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A VOLTA

O REGRESSO

O ÚLTIMO METRO

A ÚLTIMA VIAGEM

PERSONAGENS

STEVE – EX-PRESIDIÁRIO, 40/50

TREV – EX-PRESIDIÁRIO, 20/30

LISA, ESTUDANTE UNIVERSITÁRIA, CLASSE MÉDIA, 20/30

MAUREEN, DONA DE CASA SUBURBANA, 40/50

ESCRITOR, CLASSE MÉDIA, 30/40

VO. – Eu conheço este lugar. Eu nasci neste lugar. Eu cresci neste lugar. Um lugar com
centenas de horizontes cheios de sol para mergulhar neles. O seu cheiro rebentava-me
nas narinas. Há muito tempo, quando não morríamos de calor no verão, eu arrancava
a pele queimada e largava-a ao vento, como uma oferenda. Nunca quis saber o que se
passava no resto do mundo. Nunca quis saber o que se passava no resto do país. Este
era o lugar mais afortunado do universo. Eu… sabia disso e pronto.

Eu estive afastado daqui durante muito tempo. Muito tempo. Mas agora estou em
casa. É estranho… as coisas que nos fazem voltar para casa. Coisas que pensei que
nunca iriam acontecer. Nesta cidade, pelo menos.

Alguma coisa mudou por aqui. Está tudo… mais negro e as pessoas andam assustadas.
Ou se calhar nada mudou. Eu é que estou mais velho…

(Começa uma música dissonante, grunge, pesada, industrial. Abrem-se as portas e


entram dois homens de rompante em cena. É uma carruagem de comboio suburbano.
Funcional e sem alma. Os dois homens demonstram ser perigosos, estão nervosos e
cansados. TREV tem uma cara magra e cabelo curto e espetado. STEVE tem cabelo
comprido atado em rabo de cavalo. É o mais impressionante dos dois, o mais
imponente.

Parecem mover-se em Câmara Lenta, mas depois começam a mexer-se ao ritmo


dissonante da música até começarem a atirar murros e pontapés no ar a compasso,
como uma dança guerreira distorcida.a música pára abruptamente. Breve blackout.

Quando a luz volta, vêmos os dois homens sentados de frente um para o outro,
impassíveis, a olharem-se fixamente nos olhos. Começa a ouvir-se música clássica de
elevador nas colunas, em choque absoluto com o seu comportamento.

Durante um minuto, nada acontece. Então o rufia com o cabelo espetado pega num
violino imaginário e começa a mimar o concerto. Entrega-se de corpo e alma à sua
performance, mexendo e balanceando com o concerto. Quando a música atinge o
momento do clímax, pára a começa a destruir o seu violino imaginário no chão, como
Pete Townshead dos the who, acompanhado de movimentos circulares do braço, como
um moinho. Exausto, atira-se para um assento e limpa a sobrancelha como um grande
artista. A luz esteve baixa todo este tempo e o som alto. Quando acaba, a luz volta a
subir e o som diminui. Estão sentados nas posições iniciais.

STEVE – De onde é que vem este cheiro nojento?

TREV – A quê? Não me cheira a nada.

STEVE – Pisaste merda de cão.

TREV – Não pisei nada.

STEVE – Vê os sapatos. – Ele checa. – Na SOLA dos sapatos, caralho!

TREV – Não. Vê tu.

STEVE – Podes ver a sola dos teus sapatos?

TREV – Népia.

STEVE – Vê. (Pausa). Vê. VÊ!!!

(entram numa perseguição tipo gato e rato. Finalmente, STEVE domina TREV e verifica
a sola dos seus sapatos.)

Desculpa.

TREV – Já não há tanta merda de cão na Baixa.

STEVE – Pois não.

TREV – O pessoal é muito bom a apanhar os cocós dos cães, agora.

STEVE – Pois é.

TREV – Já não há tanta merda de cão na cidade toda.

STEVE – Pois não. Já não é como antigamente.

(Pausa)

TREV – É, dantes é que era bom.

STEVE – Cala-te.

ANÚNCIO: Próxima estação, Crestins Oeste.

TREV – Repara como ela acentua Crestins OESTE. Fá-la soar deveras… qual é a palavra…
agradável. Porque nós sabemos que estamos em Crestins, mas ela informou-nos que já
estamos na parte Oeste de Crestins. Faz-nos sentir que está… tudo bem… estamos
nisto juntos, amigos…

STEVE olha para ele.

STEVE – Esta vai ser uma longa viagem.

ANÚNCIO: As portas vão fechar.

TREV – Trouxeste os cigarros?

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