para contrastar com uma regra em que a responsabilidade independe de culpa (negligence). Limitar
o conceito, neste caso, nos parece, a um só tempo, equivocado, do ponto de vista da tradução propriamente dita,
e inconveniente, do ponto de vista analítico. Em todo caso, cf. POSNER, Richard A. A Economia da Justiça.
São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010., p. 114, em que é utilizada a tradução de que discordamos.
69 POSNER, R. Op. Cit., p. 493.
70 POSNER, R. Op. Cit., p. 497.
71 POSNER, R. Op. Cit., p. 498.
59

talvez um dos ’monstros utilitários’72 de Nozick”73 . Daí a conclusão de que:

”Esta abordagem torna obscura, portanto, a importante distinção entre capaci-


dade de fruir e capacidade de produzir para os outros. Prefiro, pois, imaginar
pessoas reais empregando aptidões reais de destreza, energia e caráter, e fa-
zendo escolhas incertas. Isso é escolha sob condições de ignorância natural,
diferentemente da ignorância artificial da posição original.

Evidentemente, Posner não é rígido em requerer o consentimento, propondo o


consentimento implícito para como critério de consenso, tendo em vista que em muitos casos
(talvez em todos os casos, a depender da definição de quem seria atingido) não haveria como
obter consentimento explícito dos envolvidos. Nestes casos, portanto, deveríamos procurar um
consentimento implícito, respondendo à seguinte pergunta: se os custos de transação fossem
zero, as partes afetadas concordariam com esse instituto?74
Ao falar das limitações de sua teoria, por fim, Posner enumera pelo menos duas
situações nas quais a aplicabilidade do princípio do consentimento como justificativa ética para
instituições que maximizam a riqueza seria problemática. A primeira delas, diz respeito às
situações em que o impacto distributivo de uma política maximizadora da riqueza é substancial e
não-randômico. Nestes casos, diz Posner, o amplo consenso é difícil de extrair sem que haja
uma compensação de fato. O caso-paradigma é a substituição das alíquotas progressivas de
imposto de renda por uma só alíquota aplicável a todos os contribuintes. Nesta situação, seria
difícil pressupor o consentimento à reforma tributária dos trabalhadores sujeitos anteriormente
às menores alíquotas, ainda que, no geral, a reforma seja economicamente eficiente75 .
A segunda situação é da alocação originária dos recursos. Nesta situação, por exem-
plo, se o trabalho de A tivesse maior valor para B do que para o próprio A, seria economicamente
eficiente que B o escravizasse. De maneira semelhante, utilizar-se de “trabalho forçado poderia
certamente ser mais eficientes, em algumas circunstâncias, do que a contratação de emprega-
dos”76 , no entanto, é difícil, senão impossível, extrair qualquer forma de consentimento, expresso
ou implícito, a uma situação como essa por parte daquele que está sendo escravizado.
72 Aqui, no nosso entender, também uma tradução infeliz da expressão “utility monster”. Como propomos, uma
melhor tradução seria “monstro utilitarista”.
73 Cf. POSNER, R. A Economia da Justiça, p. 120.
74 POSNER, R. The Ethical and Political Basis, p. 494.
75 POSNER, R. Op. Cit., pp. 499-500.
76 MATHIS, K. Op. Cit., p. 175
60

3.4 O PROBLEMA DA EFICIÊNCIA ENQUANTO VALOR

Críticas não faltaram à utilização do princípio da maximização da riqueza como crité-


rio ético no qual se funda a legitimidade de instituições jurídicas. Nesta subseção, sintetizaremos
algumas77 das críticas no intuito de embasar a reflexão sobre a utilização da eficiência como
critério axiológico no direito. Nesta seção, utilizamos em larga medida o esquema proposto por
Klaus Mathis, com os passos descritos em seu Efficiency instead of Justice?78

3.4.1 Inconsistências Lógicas e Dificuldades Metodológicas

A primeira classe de críticas tem que ver com as inconsistências lógicas apontadas
pelos críticos do princípio da maximização da riqueza. Segundo Dworkin, diversas dificuldades
conceituais são identificáveis. A primeira delas é que para a maior parte das pessoas existe uma
diferença entre o valor que elas estão dispostas a pagar por algo que elas ainda não possuem e
o valor que elas aceitariam em troca deste algo se elas já o possuíssem. Frequentemente, diz
Dworkin, o primeiro é maior, dando azo ao fenômeno conhecido como “a grama do vizinho é
mais verde” (”grass is greener”)79 .
Este fenômeno, conforme corretamente aponta Mathis80 , recebe o nome de “efeito
dotação”, denominação dada por Richard Thaler ao “fato de que as pessoas frequentemente
pedem muito mais para se desfazer de um objeto do que eles estariam dispostos a pagar para
adquiri-lo”81 . Diversos experimentos foram conduzidos ao longo do tempo, com um resultado
expressivo de que, na média, existe uma proporção de 2:1 (dois para um) entre o valor de venda
e o valor de compra. O efeito é também chamado de “aversão à perda”82 .
Como riqueza é definida como o valor em dólares atribuído a um bem por alguém,
por conta do efeito dotação, o sistema de maximização da riqueza social seria inerentemente
instável, tendo em vista que haveria uma melhoria com a transferência de determinado bem de A
para B e também de B para A, em um segundo momento, tornando o princípio de maximização
77 A ressalva é importante, na medida em que seria impraticável, dentro do escopo deste trabalho, reproduzi-las
todas ou mesmo uma fração representativa do universo de correntes cujo resultado contradiz ou critica a Análise
Econômica do Direito.
78 MATHIS, K. Op. Cit.
79 DWORKIN, Ronald. Is weath a value? The Journal of Legal Studies, v. 9, n. 2, mar 1980., p. 192
80 MATHIS, K. Op. Cit., p. 166.
81 KAHNEMAN, Daniel; KNETSCH, Jack L.; THALER, Richard H. Anomalies: The endowment effect, loss
aversion, and status quo bias. The Journal of Economic Perspectives, v. 5, n. 1, 1991., p. 194.
82 V. KAHNEMANN, D. et al. Ibid. Ibidem. Para um apanhado da literatura a respeito do “efeito dotação em
geral”, v. KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.,
p. 360 e ss.
61

da riqueza um princípio cíclico83 .


Por outro lado, Dworkin sustenta que o princípio de maximização da riqueza seria
dependente de trajetória (que não é senão um outro lado do efeito dotação84 ). Para ilustrar a
ideia, oferece o seguinte exemplo: considere que um sujeito “A” houvesse comprado um ingresso
pelo preço de $5,00 na loteria anual. Considere ainda que A não tivesse disposto a vendê-lo nem
por $50,00 e também que A não estaria disposto, originalmente, a comprar o ingresso pelo valor
normal de $20,00 caso não houvesse ganho o sorteio que lhe permitiu pagar menos. Decorre
deste fato que a avaliação de se determinada mudança na alocação de recursos é eficiente ou não
depende, necessariamente, dos passos anteriores.
Um problema lógico de outra natureza, segundo Mario J. Rizzo, é que o modelo
proposto por Posner é tautológico, no sentido de que deixa de incluir variáveis outras que são
importantes para a sociedade com o único propósito de tornar o modelo mais “tratável”. “O que
parece ser um resultado eficiente em um modelo simplificado pode muito bem ser ineficiente no
contexto de uma noção mais inclusiva de eficiência (e vice versa)”85 .
Uma série de outros problemas metodológicos foram identificados por Rizzo. Par-
tindo de uma concepção austríaca da economia86 , Rizzo sustenta que a “norma da eficiência” é
incapaz de alocar direitos fundamentais de maneira única. Por outro lado, em virtude do “efeito
de riqueza puro” (pure wealth effect) é possível estabelecer que qualquer alocação de direitos
seria eficiente.
Rizzo ainda lança mão do chamado “paradoxo de Scitovsky”, que demonstrava
ser possível provar, pelo mesmo critério de Kaldor-Hicks, que uma determinada alocação B
(posterior no tempo) também pode ser superior a A (anterior no tempo), após um movimento tido
como eficiente de A para B. O paradoxo ocorre quando tanto o “ganhador” quanto o “perdedor”
pode compensar a outra parte87 . O exemplo de Rizzo é o seguinte:
83 DWORKIN, R. Ibid. Ibidem.
84 V. KAHNEMAN, D. Op. Cit., p. 365
85 RIZZO, Mario J. The mirage of efficiency. Hofstra Law Review, v. 8, n. 3, 1980., p. 647.
86 A abordagem “austríaca” da economia é baseada naquilo que Ludwig von Mises denominou, em 1949, de
praxeologia, a lógica da ação humana. Segundo Leeson, “todo comportamento propositado pode ser objeto
de estudo econômico, seja do tipo convencional econômico, de mercado, ou de outro tipo, como a tomada de
decisões na esfera política ou jurídica”. Tradução do original inglês, onde se lê: “all purposive behavior falls
under the purview of economic study, whether it’s the conventionally “economic” kind in markets, or some
other kind, such as decision making in the political realm, or the legal one”. Cf. LEESON, Peter T. An austrian
approach to law and economics, with special reference to superstition. The Review of Austrian Economics,
v. 25, n. 3, p. 185–198, 2012.
87 A referência é, evidentemente, SCITOVSZKY, Tibor De. A note on welfare propositions in economics. The
Review of Economic Studies, v. 9, n. 1, p. 77–88, 1941.
62

Em um conjunto de preços relativos, o direito X deve ser conferido ao indiví-


duo A. Acontecendo isto, no entanto, os preços relativos podem mudar como
resultado do movimento e, no novo conjunto, o direito X deve ser conferido ao
indivíduo B. Portanto, em qualquer conflito entre duas classes de indivíduos, A
e B, tanto pode ser eficiente realocar um direito de B para A e, então, uma vez
feita esta mudança, realocá-lo de volta para B.88

Por fim, sustenta Rizzo que mesmo uma mudança simples na ordem de alocação
de alguns direitos básicos pode alterar dramaticamente o resultado final de equilíbrio (se é que
este existe). Por fim, a utilização de preços “marginais” na análise, esconderia as unidades
inframarginais, de importância quando comparamos o todo (como duas sociedades alternativas,
por exemplo)89 .
Após considerar outros pontos, Rizzo conclui que a eficiência é impraticável como
standard porque os requisitos informacionais são enormes, deixando a entender que a atratividade
da teoria posneriana, como se põe, é derivada de construções simplificadas em que é relativamente
fácil mostrar o resultado (eficiente) desejado. No mundo real, seria outra coisa, diz Rizzo90 .
As críticas de Rizzo condensam, regra geral, as críticas da chamada escola austríaca
de economia, e têm como fundamento primeiro o problema do cálculo econômico sem a definição
prévia dos direitos de propriedade91 , os quais precisam ser definidos para além da economia.
Segundo Stringham, o problema é semelhante ao encontrado na execução de cálculos econômicos
pelas economias socialistas: “se não existem direitos de propriedade, nenhum preço significativo
existe, e sem preços não há forma confiável de empreender cálculos econômicos”92 .
Desta forma, o cálculo econômico de “direitos” por juízes sem o conhecimento
prévio (e necessário) dos seus titulares – o que aconteceria sobretudo nos chamados hard cases,
seria, nos dizeres de Stringham e White, o equivalente judiciário de uma economia centralizada,
distribuindo bens e pessoas sem levar em consideração os preços93 .
88 RIZZO, M. Op. Cit., p. 650. Tradução livre do original inglês, onde se lê: “On one set of relative prices
right X ought to be granted to individual A. Once this is accomplished, however, relative prices may change
as a result and, on the new set, right X ought to be given to B. Hence in any conflict between two classes of
individuals, A and B, it can be efficiente both to reassign a right from B to A and then, after having made that
move, to allocate the right back to B”.
89 RIZZO, M. Op. Cit., pp. 650-651.
90 RIZZO, M. Op. Cit., p. 658. Para uma crítica da eficiência como parâmetro, v. ROTHBARD, Murray N. The
myth of efficiency. In: RIZZO, Mario (Ed.). Time, Uncertainty, and Disequilibrium. Lexington: DC Health,
1979. p. 90–95.
91 STRINGHAM, Edward Peter; WHITE, Mark D. Economic analysis of tort law: Austrian and kantian pers-
pectives. In: OPPENHEIMER, Margaret; MERCURO, Nicholas (Ed.). Law and Economics: Alternative
Economic Approaches to Legal and Regulatory Issues. New York: M.E. Sharpe, 2004. p. 374–392.
92 STRINGHAM, E; WHITE, M. Op. Cit., p. 378. Tradução livre do original inglês, onde se lê: “Without
property rights, no meaningful prices exist, and without prices, we have no reliable way to engage in economic
calculation”.
93 Muito embora exista uma literatura própria e relativamente extensa oriunda na Análise Econômica do Direito
63

Ainda sobre pontos problemáticos no tocante à metodologia, pode-se citar Cento


G. Veljanovski, segundo o qual a definição dada por Posner de que eficiência econômica seria
“explorar os recursos de tal forma que o ’valor’ – satisfação humana medida pela disposição de
pagar por bens e serviços – seja maximizado”94 é fundamentalmente errada, tendo em vista que
ignora os custos de produção, sendo mais apropriado almejar a maximização da diferença entre
aquilo que as pessoas estão dispostas a pagar e o respectivo custo de produção – o que seria
equivalente à soma dos excedentes do consumidor e do produtor95 .

3.4.2 O problema da racionalidade e do consentimento dos agentes

Dois problemas relacionados entre si também serviram de alvo no sistema da maxi-


mização da riqueza. O primeiro deles tem que ver com a racionalidade dos agentes. Segundo a
teoria econômica clássica, os homens agem racionalmente em todas transações voluntárias das
quais participa, de modo que essa situação se torna o parâmetro(o standard) para avaliar todas as
condutas humanas96 .
Em que pese a utilidade do ponto de vista analítico, o fato é que esta afirmação
simplesmente não é verdadeira no “mundo real”. Frequentemente as pessoas fazem escolhas que,
no longo prazo, diminuem suas respectivas utilidades, ao invés de maximizá-las. E ao limitar o
escopo da análise somente ao “valor equivalente em dólares” fazemos descer ao mesmo nível a
escolha de um savant e de um ignorante moribundo. Nas palavras de Veljanovski: “por que as
preferências dos estúpidos, jovens e doentes mentais devem ser aceitas simplesmente porque
eles são capazes e estão dispostos a pagar para obtê-las?”97 .
Posner assume que tais escolhas podem, de fato, existir. Por um lado, podem ser
fruto de fraude, erro ou coação, caso em que não seriam voluntárias, nem maximizadoras da
riqueza. Por outro lado, muitas das decisões são tomadas sob um ambiente de incertezas. Neste
caso, seria normal que algumas decisões se mostrassem erradas no médio/longo prazo, mesmo
que anteriormente (ex ante) tenham se mostrado perfeitamente racionais98 .
de uma corrente afiliada com a chamada escola austríaca, não se pode dizer, propriamente, que há influência
significativa desta na obra de Posner – ao menos não nos “anos formativos”, que são fundamentalmente o objeto
desta seção.
94 POSNER, R. Apud VELJANOVSKI, Cento G. Wealth maximization, law and ethics: On the limits of economic
efficiency. International Review of Law and Economics, v. 1, n. 1, 1981., p. 6.
95 VELJANOVSKI, C. Ibid. Ibidem.
96 Sobre a extrapolação do postulado de racionalidade, v., em geral, a subseção 3.2, acima.
97 VELJANOVSKI, C. Op. Cit., p. 11.
98 Cf. MATHIS, K. Op. Cit., p. 163-164. Um exemplo radical seriam as “cláusulas Ulisses”, espécie de
autocontrato destinado a limitar as escolhas futuras de uma pessoa legalmente capaz – como um paciente
64

Mathis observa ainda que, mesmo que feitas anteriormente, na verdade poucas
escolhas feitas no mercado são racionais99 . Mas ainda que todas elas o fossem, o que, segundo
Mathis, levaria a compreensão do mercado como um uma espécie de processo eleitoral, uma
objeção muito contundente poderia ser levantada contra a distribuição desses votos. Com
efeito, neste mercado, o processo eleitoral é governado pela regra “um dólar, um voto”, o que
se aproximaria de uma verdadeira plutocracia, onde o desenlace de determinado mercado é
“resultado de um número grande de escolhas, umas mais racionais que as outras, com direitos de
voto distribuídos plutocraticamente”100 .
O segundo problema é relacionado com o consentimento dos agentes. O primeiro
aspecto problemático é o de consistência. Com efeito, Posner agrega ao seu princípio da
maximização da riqueza, como vimos, uma espécie de consentimento prévio, que chama de
consentimento ex ante ou consentimento fictício. Ocorre que, ainda que deslocado no tempo,
consentimento é consentimento. Se existe um consentimento daquele que perde (mesmo que
esteja, no passado, considerando o risco de perda como parte da sua equação de expectativa de
utilidade), não se pode falar da aplicação do critério de eficiência de Kaldor-Hicks, sob pena de
violação do requerimento de compensação potencial101 .
Dworkin também critica a abordagem consensual, indicando que se trata de um
conceito contrafactual102 ao imputar aos agentes outras qualidades que não o consentimento
propriamente dito, como a ideia de “interesse próprio” (self-interest). Ao distinguir as duas coisas,
Dworkin argumenta que a presença de “interesse próprio” em determinada situação poderia
servir como indício de que uma pessoa efetivamente consentiu com alguma coisa, quando este
consentimento está em dúvida, por qualquer motivo, mas nada além disso. Um consentimento
contrafactual não é uma forma diluída de consentimento, diz Mathis descrevendo o argumento
de Dworkin: é nenhum consentimento.
Um outro ponto problemático diz respeito à alegação de Posner de que a fórmula da
psiquiátrico, por exemplo. V. SPELLECY, Ryan. Reviving ulysses contracts. Kennedy Institute of Ethics
Journal, v. 13, n. 4, p. 373–392, 2003.
99 Além do próprio conceito de “racionalidade limitada” (bounded rationality), em voga hoje nas ciências econô-
micas e em muitos outros campos, existem “atalhos cognitivos” hoje estudados pela Economia Comportamental
que frequentemente levam a decisões subótimas. V., em geral, a obra de KAHNEMAN, D. Op. Cit.
100 Tradução livre do original inglês, onde se lê: “[a market outcome] is the result of a large number of choices,
some more rational than others, with voting rights distributed plutocratically”. Cf. MATHIS, K. Op. Cit., p.
164.
101 V., a este respeito, KRONMAN, Anthony T. Wealth maximization as a normative principle. The Journal of
Legal Studies, v. 9, n. 2, p. 227–242, 1980., p. 238.
102 Dworkin descreve um consentimento contrafactual como sendo aquele “a proposição segundo a qual eu teria
consentido se tivesse sido perguntado”. Cf. DWORKIN, Ronald. Why efficiency?: A response to professors
calabresi and posner. Hofstra Law Review, v. 8, 1979.,p. 575.
65

maximização da riqueza seria uma espécie de meio termo entre o “kantismo” e o “utilitarismo”,
em que o fanatismo seria afastado e as boas características de ambos seriam preservadas. Dworkin
recorda a afirmação de Posner de que apenas um fanático insistiria em medir a legitimidade de
determinada medida apenas diante de uma unanimidade absoluta para enfrentar a sua tentativa
de caracterizar o consentimento prévio como substituto do consentimento “verdadeiro”. Se
abrirmos pelo menos uma exceção, i.e, se apenas uma pessoa tem a sua situação piorada, a
justificativa dada pelo princípio de Pareto não é diminuída ou relativizada, mas destruída103 .
Ao permitir uma violação que seja, o princípio passaria a ser utilitarista – vez que o conceito
paretiano seria do tipo “tudo ou nada”.
A ideia de que a maximização da riqueza traz, na verdade, o pior dos dois mundos, é
reverberada também por Kronman, na medida em que o mesmo problema fundamental presente
no utilitarismo (o dos direitos “fundamentais”) estaria também presente na maximização da
riqueza. E mais: se um utilitarista puro se convencesse, por fim, que os seres humanos têm
direitos que devessem ser respeitados, certamente não o faria com base em uma regra de
maximização da riqueza que, como vimos, também não satisfaz os ideais kantianos de respeito à
autonomia:

A maximização da riqueza não é um utilitarismo limitado por um respeito pelos


direitos: se é, em absoluto, uma espécie de utilitarismo, a maximização da
riqueza é um utilitarismo limitado pelo respeito a uma coisa que não é nem
direitos, nem utilidade, mas algo de valor incerto e (..) duvidoso.104

3.4.3 O problema da distribuição de riqueza

Alguma coisa já foi dita sobre a distribuição da riqueza no modelo posneriano, mas
somente do ponto de vista metodológico. Convém, agora, analisarmos os efeitos da aplicação de
um princípio da maximização da riqueza sem levar em consideração a distribuição da riqueza
previamente à utilização desta regra como axioma. Neste sentido, a utilização do critério de
eficiência de Kaldor-Hicks como fundamento do princípio de maximização da riqueza traz
consigo uma série de objeções desde este ponto de vista.
Ao postular um modelo baseado em mercados (sejam estes hipotéticos ou não), a
demanda de cada um dos agentes é limitada pela renda que possuem. Neste contexto, por via de
103 DORKIN, R. Op. Cit., p. 582.
104 Tradução livre do original inglês, onde se lê: “Wealth maximization is not utilitarianism limited by a respect
for rights: if it is a species of utilitarianism at all, wealth maximization is utilitarianism constrained by a
respect for something which is neither rights nor utility, something of uncertain and (...) dubious value.”. Cf.
KRONMAN, A. Op. Cit., p. 234.
66

consequência, aqueles mais ricos podem comprar mais do que os mais pobres. Aplicando-se
o critério de maximização da riqueza, um determinado direito (ou bem, ou serviço) deve ser
atribuído àquele com maior disposição de pagar, o que gera um sistema enviesado, que favorece
o status quo – i.e., favorece os que já possuem mais dinheiro em detrimento dos mais pobres105 .
Essa ausência de neutralidade é destacada também por Veljanovski, segundo o qual
esta característica tende a diminuir a atratividade do critério:

(...) A eficiência de Kaldor-Hicks não é neutra em relação à distribuição de


renda, o que quer dizer que dá maior prioridade àqueles com poder de compra
e de mercado. Na medida em que a distribuição de renda existente é tida por
“injusta” pela sociedade, o apelo ético do teste de Kaldor-Hicks deve diminuir
de forma correspondente.106

Neste sentido, a atratividade da utilização deste critério está umbilicalmente ligada


ao sentimento geral de que a distribuição de renda atualmente existente é justa. Mas, ainda que
ignorássemos isso, o que se poderia dizer de um sistema que, além de conservar o status quo, na
verdade amplificaria o poder já existente dos abastados? Isto é, na medida em que novos direitos
não atribuídos àqueles que possuem disposição e estão aptos a pagar por eles, este sistema
causaria um efeito centrípeto em favor daqueles que já possuem dinheiro e recursos. Segundo
Kronman, “o princípio da maximização da riqueza dá uma vantagem adicional àqueles que já
são avantajados, e isto corretamente nos parece injusto”107 .
Tudo isso é reconhecido pelo próprio Posner, que, anos depois chega a afirmar que:

”os preços que determinam valores em um sistema dedicado à maximização da


riqueza dependem, ultimamente, de como a riqueza está distribuída no sistema;
haverá um padrão diferente de demanda e, portanto, preços diferentes se [a
riqueza] for altamente concentrada e se for altamente equalizada”108

Essas críticas encontraram um terreno fértil, sobretudo diante das posições mais
radicais defendidas por Posner. Basta lembrarmos que, em princípio, Posner considera possível –
105 V., por exemplo, BEBCHUK, Lucian A. The pursuit of a bigger pie: Can everyone expect a bigger slice?
Hofstra Law Review, v. 8, n. 3, 1980.
106 VELJANOVSKI, C. Op. Cit., p. 6. Tradução livre do original inglês, onde se lê: “Kaldor-Hicks efficiency is
not income distribution neutral, which is to say that it gives greater priority to those with income and market
power. To the extent that the existing distribution of wealth is deemed “unjust” in society the ethical appeal of
the Kaldor-Hicks test must corresponding diminish”.
107 KRONMAN, A. Op. Cit., p. 240. Tradução livre do original inglês, onde se lê: “The principle of wealth
maximization gives an additional advantage to those who are already advantaged, and this quite rightly strikes
us as unfair”.
108 POSNER, Richard A. Wealth maximization and judicial decision-making. International Review of Law
and Economics, v. 4, n. 2, 1984., p. 133. Tradução livre do original inglês, onde se lê: “the prices which
determine value in a system dedicated to wealth maximization depend ultimately on how wealth is distributed in
the system; there will be a different pattern of demands and therefore different prices if it is highly concentrated
than if it is highly equalized”.
67

ao menos teoricamente – que a escravidão seja, de fato, eficiente e condizente com o princípio
da maximização da riqueza109 , desde que fosse uma escolha voluntária. Essa escolha voluntária
somente seria possível em um cenário limite em que, por exemplo, a alternativa à escravidão
fosse a completa inanição ou a morte certeira. Escolher a escravidão, neste caso, deixaria o
novo escravo em uma situação melhor do que a anterior e, por via de consequência, tornaria a
sociedade como um todo mais rica.
Os contornos quase cruéis desta descrição são ainda mais acentuados quando nos
deparamos com o tratamento das pessoas que seriam, simplesmente, privadas de quaisquer
recursos. Estas pessoas, segundo Posner, somente contariam como variáveis na função de
utilidade de outra pessoa que tivesse recursos, e que a sociedade não teriam qualquer dever
de ajudar os pobres, ainda que esta situação ferisse as “sensibilidades modernas”, como as
descreve110 . Além disso, poucas seriam as hipóteses em que a redistribuição de riqueza pelas
mãos do estado poderiam acontecer, como já vimos mais acima. No entanto, muitas destas
posições vieram a ser relativizadas pelo próprio Posner ao longo do tempo, como veremos
adiante.

3.5 A AUTONOMIA DO DIREITO FRENTE À ECONOMIA

O início desta subseção será dedicado à análise de outros dois problemas identificados
na teoria da maximização da riqueza de Posner: o problema dos direitos fundamentais e o
problema da riqueza como fim em si mesma. Com isso, espera-se lançar luz sobre o ponto ótimo
de interseção entre o Direito e a Economia.

3.5.1 O problema dos direitos fundamentais

Uma das objeções mais sérias à utilização do princípio da maximização da riqueza


como critério único de avaliação do sistema jurídico tem que ver com os direitos fundamentais.
Com efeito, assim como acontece com o utilitarismo puro, esta forma de utilitarismo limitado,
como quer Posner, não reconhece qualquer direito anterior à formação dos mercados. Isto porque,
na esteira de Coase, a eficiência econômica pode ser atingida independentemente da dotação
109 POSNER, Richard. The ethical and political basis of the efficiency norm in common law adjudication.
Hofstra Law Review, v. 8, p. 487, 1980., p. 500-502.
110 Cf. POSNER, Richard A. Utilitarianism, economics, and legal theory. The Journal of Legal Studies, v. 8, p.
103–140, 1979., p. 128.
68

inicial de recursos, desde que não haja custos de transação111 .


Segundo Coleman, a maximização da riqueza é incapaz de explicar a dotação
inicial. Seguindo seu raciocínio, a lógica por trás da alocação de recursos segundo o critério da
maximização da riqueza é circular-tautológica, e pode ser descrita da seguinte maneira:

A maximização da riqueza requer um conjunto fixo de preços relativos. Os


preços dos bens dependem, dentre outras coisas, da demanda relativa por eles.
A demanda por bens depende, por sua vez, da distribuição de riqueza. E a
distribuição de riqueza é, evidentemente, função daquilo a que os indivíduos
têm direito. Portanto, o sistema de maximização da riqueza deve pressupor um
conjunto de direitos iniciais para “começar”; e esses direitos iniciais não podem,
por hipótese, ser considerados com base na maximização da rqiueza. O sistema
de maximização da riqueza, portanto, não pode servir de base para um conjunto
inicial de direitos”112

Veljanovksi também é contundente neste sentido. Os mercados seriam inicialmente


indefinidos se não houvesse direitos de propriedade anteriores. E, como a dotação inicial de bens
é um problema jurídico, o resultado de determinada transação mercadológica também dependerá
dessas instituições jurídicas. Portanto, o resultado mercadológico, hipotético ou não, não pode
ser utilizado para justificar a dotação inicial de bens113 .
Evitando a discussão sobre casos concretos, basta dizer que muitas das condutas
horrendas que ferem as nossas “intuições morais”, como a escravidão, podem ser ao menos em
tese justificáveis se se utiliza a maximização da riqueza como princípio ético. Posner retruca
dizendo que algumas formas de escravidão ainda permanecem nos dias atuais – como o caso
de trabalhos forçados em prisões nos Estados Unidos, por exemplo114 , e que a escravidão
representou, em seu contexto histórico, um verdadeiro progresso, já que a alternativa comum
era ser morto pela tribo conquistadora. Contra a escravidão, segundo Posner, somente resta o
argumento da ineficiência sob as condições atuais da economia.
Porém, como muito bem observa Mathis115 , apontar que a escravidão seria abolida
111 Em termos bem grosseiros, trata-se do teorema de Coase, conforme exposto em seu COASE, Ronald. The
problem of social cost. Journal of Law and Economics, v. 3, p. 1–44, out. 1960.
112 COLEMAN, Jules L. Efficiency, utility, and wealth maximization. Hofstra Law Review, v. 8, n. 3, 1980., pp.
524-525. Tradução livre do original inglês, onde se lê: “Wealth maximization requires a fixed set of relative
prices. The prices of goods depend, among other things, on the relative demand for them. The demand for
goods depends in turn on the distribution of wealth. And the distribution of wealth is of course a function of
what individuals are entitled to. Therefore, the system of wealth maximization must presuppose a set of initial
entitlements in order to get started; and these initial entitlements cannot, by hypothesis, be accounted for on
wealth-maximizing grounds. The system of wealth maximization therefore cannot provide a basis for an initial
assignment of entitlements”.
113 VELJANOVSKI, Cento G. Wealth maximization, law and ethics: On the limits of economic efficiency.
International Review of Law and Economics, v. 1, n. 1, 1981., p. 6.
114 Não é demais sublinhar a inconstitucionalidade da imposição de penas de trabalhos forçados no Brasil, na
forma do art. 5o , XLVII, “c” da Constituição Federal.
115 MATHIS, K. Op. Cit., p. 171.
69

de facto em uma sociedade onde a maximização da riqueza é aplicada é muito diferente de uma
proibição absoluta, ainda que Posner acredite que tal sociedade não se tornaria escravocrata ou
albergaria qualquer outro tipo de instituição de contornos monstruosos:

Porquanto, ainda que exista a possibilidade teórica de que a eficiência possa


prescrever a escravidão ou outra forma monstruosa de distribuição de direitos,
é difícil dar exemplos de onde isto realmente aconteceria. Eu concluo que é
possível deduzir uma estrutura de direitos congruente com as nossas intuições
éticas a partir da premissa da maximização da riqueza116 ..

O problema do critério eficientista, neste caso, é assumir a inexistência de direitos


prévios ao estabelecimento do mercados (hipotéticos ou não). A estratégia reduz todos os
aspectos da vida a um só problema de escassez de recursos, fazendo com que tudo possa ser
trocado. Até seres humanos podem ser trocados. Daí não é difícil concluir que não existem
direitos fundamentais nem muito menos direitos inalienáveis em um sistema baseado na premissa
da eficiência. Novamente segundo Mathis, esta visão ameaça a dignidade humana, fazendo coro
aos dizeres de Kant, segundo o qual:

No reino dos fins tudo tem um preço ou uma dignidade. Uma coisa que tem um
preço pode ser substituída por qualquer outra coisa equivalente; pelo contrário,
o que está acima de todo preço e, por conseguinte, o que não admite equivalente,
é o que tem uma dignidade. 117

3.5.2 A eficiência como meio ou como fim?

A discussão de fundo mais importante parece mesmo ser o papel da eficiência


– e, em certa medida, o da própria ciência econômica – na análise do direito, envolvendo,
necessariamente, a formulação da pergunta que dá nome a esta subseção. Dworkin é quem
coloca a questão da forma mais clara, inclusive nos títulos dos seus dois artigos que criticam a
teoria da maximização da riqueza: “Is wealth a Value”? e “Why Efficiency?”, ambos publicados
em 1980. Alguns pontos de ambos artigos já foram trazidos à discussão nesta seção, cabendo
agora discutirmos as críticas fundamentais. Segundo Dworkin:

A Análise Econômica sustenta, sob seu enfoque normativo, que a maximização


da riqueza é um objetivo meritório, de modo que as decisões judiciais deveriam
116 POSNER, Richard. The ethical and political basis of the efficiency norm in common law adjudication.
Hofstra Law Review, v. 8, p. 487, 1980., p. 502. Tradução livre do original inglês, onde se lê: “Thus, while the
theoretical possibility exists that efficiency might dictate slavery or some other monstrous rights assignment, it
is difficult to give examples where this would actually happen. I conclude that it is possible to deduce a structure
of rights congruent with our ethical intuitions from the wealth-maximization premise.”
117 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Lisboa: Companhia Editora Nacional,
1964.
70

procurar maximizar a riqueza da sociedade, por exemplo, através da atribuição


de direitos para aqueles que os adquiririam caso não houvessem custos de
transação. Mas não resta claro o porquê da riqueza social ser considerada um
objetivo meritório. Quem pensaria que uma sociedade que tem mais riqueza (...)
seria melhor, ou se encontraria em melhor situação, do que uma sociedade que
tem menos, a não ser aquele que cometeu o erro de personificar a sociedade,
e portanto pensou que uma sociedade mais rica está em uma melhor situação
da mesma forma que qualquer indivíduo estaria. Por que alguém que não
cometeu este erro deveria pensar na maximização da riqueza social como
objetivo meritório?118

Dworkin propõe diversas formas de responder esta questão. A primeira delas diz
que a riqueza social é um componente do “valor social” (social value). Essa afirmação pode ser
dividida em duas formas para melhor análise: uma versão imodesta e outra modesta. A imodesta
sustenta que a riqueza é o único componente do valor social. A modesta afirma que a riqueza é
apenas um dos componentes do conjunto que forma o valor social119 .
A segunda, por sua vez, sustenta que a riqueza social não seria um componente do
valor social, mas tão somente um instrumento para alcançá-lo. Portanto, uma melhora na riqueza
social não seria um bem em si mesmo, mas somente na medida em que produza uma melhoria
em outros valores que, aí sim, são meritórios por si mesmos. Esta resposta instrumental, como
chama Dworkin, pode ser também subdividida de 3 (três) maneiras. A primeira delas afirmaria
que melhorias na riqueza social por si só causariam outras melhorias – como, por exemplo,
a redução da pobreza. Da segunda, infere-se que a riqueza é um ingrediente do valor social,
na medida em que forneceria as condições materiais para aumentar-se o valor social. Por fim,
de acordo com uma terceira subdivisão, a riqueza não seria nem causa nem ingrediente, mas
um substituto, uma espécie de segundo-melhor, que funcionaria enquanto houvesse uma alta
correlação entre um aumento na riqueza e um aumento na felicidade (um objetivo utilitarista,
portanto)120 .
Dentre as diversas razões oferecidas por Dworkin para rejeição da riqueza como
valor social, a que sobressai é a de que a riqueza perde toda sua plausibilidade como valor social
quando dissociada da noção de utilidade. Para ilustrar essa conclusão, Dworkin oferece um
118 DWORKIN, Ronald. Is weath a value? The Journal of Legal Studies, v. 9, n. 2, mar 1980., p. 194.
Tradução livre do original inglês, onde se lê: “Economic analysis holds, on its normative side, that social wealth
maximization is a worthy goal so that judicial decisions should try to maximize social wealth, for example, by
assigning rights to those who would purchase them but for transaction costs. But it is unclear why social wealth
is a worthy goal. Who would think that a society that has more wealth, as defined, is either better or better
off than a society that has less, except someone who made the mistake of personifying society, and therefore
thought that a society is better off with more wealth in just the way any individual is? Why should anyone who
has not made this mistake think social wealth maximization a worthy goal”?
119 DWORKIN, R. Op. Cit., pp. 194-195.
120 DWORKIN, R. Op. Cit., p. 195.
71

exemplo que reproduzimos a seguir, com algumas alterações. Suponha que existem duas pessoas
no mundo, A e B. A é um sujeito doente e miserável, e tem um livro, que costuma ser um de
seus únicos consolos na vida. A está disposto a vendê-lo por $2,00 para comprar remédios. Do
outro lado, B é um sujeito rico e feliz. B está disposto a pagar $3,00 pelo livro (uma parcela
infinitesimal do seu patrimônio), somente por achar que um dia pode vir a lê-lo, mesmo sabendo
que provavelmente não vá. Imagine agora que exista um tirano com poder e disposição para
realocar as coisas conforme algum critério pre-selecionado. Se o tirano retirar o livro de A e
entregá-lo a B, a situação será melhor? Segundo o utilitarismo, não, porque a transferência sem
compensação faria a utilidade total cair. Por outro lado, se utilizarmos o conceito específico
de riqueza de Posner, sim. Do ponto de vista geral, no entanto, Dworkin responde que não,
classificando como irrelevante, do ponto de vista moral, o argumento de que o livro estaria nas
mãos daquele que pagaria mais por ele.
Partindo da sociedade para o indivíduo, a conclusão de Dworkin segue a mesma
lógica. A riqueza não é um valor em si mesmo, mas apenas um meio pelo qual outros valores
podem ser atingidos. Nas palavras de Rothbard, muito embora Dworkin provavelmente não
ligaria o seu pensamento ao dele, “a eficiência jamais pode servir como base ética; pelo contrário,
a ética deve ser o guia e a pedra-de-toque de qualquer consideração de eficiência”121 . Qualquer
pessoa, diz Dworkin, que empregue maior valor do que isso à riqueza tem um fetiche pelas
“notas verdinhas”122 .
De modo similar, Coleman e Veljanovski também negam a existência de valor
intrínseco à riqueza. Segundo Veljanovski, o “homo economicus” não possui preferência por
riqueza, mas por algum fim que seria capturado pela expressão “maximização da utilidade”. E
conclui, muito claramente, dizendo que “riqueza é meio, não fim”123 . Coleman, por sua vez,
enquanto reconhece valor ao conceito de “felicidade” ou “bem-estar” o nega à riqueza, nos
seguintes termos: “riqueza não é algo com valor intrínseco. Se a busca da riqueza for um bem,
deve ser porque a busca da riqueza promove outras coisas de valor”124 .
Por fim, cumpre salientar que em diversas ocasiões Posner salientou o caráter instru-
mental da maximização da riqueza. Como, por exemplo, no seu artigo de resposta “The value of
121 ROTHBARD, Murray N. The myth of efficiency. In: RIZZO, Mario (Ed.). Time, Uncertainty, and
Disequilibrium. Lexington: DC Health, 1979. p. 90–95.. Tradução livre do original inglês, onde se lê:
“Efficiency can never serve as the basis for ethics; on the contrary, ethics must be the guide and touchstone for
any consideration of efficiency”.
122 DWORKIN, R. Op. Cit., p. 200.
123 VELJANOVSKI, C. Op. Cit., p. 8.
124 COLEMAN, J. Op. Cit., p. 527.
72

wealth”, em que diz, expressamente citando o trabalho de Dworkin:

Talvez eu tenha induzido Dworkin e outros em erro ao ser insuficientemente


explícito sobre o que penso que a riqueza conduz. A riqueza é conducente à
felicidade, liberdade, auto-expressão, e outros valores incontroversos (...)125

Por outro lado, parece injusto atribuir a Posner uma busca desmedida de uma
moralidade somente baseada na eficiência. Em que pese a validade de muitos dos argumentos
apresentados contra a sua teoria, sobretudo no começo da década de 1980, muitos parecem ter
perdido de vista o fio da meada. É que a construção de um marco normativo coerente constituía,
nos dizeres de Priest, um passo integrante do projeto positivo de Posner126 . 3 anos depois, no
prefácio à segunda edição do The Economics of Justice, já citado acima, Posner qualifica a
sua teoria ética como objeto de especulação, e não como um plano de ação social127 . Um ano
depois, reduz a aplicabilidade de sua teoria somente à atuação dos juízes. Isto porque os juízes
de common law nada podem fazer em relação à distribuição da riqueza. Portanto, devem tomá-la
como um dado fático e atuar no sentido de maximizar a riqueza, já que este é o campo da política
(policy) que foi deixado aos seus cuidados:

Como deve estar claro a esta altura, meu argumento não é que a maximização
da riqueza seja o único valor social a que o governo deve prestar atenção, senão
que é o único valor (...) que as cortes podem fazer muito para promover128

No limite, parece aparecer nas entrelinhas a conclusão de que, para Posner, o im-
portante é propor (e provar a aceitabilidade de) a utilização de uma norma ética fundada nos
preceitos liberais-econômicos, dos quais ele comungava abertamente129 . Mesmo no contexto de
sua famosa “capitulação”, como veremos na seção adiante, Posner é incisivo ao dizer que “argu-
mento éticos não convencem aqueles que estão em dúvida, senão que fornecem racionalizações
para posições éticas tomadas em um contexto emocional”130 .
125 POSNER, Richard A. The value of wealth: A comment of dworkin and kronman. The Journal of Legal
Studies, v. 9, n. 2, mar 1980., p.245. Tradução livre do original inglês, onde se lê: “But perhaps I have misled
Dworkin and others by being insufficiently explicit about what I think wealth is conducive to. It is conducive to
happiness, freedom, self-expression, and other uncontroversial goods (...)”.
126 PRIEST, George. El surgimiento del análisis económico del derecho: Memoria de los primeros años. In:
ALEGRE, Marcelo (Ed.). El Dinero y la Justicia. Buenos Aires: Universidad de Palermo, 2010. p. 17–60., p.
58.
127 POSNER, Richard A. Prefácio à edição brasileira. In: . A Economia da Justiça. São Paulo: WMF
Martins Fontes, 2010.
128 POSNER, Richard A. Wealth maximization and judicial decision-making. International Review of Law
and Economics, v. 4, n. 2, 1984., p. 133.
129 V. POSNER, Richard A. Law and economics is moral. Valparaiso University Law Review, v. 24, 1989.
130 POSNER, Richard A. Wealth maximization revisited. Notre Dame Journal of Law, Ethics & Public Policy,
v. 2, 1985., p. 90. Tradução livre do original inglês, onde se lê: “Ethical arguments do not convince doubters but
rather provide rationalizations for ethical positions taken on emotional grounds.”
73

4 A EFICIÊNCIA POSTA EM CONTEXTO: UMA ESCOLHA PRAGMÁTICA

Parece existir um certo consenso na bibliografia secundária de que a “virada prag-


mática” de Posner se dá de forma definitiva quando da publicação, em 1990, de Problems of
Jurisprudence1 . No entanto, a tese da maximização da riqueza enquanto regra universal não foi
abruptamente abandonada pelo autor, mas paulatinamente desgastada até que em um artigo de
revista publicado em 1985 o próprio Posner chega a afirmar que

“o meu objetivo, portanto, é bastante modesto. Não pretendo ’converter’ nin-


guém à maximização da riqueza. Meramente quero convencê-lo de que [a
maximização da riqueza] é uma ética razoável, embora não seja óbvia ou
universalmente correta”2

Do ponto de vista analítico, parece certo afirmar que existe uma diferença substancial
quanto a posição ocupada pela eficiência (do ponto de vista normativo) em um sistema de
pensamento posneriano em dois momentos diferentes, de maneira a justificar a identificação de
uma fase distinta de pensamento.
Para além da mera justificativa de plausibilidade desse então novo campo do saber
que parece sempre ser o maior objetivo de Posner, é possível identificar traços que permeiam
toda a sua obra, os quais conferem a indispensável unidade no pensamento que caracteriza a sua
obra um pensamento crítico do Direito3 .
Nesta seção, trataremos da “queda” do eficientismo enquanto ideal normativo, com a
ressalva de que também o ideal positivo, da maximização da riqueza enquanto pedra de Rosetta,
teve a sua importância diminuída ao longo do tempo4 .
1 POSNER, Richard A. Problems of Jurisprudence. Cambridge: Harvard University Press, 1993. e a corres-
pondente tradução brasileira, já referida, POSNER, Richard A. Problemas de Filosofia do Direito. São Paulo:
Martins Fontes, 2007.
2 POSNER, Richard A. Wealth maximization revisited. Notre Dame Journal of Law, Ethics & Public Policy,
v. 2, 1985.,p . 90. Tradução livre do original inglês, onde se lê: “My goal is therefore quite modest. I do not
seek to ’convert’ anyone to wealth maximization. I merely want to persuade you that it is a reasonable, though
not a demonstrably or a universally correct, ethic (...)”.
3 A referência a “crítica” ou “pensamento crítico” deve ser entendida como despida de qualquer referência
ideológica, querendo antes significar a atitude filosófica consistente em examinar, de maneira reflexiva, as
condições, pressupostos e consequências de determinado conceito ou disciplina.
4 V. Seção 2, acima.
74

4.1 O ESVAZIAMENTO DA RELEVÂNCIA DOS GRANDES SISTEMAS MORAIS NA


SOLUÇÃO DE PROBLEMAS PRÁTICOS

O pragmatismo posneriano é uma teoria prática – um oxímoro justificável em pelo


menos em dois sentidos. O primeiro deles diz respeito às possibilidades de utilização do campo
do saber a que se denomina normalmente de Análise Econômica do Direito, de que já falamos
acima. O segundo tem que ver precisamente com o processo de escolha de um paradigma
econômico, no sentido metodológico e prático do termo.
É que, incapacitado de sustentar a aplicabilidade geral e irrestrita de uma teoria
moral (ou mesmo jurídica) com fundamento na maximização da riqueza, a escolha prática parte,
fundamentalmente, da constatação da superioridade relativa do paradigma da maximização da
riqueza em relação às demais teorias alternativas.
O esforço argumentativo neste sentido é levado a cabo de maneira sistemática no
Capítulo 11 de Problemas de Filosofia do Direito. Nele, Posner questiona o valor da filosofia
moral para o direito, seguindo a orientação, aliás geral, de utilizar argumentos pragmáticos para
“malhar teorias jurídicas ambiciosas”5 , e encontra duas razões para o fracasso da filosofia moral
no nível prático. A primeira razão seria decorrente do fato de que o teste último do conhecimento
é a nossa intuição, e que as nossas intuições morais, em especial, “tendem a ser ao mesmo tempo
refratárias a mudanças e mais divergentes do que as intuições sobre o mundo físico”6 .
A ideia central é bipartite no plano analítico das formas de atuação dos filósofos
morais. Segundo Posner, alguns moralistas atuam de cima para baixo, procurando extrair
respostas específicas a partir de um princípio dominante pré-estabelecido. Porém, quando a
dedução entra em choque com as nossas intuições, “rejeitamos o princípio em vez de proceder
ao reexame de nossas intuições”7 . Alguns moralistas, contudo, atuariam no sentido contrário,
isto é, procurariam construir dedutivamente verdades absolutas a partir das próprias intuições. O
problema surge do fato de que cada um dos moralistas que procede desta maneira possui uma
maneira própria de ver as questões de que trata, de forma que a sua linha argumentativa não
preencheria o vazio deixado por ela própria.
A segunda razão de ordem prática seria a ausência de tempo ou formação dos
5 POSNER, Richard A. Para além do Direito. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009., p. 417.
6 POSNER, Richard A. Problemas de Filosofia do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2007., p. 467. Para um
relato mais pormenorizado da imprestabilidade da filosofia moral, v. POSNER, Richard A. The Problematics
of Moral and Legal Theory. Cambridge: Belknap, 1999., em especial a primeira parte
7 POSNER, R. A. Problemas de Filosofia do Direito, p. 467.
75

filósofos moralistas para discutir, no detalhe, os aspectos particulares de cada um dos dilemas
morais, sobre os quais “já se consumiram oceanos de tinta”8 .
Neste sentido, em uma sociedade diversificada, em que os pontos de partida, sejam
eles intuições morais ou princípios pré-estabelecidos, não são comuns aos agentes envolvidos,
não existiria método racional capaz de resolver um grande dilema moral, como o do aborto, por
exemplo9 , porque as premissas que formam as proposições com base nas quais determinada
resposta se afigura correta são controversas10 .
Ao questionar a aplicabilidade da filosofia moral aos problemas do Direito, Posner
a um só tempo procura minar as objeções de natureza moral ao princípio da maximização da
riqueza e, ao mesmo tempo, abrir o campo a um pragmatismo de contornos próprios, mas não
sem antes dar o braço a torcer e declarar que muitas das críticas que consideram a maximização
da riqueza uma teoria insatisfatória “não são passíveis de resposta”11 . Após uma breve análise
destas críticas (que deixam de ser interessantes justamente na medida em que deixam de ser
polemizadas), a conclusão pouco surpreendente é de que o argumento mais forte a favor da
maximização da riqueza enquanto parâmetro normativo é de natureza pragmática.
O esforço argumentativo pode ser explicado de maneira satisfatória pela teoria
das alternativas relevantes. Epistemologicamente, a teoria das alternativas relevantes é uma
das tentativas de escapar do argumento cético sobre a impossibilidade de conhecer algo12 . A
ilustração mais famosa da teoria das alternativas relevantes é a de Drestke, em um artigo de 1970,
denominado Epistemic Operators13 .
Neste artigo, Drestke oferece um exemplo para ilustrar sua ideia central do que
viria a ser o processo de escolha diante de alternativas relevantes. Suponha que uma pessoa
encontra-se em um zoológico e se depara com um animal parecido com um cavalo, mas com
listras pretas e brancas. A placa indicativa diz: “Zebra”. Nestas circunstâncias, a pessoa saberia
dizer se o animal é uma zebra? E o que dizer da possibilidade de que o animal na verdade seja
8 Ibid. Ibidem.
9 POSNER, Richard A. Op. Cit., p. 470.
10 POSNER, Richard A. Op. Cit., p. 472.
11 POSNER, Richard A. Op. Cit., p. 503.
12 O exemplo mais comum é o do “cérebro numa cuba”. Na hipótese, os terminais nervosos do cérebro são
ligados a um supercomputador que tem a tarefa de a pessoa de quem é o cérebro acreditar que tudo está normal.
Todas as experiências e sensações são sentidas da mesma forma que uma pessoa “de carne e osso” as sentiria.
Partindo dessa premissa hipotética, o argumento é construído de forma a negar mesmo as intuições mais óbvias
do conhecimento, como o fato de termos verdadeiras mãos, da seguinte maneira: (I) Eu não sei se eu não sou
um “cérebro numa cuba”. (II) Se eu não sei se eu não sou um “cérebro numa cuba”, eu não sei se eu tenho mãos.
Logo: (III) Eu não sei se eu tenho mãos. Variações outras incluem a possibilidade de estarmos sonhando, as
ilusões de um demônio maléfico e, mais recentemente, a possibilidade de vivermos em uma matrix.
13 DRETSKE, Fred I. Epistemic operators. The Journal of Philosophy, p. 1007–1023, 1970.
76

um cavalo pintado de modo a parecer com uma zebra? A pessoa pode ter boas razões para
acreditar que, de fato, não se trata de um cavalo pintado, já que zoológicos normalmente não
fariam isso. Mas as evidências não são boas o suficiente para que esta pessoa saiba que o animal
é, de fato, uma zebra e não um cavalo pintado.
Sem fazer nenhum teste especial, um cético diria que o sujeito não pode saber que
se trata de uma zebra ou um cavalo pintado. Mas Drestke tenta resolver a questão ao incluir
a possibilidade de levarmos em consideração as alternativas relevantes. Assim, no caso do
exemplo, a probabilidade de que o zoológico andasse pintando cavalos para que se passassem
por zebras com o objetivo de enganar os visitantes não seria uma alternativa relevante, e que,
neste contexto, seria possível saber que o animal a frente da pessoa no exemplo seria, de fato,
uma zebra, desde que as alternativas relevantes dentro do contexto em que a afirmação é feita
possam ser excluídas a contento.
Por extrapolação, quanto mais alternativas relevantes uma proposição p pode excluir
em contextos e circunstâncias variadas, mais robusta é a proposição. Por sua resiliência, para
utilizarmos as palavras de Posner, a proposição p passa a fazer parte de uma “reserva de conheci-
mento útil”14 , que corrobora uma espécie de “conhecimento interpretativo da realidade”15 , com
o qual o pragmatista estaria confortável.
“Todas as perspectivas são parciais”, diz Posner, decorrendo daí a insensatez de
procurar “descrições completas e conclusivas de como as coisas são” e a necessidade de enxergar
as teorias como “ferramentas e não visões da realidade”16 . É necessário, portanto, enxergar a
ciência como um conjunto de “métodos comprovados de ampliação do estoque de conhecimentos
úteis e acertados do ser humano”17 .
Ora, se as “verdades” são parciais e contextualizáveis, não é mais necessário defender
uma posição absoluta e universal de aplicabilidade da maximização da riqueza ao conjunto de
fenômenos jurídicos que enxergamos no mundo dos fatos. Para legitimar essa abordagem, basta
que seja superior as alternativas relevantes – que, no caso de Posner, são as “filosofias morais”, o
“kantismo” e o “utilitarismo”, não sendo um problema reconhecer, ultimamente, que:

(1) A sua teoria normativa não é adequadas para resolver todos os problemas. (2)
Não é baseada em qualquer teoria moral que tudo abarca (como, por exemplo,
o utilitarismo). (3) A riqueza não possui um valor intrínseco, não instrumental,
14 POSNER, Richard A. Para além do Direito. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009., p. 418.
15 POSNER, R. A. Op. Cit., p. 10.
16 Ibid. Ibidem.
17 Ibid, p. 20. Perceba-se que a insistência na utilidade do conhecimento guarda uma íntima relação com os
pressupostos metodológicos da teoria econômica positiva do direito, de que se trata na Seção 2, acima.
77

como, por exemplo, a “bondade” ou a “felicidade” possuem em outras teorias


filosóficas.18

Adiante, Posner reconhece que o pragmatismo jurídico não se resume à abordagem


econômica do direito19 , mas certamente decorre de uma concepção instrumental do direito20 , na
medida em que os agentes permanecem preocupados com as consequências de determinados
atos21 . Seria uma concepção instrumental adequada para o direito, independentemente do
fundamento, circunstanciada da seguinte maneira:

A falta de fundamentação não perturba a nós pragmatistas. Não questionamos


se a abordagem econômica do direito funda-se adequadamente na ética de Kant,
Rawls, Bentham, Mill, Hayek ou Nozick e nem se cada uma dessas éticas possui
fundamentos satisfatórias, mas sim se é a melhor abordagem a ser seguida pelo
atual sistema jurídico dos Estados Unidos; em vista do que sabemos sobre os
mercados (...), bem como sobre o legislativo americano, os juízes americanos e
os valores do povo americano”.22 (grifos acrescidos)

Assim, a defesa de um princípio normativo deveria ser feita pelos seus resultados
(consequências) e de maneira relativamente independentemente dos seus fundamentos, com
base em uma análise de sua adequabilidade às circunstâncias particulares, de modo a configurar
um instrumento superior para consecução de determinados objetivos sociais com base em um
substrato comum. Em outras palavras, é preciso aferir se esse instrumento é capaz de excluir as
alternativas relevantes, sendo o substrato comum uma espécie de máximo denominador comum
dos valores compartilhados pela sociedade.
Quanto à aplicabilidade universal, é necessário prosseguir com cautela. É que, a
uma primeira vista, diante das circunstâncias identificadas por Posner na sociedade americana
para justificar a sua velha ideia nova, a segurança com que é possível defender a transposição
destas ideias para outra realidade, como, por exemplo, a brasileira, é inversamente proporcional
à convergência cultural das duass sociedades. E não há motivos para subestimar as diferenças.
Embora o caminho mais fácil seja optar pela intransponibilidade das conclusões, este não parece
ser o mais adequado. Com efeito, os fundamentos pelos quais se rejeitaria a “importação” dessas
ideais são os mesmos utilizados para retirar-lhes legitimidade no “mercado interno”, vez que: (i)
18 MATHIS, Klaus. Effiency Instead of Justice? [S.l.]: Springer, 2009., p. 178. Tradução livre do original
inglês, onde se lê: “(1) His normative theory is not suitable for solving all problems. (2) It is not founded on any
all-embracing moral theory (as, for instnace, utilitarianism is). (3) Wealth has no intrinsic, non-instrumental
value as, for instance, ’goodness’ or ’happiness’ do in other philosophical theories”.
19 Ibid, p. 427.
20 Ibid, p. 426
21 Ibid, p. 423.
22 Ibid, pp. 426-427.
78

a defesa é duvidosa desde o início, já que a exclusão das alternativas relevantes é certamente
uma posição arbitrária, que depende de critérios externos; e (ii) nada garante que o intervalo
entre a geração de que falava Posner em 1995 e a atual geração norte-americana conservem as
mesmas circunstâncias e alternativas relevantes.
Ambos argumentos, no entanto, possuem pouco ou nenhum efeito diante de um
interlocutor que aceita um pragmatismo metodológico. O próprio Posner oferece respostas
implícitas aos dois questionamentos possíveis, ao afirmar que uma abordagem deste tipo somente
pode funcionar bem quando existe uma “concordância ao menos razoável quanto aos fins
almejados”23 sendo inapropriada nos casos em que outros valores “gozem de unanimidade
política e moral”24 . Ainda assim, é bom que se diga que Posner parece acreditar que os preceitos
de maximização da riqueza são comuns a “todas as sociedades modernas”25 .
Por ser inconcebível, no sistema proposto, a existência de verdades imutáveis e
absolutas, a proposta de Posner é que a instrumentalidade da maximização da riqueza pode servir
de guia do direito de políticas públicas diversas. A fórmula proposta é a de que a maximização
da riqueza seria o princípio geral (entre outros fundamentos, dada a correlação empírica entre
livre mercado e riqueza humana26 ), “deixando ao proponente dos desvios relativos (...) o ônus
da demonstração de sua conveniência”27 .
Dada a ausência de alternativas relevantes também no contexto brasileiro, a fórmula
proposta por Posner pode ser entendida como um componente importante de um “estoque de
conhecimentos úteis” a ser construído em torno de um consenso, ainda que restrito, acerca dos
objetivos a serem perseguidos.

4.2 UMA ABORDAGEM PRAGMÁTICA PARA O DIREITO

Para além do abandono da exclusividade do ideal normativo da maximização da


riqueza e da ideia da maximização da riqueza enquanto princípio geral orientador que encontra
seu fundamento na exclusão das alternativas relevantes em determinada situação, esta abordagem
pragmática encontra algumas limitações de ordem prática. Dentre as limitações, três serão
expostas nesta subseção. São elas: (i) a divisão de trabalho entre o Judiciário e o Legislativo; (ii)
as intuições morais; e (iii) a Constituição.
23 Ibid, p. 427.
24 Ibid, p. 427.
25 POSNER, Richard A. Problemas de Filosofia do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2007., p. 519.
26 POSNER, Richard A. Para além do Direito. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009., p. 426
27 POSNER, Richard A. Problemas de Filosofia do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2007., p. 520.
79

4.2.1 A divisão de trabalho entre o Judiciário e o Legislativo

Um dos argumentos de Posner em favor da utilização da maximização da riqueza


como critério de julgamento para os juízes é o de que os juízes se encontram em uma situação
privilegiada para fazer com que o resultado de determinada demanda esteja o mais próximo
possível do resultado que poderia ser obtido em um mercado no qual não existissem custos de
transação.
O argumento já estava presente, in fieri, no já comentado Weath Maximization Revisi-
ted, onde Posner, apesar de reconhecer as críticas, continua a considerar a ética da maximização
da riqueza como sendo a única que os juízes podem fazer algo para promover28 . No entanto,
um exame mais detalhado é justificado na medida em que uma ponte entre a teoria posneriana,
aplicável ao common law de forma irrestrita, e o mundo do civil law.
O argumento de Posner é que a maximização da riqueza tem seu lugar cativo
naquelas disciplinas em que a criação do direito pelos juízes é acentuada. O foco original, sem
dúvida, é área do common law, mas também nas áreas em que o agir discricionário dos juízes é
juridicamente válido e – talvez mais importantemente – legítimo29 . Em Problemas de Filosofia
do Direito, Posner afirma a respeito deste assunto:

O juiz cuja tarefa consiste em aplicar as provisões legais relativas à respon-


sabilidade civil extracontratual, o direito contratual e de propriedade, carece
de instrumentos eficientes para proceder a uma justa distribuição de riqueza,
mesmo quando ele imagina saber como deve ser essa distribuição. Nessa ten-
tativa, ele seria ainda mais prejudicado pela ausência, em nossa sociedade, de
consenso sobre a natureza de uma distribuição justa – ausência que compromete
seriamente a aceitabilidade social das tentativas de usar o órgão judicial para
concretizar objetivos distributivos. Uma divisão sensata de trabalho atribui
ao juiz a função de criar regras e decidir casos, nas esferas regidas pelo com-
mon law, de um modo que aumente o tamanho do bolo social, e que atribua à
legislatura o papel de cuidar do tamanho das fatias30

Segundo Mathis, a referência que Posner faz à legislação é sobretudo relacionada


com a legislação tributária e à legislação afeita às transferências. Neste sentido, a exortação de
Posner poderia ser transladada para o sistema de civil law como uma exigência geral de que
o direito privado fosse guiado pelos princípios da eficiência, e o direito público, pela justiça
distributiva.
28 DUXBURY, Neil. Patterns of American Jurisprudence. Oxford: Oxford University Press, 1997., p. 405;
POSNER, Richard A. Wealth maximization revisited. Notre Dame Journal of Law, Ethics & Public Policy,
v. 2, 1985.
29 Ibid, p. 105.
30 POSNER, Richard A. Problemas de Filosofia do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2007., pp. 520-521.
80

Com efeito, em um artigo publicado na década em 1990, Kaplow e Shavell, discutem


informalmente a hipótese de que para todo sistema que possuir uma norma ineficiente que vise a
redistribuição de riqueza, existe um em que uma norma eficiente é colocada no lugar da anterior,
em conjunto com uma alteração no sistema tributário, de modo a fazer com que todas as pessoas
se encontrem em uma melhor situação com a adoção do segundo cenário.
Na primeira parte do artigo, os autores se propõem a dissecar um exemplo concreto,
lidando com as normas jurídicas que regulam as situações de acidentes. O cenário hipotético é
um sob o qual as pessoas mais abastadas devem pagar mais pelos acidentes que causam, quando
em comparação com aquelas de menos posse.
Na segunda parte, o artigo cuida de tratar os argumentos que circundam a conclusão,
em especial os efeitos distributivos, e discutem, por fim, se existiria alguma hipótese na qual seria
eficiente levar em consideração a riqueza dos envolvidos em uma determinada norma jurídica.
Por fim, os autores oferecem uma breve conclusão, e um apêndice matemático, em que é ofertada
a prova formal do que foi trazido adiante na primeira parte, num esforço indutivo de extrapolar
as conclusões contidas em um caso concreto para que se forme uma regra geral, segundo a qual:

A redistribuição é alcançada mais eficientemente através do sistema de tributa-


ção da renda do que através da utilização de regras jurídicas, mesmo quando os
tributos de natureza redistributiva distorçam o comportamento31 .

Em que pese o distanciamento dos autores “de margem” das discussões teoréticas, a
eficiência na alocação dos recursos continua sendo uma preocupação constante dos acadêmicos
que praticam análise econômica do direito. A bem da verdade, a redistribuição, em qualquer
hipótese gera ineficiência. Esta constatação está presente desde o início do artigo de Kaplow
e Shavell32 . No entanto, há situações em que, levando-se em consideração o trade-off entre
equidade e eficiência, aquela se sagrará vencedora. Mas, mesmo nos casos em que se admita a
perseguição de objetivos redistributivos por meio do direito privado, é certo que nestas hipóteses
deverá se buscar também a eficiência. A frase de Cooter e Ulen, neste sentido, é bastante
esclarecedora: “a eficiência sempre é relevante para a definição de políticas já que é melhor
atingir qualquer política dada a um custo menor do que a um custo mais alto”33 .
31 KAPLOW, Louis; SHAVELL, Steven. Why the legal system is less efficient than the income tax in redistributing
income. The Journal of Legal Studies, v. 23, n. 2, p. 667–681, 1994.. Tradução livre do original em inglês,
onde se lê: “Redistribution is accomplished more efficiently through the income tax system than through the
use of legal rules, even when the redistributive taxes distort behavior”. No mesmo sentido, v. POLINSKY,
A. Mitchell. An Introduction to Law and Economics. New York: Wolters Kluwer, 2011., p. 153-162
32 KAPLOW, L.; SHAVELL, S. Op. Cit., p. 688.
33 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito & Economia. Porto Alegre: Bookman, 2010., p. 26.
81

4.2.2 As intuições morais como teste definitivo

Como visto, a aplicação indiscriminada da ética da maximização da riqueza na


resolução de problemas sociais (e não só jurídicos) diversas vezes produz resultados conflitantes
com as intuições morais que prevalecem em determinado contexto histórico-social, como o
exemplo dado por Posner ainda em 1985: “em um sistema de maximização da riqueza, os
necessitados (...) não possuem direito sequer de obter a mínima assistência de modo coercitivo”34 .
Posner reconhece, ainda, que a maximização da riqueza decepciona aqueles que
procuram ver consagrados ao menos os direitos inalienáveis das pessoas35 . Anos depois, ao
desenvolver melhor este tema, Posner esclarece que, de maneira semelhante à moral utilitarista,
a maximização da riqueza enquanto valor ou ideal normativo trata as pessoas como se fossem
células de um mesmo organismo, significando que o bem-estar de determinada célula somente se
torna importante na medida em que promove o bem-estar de todo o organismo36 . Neste sentido:

A mamixização da riqueza implica que, se a prosperidade da sociedade puder


ser promovida por meio da escravidão de seus membros menos produtivos, o
sacrifício de sua liberdade terá sido válido. Essa implicação, porém, é contrária
às inabaláveis instituições morais norte-americanas e (...) a conformidade com
a intuição é o teste definitivo de uma teoria moral – na verdade, de qualquer
teoria37

Com essa visão do “todo”, a prosperidade da sociedade em geral poderia ser legitima-
mente alcançada com o sacrífico da liberdade dos seus membros menos produtivos, que, em prol
da maximização da riqueza, poderiam inclusive ser escravizados. Este tipo de conclusão, tomada
de “cima para baixo”, nos termos já discutidos acima, embora formalmente condizente com
os ditames da maximização da riqueza, segundo Posner, é frontalmente contrária às intuições
inabaláveis dos cidadãos americanos.
Ora, enquanto princípio moral (ou de justiça), a maximização da riqueza está sujeita
às mesmas limitações tratadas na subseção 4.2.1, acima, entre elas a incapacidade de solucionar
problemas práticos. Do embate entre uma conclusão prática obtida, dedutivamente, de um
princípio moral abrangente e uma intuição moral contrária aplicável ao caso em análise, esta
deverá prevalecer.
34 POSNER, Richard A. Wealth maximization revisited. Notre Dame Journal of Law, Ethics & Public Policy,
v. 2, 1985. p. 103.
35 Ibid. Ibidem.
36 POSNER, Richard A. Problemas de Filosofia do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2007., p. 506
37 Ibid, ibidem.
82

O problema, contudo, é que, também segundo Posner, a sociedade moderna não


possui convicções morais consistentes espalhadas por entre os indivíduos que a formam, e mesmo
um indivíduo pode possuir intuições morais conflitantes entre si ou com os princípios morais
por ele tidos como verdadeiros, mas nunca ou parcamente aplicados a casos concretos com o
objetivo de resolvê-los.
Em linhas gerais, entretanto, a maximização da riqueza estaria em harmonia com
um “grande número de diferentes convicções morais”38 , podendo fazer o papel de denominador
comum, sobretudo na sociedade americana. Parece que, neste ponto, temos um retorno parcial à
teoria econômica positiva do direito, em que a hipótese de eficiência do common law é originada
do trabalho constante dos juízes, que, sem treinamento econômico ou mesmo consciência de que
suas conclusões estavam de acordo com este critério axiológico, pareciam, ainda que de forma
limitada, obedecer à norma da maximização da riqueza.

4.2.3 A Constituição como reduto de segurança

A última limitação que se quer destacar é uma forma de limitação constitucional, e é


o resultado do desenvolvimento das implicações que a Constituição, a lei “estatutária” e os pre-
cedentes vinculantes tem na utilização da maximização da riqueza como critério axiológico. De
fato, em 1984, Posner já se referia às leis escritas, à Constituição e às decisões da Suprema Corte
americana como se restringissem a aplicação indiscriminada do princípio da maximização da
riqueza, estabelecendo um “preço” para alguns direitos. Este preço, por sua vez, serviria de base
para as análises de custo-benefício (que podem tomar o nome de “ponderação”, “razoabilidade”,
etc.) feitas a partir daí39 .
A Constituição, a legislação e os precedentes vinculantes serviriam, portanto, de
balizas para a atuação judiciária, e mais: segundo Posner, muitas das conclusões “maximizadoras
da riqueza” que seriam consideradas, desde um ponto de vista moderno, ultrajantes (como a
escravidão, a tortura e a legitimidade do linchamento, por exemplo), já se encontram superadas
pela proibição constitucional destas práticas40 .
De fato, existiriam algumas considerações referentes a alguns direitos (a liberdade
individual e a liberdade de expressão, por exemplo) que parecem “transcender as considerações
38 MATHIS, K. Op. Cit., p. 180.
39 POSNER, Richard A. Wealth maximization and judicial decision-making. International Review of Law and
Economics, v. 4, n. 2, 1984., p. 134.
40 POSNER, Richard A. Wealth maximization revisited. Notre Dame Journal of Law, Ethics & Public Policy,
v. 2, 1985., pp. 103-104.
83

de natureza instrumental”41 , tornando-os valorizados em si mesmas, sem correlação necessária


com a prosperidade que propiciam, ou pelo menos por razões outras que fogem ao cálculo
econômico.
Segundo Mathis, a simples menção ao papel limitador da Constituição seria o sufici-
ente para caracterizar a falência da maximização da riqueza enquanto teoria moral (e jurídica)
abrangente, na medida em que esta deveria ser capaz de justificar os princípios elementares
de moral e de justiça sobre os quais a Constituição se ergue42 . Mas um outro ponto pode ser
construído a partir deste papel limitador atribuído à Constituição.
É que – e não é difícil percebê-lo – os aspectos limitadores constitucionais confundem-
se, em parte, com os limites da divisão racional de poderes. Nos dizeres de Lourival Vilanova,
em uma democracia, ao menos em uma democracia constitucional, o poder está no povo. Quem
o exerce em seu nome, o faz através de “porções de competência”43 . Juridicamente, portanto, “o
povo autolimita-se através da Constituição e das leis”44 .
Estes aspectos, se levados em consideração, em uma espécie de fechamento de
um raciocínio circular, acabam por levar ao início, em que se discutiu o papel limitado da
maximização da riqueza. Seja pela “divisão de trabalho” mais eficiente, seja pela reserva de
competência, a utilização da maximização da riqueza em sua fase pragmática encontra seus
limites na Constituição, nas leis, e na vontade do povo institucionalmente organizado.

4.3 O PRAGMATISMO JURÍDICO-ECONÔMICO E A SUA APLICAÇÃO A POLÍTICAS


PÚBLICAS

Em um artigo de revista resultante da transcrição de um debate, Posner caracteriza-se


como um libertário econômico pragmático. Libertário, por acreditar em um estado mínimo,
de atuação limitada. Econômico, porque, além de não distinguir as liberdades econômicas
das políticas e pessoais, por acreditar na utilização das ferramentas da ciência econômica para
definir os contornos do estado mínimo (o Estado deve corrigir falhas de mercado). Por fim,
Pragmático, além do fato de considerar que a filosofia moral não contribui de forma significativa
para uma filosofia de governo, pela ausência de fundamento filosófico ou moral para utilização
41 POSNER, Richard A. Problemas de Filosofia do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2007., p. 509
42 MATHIS, K. Op. Cit., p. 181-182
43 VILANOVA, Lourival. Teoria jurídica da revolução. In: . Escritos Jurídicos e Filosóficos, vol. I. São
Paulo: Axis Mundi e IBET, 2003.
44 Ibid. Ibdidem.
84

da maximização da riqueza como critério axiológico45 .


A justificativa não poderia ser mais pragmática, nem mais contingente. Segundo
Posner, o conceito de governo limitado (ou de estado mínimo) defendido pela Análise Econômica
do Direito encontrava suporte, à época, no desintegrar-se dos estados comunistas, ou nas falhas
encontradas em políticas tidas como socialistas na Argentina, Israel, França e Grécia, ou mesmo
nos programas sociais experimentais46 .
Não se pretende, contudo, reconstruir à inteireza os argumentos por meio dos quais
Posner acreditava que um estado mínimo era a melhor forma de alcançar os objetivos comuns das
pessoas, o que provavelmente exigiria uma distinção meticulosa entre os tipos de libertarianismo
e uma defesa descabida do livre-mercado – coisa que nem mesmo o autor parece disposto a
fazer atualmente. No entanto, a forma com que as ideias liberais tornam-se concretas ou são
operacionalizadas muito interessam nesse ponto.

4.3.1 A racionalidade econômica (liberal) como forma de alcançar objetivos sociais

A racionalidade liberal enquanto ferramenta analítica, colocada de um ponto de


vista muito simples, retira qualquer consideração distributiva da equação47 . Sob a ótica liberal,
um dólar tem sempre o mesmo valor, independentemente de quem o possua. Por outro lado,
considerações de natureza distributiva parecem atribuir valores diferentes a cada dólar, a depender
de quem seja o proprietário da cédula.
Deixar de lado considerações distributivas traz uma vantagem analítica, segundo
Posner, na medida em que possibilita explicar o desenvolvimento do common law (como já
tratado na Seção 2), e reduz automaticamente o paternalismo estatal. Um raciocínio liberal-
pragmático também limitaria o papel do discurso dos direitos humanos em matéria de políticas
públicas48 .
Posner se volta contra o discurso dos direitos humanos por pelo menos três motivos.
O primeiro tem que ver com a porosidade dos conceitos, que podem ser elaborados de maneira a
justificar praticamente toda e qualquer política pública intervencionista. O segundo, pelo caráter
anti-democrático do discurso, na medida em que reduz a as possibilidades dos representantes
eleitos guiarem as políticas públicas. Em terceiro lugar, está o próprio conceito de “natureza” e o
45 POSNER, Richard A. Law and economics is moral. Valparaiso University Law Review, v. 24, 1989., pp.
165-167.
46 Ibid. Ibidem.
47 Ibid., p. 167
48 Ibid., p. 170 e ss.
85

seu papel enquanto guia de políticas públicas.


Com efeito, Posner critica a ideia de um estado de natureza, argumentando que a
alocação de recursos na sociedade é função da interação social dos agentes, e não fruto de um
estágio civilizacional anterior a um pacto social lockeano ou mesmo de origem teológica49 .
O argumento central, no entanto, é mesmo a inutilidade analítica do discurso moral.
Segundo Posner, a atratividade deste tipo de discurso está em disponibilizar um vocabulário por
meio do qual as pessoas podem “expressar suas visões de mundo que possuem raízes emocionais
profundas”50 , sem contudo gerar frutos analíticos. As visões de mundo devem ser levadas em
consideração, mas é preciso ir além do jogo de palavras confusas que não levam a lugar nenhum,
e que frequentemente tem, entre si, uma relação contraditória, senão de negação mútua.
Um liberalismo pragmático, portanto, prescinde de verdades absolutas e prefere
focar em razões práticas que fundamentam uma determinada visão liberal de mundo com base
em um consenso básico sobre a atuação do governo, sem deixar de levar em consideração a
opinião pública que, de tempos em tempos, encontra-se do lado contrário da balança51 .
Este estado de espírito pragmático (”pragmatic mood”, nos dizeres de Posner), é
uma espécie distinta de uma eventual aplicação constante de um pragmatismo filosófico, e seria
característico de um “pragmatismo cotidiano”, atributo de quem procura resolver problemas
utilizando-se do “senso comum”. Em contraste, um pragmático da variedade filosófica explicaria
o porquê deste procedimento fazer sentido52 . Assim, faria sentido defender a utilização de
argumentos liberais (do ponto de vista econômico) em discussões jurídicas e políticas, desde o
ponto de vista pragmático.
Para tentar ilustrar as diferenças entre uma e outra forma de argumentação, pode-se
considerar o caso da desigualdade de renda nos países em subdesenvolvimento. O tema da
desigualdade é de interesse recorrente nos debates públicos. A sua redução é, aliás, “objetivo
fundamental da República Federativa do Brasil”, nos termos do art. 3o , III, da Constituição
Federal53 .
49 Ibid., p. 171-172. Curiosamente, ao criticar o discurso dos direitos humanos, Posner se aproxima de Michel
Villey, embora parta de pressupostos completamente distintos. V., em geral, VILLEY, Michel. O direito e os
direitos humanos. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007.
50 POSNER, R. Op. Cit., p. 173
51 POSNER, Richard A. Pragmatic liberalism versus classical liberalism. The University of Chicago Law
Review, v. 71, 2004., p. 674.
52 POSNER, Richard A. Law, Pragmatism, and Democracy. Cambridge: Harvard University Press, 2003., p.
52
53 Art. 3o Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade
livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
86

A norma constitucional comentada é evidentemente programática, dependendo,


portanto, de uma integração por via legal. Não obstante, o conceito de “igualdade material” é
um lugar comum no linguajar dos constitucionalistas avant-guarde. Para além da igualdade
formal, por meio da qual todos são iguais perante a lei, o “direito geral de igualdade”, nos dizeres
de Sarlet et al, atribui prestações positivas ao Estado brasileiro, e, como tal, exigíveis pelos
cidadãos54 .
Por outro lado, pouco ou nada se avançou do ponto de vista principiológico. Perceba-
se que, ao menos do ponto de vista retórico, a redução da desigualdade deveria ter uma grande
importância política e jurídica, por sua condição de “objetivo fundamental” de um Estado.
Curiosamente, os manuais de Direito Constitucional pouco ou nada falam a respeito do assunto55 ,
e somente a existência de programas assistencialistas esparsos como o Bolsa Família, ou a
política de “aumento real” do salário mínimo fazem-nos lembrar do mandamento constitucional.
Do ponto de vista político, discute-se, em termos gerais, o nível de desigualdade que
seria considerado “justo”. O comando constitucional, neste caso, é inútil e, no limite, mesmo
ilógico: é que reduzir significar tornar algo menor. Interpretando a fortiori o texto constitucional,
a conclusão é de que o objetivo do Estado brasileiro é reduzir as desigualdades sociais e regionais
quantum satis. No limite, o objetivo constitucional somente estaria cumprido quando a riqueza
do primeiro dos primeiros seja igual a do último dos últimos, o que é evidentemente um absurdo.
O comando, como escrito, padece também de um paradoxo elementar: o paradoxo
de Zenão56 . Sem a inserção de um paradigma externo, como o tempo ou a existência de uma
linha de chegada na história de Aquiles, ou um referencial absoluto ou, ao menos razoável, é
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
54 SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012., p. 526 e ss. A própria Constituição possui diversas disposições
impositivas, enumeradas, em parte, por Sarlet et al: “igualdade entre homens e mulheres, (art. 5o , I), da proibição
de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou
estado civil (art. 7o , XXX), proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão
do trabalhador portador de deficiência (art. 7o , XXI), igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo
empregatício permanente e o trabalhador avulso (art. 7o , XXXIV), acesso igualitário e universal aos bens e
serviços em matéria de saúde (art. 196, caput), igualdade de condições para o acesso e permanência na escola
(art. 206, I), igualdade de direitos e deveres entre os cônjuges (art. 226, §5o ), proibição de discriminação em
razão da filiação (art. 227, §6o ), etc”.
55 V., por exemplo, MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constituci-
onal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012., sem qualquer menção.
56 Na fábula, o herói grego Aquiles resolve apostar uma corrida com uma tartaruga. Confiante na sua velocidade,
que lhe seria mais do que suficiente para alcançar a tartaruga, Aquiles deixa que a tartaruga largue na frente. Em
um determinado momento, Aquiles então larga em direção à tartaruga, mas nunca consegue alcançá-la, já que,
na formulação clássica do argumento, aquele que persegue deve primeiro alcançar um ponto em que a tartaruga
já esteve e, portanto, mesmo a tartaruga sendo mais lenta, deve necessariamente estar alguma distância à frente
de Aquiles.
87

evidente que o comando constitucional não é auto-aplicável, por padecer de substrato material.
A ausência de desenvolvimento desta norma programática rica em retórica não traz
surpresa, considerando os pressupostos pragmáticos de que já se tratou. Provavelmente, uma
ética formada a partir de princípios absolutos é incapaz de condenar a desigualdade como um
mal-em-si; diferentemente da pobreza, por exemplo, que, segundo a Constituição, caberia ao
Estado brasileiro erradicar. A antipatia à desigualdade talvez não passe mesmo disso: uma
aversão espontânea e irracional a uma projeção do verdadeiro problema.
De um ponto de vista liberal pragmático, as coisas se desenham de maneira substan-
cialmente diferente. Existiria, de partida, uma neutralidade em relação à desigualdade, ou talvez
até uma certa propensão a percebê-la como necessária para o bem-comum.
É que, segundo Cooter e Schäfer, o debate sobre o ponto ótimo de desigualdade
perde de vista que, sobretudo em países em desenvolvimento, os cidadãos conseguem escapar
da pobreza na medida em que seus salários aumentam. Nos países ricos, os salários seriam
mais altos “porque as pessoas são mais produtivas”, e não porque existiria menos desigualdade.
Neste sentido, a desigualdade existente, em tese, seria justificável na medida em que torna a
população em geral mais produtiva, e, ao mesmo tempo, aumenta o bem-estar social57 . Ao tratar
de políticas públicas, a conclusão a que Cooter e Schäfer chegam é que:

O crescimento econômico aumenta o bem-estar da maioria das pessoas ao


causar um aumento nos salários, e fomenta o bem-estar dos pobres residuais ao
aumentar a renda tributária para utilização em programas de transferência de
renda e de securidade social. Os efeitos de bem-estar do crescimento sustentável
ultrapassam aqueles da redistribuição, portanto o direito e a política devem
implementar o princípio da propriedade para favorecer a inovação: ’inovadores
devem reter a quantidade de riqueza que maximize a taxa de crescimento sus-
tentável tomada em uma medida compreensiva de consumo.’ A redistribuição
muitas vezes favorece o crescimento e deve ser perseguida, sobretudo a redis-
tribuição que favorece a educação e a saúde dos trabalhadores e das pessoas
pobres. Redistribuição que reduz o crescimento deve ser abandonada”.58

Trocando em miúdos, novamente nos deparamos com a ideia de “fazer crescer o


bolo”, agora aggiornata para acomodar, em uma espécie de hiato entre o direito e a economia,
57 COOTER, Robert D; SCHÄFER, Hans-Bernd. Solomon’s knot: how law can end the poverty of nations.
[S.l.]: Princeton University Press, 2012.
58 Tradução livre do original em inglês, onde se lê: “Economic growth increases the welfare of most people by
causing wages to rise, and it increases the welfare of the residual poor by increasing tax revenues for transfer
payments and social welfare programs. The welfare effects of sustainable growth overtake redistribution, so law
and policy should not sacrifice growth for the sake of equality. Rather, law and policy should implement the
property principle for innovation: ’Innovators should keep the amount of wealth that maximizes the sustainable
rate of growth in a comprehensive measure of consumption.’ Redistribution often increases growth and it
should be pursued, especially redistribution that increases the education and health of workers and poor people.
Redistribution that slows growth should be abandoned.” Cf. COOTER, Robert D; SCHÄFER, Hans-Bernd.
Solomon’s knot: how law can end the poverty of nations. [S.l.]: Princeton University Press, 2012.
88

a ideia de “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais”, de resto já há muito


conhecida dos juristas.
Como o percurso há ser trilhado é necessariamente retórico, convém destacar, em
breves linhas, o fundamento (e as consequências) da escolha da “eficiência” em detrimento da
“equidade” neste trade-off, de que já se tratou de forma tangencial acima. De partida, é preciso
que se diga que a argumentação em favor de um ou outro ponto de vista sofre de um problema
comum a ambos: assumir por verdadeiros alguns pressupostos de um modelo talvez muito
simplificado e que passa longe de representar bem o estado da arte nas Ciências Econômicas59 .
Em primeiro lugar, os efeitos futuros de uma determinada distribuição inicial de
bens seria limitada no tempo. Segundo Becker, “praticamente todas as vantagens e desvantagens
dos antepassados tendem a desaparecer em apenas três gerações”60 . Portanto, no longo prazo, a
redistribuição é contraproducente se levarmos em consideração o todo da sociedade, vez que o
fluxo de bens para aqueles que mais os valorizam é, por si só, custoso.
Em seguida, os argumentos, em suma, reproduzem as ideias de que (i) uma distri-
buição mais igualitária de renda reduziria os incentivos para o trabalho e para o investimento e
que (ii) os mecanismos utilizados para forçar uma redistribuição de renda seriam custosos em
si mesmos, como uma espécie de “balde furado”, em que uma parcela dos recursos tirados dos
ricos desapareceriam em trânsito, para utilizarmos a metáfora okuniana61 .
Um exemplo clássico de um mecanismo ineficiente é a política de salário mínimo,
cujos efeitos projetados são de muitas formas contrários aos pretendidos e incluem o aumento da
pobreza e o aumento do desemprego entre os trabalhadores menos capacitados. Muito embora o
argumento tenha perdido força ao longo das últimas décadas, em uma revisão de literatura feita
em 2006, Neumark e Wascher, analisando os resultados de 102 (cento e dois) estudos, concluem
que:

Em suma, verificamos que a literatura – quando lida de forma crítica e geral


– solidifica largamente a visão convencional de que o salário mínimo reduz
o emprego entre trabalhadores menos qualificados e sugere que o mercado
59 De resto, sobre este assunto, v. SEN, Amarty. Economics, law and ethics. In: GOTOH, Reiko; DUMOUCHEL,
Paul (Ed.). Against Injustice: The new economics of amartya sen. Cambridge: Cambridge University Press,
2009.
60 BECKER, Gary S. Human capital and the rise and fall of families. In: . Human Capital: A theoretical
and empirical analysis with special reference to education. 3a . ed. Chicago: The University of Chicago Press,
1994.
61 BERG, Andy; OSTRY, Jonathan. Equality and efficiency. Finance & Development, v. 48, n. 3, p. 12–15,
2011.
89

de trabalho envolvendo trabalhadores de baixa-renda pode ser razoavelmente


aproximado ao modelo competitivo neoclássico.62

O modelo competitivo simplificado para este caso específico pode ser descrito da
seguinte maneira. Considere que um trabalhador A “vende” o seu trabalho por um determinado
preço e que não existem custos de transação e que todas as informações sobre o empregador e o
empregado estão plenamente disponíveis.
Neste caso, o equilíbrio é atingido quando o preço de equilíbrio é igual a quantidade
de equilíbrio. Em outras palavras, o equilíbrio se dá quando ao empregador é indiferente contratar
um novo trabalhador dado um determinado nível de preço, ao mesmo tempo em que é indiferente
ao trabalhador marginal aceitar a proposta de emprego ou não.
Quando o governo estabelece um “preço” mínimo, o mercado se desloca do ponto de
equilíbrio para um ponto artificialmente alto na curva de demanda, como se pode ver na Figura 1
(onde a linha traçejada corta a curva de demanda). A descrição é como segue.
Forçosamente, o governo adota um piso salarial tal que P > PE, onde “P” é o
salário mínimo e “PE” é o preço de equilíbrio. Como consequência, diversos trabalhadores
que não estavam dispostos a trabalhar dado o nível de preço anterior, agora procuram ingressar
no mercado de trabalho (o incremento é dado por Q − QE)63 . Ocorre que, por este preço, o
empregador somente estaria disposto a contratar Q0 , representado no gráfico da Figura 1 pelo
ponto em que a linha traçejada do salário mínimo cruza a curva de demanda.
Em termos mais simples, o efeito do estabelecimento de um salário mínimo em
um mercado de trabalho competitivo é duplo, na medida em que: (i) aumenta o número de
trabalhadores que estão dispostos a trabalhar pelo preço mais alto (Q > QE); e (ii) reduz o
número de trabalhadores que os empregadores estão dispostos a contratar dado o nível de preço
mais alto (Q0 < QE). O efeito agregado é dado pela equação Q − Q0 , representado graficamente
na Figura 1 pela chave que une os pontos nos quais a linha traçejada do salário mínimo cruza as
linhas de demanda e oferta.
Do outro lado, a percepção de um salário mínimo “capaz de atender a suas neces-
sidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer,
62 Tradução livre do original em inglês, onde se lê: “In sum, we view the literature—when read broadly and
critically—as largely solidifying the conventional view that minimum wages reduce employment among
low-skilled workers, and as suggesting that the low-wage labor market can be reasonably approximated by
the neoclassical competitive model.” em NEUMARK, David; WASCHER, William. Minimum wages and
employment: A review of evidence from the new minimum wage research. [S.l.], 2006., p. 123.
63 Perceba que esta definição é plenamente compatível com a definição de “desemprego” adotada pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística em suas “Pesquisas Mensais de Emprego”.
90

Figura 1 – Efeito do salário mínimo sobre o desemprego em um mercado competitivo

Preço

Oferta
Desemprego
(excesso de mão-de-obra)

Salário mínimo

Preço de
equilíbrio

Demanda

Quantidade de Quantidade
equilíbrio

Fonte: Elaborado pelo autor

vestuário, higiene, transporte e previdência social” é um direito social dos trabalhadores urbanos
e rurais, na forma do Art. 6o , IV da Constituição Federal64 . Este direito, como também os outros
a que já nos referimos acima, é considerado um direito de “segunda dimensão”65 , que englobaria
os chamados “direitos de defesa” do cidadão frente ao Estado.
A fundamentação principiológica, novamente, é quase inexistente nas obras dos
constitucionalistas consultados. Ingo Sarlet se limita a afirmar que esta classe de direitos podem
ser consideradas:

”uma densificação do princípio da justiça social, além de corresponderem


à reivindicações das classes menos favorecidas, de modo especial da classe
operária, a título de compensação, em virtude da extrema desigualdade que
caracterizava (e, de certa forma, ainda caracteriza) as relações com a classe
empregadora, notadamente detentora de um maior ou menor grau de poder
econômico.”66
64 Curiosamente, o STF decidiu que as praças prestadoras de serviço militar inicial estariam excluídos do rol de
beneficiários, nos termos da Súmula Vinculante no 6, que diz: “Não viola a Constituição o estabelecimento de
remuneração inferior ao salário mínimo para as praças prestadoras de serviço militar inicial.”
65 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2012., p 32
66 SARLET, I. Op. Cit., p. 33.
91

Especificamente em relação ao salário mínimo, Sarlet, Marinoni e Mitidiero destacam


que é uma espécie de direito social que abarca uma certa dimensão do chamado “mínimo
existencial”67 , embora o somatório dos direitos sociais em espécie não seja igual ao conteúdo do
mínimo existencial68 . Ainda segundo os autores, o vínculo do direito ao percebimento de um
salário mínimo capaz de atender todas as necessidades previstas no art. 7o , IV da Constituição
com a ideia de “mínimo existencial” é evidente69 , aproveitando para fazer diversas referências à
Declaração Universal dos Direitos Humanos e diversos outros pactos e acordos internacionais
dos quais o Brasil é signatário.
No mesmo sentido, José Afonso da Silva coloca os “direitos relativos ao salário”
como espécie do gênero “direitos sociais relativos aos trabalhadores”, e diz que o “sistema
de salário constitui fundamental exigência para o estabelecimento de condições dignas de
trabalho”70 , que visam fixar e proteger o salário dos trabalhadores.
Mendes e Branco não tratam explicitamente da questão da fundamentação ou das
razões de ser de tal medida. É possível, no entanto, identificar a garantia do salário mínimo
como vinculada a um “sistema de proteção do trabalhador”, contendo “diretrizes dirigidas
primariamente ao legislador”71 .
O que os constitucionalistas que falam de “justiça social”, “mínimo existencial” e
“proteção do trabalhador” não dizem é como essas regras beneficiam o trabalhador não qualificado
que se encontra impedido de encontrar trabalho justamente pelo fato de existir a imposição de
um salário mínimo.
Evidentemente, não é o objetivo deste trabalho discutir a justeza do estabelecimento
de um salário mínimo ou mesmo todas as nuanças de uma discussão profunda a respeito do
assunto. O objetivo, bem menos audacioso, é somente o de demonstrar como as discussões
a respeito de políticas públicas e que incluem, de um jeito ou de outro, temas propriamente
jurídicos, podem se beneficiar imensamente da utilização de argumentos pragmáticos, de cunho
consequencialista.
Partindo da “regra de ouro” proposta por Posner, de que a maximização da riqueza
67 SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012., p. 572
68 Ibid., p. 573.
69 Ibid, p. 603.
70 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2005., p.
293-294.
71 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 7. ed. São
Paulo: Saraiva, 2012., pp. 899-900.
92

deve ser o princípio geral, “deixando ao proponente dos desvios da maximização da riqueza
o ônus da demonstração de sua conveniência”72 , explicitar os motivos pelos quais se entende
socialmente desejável o estabelecimento do salário mínimo – e de tantos outros direitos – é uma
forma de tornar o Direito mais transparente, menos esotérico e mais acessível ao questionamento
da opinião pública em geral, se esta for a sua vontade, sem que seja necessária a remissão a
inumeráveis princípios amorfos de utilidade duvidosa, do ponto de vista pragmático.
Tal regra também tem por corolário uma estratégia iconoclasta de mostrar as entra-
nhas do processo retórico em que um discurso ético sagra-se vencedor e reduz as suas crenças a
termo na forma de um dispositivo legal, ao tempo em que estimularia o jurista sair do conforto
de dar palpites sem qualquer sustentação empírica sobre qualquer assunto.

72 POSNER, Richard A. Problemas de Filosofia do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2007., p. 520.
93

5 A CONTEMPORANEIDADE DO DEBATE SOBRE EFICIÊNCIA E EVENTUAIS


DESDOBRAMENTOS PARA A TEORIA DO DIREITO
A “ascensão e queda” do eficientismo na obra de Posner foi acompanhada de perto
por diversos juristas. Acompanharam a formulação da hipótese da eficiência como pedra de
Rosetta, a explicar o funcionamento profundo do common law e o seu confrontamento com os
resultados empíricos que a efraqueceram do ponto de vista teórico, sem que contudo perdesse a
força explicativa de diversos institutos jurídicos.
Acompanharam também a formulação posneriana da eficiência como maximização
da riqueza e o seu soerguimento como parâmetro normativo e regra de justiça e as críticas
correspondentes que minaram suas bases fundamentais, e geraram o consequente abandono de
sua versão forte. Por fim, encontraram a eficiência dentre uma miríade de valores sociais, sem
qualquer superioridade em relação aos outros que não talvez a conveniência de utilizá-la como
ponto de partida para análise de escolhas normativas e de políticas públicas, dissolvendo-se em
um pragmatismo de contornos pouco precisos.
E o que resta, então, da eficiência – ou do paradigma da maximização da riqueza
– nos dias de hoje? Stigler, ainda em 1951, afirmava, partindo da obra de Adam Smith, que o
limite de especialização (da divisão de trabalho) é o tamanho do mercado1 . Ora, como vimos, a
escola da Análise Econômica do Direito conquistou um largo mercado nas escolas de direito
norte-americanas e uma relativa penetração no ambiente acadêmico europeu. Na medida em
que o mercado se expande, o nível de especialização cresce e o ponto central, talvez o ponto de
partida de todo o movimento, fica cada vez mais distante do dia-a-dia daqueles que trabalham
“na margem” da disciplina, que dedicam pouca ou nenhuma atenção aos problemas teoréticos
fundamentais da disciplina.
Pode-se atribuir isso a duas causas principais. A primeira delas é o corpo crescente e
já estabilizado de estudantes, professores e pesquisadores interessados em uma mesma disciplina,
o que permite àqueles que sobre ela escrevem, mais ou menos como as incursões de economistas
em campos normativos passam desapercebidas simplesmente porque podem apelar para “obje-
tivos geralmente aceitáveis”, ao invés de ter de defendê-los2 . A segunda, a ela relacionada, é
que, com o tempo, a estranheza que causava a utilização de ferramentas econômicas na análise
do direito foi se esmaecendo mesmo entre seus mais ferrenhos opositores, até o ponto em que
1 STIGLER, George J. The division of labor is limited by the extent of the market. The Journal of Political
Economy, p. 185–193, 1951.
2 POSNER, Richard A. Frontiers of Legal Theory. Cambridge: Harvard University Press, 2001., p. 95.
94

a utilização de termos comuns ao código da Economia acabou se tornando lugar comum no


discurso jurídico norte-americano, ainda que nem sempre assim tenha sido3 .
Saberes – ou formas de saberes – emergentes frequentemente enfrentam resistência
por parte dos estudiosos dos campos limítrofes, e com a Análise Econômica do Direito não
foi diferente. E aqueles que tratavam de defendê-la frente os seus detratores procuraram,
paulatinamente, retirar as arestas pontiagudas e pouco simpáticas que a ideia possuía na sua raiz,
oriundas, sobretudo, talvez, do radicalismo típico dos neófitos.
Se isso, de um lado, baixa a guarda dos contendores e alivia o fardo dos pesquisadores
em defendê-la no nível mais básico, por outro lado o pouco que resta de substrato comum não
possuirá mais a elegância e a clareza de antes: o argumento da eficiência, pura e simples, foi
relegado à posição de uma consideração sempre importante, mas pouco decisiva, ao mesmo
tempo em que os modelos técnicos e estudos empíricos, praticamente impenetráveis por aqueles
que não possuem treinamento, passaram a dominar as publicações especializadas4 .
Isso tudo parece ter uma relação direta com o aumento da complexidade da sociedade
e, mais ainda, dos problemas que ela enfrenta. O direito não é mais chamado apenas para dar
uma resposta sobre crimes, processos civis e penais e direitos de propriedade, mas também sobre
os problemas da desigualdade e da pobreza, sobre desenvolvimento, educação, saúde, meio
ambiente, regulamentação do mercado financeiro, entre tantos outros. Igualmente parece que
nem o instrumental tradicional jurídico, nem os elementos de base da Análise Econômica do
Direito tradicional são capazes de enfrentar estes problemas que se apresentam nos dias de hoje,
sobretudo pela necessidade de compreender-se as estruturas institucionais, econômicas, legais e
políticas destes problemas5 .
O que justificaria, portanto, o reavivamento do debate sobre eficiência econômica
nos dias de hoje? A resposta parece estar no fato de que estas discussões envolvem muito mais
políticas públicas (policy) do que direito. E mesmo nos países de common law isto significa
atribuir ao legislativo – e à legislação, de forma geral – um papel de maior importância na Análise
Econômica do Direito. Não é demais dizer que esta constatação nos leva precisamente ao ponto
3 ACKERMAN, Bruce A. Law, economics, and the problem of legal culture. Duke Law Journal, v. 1986, n. 6,
1986.
4 v. GINSBURG, Tom; MILES, Thomas J. Empiricism and the rising incidence of coauthorship in law. University
of Illinois Law Review, 2011., sobre a predominância de estudos desta natureza no Journal of Legal Studies,
um estandarte da disciplina.
5 V. WEISBACH, David A. The Future of Law and Economics. 2011. Acesso em 22 set. 2015. Disponível
em: <http://www.law.uchicago.edu/alumni/magazine/fall11/lawandecon-future>. No mesmo sentido, POSNER,
Richard A. On the receipt of the ronald h. coase medal: Uncertainty, the economic crisis, and the future of law
and economics. American Law and Economics Review, v. 12, n. 2, p. 265–279, 2010., pp.266-267.
95

de convergência em que o sistema continental de civil law parece poder aproveitar-se do rico
debate travado nos países de common law.
De nossa parte, esse passo atrás também é justificável se levarmos em conta a já
mencionada relativa imaturidade da disciplina no Brasil. E, com a soma dos dois fatores, para
além de possibilitar uma maior compreensão dos efeitos de determinada lei, hoje o desafio que
se afigura com maior peso é o da formulação e consolidação de políticas públicas por meio
do direito, cabendo a este o papel de “conservar o maior número de possibilidades”(save the
chances), não agindo como o “secretariado-geral da exatidão” a tudo vetar em absoluto, senão
consentir que outros terrenos gerenciem suas próprias tragédias6 .

5.1 ARGUMENTOS DE CARÁTER CONSEQUENCIALISTA NO DIREITO

Uma postura pragmática no direito parece ter uma etapa prévia de legitimação de
uma ética consequencialista, em pelo menos dois pontos fundamentais. O primeiro tem que ver
com a utilização de argumentos consequencialistas na formulação e na discussão de políticas
públicas, de que já tratou a seção anterior. Já o segundo, tem a ver com a utilização desta espécie
de raciocínio na resolução de problemas especificamente jurídicos (como a solução dada a um
caso pelo julgador, por exemplo). Esta seção trata deste último.

5.1.1 O pragmatismo cotidiano de Posner e o consequencialismo irrestrito

O papel instrumental de expor as consequências e implicações que uma determinada


decisão engendra, é precisamente o papel que a economia pode ocupar no direito. Posner usa
uma expressão muito feliz para este contexto: a esta característica de expor as consequências
àqueles que não possuem formação econômica, o que a análise econômica do direito faz é
provocá-los para que possam defender os valores em que acreditam7 :

“(...) o papel da economia no debate moral e político é chamar a atenção para


as consequências ou implicações que as pessoas que não dominam a economia
comumente negligenciam. O que você faz com essas conseqüências é da sua
conta. O trabalho básico do economista é lembrar-nos das consequências,
muitas vezes, embora nem sempre, adversas ou pelo menos custosas, de atos
ou práticas que de outra forma poderíamos pensar serem claramente bons ou
ruins.” 8
6 RESTA, Eligio. Diritto Vivente. Bari: Laterza, 2008.
7 POSNER, Richard A. Values and consequences: An introduction to economic analysis of law. 1998. Disponível
em: <http://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1607&context=law_and_economics>.
8 POSNER, R. Op. Cit., pp. 10-11. Tradução livre do original inglês, onde se lê: “(...) the role of economics in
moral and political debate is to draw attention to consequences or implications that people ignorant of economics
96

Falar de consequencialismo em um trabalho cujo autor-paradigma é Richard Posner


é um tanto complicado, e exige um importante caveat. É que o próprio Posner, como de resto
em relação a outros conceitos, dedica algumas páginas a afastar o seu conceito de pragmatismo
jurídico (visto na seção anterior) da rubrica de consequencialismo simples9 .
Segundo Posner, o pragmatismo jurídico não é uma forma de consequencialismo10 ,
ou, pelo menos, não consistentemente consequencialista. Não faria parte do papel do juiz questio-
nar a avaliação legislativa que motivam e animam uma determinada lei constitucional, vez que “o
propósito da lei delimita as consequências de que é apropriado aos juízes considerar11 ”. Posner
toma como exemplo a escolha do legislador entre regras12 e standards para reger determinado
assunto.
Em geral, os standards convidariam à análise de trade-offs13 , proporcionando uma
decisão que rende as melhores consequências para um caso em questão, enquanto a opção
por uma regra abrevia a consideração das consequências pelo judiciário. Assim, aceitar um
consequencialismo ilimitado, no qual um juiz, no processo de tomada de decisão, poderia arvorar-
se a competência para rever uma determinada regra somente “porque acha que as consequências
de fazê-lo seriam boas no saldo final”14 , implicaria a negativa dos benefícios da divisão de
trabalho e da separação de poderes, além do que pressupõe uma quase-onisciência por parte dos
juízes, já que “ser capaz de determinar que decisão judicial teria as melhores consequências em
termos globais exigiria o tipo de poderes de raciocínio divino que os pragmatistas ridicularizam
como sendo a ilusão dos platonistas”15 .
commonly overlooked. What you do with those consequences is your business. The basic job of the economist
is to remind us of the consequences, often though not always adverse or at least costly, of acts or practices that
we might otherwise think clearly good or clearly bad”.
9 Uma distinção, aliás, não tratada em trabalhos com foco nesta exata questão, como, por exemplo, RIEFFEL,
Luiz Reiner Rodrigues. Um mundo refeito: o consequencialismo na análise econômica do direito de richard
posner. Dissertação (Mestrado) — UFRGS, Porto Alegre, 2006.
10 POSNER, Richard A. Law, Pragmatism, and Democracy. Cambridge: Harvard University Press, 2003., p.
59-60 (p. 47 da tradução brasileira.).
11 POSNER, Richard A. Direito, Pragmatismo e Democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010., p. 53.
12 A tradução brasileira propõe “normas” como equivalente a “rules”, no texto original. Para evitar a discussão
sobre a identidade entre a norma jurídica e a regra legal, prefere-se tradução “rules” por “regras”, em geral.
13 A tradução brasileira, novamente equivocada, ao nosso ver, propõe “compensações” como termo resultante da
tradução do termo-fonte “trade-offs”. Como sequer os manuais de economia se esforçam em encontrar termo
equivalente em língua portuguesa, optamos por referenciar a palavra original, de uso decididamente consagrado.
Ademais, trade-off significa coisa diversa de “compensação”, daí a inadequação completa de sua substituição.
Por todos, vide MANKIW, N. Gregory. Princípios de Macroeconomia. 6. ed. São Paulo: Cengage Learning,
2013., p. 4-5.
14 POSNER, R. A. Op. Cit., p. 54.
15 POSNER, R. A. Op. Cit., p. 55.
97

A visão do “pragmatismo cotidiano” de que fala Posner, não seria igualmente


compreendido como uma espécie de utilitarismo, em que uma decisão judicial seria justificada
exclusivamente com base nas consequências que teria. O pragmatismo cotidiano se preocupa
com as consequências, na medida em que são importantes para tomada de decisões práticas, mas
não é vinculado a uma “norma consequencialista”. Exige, tão somente, que uma boa decisão
seja “aquela mais razoável a que os juízes podem chegar”, diante das circunstâncias em que se
encontram16 . Além disso, os juízes, em razão do princípio da vedação do non liquet, não podem
se furtar a tomar decisões “mesmo quando as consequências são incomensuráveis no sentido de
que não se pode atribuir pesos a elas”17 .
Qualificada a resistência de Posner quanto à identidade de seu pragmatismo e o
consequencialismo, resta claro, pois, que, em que pese não se tratar de uma regra absoluta, em
que as consequências tenham de ser tomadas como critério único de uma decisão qualquer,
o pragmatismo “frouxo” posneriano18 sem dúvida abre as portas para atribuição de peso às
consequências. Tomando esta situação como ponto de partida de uma definição provisória de um
consequencialismo lato sensu, passemos a analisar como as qualificações feitas por Posner se
alinham com as de uma outra disciplina contígua, a sociologia do Direito.

5.1.2 Levando as consequências a sério

Na sociologia do Direito de Luhmann, julgamentos são condicionalmente progra-


mados pelo legislador, que estabelece contigências de comportamento e de sanção na forma de
uma relação seletiva do tipo se/então19 , como um esforço para diminuir o grau de incerteza e
estabilizar as expectativas, ao reduzir a complexidade de determinadas matérias e permitir a sua
resolução através de julgamentos previsíveis.
Ao atribuir ao legislador a competência para definir programas, Luhmann distancia
duas atividades correlacionadas em um ambiente de indiferenciação: as decisões que definem
programas são tomadas através da legislação, enquanto as decisões que aplicam o direito seriam
“julgamentos programados”, com base no texto legal, tornando a legislação (os “programas
16 POSNER, R. A. Op. Cit., p. 262
17 POSNER, R. A. Op. Cit., p. 263.
18 A expressão é de Macedo Jr., trazida em seu JÚNIOR, Ronaldo Porto MACEDO. Posner e a análise econômica
do direito: da rigidez neoclássica ao pragmatismo frouxo. In: LIMA, Maria Lúcia L. M. Pádua (Ed.). Agenda
contemporânea: direito e economia: Trinta anos de brasil. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 1, p. 262–279.
19 LUHMANN, Niklas. Direito positivo. In: . Sociologia do Direito II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
1985.
98

condicionais”) em algoritmos automatizáveis20 . Segundo Mathis, portanto, Luhmann rejeita o


consequencialismo no direito como sendo um risco à autonomia dogmática, propondo ainda que
seja retirado dos juízes o jugo de responsabilizar-se pelas consequências de um determinado
julgamento21 .
Segundo Luhmann, a sustentação de uma decisão não é relacionada com as suas
possíveis consequências, mas tem como uma referência a própria vigência da norma, que pode ser
sempre modificada por uma forma de controle paralela: através da legislação, pode-se modificar
programas condicionais. Segundo Luhmann,

Isso desafoga o juiz da necessidade de examinar todas as consequências valora-


tivamente relevantes da sua decisão, todas as probabilidades futuras, de verificar
a propriedade dos recursos e das alternativas à disposição e de avaliar valora-
tivamente suas consequências secundárias, ou seja: libera-o de considerações
decisórias, cuja complexidade, dificuldade e necessidade de simplificação nos é
demonstrada pela teoria decisória da economia moderna.22

Mathis chama a esse problema de sobrecarregamento das cortes23 , definindo as suas


características em dois níveis: o cognitivo e o normativo. A respeito do argumento geral sobre o
sobrecarregamento cognitivo, Posner estabelece a necessidade (inatingível) de uma capacidade
de raciocínio quase divina somente para identificar todas as consequências que uma determinada
decisão poderia ter24 . Mesmo que superada este primeiro obstáculo, as consequências precisam
ser avaliadas em uma segunda etapa, quando surge ainda outro par de situações difíceis.
A primeira delas ocorreria quando as consequências identificáveis podem trazer
consigo tanto um julgamento positivo quanto negativo, e ambos sejam igualmente sustentáveis.
A segunda, tem que ver com os casos em que as consequências de determinada decisão têm
efeitos positivos em uma parcela da população relevante e negativos em outra. Some-se a
isso tudo, o fato de que as decisões judiciais deveriam ser tomadas em uma janela de tempo
razoável25 .
Todos essas dificuldades práticas e instrumentais, segundo Mathis, muito embora
possam enfraquecer a aplicabilidade irrestrita de uma “norma consequencialista”, não devem
20 LUHMANN, N. Op. Cit., p. 30.
21 MATHIS, Klaus. Consequentialism in law. In: Efficiency, Sustainability, and Justice to Future Generati-
ons. [S.l.]: Springer, 2012. p. 3–29., p. 5.
22 LUHMANN, Op. Cit., p. 31.
23 MATHIS, K. Op. Cit., p. 6
24 Mesmo que apenas um parâmetro seja escolhido, como a eficiência, por exemplo, esse sobrecarregamento
existiria. V. a subseção 3.4.1, acima.
25 Determinação, aliás, que deixou de ser uma máxima da economia processual e passou a ser direito assegurado
constitucionalmente, na forma do Art. 5o , LXXVIII da Constituição da República de 1988.
99

conduzir ao abandono total das análises de impacto: “o objetivo é conduzir as análises de impacto
até onde for possível”26 , no que se aproxima da definição de pragmatismo cotidiano de Posner.
Além disso, parece evidente que a autonomia sistêmica absoluta do direito carrega
consigo alguns perigos. Citando Esser, Mathis pondera que a proibição de qualquer reflexão crí-
tica por parte do julgador por meio de um isolamento ideológico e de uma compartimentalização
autônoma, coloca o direito à mercê de manipulações políticas27 . Mathis ainda considera que a
visão de Luhmman é atrasada, e estaria baseada na ideia montesquiana do juiz-boca-da-lei, e que
a aplicação do direito não é um “programa” pronto para ser implementado na forma de algoritmo,
como quis Luhmann, na medida em que as mesmas pessoas responsáveis pela aplicação do
direito também criam direito28 .
Um outro lado das críticas ao consequencialismo lato sensu é bem representado
por Dworkin. Em Levando os Direitos a Sério, no capítulo dedicado à solução dos hard cases,
aqueles casos em que a solução não é claramente ditada pela lei ou pelos precedentes, Dworkin
estabelece uma distinção entre princípios e políticas (no sentido de policy)29 , advogando pela
utilização exclusiva de princípios em detrimento de argumentos baseados em objetivos políticos,
já que estes argumentos seriam de uso exclusivo do legislador30 .
Neste famoso capítulo, derivado de um paper anterior, publicado na Harvard Law
Review em 197531 , Dworkin esboça a tese da “única decisão correta”, segundo a qual as
cortes podem e devem encontrar o único julgamento possível (e correto). Esta resposta correta,
mesmo nos casos mais difíceis, poderia ser encontrada por um juiz com características hercúleas,
“de capacidade, sabedoria, paciência e sagacidade sobre-humanas”32 . A situação desenhada
26 MATHIS, K. Op. Cit., p. 7
27 ESSER, Jossef. Apud MATHIS, K., Op. Cit., p. 7.
28 O argumento de compartimentalização, aliás, foi atacado em diversas frentes. No campo próprio da filosofia
do Direito, a discussão parecer repousar no locus de legitimação das regras jurídicas aplicáveis. Seja pela norma
pressuposta e exclusivamente formal a sustentar qualquer compreensão do ordenamento jurídico, como quer
Kelsen, seja pelo recurso a uma norma de segundo nível, como quer Hart, a formulação própria do positivismo
jurídico deriva a validade de determinada norma tão somente pelo fato de estarem inseridas no ordenamento
jurídico por meios de vias previstas anteriormente. Assim, deposto todo conteúdo material, o direito sobreviveria
tão-somente da forma. Se a isso tomássemos como paradigma absoluto, o juiz-boca-da-lei e a previsão de
“programas condicionais” não seriam capazes de afastar a aplicação daquelas leis “extraordinariamente injustas”
de que fala Radbruch. V. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1998., p. 24 e
passim e HART, Herbert LA. The Concept of Law. London: Oxford University Press (Clarendon), 1961.
29 DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002., p. 129: “Os argumentos
de política justificam uma decisão política, mostrando que a decisão fomenta ou protege algum objetivo coletivo
da comunidade como um todo. (...) Os argumentos de princípio justificam uma decisão política, mostrando que
a decisão respeita ou garante um direito de um indivíduo ou de um grupo”.
30 DWORKIN, R. Op. Cit.
31 DWORKIN, Ronald. Hard cases. Harvard Law Review, v. 88, n. 6, p. 1057–1109, 1975.
32 DWORKIN, R. Op. Cit., p. 165.
100

permitiria, portanto, chegar à seguinte conclusão: se um juiz acredita que o direito é incompleto,
incoerente ou impreciso, a culpa reside nas suas capacidades intelectuais limitadas, e não em
uma suposta imperfeição do direito33 .
Se, portanto, um juiz, ao decidir um caso concreto, se valesse de argumentos de
política, estaria, segundo a descrição que faz Hart da teoria de Dworkin, “pisando em terreno
proibido, reservado ao legislativo eleito”, na medida em que o direito estabelece aquilo a que as
pessoas têm direito em matéria de justiça distributiva, “e não aquilo a que deveriam ter porque
seria do interesse público que o tivessem”34 .
Dworkin justifica a sua posição com base em três argumentos centrais, descritos de
forma apropriada por Mathis:

“De acordo com o argumento democrático, os juízes não são geralmente eleitos
pelo povo, ou pelo menos não respondem perante o eleitorado da mesma
maneira que o legislativo, e, consequentemente, não estão legitimados a produzir
novos direitos. No argumento de retroatividade, Dworkin aponta que seria um
absurdo se uma parte fosse vencida em um ação em virtude da quebra de um
dever que somente lhe foi imposto ex post facto. Finalmente, Dworkin teme
que a admissibilidade de argumentos de política resultaria em uma perda de
coerência no julgamento. A aplicação do direito no caso de argumentos de
princípio deve estar em harmonia com os casos anteriores, o qual garante um
igual tratamente, argumenta ele, enquanto que a satisfação de objetivos políticos
particulares não necessariamente requerem um tratamento igual”. 35

Em resposta a este modelo, Hart pondera que um juiz, ao se deparar com um novo
caso, deve procurar um princípio que explique não só o caso em tela, mas também os casos
passados da mesma espécie, e que é provável que um juiz irá encontrar diversos princípios que
expliquem os casos anteriores e que dêem, cada um, uma nova solução ao presente caso, e que a
exclusão postulada por Dworkin é parte de sua hostilidade frente ao utilitarismo36 .
No mesmo sentido, Kelsen já havia se posicionado a respeito desta ficção de que
uma norma jurídica somente possuiria um único sentido correto37 . De maneira complementar,
33 MATHIS, K. Op. Cit., p. 8.
34 HART, Herbert L. A. American jurisprudence through english eyes: the nightmare and the noble dream.
Georgia Law Review, v. 11, 1976., p. 141
35 MATHIS, K. Op. Cit., p. 9. Tradução livre do original inglês, onde se lê: “According to the democracy
argument, judges are not generally elected by the people, or at least are not answerable to the electorate in the
same way as the legislature, and consequently they are not legitimized to make new law. In the retroactivity
argument, Dworkin points out that it would be an outrage if a party lost an action for breaching a duty that had
only been imposed upon them ex post facto. Finally, Dworkin fears that the admissibility of policy arguments
would result in a loss of coherence in adjudication. Application of law in the case of principles arguments must
be in harmony with previous cases, which guarantees equal treatment, he argues, whereas the achievement of
particular policy goals does not necessarily require any such equal treatment”.
36 HART, Herbert L. A. American jurisprudence through english eyes: the nightmare and the noble dream.
Georgia Law Review, v. 11, 1976., p. 141
37 KELSEN, H. Op. Cit., p. 396: “A interpretação jurídico-científica tem de evitar, com o máximo cuidado,
101

MacCormick considera que princípios e políticas são dois lados da mesma moeda, na medida em
que os valores positivados no ordenamento jurídico na forma de princípios são uma expressão
das políticas que prevaleceram em determinado momento38 .
Por fim, em Kelsen retornamos ao ponto de onde partimos, isto é, que os argumentos
consequencialistas têm lugar no raciocínio jurídico na medida em que a legislação assim o
faculta. Ao tratar do caráter político do exercício da jurisdição, Kelsen diz:

Na medida em que o legislativo autoriza o juiz a avaliar, dentro de certos limites,


interesses contrastantes entre si, e decidir conflitos em favor de um ou outro,
está lhe conferindo um poder de criação do direito, e portanto um poder que dá
à função judiciária o mesmo caráter “político” que possui - ainda que em maior
medida - a legislação. Entre o caráter político da legislação e o da jurisdição há
apenas uma diferença quantitativa, não qualitativa.39

Posner trata a teoria pura kelseniana como compatível com o pragmatismo, na


medida em que o conceito de direito não possui conteúdo. Dando ênfase irrestrita ao aspecto
jurisdicional, de repartição de competências, Kelsen reconhece, segundo Posner, que “às vezes a
única lei preexistente que um tribunal pode aplicar para decidir um processo é a lei que confere o
poder de decisão ao tribunal”40 , em especial nas “áreas amplas de arbítrio explícito num sistema
jurídico”41 .
Ora, se o direito não possui conteúdo, e é puramente legitimado pela forma, o que
legitima o processo de tomada de decisão de um juiz é o próprio fato de ser juiz e não a justeza
de uma “forma distinta de raciocínio”42 Ao quebrar o vínculo sagrado entre o direito substantivo
e a substância das decisões judiciais, Kelsen:

(...) implicitamente libera os juízes para usarem a economia e outras ciências


sociais – e quaisquer outras fontes de percepção nas consequências práticas de
regras e decisões –, deixando claro que a lei não dita o resultado das decisões
judiciais. Derivar normas jurídicas novas de materiais fornecidos por campos
externos ao direito em seu sentido profissional estreito é uma das coisas que o
juiz faz43 .

a ficção de que uma norma jurídica apenas permite, sempre e em todos os casos, uma só interpretação: a
interpretação ’correta’. Isto é uma ficção de que se serve a jurisprudência tradicional para consolidar o ideal
da segurança jurídica. Em vista da plurissignificação da maioria das normas jurídicas, este ideal somente é
realizável aproximativamente”.
38 MACCORMICK, Neil. Argumentação Jurídia e Teoria do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2006., p.
343: “(...) as esferas do princípio e da política não distintas e mutuamente opostas, mas irremediavelmente
entrelaçadas(...). Expressar a conveniência de alguma meta geral de política é enunciar um princípio. Enunciar
um princípio é estruturar uma possível meta política”.
39 KELSEN, Hans. Quem deve ser o guardião da constituição. In: . Jurisdição constitucional. São Paulo:
Martins Fontes, 2003., p. 251.
40 POSNER, Richard A. Direito, Pragmatismo e Democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010., p. 208.
41 POSNER, R. Op. Cit., p. 210.
42 Ibid. Ibidem.
43 Ibid. Ibidem.
102

5.1.3 O uso pragmático da razão prática e a prática do consequencialismo restrito no


Direito

Deve estar claro, a esta altura, que uma rejeição peremptória da utilização de ar-
gumentos consequencialistas no direito é infundada. Senão por outro motivo qualquer, pelo
fato de que o ato de julgar não raras vezes se reveste de um caráter verdadeiramente criador do
direito, sendo “impossível manter uma separação estrita entre argumentos jurídicos e argumentos
políticos”44 .
Ainda segundo Mathis, sempre que o aplicador do direto cria direito, é como se
funcionasse em um modo diferente, a que Mathis chama de modo legislatoris. Nesta situação,
em que o juiz cria o direito, é que o véu dos programas condicionados luhmannianos cairiam, e
o juiz chegaria mais perto de assumir a responsabilidade pelas consequências de sua decisão.
Em outras palavras, a diferenciação do processo decisório deixa de existir e a distância entre a
aplicação do direito e a formulação de regras genéricas tende a zero.
O juiz responderia pelas consequências de sua decisão como se legislador fosse. É
evidente que, nestes casos, o julgador deve fazer o mesmo esforço em executar as avaliações de
impacto de sua decisão. Este dever é tanto maior quanto mais abrangente o alcance de sua decisão.
Assim, o julgador deve atentar tanto para as consequências reais de micronível (aquelas que
atingem as partes diretamente afetadas pelo julgamento) quanto para as consequências reais de
macronível (aquelas que atingem toda a sociedade), e sobretudo, no caso do direito, com o efeito-
precedente de sua decisão, que engloba não só uma possível reverberação do mesmo racional
decisório para outros casos semelhantes, mas também compreende, no precedente, a função do
controle de expectativa daqueles que sequer possuem processos pendentes de julgamento45 .
Parece, ademais, que a forma do discurso adotada, o tipo de resposta, deve fugir da
mera referência usual a uma regra ou um princípio qualquer de contornos e bases imprecisas
e duvidosas. O terminus ad quem do discurso, para usarmos a expressão de Habermas46 ,
neste caso, exige honestidade e transparência absoluta em relação ao substrato sobre o qual se
baseia a decisão. Quem decide, deve ter sempre em mente que o seu papel envolve facilitar o
entendimento e a discussão de sua decisão em um cenário democrático, e que, neste caso, a
valoração das consequências passaria ser o próprio fundamento decisório.
44 MATHIS, K. Op. Cit., p. 18.
45 MATHIS, K. Op. Cit., pp. 3-4.
46 HABERMAS, Jürgen. Para o uso pragmático, ético e moral da razão prática. Estudos avançados, v. 3, n. 7, p.
4–19, 1989.
103

Em um consequencialismo restrito e pragmático, enfim, o abandono da forma


jurídica em favor da análise de impacto, do disclosure dos fins pretendidos, das preferências
e da utilização de outros saberes, teóricos ou empíricos – assim como deveria acontecer em
uma discussão legislativa ou regulatória – talvez sirva não só para melhorar a qualidade dos
julgamentos em si, mas também para “aumentar a legitimidade da aplicação do direito”47 .
Ao longo do século XX, os Estados Unidos testemunharam o surgimento do chamado
Estado Ativista. Ackerman sustenta que o New Deal de Roosevelt precipitou diversas mudanças
na cultura jurídica norte-americana, fazendo com que os juristas abandonassem a sua postura
anteriormente reativa e passagem a ter uma postura ativista, que rejeita a legitimidade do status
quo gerado pelo livre mercado e pugna pela intervenção estatal para melhoria do bem-estar social
e econômico48 .
No Brasil, essa mudança na cultura jurídica, segundo Pargendler e Salama, tem ori-
gem no progressismo típico do regime getulista, em que restou consagrado o uso instrumental do
direito por meio do chamado Estado Regulatório. Além da juridificação de áreas anteriormente
estranhas ao direito, o progressismo propõe a substituição do “government by law” por um
“government by policy”, que apresenta ao jurista problemas cujas soluções exigem habilidades
outras que ultrapassam o seu conhecimento jurídico adquirido de forma tradicional, na medida
em que os debates judiciais passam a centrar-se cada vez mais em questões finalísticas49 .
Some-se a isso a ascensão do “Poder Judiciário à condição de ente ativo na formu-
lação da política pública”50 em diversos países ocidentais e mais ainda no Brasil a partir da
Constituição da República de 198851 , bem como a explosão (em quantidade e em importância)
de princípios, cuja aplicação depende, muitas vezes, de uma análise dos possíveis efeitos de um
ou outro regramento jurídico52
Tudo isto leva o Poder Judiciário a, voluntariamente ou não, frequentemente se posi-
cionar sobre a adequação de certos meios jurídicos aos fins normativos subjacentes, demandando
cada vez mais a produção de estudos que articulem, de um lado, as possibilidades interpreta-
47 MATHIS, K. Op. Cit., p. 19.
48 ACKERMAN, Bruce A. Reconstructing American Law. Cambridge: Harvard University Press, 1983.
49 PARGENDLER, Mariana; SALAMA, Bruno. Direito e consequência no brasil: em busca de um discurso
sobre o método. Revista de Direito Administrativo, v. 262, jan 2013., pp. 109-115.
50 PARGENDLER, M.; SALAMA, B. Op. Cit., p. 115.
51 Ibid. Ibidem, p. 116.
52 Ibid., p. 117-119. No mesmo sentido, embora em uma análise menos robusta, v. BARBOSA, Bruno Sarmento.
A análise econômica do direito segundo richard posner: o eficientismo como alternativa ao método subsuntivo
e à ponderação de princípios constitucionais tributários. In: V Congresso Anual da Associação Mineira de
Direito e Economia. [S.l.: s.n.], 2013.
104

tivas de determinado comando legal com as repercussões práticas de cada uma delas53 . Esta
necessidade não só tem sido reconhecida54 , mas inclusive gerou novos institutos direcionados
especificamente a oficializar a prática. Como bem apontam Pargendler e Salama, são bons
exemplos:

1. a previsão realização de audiências públicas em sede de julgamento de ações diretas de


inconstitucionalidade ou de constitucionalidade55 , e, a partir de 2016, com a entrada em
vigor do Novo Código de Processo Civil, também nos Incidentes de Resolução de De-
mandas Repetitivas e nos Recursos Extraordinário e Especial Repetitivos(respectivamente
previstos nos Artigos 976 e 1.036 da Lei 13.015/2015); e
2. a chamada “análise de impacto regulatório”, que vem ganhando espaço no Brasil, no-
tadamente mediante a realização, pelas Agências Reguladoras, de Audiências Públicas
para obtenção de subsídios para alteração de seus respectivos regulamentos, a exemplo da
Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, que inclusive disponibiliza os vídeos das
audiências mais recentes realizadas através da Internet.
Ainda segundo Pargendler e Salama, fatores como (i) o triunfo do progressivismo,
(ii) a centralidade do Poder Judiciário no arranjo político e (iii) a modificação na cultura jurídica
decorrente da utilização crescente de princípios em vez de regras jurídicas tendem a estimular
a demanda por argumentos consequencialistas. Se o campo de jogo do Judiciário brasileiro se
provará fértil para argumentos consequencialistas no médio e longo prazo, o tempo dirá. En-
quanto isso, diante da necessidade premente traduzida inclusive em institutos jurídicos próprios,
falta ainda uma maior grau de conscientização quanto à responsabilidade do julgador na criação
do direito, bem como um comprometimento absoluto quanto à valoração das consequências
identificadas, nos termos já discutidos acima.
A recomendação central, por fim, permanece a mesma: que as técnicas advindas
das Ciências Econômicas sejam utilizadas para possibilitar “uma análise de custo benefício
das condutas regulamentadas pelas leis”, naquelas áreas em que os textos legais se limitam a
criar balizamentos de caráter geral56 , sobretudo diante de uma incipiente cultura nacional de
precedentes que ganha forças com a entrada em vigor do art. 927 do Novo Código de Processo
53 Ibid., p. 127 e ss.
54 V. os vários exemplos trazidos por PARGENDLER, M.; SALAMA, B. Op. Cit.
55 Op. Cit., p. 127-128.
56 POSNER, Richard A. Prefácio à edição brasileira. In: . A Economia da Justiça. São Paulo: WMF
Martins Fontes, 2010., pp. XIV-XVI.
105

Civil.

5.2 MACROECONOMIA E ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO

Até agora, tratou-se sobretudo da corrente principal da Análise Econômica do Direito,


que trabalha com os pressupostos e ferramentas da Microeconomia a partir da aplicação do
pressuposto de racionalidade dos agentes econômicos para explicar o comportamento destes
agentes em contextos não-mercadológicos.
No entanto, um novo foco de pesquisa, que apenas dá a conhecer os seus contornos,
tem que ver com as interações entre os sistemas jurídicos e a macroeconomia57 . A utilização da
macroeconomia na análise do direito esbarra, entretanto, em uma série de dificuldades, dentre
elas a ausência de uma robustez teórica quanto aos seus fundamentos58 .
Enquanto a análise microeconômica parte de uma série de pressupostos geralmente
aceitos e que formam um substrato de conhecimento sobre o qual é possível dialogar e formar
hipóteses robustas e palatáveis59 , o mesmo não se pode dizer da macroeconomia. Com efeito,
embora os fundamentos teóricos para utilização daquele tipo de análise não tenham escapado de
duras críticas, o ponto problemático sempre gravitou em torno das dificuldades de sua aplicação.
Por outro lado, uma análise macroeconômica do direito traz consigo as mesmas dificuldades
teoréticas de sua “ciência-mãe”60 , a Macroeconomia.
A Macroeconomia é o ramo das Ciências Econômicas que trata dos fenômenos
que englobam toda a economia, “incluindo inflação, desemprego e crescimento econômico”61 .
Evidentemente, ambos subcampos estão ligados umbilicalmente, já que o resultado agregado é
resultado das decisões de milhões de pessoas, sendo impossível, na prática, compreender verda-
deiramente o resultado agregado sem antes considerar as inúmeras decisões microeconômicas
subjacentes. Ocorre que, se quiséssemos aplicar a macroeconomia ao Direito, um questionamento
inevitável seria: “que macroeconomia?”62
Como assuntos relacionados à macroeconomia são aqueles que normalmente apare-
57 BECKER, Gary S; POSNER, Richard A. The Future of Law and Economics. 2011. Acesso em 02 jan. 2016.
Disponível em: <http://www.law.uchicago.edu/alumni/magazine/fall11/lawandecon-future>.
58 SALAMA, Bruno Meyerhof. The art of law & macroeconomics. 2013. University of Pittsburgh Law
Review, v. 74, n. 2., p. 8.
59 Sendo posível identificar, em certa medida, a formação de um corpo de uma ciência normal, no sentido
utilizado em KUHN, Thomas S. A Estrutura das Revoluções Científicas. São Paulo: Perspectiva, 2013.
60 SALAMA, B. M. Op. Cit., p. 9-11.
61 MANKIW, N. Gregory. Princípios de Macroeconomia. 6. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2013., p. 28.
62 KELMAN, Mark. Could lawyers stop recessions? speculations on law and macroeconomics. Stanford Law
Review, p. 1215–1310, 1993.
106

cem no noticiário, não é nenhuma surpresa a afirmação de que os economistas divergem bastante
entre si, sobretudo quando se trata de fazer previsões. Regra geral, esta dissonância se deve a
dois fatores, um positivo e outro normativo.
Do ponto de vista positivo, os economistas podem divergir quanto à aceitabilidade
de um ou de outro modelo existente para explicar o funcionamento do mundo ou quanto à
importância dada a determinado parâmetro ou mesmo sobre a relação entre as diversas variá-
veis econômicas consideradas em determinado modelo. Como a testabilidade das hipóteses
macroeconômicas é altamente discutível63 , problemas de aplicabilidade frequentemente tornam
a ser problemas teóricos, e uma espécie de “ideologia epistemológica”64 , esta desconfiança
frequentemente contamina as análises normativas de políticas públicas.
Para exemplificar estas dificuldades, faz-se referência à análise do salário mínimo
levada a cabo na subseção 4.3.1, acima. Daquele exemplo, resta claro que, do ponto de vista
microeconômico, o estabelecimento de um piso salarial aumenta o desemprego marginal. Do
ponto de vista macroeconômico, o efeito parece ser o aumento no desemprego entre trabalhadores
jovens e não-qualificados, conclusão com que 79% dos economistas profissionais alcançados por
uma pesquisa realizada nos Estados Unidos em 1992 concordavam65 .
E os 21% vencidos, o que têm a dizer? Do ponto de vista positivo, em primeiro
lugar, que, ao contrário do que a análise microeconômica sugere, a existência de um piso salarial
tem um efeito desprezível no desemprego agregado66 . Neste contexto, a diferença entre o efeito
esperado e o encontrado no estudo de Schmitt pode ser explicada, como propõe o autor, pela
ênfase exacerbada na empregabilidade do trabalhador marginal, quando, na prática, o efeito de
um aumento de salário dos trabalhadores menos qualificados seria pequeno quando considerado
o custo total de operação das empresas. Além disso, as empresas possuiriam outras formas de
ajuste, dentre elas a redução no turnover67 , a melhora na eficiência organizacional68 , a redução
dos salários daqueles que ganham mais69 e, por fim, um aumento modesto nos preços dos
63 Principalmente se se leva em consideração, dentre outros fatores, o tempo e abrangência necessários para
confirmar ou rechaçar determinada previsão.
64 SALAMA, B. M. Op. Cit., p. 13.
65 ALSTON, R. M.; KEARL, J. R.; VAUGHN, M. B. Apud MANKIW, G. Op. Cit., p. 34
66 V., por exemplo, SCHMITT, John. Why does the minimum wage have no discernible effect on employment?
Center for Economic and Policy Research, v. 22, p. 1–28, 2013.
67 Termo muito utilizado em Administração, significa o controle estatístico de quantos trabalhadores saíram da
empresa e geraram a necessidade de contratação para preenchimento das vagas.
68 Oriunda, talvez, da teoria dos salários de eficiência, segundo a qual a oferta de salários acima do nível de
equilíbrio pode aumentar a eficiência dos trabalhadores de determinada empresa.
69 Mesmo considerando o princípio da irredutibilidade do salário no direito brasileiro, o mesmo efeito poderia ser
alcançado mediante o “congelamento” dos salários.
107

produtos e serviços ofertados pela empresa.


Em segundo lugar, do ponto de vista normativo, repetem-se os argumentos delineados
por Sarlet, Silva e Mendes, já tratados na subseção 4.3.1, com o destaque de que o salário mínimo
seria um mecanismo de proteção do trabalhador que não possui poder de barganha suficiente para
assegurar a percepção de um salário que possibilite o mínimo de subsistência sem a necessidade
do amparo direto do Estado.
Divergências positivas e normativas como estas podem ser encontradas em virtual-
mente todos os subcampos que compõem a Macroeconomia, como regulamentação do comércio
exterior, regime de câmbio, subsídios para determinados setores da economia, política fiscal,
distribuição de renda, inflação, desemprego, etc. Em razão da ausência de um consenso mí-
nimo quanto às questões fundamentais, argumenta Salama, argumentos econômicos de viés
macroeconômico utilizados em um contexto jurídico se transformam em argumentos de segunda
classe70 , em franco prejuízo de sua atratividade. Como resultado, conclui que “o tipo de projeto
científico que caracteriza a Análise (Micro)econômica do Direito não pode ser prontamente
replicado em uma Análise Macroeconômica do Direito”71 .
O fato de que a robustez e a abrangência potenciais de uma Análise Macroeconômica
do Direito empalidecem quando comparadas com uma já estabelecida Análise Microeconômica
do Direito não deve servir de argumento para matá-la no berço. Pelo contrário, a “miopia” dos
analistas microeconômicos do direito levaram a uma lenta72 e insatisfatória reação destes à crise
financeira de 2007-2008 nos Estados Unidos.
O próprio Posner admite o enjeitamento de considerações de natureza macroeconô-
mica antes da crise73 por parte dos analistas econômicos do direito, que pouco, ou mesmo nada,
têm a dizer sobre como remediar uma recessão, mitigar seus efeitos ou mesmo prevenir a sua
recorrência.
Este desinteresse era justificável, ao menos em parte, em um contexto em que os
ciclos de negócio eram um espetáculo à parte74 , com os efeitos macroeconômicos não sendo
70 SALAMA, B. M. Op. Cit.
71 Ibid. Ibidem. Tradução livre do original inglês, onde se lê: “As a result, the kind of scientific project that
characterizes Law & (Micro)economics is not readily replicable with Law & Macroeconomics”.
72 BECKER, Gary S; POSNER, Richard A. The Future of Law and Economics. 2011. Acesso em 02 jan. 2016.
Disponível em: <http://www.law.uchicago.edu/alumni/magazine/fall11/lawandecon-future>.
73 POSNER, Richard. How i became a keynesian: Second thoughts in the middle of a crisis. The New Republic,
v. 23, 2009.
74 LISTOKIN, Yair. Law and Macroeconomics. 2014. Acesso em 15 jan. 2016. Disponí-
vel em: <http://law.stanford.edu/wp-content/uploads/sites/default/files/event/719308/media/slspublic/Yair%
20Listokin%20-%20Law%20and%20Macroeconomics.pdf>., p. 2.
108

uma “alternativa relevante” no contexto da disciplina. A reboque a crise financeira de 2007-2008


e, entre nós, da recessão que se apresenta no Brasil desde 2015, os efeitos agregados não poderão
ser mais ignorados.
Não se tratará, especificamente, de quais pontos, cuja fundamentação e desenvol-
vimento, incluindo a revisão de uma literatura específica, ultrapassa, e muito, o escopo do
presente trabalho. O objetivo é chamar atenção ao substrato comum presente a discussões desta
natureza: toda intervenção macroeconômica tem consequências distributivas e, sujeita como
está ao controle de legalidade, é passível de ser discutida do ponto de vista jurídico. Aí entram
em cena argumentos consequencialistas macroeconômicos, dos quais aqueles que se propõem a
fazer análise econômica do direito não poderão se furtar.
Como visto, enquanto interseção de dois campos de saberes, o movimento Direito &
Economia tem sido, em larga medida, caracterizado por uma análise microeconômica do direito.
Esta subseção debate, brevemente, o intercâmbio possível entre o Direito e a Macroeconomia
como uma via de mão dupla.

5.2.1 As interseções entre Direito e Macroeconomia

A divisão entre micro e macroeconomia é uma linha tênue. O resultado agregado


de diversas decisões tomadas em um nível micro pode ter consequências sistêmicas (como, por
exemplo, o efeito agregado do estabelecimento de um salário mínimo, já tratado acima), mas
não existe uma relação necessária entre uma e outra coisa. Também os sub-ramos da ciência
econômica frequentemente oferecem explicações parciais e frequentemente contraditórias entre
si.
O fato é que as leis e a regulamentação estatal possuem, potencialmente, implicações
macroeconômicas que devem ser levadas em consideração no desenho institucional destas regras.
Se determinada lei ou política satisfaz as exigências de eficiência econômica ou mesmo de
maximização da riqueza levadas a cabo por uma análise microeconômica, mas é prejudicial do
ponto de vista macroeconômico – ainda que em um contexto específico –, é possível argumentar
contra a adoção ou mudança do paradigma legal vigente. E mesmo que, ao final, decida-se que os
efeitos macroeconômicos devem ser desconsiderados para conformação do desenho institucional,
estes efeitos devem ser incluídos como alternativa relevante, ou seja, deixados de lado com base
em uma escolha informada75 .
75 LISTOKIN, Y. Op. Cit., p. 2.
109

A influência de uma análise macroeconômica no contexto jurídico serviria, nivelando


por baixo, para conscientizar os operadores do direito e, mais ainda, os analistas econômicos do
direito de que as atividades humanas se desenvolvem dentro de um contexto de uma empresa
humana coletiva, um “todo” maior do que a soma de suas partes.
Nesta empreitada, não parece razoável chegar ao extremo de propor uma espécie
de “política adjudicatória anticíclica” como propõe Listokin, segundo a qual os juízes tenham
a incumbência de proferir julgamentos que resultem em um incremento da demanda agre-
gada76 , mas o silêncio contundente da doutrina do direito em áreas com potencial repercussão
macroeconômica não pode ser ignorado.
De fato, áreas como direito administrativo (regulatório), direito urbanístico, direito
ambiental e direito tributário são exemplos óbvios, nos quais uma mudança no desenho ins-
titucional pode ter efeitos macroeconômicos quase que imediatos, com um impacto negativo
na demanda ou na oferta agregada, em tempos adversos e, frequentemente, sem visibilidade
adequada que possibilitasse, por exemplo, uma contra-medida de natureza fiscal ou monetária.
Nesse contexto, vale lembrar que o direito “vivente” transmuta-se contínua e alterna-
damente em doxa e episteme. E, assim como os juízes criam direito aplicando-o, também os
legisladores (em sentido lato) exercem função jurídica criando-o, se, ao fazê-lo, estão-no apli-
cando. A referência não deve ser limitada aos requisitos de um “devido processo legislativo”77 ,
senão como uma reconquista de um campo talvez perdido em uma ciência do direito esvaziada
de conteúdo.
Não seria razoável pretender enumerar todas as áreas do direito que estariam sujei-
tam a considerações de natureza macroeconômica, nem muito menos identificar e mensurar a
priori, e ainda que de forma parcial, os potenciais efeitos de modificações legislativas ou sequer
julgar-lhes a conveniência. O ponto central é que, em uma cultura altamente complexa como a
contemporânea, não basta descrever que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado”78 e que o objetivo do direito ambiental é garantir, entre outras coisas, o desenvol-
vimento sustentável sem sequer levar em consideração, dentre outras coisas, o trade-off entre
desenvolvimento econômico e preservação da natureza.
Pelo contrário, é preciso, em um esforço de máxima transparência, expor as en-
tranhas do discurso, e colocar em debate também a conveniência da adoção e preservação de
76 Ibid, p. 32.
77 SILVA, Luiz Augusto Freire da. Direito Subjetivo ao Devido Processo Legislativo: uma crítica realista.
Brasília: Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado) – UnB, 2015.
78 Art. 225 da Constituição Federal.
110

políticas protecionistas em contextos recessivos, sobretudo quando os instrumentos tradicionais


de política monetária e fiscal falham em surtir o efeito macroeconômico desejado pela autoridade
responsável.
Por outro lado, o papel que o direito exerce na formulação e implementação de
políticas públicas macroeconômicas é de verdadeiro phármakon, remédio e veneno, instrumento
e ao mesmo tempo limitador79 das políticas macroeconômicas. Para entender este caráter dúplice,
é preciso entender que estas políticas macroeconômicas não são ferramentas aplicáveis por si
sós, mas antes são instrumentalizadas por meio de previsões legais, que carregam sobre si o peso
de um ordenamento jurídico extremamente complexo, sob cujo prisma devem ser interpretadas,
ao mesmo tempo que atraem para si os problemas de indeterminação e vagueza aos quais os
juristas não conseguem oferecer respostas adequadas80 .
Ao explicar o principal efeito desta “internalização” dos instrumentos macroeconô-
micos pelo direito – a possibilidade de reversão de uma medida macroeconômica por ordem de
uma autoridade judicial competente, Salama utiliza-se de uma alegoria com a refração81 . Como
na física, o instrumento macroeconômico poderia sofrer uma mudança na sua direção devido à
mudança de seu meio de propagação.
Sem respeitar a organização de seu artigo, o primeiro problema identificado por
Salama consistiria em enfrentar o desafio da legitimidade sobre os aspectos formais e materiais,
vez que o controle de legalidade de determinada regra de conteúdo macroeconômico pode ser
exercido em face de um desvio procedimental, ou em razão de uma antinomia em relação
a uma norma de hierarquia superior ou por usurpação de competência legal, sobretudo no
contexto do direito administrativo. Este problema bífido se torna mais agudo na medida em
que consideramos o papel, de um lado, do estado regulatório, preocupado em tomar para si o
controle dos indicadores macroeconômicos, e, do outro, de um judiciário com atuação cada vez
mais central na política e utilizando largamente de um panprincipiologismo, para utilizarmos a
expressão de Lênio Streck.
O segundo, tem que ver com a dificuldade de lidar com a implementação de políticas
macroeconômicas em uma estratégia de tesouras ideológicas, tendo de um lado o constituciona-
lismo e, do outro, a intervenção econômica estatal82 .
79 SALAMA, B. M. Op. Cit.
80 Ibid., pp. 14-16.
81 Efeito na direção de uma onda ao atravessar a fronteira entre dois meios com índices de refração diferente,
como por exemplo, a luz que incide sobre a água de maneira oblíqua.
82 Ibid., pp. 19-21.
111

Apesar destas dificuldades, Salama sustenta que o direito pode contribuir com a
formulação de políticas macroeconômicas. Estas contribuições, no entanto, somente seriam
viáveis se levadas em consideração três lições básicas teóricas e práticas sobre o direito.
A primeira delas seria de que a existência de políticas públicas consistentes não
necessariamente dependem de regras, nem seriam estas instrumentos suficientes para obtenção
dos fins desejados. Pensar diferente, segundo Salama, seria idealizar o papel do direito, como se
a aplicação de determinada regra sobre um caso concreto fosse uma atividade mecânica, quando
na verdade existe um grau de indeterminação inerente a toda regra que compõe o ordenamento
jurídico. Neste sentido, a criação de regras cada vez mais precisas com o intuito de reduzir a
discricionariedade do julgador, na verdade, poderia ter, inclusive, o efeito contrário83
A segunda, ligada intimamente à primeira, diz respeito à imprevisibilidade do
funcionamento do sistema jurídico. A lei, lato sensu, tem por atributos, dentre outros, a
generalidade e a prospectividade. Isto é, se presta a regular não somente os casos existentes
no momento de sua edição, mas também aqueles futuros que lhes guardem semelhança. Esta
prospectividade abre caminho para que existam consequências indesejadas de determinada
previsão legal, seja porque a racionalidade humana limitada não foi capaz de excepcionar da
regra legal determinados casos indesejados ex ante, seja por força da atuação concentrada e
estratégica de agentes que influenciem o alcance de determinada normal84 .
Por fim, a terceira, relacionada com o que já se tratou sobre o papel da doutrina, tem
que ver com o papel do discurso jurídico enquanto limitador da discricionariedade dos julgadores.
A ideia é que o substrato discursivo produzido pelos juristas ao descrever o racional por trás de
determinada medida regulatória pode servir como agente preservante de uma ideologia jurídica a
respeito do assunto em questão. Em uma democracia moderna, em que a separação de poderes se
vê mitigada pelo papel cada vez mais importante que assume o Judiciário, uma saída alternativa
à insistência em um sistema formal de “checks and balances” pode ser a combinação entre a
utilização de princípios, em oposição a utilização de regras específicas85 , e uma maior robustez
do discurso jurídico em torno do assunto86 .
83 Ibid., pp. 22-24.
84 Ibid., pp. 24-25.
85 A discussão sobre rules vs. standards é antiga na disciplina de Direito & Economia. Para um apanhado
sistematizado em português, cf. NÓBREGA, Flavianne Fernanda Bitencourt. Custos e benefícios de um sistema
jurídico baseado em standards: uma análise econômica da boa-fé objetiva. Economic Analysis of Law Review,
v. 3, n. 2, p. 170, 2012., pp. 171-176.
86 SALAMA, B. M. Op. Cit., pp. 25-26.
112

5.2.2 A convergência de duas artes

O ponto central do artigo de Salama, no entanto, é outro. Partindo da classificação


da ciência econômica proposta por John Neville Keynes (que propunha a divisão da economia
em três dimensões, economia positiva, economia normativa e economia como arte), Salama
advoga pela compreensão deste novo campo de Direito Macroeconomia como arte, e menos
como ciência87 .
Isto porque os problemas econômicos concretos que os políticos e os formuladores
de políticas públicas enfrentam não podem ser resolvidos levando em consideração tão-somente
aspectos econômicos. Antes, exigem a contribuição de outras fontes sociais, éticas e políticas88 .
E neste olhar prático sobre problemas concretos é que o autor identifica o ponto de convergência
entre o que chama de “arte da macroeconomia” e o pensamento jurídico.
Esta convergência seria mais forte sob dois aspectos. Em primeiro lugar, se faz
necessário fortalecer a doutrina jurídica no sentido da eficiência econômica. Em segundo lugar,
faz-se necessário rejeitar o “decisionismo”, caracterizado pela desvinculação dos atos estatais do
império da lei.
Se a utilização do conhecimento científico voltado à resolução de problemas concre-
tos é uma espécie de arte da macroeconomia, também é verdade é que isto constituiria o que
alguns chamam de arte do Direito.
Na reconstrução feita por Miguel Reale do pensamento de Pedro Lessa, a “Ciência
do Direito” ficaria responsável por fornecer “o arcabouço lógico, as idéias mestras, sujeitas a
aplicação posterior” mediante processos indutivos89 . Já a “Dogmática Jurídica” seria concebida
no sentido inverso. De forma explicativa e construtiva, seria destinada a guiar o intelecto em um
processo dedutivo, desde as ideias até a ação concreta, sendo neste sentido, também uma arte,
a condensar um sistema de regras de aprendizado obtidas através da experiência com o fim de
conduzir corretamente a ação90 .
Não é difícil notar a confluência de ambas observações. Caminhos e alternativas
se abrem no caminho da técnica (inclusive macroeconômica), e diante da complexidade e da
velocidade das mudanças no mundo contemporâneo, o modelo de fechamento do direito pode
87 Ibid., p. 26
88 Ibid., p. 29 e 35
89 REALE, Miguel. O conceito de direito segundo as doutrinas empíricas. In: . Filosofia do Direito. 19a .
ed. São Paulo: Saraiva, 2002., pp. 318-319.
90 JR, Tércio Sampaio FERRAZ. A moralidade do direito. In: . Introdução ao Estudo do Direito. 4a . ed.
São Paulo: Atlas, 2003.
113

não ser o mais adequado. O direito deve, nas palavras de Resta, “adquirir, por si próprio, o senso
do limite” e orientar, antes de tudo “a sua ação à redução do próprio dano”91 .
Nesta linha entre a ciência e a arte, caberia ao direito, utilizando-se do arcabouço
lógico e das meta-regras do sistema jurídico, produzir “dogmática” que propicie uma aplicação
mais uniforme do direito em assuntos macroeconômicos e possibilitar, dentro do seu campo
“artístico”, a escolha e o desenho do melhor arranjo jurídico necessário a garantir a efetividade
do outro saber prático, no caso, a macroeconomia.
Por outro lado, deve procurar restringir o “decisionismo”, em duas frentes: prospecti-
vamente, resguardando-se para que não seja culpado pelas perdas de oportunidade e, na aplicação
do direito, aceitando que o terreno da macroeconomia gerencie suas próprias tragédias.

91 RESTA, Eligio. Diritto Vivente. Bari: Laterza, 2008.


114

6 CONCLUSÃO

Nesta dissertação, procurou-se, principalmente, trabalhar a evolução do papel do


principio da maximização da riqueza na Analise econômica do Direito, tomando por parâmetro a
obra de Richard Posner.
Enquanto outros autores apontam, com certa razão, no sentido da existência de fases
ou momentos estanques na obra do autor, essa dissertação procurou tratar, do fio da meada, do
elemento de unidade, do tema principal a partir do qual derivam todas as outras variações.
A conclusão principal que se oferece é de que este elemento de unidade parece ser,
sobretudo, a busca por uma racionalidade científica que pudesse ser aplicável não só ao direito,
mas a todos os campos do conhecimento que cuidam do agir humano. Como se torna mais claro
ao analisarmos a obra de Posner como um todo, parece-lhe importa muito mais a manutenção de
uma postura pragmática de busca pela expansão do conhecimento do que, eventualmente, obter
conclusões absolutas e inabaláveis.
Neste caminhar, Posner propõe a utilização do paradigma da maximização da riqueza
como pedra de Rosetta do common-law. Esta teoria econômica positiva do direito pode ser
dividida em duas abordagens: uma estática e outra dinâmica. A analise estática teria, sobretudo,
uma função didática, ao procurar expor as estranhas de diversas áreas do direito, as quais, uma
vez postas à luz, revelariam-se como desdobramentos de simples princípios econômicos. A
analise dinâmica, ancilar à análise estática, por sua vez, procuraria dar sentido ao aparente
movimento do common-law em direção à eficiência econômica.
A outra proposição é normativa. Posner argumenta que os juízes, ao exercerem a
função de criadores do direito, devem levar em consideração a eficiência econômica, tal como
propõe. Nenhuma dessas proposições são abandonadas pelo autor ao longo de sua obra, apenas
relativizadas, ou, de forma mais precisa, a relativização foi se tornando paulatinamente mais
clara em seus escritos.
Neste ponto, a linha do tempo da obra de Posner se confunde com a do movimento
de Direito & Economia. Uma vez abandonado o radicalismo dos neófitos, a disciplina se tornaria
mais maleável e permeável a outros pontos de vistas, outras metodologias, etc.
Por essas razões, por exemplo, referenciar a maturidade do pensamento posneriano
como “pragmatismo frouxo”1 parece inadequado, na medida em que a conotação parece indicar
1 JÚNIOR, Ronaldo Porto MACEDO. Posner e a análise econômica do direito: da rigidez neoclássica ao
pragmatismo frouxo. In: LIMA, Maria Lúcia L. M. Pádua (Ed.). Agenda contemporânea: direito e economia:
115

fraqueza. Certamente o seria, caso o autor buscando princípios absolutos e verdades acabadas, o
que não é verdade. Pelo contrário, na maturidade de seu pensamente, o que torna o pragmatismo
posneriano “frouxo” é também aquilo que o torna mais forte.
Definitivamente, ao examinar a obra teórica por inteiro, a impressão é de estar diante
de um autor preocupado continuamente com a eliminação de inconsistências que viessem a im-
possibilitar a identificação a posteriori de uma unidade de seu pensamento. Essa autorreferência
contínua (que continua até hoje2 ) é indício forte de uma dialética construtiva contínua ao longo
de sua obra.
Isto porque a fundamentação para utilização de um princípio de maximização da
riqueza e da Análise Econômica do Direito, com o perdão da antítese, desde há muito deixou
de ser principiológica e passou a ser pragmática e, por conseguinte, permeável. É utilizável
precisamente enquanto for útil, e a sua utilidade pode ser verificada em pelo menos duas grandes
vertentes, já discutidas antes e agora resumidas a título de conclusão:
A primeira delas é de introduzir, no estudo do direito, virtudes acadêmicas que se
percebem necessárias ao estudo do direito em uma sociedade moralmente complexa, sobretudo
as análises de custos, eficiência e eficácia, bem como a utilização das ferramentas das Ciências
Econômicas para levar a cabo tais análises.
A segunda é a de contribuir dentro de um contexto em que os objetivos são moral-
mente controvertidos, com a formulação de políticas públicas dentro dos contextos administrativo
e legislativo, ainda que do ponto de vista kelseniano estas sejam atividades extrajurídicas. Ainda
que a análise econômica não possa contribuir de forma cabal para validar qualquer medida
distributiva ou para encerrar o debate sobre questões morais complicadas, muitos argumentos
descritivos podem ser úteis na avaliação das medidas adequadas e consequências previstas.
Este papel de apontar as consequências implica, necessariamente, mudar significati-
vamente a forma com que os juristas refletem sobre o direito, descrevem as normas jurídicas e se
posicionam sobre o ordenamento jurídico como posto, sobre o processo de formação das leis,
sobre a prática dos tribunais e sobre a experiência do direito em geral.
A racionalidade econômica pode ser de grande valia nesta tarefa, ao expor (no sentido
não só de descrever, como também de vexar) as entranhas do sistema jurídico e político para
Trinta anos de brasil. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 1, p. 262–279.
2 Vide, por exemplo, POSNER, Richard A. Norms and values in the economic approach to law. In: HATZIS,
Aristides N.; MERCURO, Nicholas (Ed.). Law and Economics: philosophical issues and fundamental
questions. New York: Routledge, 2015. p. 1–15.
116

entender o jogo que termina por sagrar vencedor um determinado discurso e mantê-lo em uma
posição dominante.
Repensar o direito sob esta ótica abre caminhos para vislumbrar um conjunto possível
de ciências do agir humano, voltadas ao melhoramento da sociedade, abertas aos desenvolvimen-
tos científicos que constituem o capital humano, em um reavivamento de uma “arte” jurídica,
mais frouxa e, por isso mesmo, mais resiliente.
Além do propósito autoral e do argumento principal, a pesquisa realizada serviu
como base de estudo dos fundamentos teóricos da Analise Econômica do Direito. A partir da
obra do autor-paradigma, procurou-se de alguns assuntos que, por pertinência ou por limitação
de espaço foram apenas tratados de maneira tangencial.
Espera-se que estes pontos sirvam de pontos de partida para pesquisas futuras
tanto no contexto da Análise Econômica do Direito, como também em Teoria do Direito,
dentre eles: (i) a conveniência da utilização de modelos para descrição do funcionamento do
sistema jurídico, em especial a utilização dos modelos de economia comportamental; (ii) a
(ir)relevância da ponderação de princípios enquanto parâmetro decisório judicial; (iii) a Teoria
das Alternativas Relevantes como paradigma de racionalidade das decisões judiciais; (iv) a
racionalidade consequencialista na avaliação e no enforcement de políticas públicas e os seus
reflexos no judiciário; (v) o papel do direito no desenho, no desenvolvimento e na aplicação
de políticas públicas macroeconômicas e (vi) a abertura do direito às técnicas e a superação do
modelo de fechamento do ordenamento jurídico.
117

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