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16/04/2018 Boaventura: passos para a unidade das esquerdas


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Boaventura: passos para a unidade das esquerdas


 13 ABR, 2018  0 (http://operamundi.uol.com.br/dialogosdosul/boaventura-passos-para-a-unidade-das-esquerdas/1304

Seria possível, a partir da notável experiência portuguesa, frear a devastação neoliberal e viabilizar governos democrá
avanços sociais? Importante: o “centro” não existe mais.
Boaventura de Sousa Santos*

O atual governo português, no poder desde o nal de 2015, é pioneiro em termos da articulação entre vários partidos de esquerda. É ainda pouco con
internacionalmente porque Portugal é um país pequeno, cujos processos políticos raramente fazem parte da agenda política internacional, e porque
uma solução política que vai contra os interesses dos dois grandes inimigos globais do aprofundamento da democracia que hoje dominam as mídias

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16/04/2018 Boaventura: passos para a unidade das esquerdas
neoliberalismo e o capital nanceiro global.

Só que nessa ocasião, num gesto de inovação política que cará nos anais da democracia europeia, os três partidos de esquerda resolveram en
negociações para buscarem uma articulação de incidência parlamentar que viabilizasse um governo de esquerda liderado por um desses partid
teve mais votos, o Partido Socialista.

A inovação destes acordos consistiu em várias premissas: os


acordos eram limitados e pragmáticos, estavam centrados em
menores denominadores comuns com o objetivo de possibilitar
uma governança que travasse a continuação das políticas de empobrecimento dos
portugueses que os partidos de direita neoliberal tinham aplicado no país; os partidos
mantinham ciosamente a sua identidade programática, as suas bandeiras, e tornavam
claro que os acordos não as punham em risco, porque a resposta à conjuntura política não
exigia que fossem consideradas, e muito menos abandonadas; o governo deveria ter
coerência e, para isso, deveria ser da responsabilidade de um só partido, e o apoio
parlamentar garantiria a sua estabilidade; os acordos seriam celebrados de boa-fé e
seriam acompanhados e veri cados regularmente pelas partes.

Os textos dos acordos constituem modelos de contenção política e detalham até ao


pormenor os termos acordados. Basicamente, as medidas acordadas tinham dois grandes
objetivos políticos: parar o empobrecimento dos portugueses, repondo rendimentos dos
trabalhadores e dos pensionistas na base da escala de rendimentos, e travar as
privatizações que, como todas as que ocorrem sobre a égide do neoliberalismo e do
capital nanceiro global, são atos de privataria. Os acordos foram negociados com êxito e o governo tomou posse num ambiente politicamente host
do Presidente da República de então, da Comissão Europeia e das agências nanceiras.

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Pouco e pouco a política executada em cumprimento dos acordos foi dando resultados, para muitos, surpreendentes, e ao m de algum tempo muito
detratores do governo tinham de ser vergar perante os números do crescimento da economia, da queda da taxa de desemprego, da melhoria geral da
país, nalmente rati cada pelas agências de crédito. O signi cado de tudo isto pode resumir-se no seguinte: realizando políticas opostas às receitas
obtêm-se os resultados que tais receitas sempre anunciam e nunca conseguem e isso é possível sem aumentar o sofrimento e o empobrecimento d
portugueses. Antes, pelo contrário, reduzindo-os. De uma maneira mais direta, o signi cado desta inovação política é mostrar que o neoliberalismo é
mentira, e que o seu único e verdadeiro objetivo é acelerar a todo o custo a concentração da riqueza sob a égide do capital nanceiro global.

Dada a curiosidade que a solução portuguesa começa nalmente a suscitar a nível internacional, parece-me oportuno de nir alguns dos parâmetros
articulações entre forças políticas de esquerda tenham êxito qualquer que seja o futuro da solução portuguesa.

Primeiro: as articulações entre partidos de esquerda podem ser de vários tipos, podem resultar de acordos pré-eleitorais ou acordos pós-eleitora
envolver participação no governo ou apenas apoio parlamentar. Sempre que os partidos partem de posições ideológicas muito diferentes, e se n
outros fatores que recomendem o contrário, é preferível optar por acordos pós-eleitorais (porque ocorrem depois de medir pesos relativos) e aco
incidência parlamentar (porque minimizam os riscos dos parceiros minoritários e permitem que as divergências sejam mais visíveis e disponham
sistemas de alerta conhecidos dos cidadãos).

Segundo: as soluções políticas de risco pressupõem lideranças com visão política e capacidade para negociar. É o caso do atual Primeiro Minist
lideres dos outros partidos de esquerda. Não podemos esquecer que o fundador do PS, o Dr. Mário Soares, na fase nal da sua vida política, tinh
este tipo de políticas, ao contrário, por exemplo, do fundador do PS espanhol, Felipe Gonzalez, que se virou à direita com o passar dos anos e se
sempre contra quaisquer entendimentos à esquerda.

Terceiro: as soluções inovadoras e de risco não podem sair apenas das cabeças dos líderes políticos. É necessário consultar as “bases” do parti
se mobilizar pelas inquietações e aspirações que manifestam.

Quarto: a articulação entre forças de esquerda só é possível quando é partilhada a vontade de não articular com outras forças, de direita ou cent
Sem uma forte identidade de esquerda, o partido ou força de esquerda em que tal identidade for fraca será sempre um parceiro relutante, dispon
abandonar a coligação. A ideia de centro é hoje particularmente perigosa para a esquerda porque o espectro político se tem deslocado no seu to
direita por pressão do neoliberalismo e do capital nanceiro. O centro tende a ser centro-direita, mesmo quando a rma ser centro-esquerda. É cr
distinguir entre uma política moderada de esquerda e uma política de centro-esquerda. A primeira pode resultar de um acordo conjuntural entre f
esquerda, enquanto a segunda é o resultado de articulações com a direita que pressupõem cumplicidades maiores que a descaracterizam como
esquerda. Neste domínio, a solução portuguesa, embora constitua uma articulação entre forças de esquerda e eu considere que con gura uma p
moderada de esquerda, a verdade é que contém, por ação ou por omissão, algumas opções que implicam concessões graves aos interesses que
normalmente são defendidos pela direita. Por exemplo, no domínio do direito do trabalho e da saúde. Tudo leva a crer que o teste à vontade real
a sustentabilidade da unidade das esquerdas está no que for decidido nestas áreas no futuro próximo.

Quinto: não há articulação ou unidade sem programa e sem sistemas de consulta e de alerta que avaliem regularmente o seu cumprimento. Pas
em branco a um qualquer líder político no seio de uma coligação de esquerda é um convite ao desastre.

Sexto: a articulação é tanto mais viável quanto mais partilhado for o diagnóstico de que estamos num período de lutas defensivas, um período e
democracia, mesmo a de baixa intensidade, corre um sério risco de ser duradouramente sequestrada por forças anti-democráticas e fascistizant

Sétimo: a disputa eleitoral tem de ter mínima credibilidade. Para isso deve assentar num sistema eleitoral que garanta a certeza dos processos e
modo a que os resultados da disputa eleitoral sejam incertos.

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Oitavo: a vontade de convergir nunca pode neutralizar a possibilidade de divergir. Consoante os contextos e as condições, pode ser tão fundame
convergir como divergir. Mesmo durante a vigência das coligações, as diferentes forças de esquerda devem manter canais de divergência const
Quando ela deixar de ser construtiva signi cará que o m da coligação está próximo.

Nono: num contexto midiático e comunicacional hostil às políticas de esquerda é decisivo que haja canais de comunicação constantes e e caze
parceiros da coligação e que prontamente sejam esclarecidos equívocos.

Décimo: nunca esquecer os limites dos acordos, quer para não criar expectativas exageradas, quer para saber avançar para outros acordos ou pa
os existentes quando as condições permitirem políticas mais avançadas. No caso português, os detalhados acordos entre os três partidos revel
carácter defensivo e limitado das políticas acordadas. A solução portuguesa visou criar um espaço de manobra mínimo num contexto que pre g
janela de oportunidade. Recorrendo a uma metáfora, a solução portuguesa permitiu à sociedade portuguesa respirar. Ora, respirar não é o mesm
orescer; é tão-só o mesmo que sobreviver.

Décimo-primeiro: no contexto atual de as xiante doutrinação neoliberal, a construção e implementação de alternativas, por mais limitadas, têm,
realizadas com êxito, além do impacto concreto e bené co na vida dos cidadãos, um efeito simbólico decisivo que consiste em desfazer o mito q
partidos de esquerda só servem para protestar e não sabem negociar e muito menos assumir as complexas responsabilidades da governação.

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