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aM O R T E da

RAZAO

Francis Schaeffer
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RAZAO
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Francis Schaeffer
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A m orte da Razão. Traduzido do original em inglês: Escape from Keason
C opyright© 1968 por Inter-V arsity Press, Leicester, In g laterra
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T radução: E ditora Fiel


Revisão: Edison M endes de Rosa
C apa: Fernando Oki

I a. Edição -1975 4a. Reim pressão - 1989 2a. Edição - 2007


I a. Reim pressão - 1977 5a. Reim pressão - 1993
2a. Reim pressão - 1984 6a. Reim pressão - 1997
3a. Reim pressão - 1987

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Shaeffer, Francis A., 1912-1984


A m o rte d a ra z ã o / Francis Schaeffer ; [tra d u ç ã o E d ito ra Fiel] .
—2. ed. —São P aulo : ABU E d ito ra , 2007.

T ítu lo o riginal: E scape from reason


ISBN 978-85-7055-071-2

1. Fé e ra zã o - C ristia n ism o - H istó ria das d o u trin a s


2. Filosofia m o d ern a - Século 20
I. T ítu lo .

07-3496 C D D -2 3 1.042

índices para catálogo sistemático:


1. Fé e razão : Doutrina cristã 231.042
SUMÁRIO

Nota do E ditor..................................................................................... 5

Prefácio................................................................................................. 7

Capítulo 1 ............................................................................................. 9
Natureza e graça. Tomás de Aquino e o autônomo. Pintores e
escritores Natureza versus Graça. Leonardo da Vinci e Rafael.

Capítulo 2 ............................................................................................ 18
Uma unidade de natureza e graça. A Reforma e o homem. Mais
acerca do homem. Reforma, Renascença e moral. 0 homem
integral.

Capítulo 3 ................ ........................................................................... 27


A ciência moderna nos primórdios. Kant e Rousseau. A moderna
ciência moderna. A moderna moralidade moderna. Hegel
Kierkegaard e a linha do desespero.

Capítulo 4 ............................................................................................. 40
O salto. Existencialismo secular. Existencialismo religioso. A Nova
Teologia. Experiências do andar superior. Análise lingüística e 0
salto.

Capítulo 5 ............................................................................................. 49
A arte como salto no andar superior. A poesia: Heidegger no período
final. A arte: André Malraux. Picasso. Bernstein. A pornografia. O
Teatro do Absurdo.

Capítulo 6 ............................................................................................. 58
Loucura. O andar superior no cinema e na televisão. Misticismo do
andar superior. Jesus, a bandeira indefinida.

Capítulo 7 .............................................................................................
Racionalidade e fé. A Bíblia pode manter-se por si só. Começando de
mim mesmo, mas... A fonte do conhecimento de que necessitamos.
A mentalidade do "salto no escuro". O imutável num mundo
mutável
5

NOTA DO EDITOR

A pesar de ter sido escrito há q u atro décadas, A M orte da Razão


é um a ob ra atualissim a. M esm o com to d as as m udanças sociais, cul­
tu rais e geopolíticas que ocorreram no m undo desde então, a o b ra
de Francis Shchaeffer não envelheceu, pelo co n trário , dem onstrou seu
vigor, resistindo aos superficiais m odism os intelectuais e estabelecen-
do-se com o um m arco na reflexão cristã evangélica contem porânea.
Sua sóbria reflexão bíblica sobre o hom em e o curso do pensam ento
da h u m an id ad e sem D eus sobrevive ao antigo discurso “b ip o lar” de
um m undo im erso na G uerra Fria (final da década de 60), época em
que o livro foi escrito. Tal paradigm a hoje se dem onstra insuficiente
p ara se com preender a com plexa realidade pós-m oderna onde a hege­
m onia do pen sam en to capitalista tem influenciado cada vez m ais um
m undo globalizado cultural e econom icam ente, porém m ultifacetado
em diversas form as de pensar.
Schaeffer fala sobre o desafio que cada geração de cristãos tem
de enfrentar, so b retu d o no que se refere à com preensão da form a de
pen sar da geração à qual pertence. Para se com preender o hom em
do século 21 è preciso entender n ão som ente a form a de pensar desta
geração, m as o que a leva a com preender o m undo dessa m aneira. A
M orte da Razão é um a o b ra chave p a ra desvendar esse m ecanism o.
M esm o com to d as as conquistas o b tid as em vários níveis sociais e
tecnológicos nestes últim os decênios, n ão houve nenhum avanço na
resolução do “m al e sta r” do hom em com relação ao m undo, p a ra co n ­
sigo m esm o e p ara com a eternidade. As “respostas” atuais são tão
diversificadas q u an to frágeis, sob o p o n to de vista intelectual: os ve­
lhos “ism os” , com o o m isticism o, hedonism o, m aterialism o, niilism o
entre o u tros, são rapidam ente renovados e apresentados com o “novas
p ro p o sta s” . N em o cristianism o se salva desse cardápio requentado.
6

A apresentação de um neoevangelho desprovido de significado his-


to rico, repleto de sím bolos com significados desconexos e pleno de
experiência n ão racionais é sub p ro d u to dessa “m o rte ” da razão. N o
po s-m od ern o século 21, as pessoas continuam buscando sobreviver
psicologicam ente, valorizando a em oção e a “experiência” - às custas
de um assassinato intelectual em virtude de um a preguiça ou inapti-
d ão m ental (o m undo de hoje conhece bastan te, com unica-se m uito
— p orem relaciona-se pouco —, m as reflete e com preende pouquíssi­
m o). As coisas hoje n ão precisam ter significado, b asta apenas ter fu n ­
ção estetica ou em ocional. N ã o é preciso refletir m ais. E o caso, p o r
exem plo, do uso dos jeans pre-lavados e previam ente rasgados, que de
u m a form a de p ro testo co n tra a sociedade consum ista (por p a rte dos
integrantes do m ovim ento punk), foi trag a d a pela in d ú stria cultural
e de consum o p assan do a ser um p a d rã o estético — m as desprovido
do caráter de p ro testo - da p ró p ria sociedade criticada. A fonte dessa
form a não pensada de pensar e agir é essa “m o rte da ra z ã o ” explici­
tad a p o r Schaeffer. N o m undo evangélico, a valorização d o nrivado em
d etrim en to da com unidade, evidanciado p o r um a m ensagem centrada
n o acum ulo de riquezas e resolução de problem as pessoais ao invés de
um a busca p o r justiça social e denuncia do pecado é legitim ada p o r
um a teologia não -ín tegra e não-integral. Essa “p a rtiç ã o ” conveniente­
m ente intecional da m ensagem do evangelho é resultado dessa desin-
tegração equivocada d o universo, conform e observado pelo autor.
M uitos o u tros exem plos e situações p o d erão ser levantadas atra-
ves i a com preensão, analise e reflexão deste pequeno volum e. D aí a
im p o rtân cia de reeditá-lo em língua po rtu g u esa, to talm en te revisado
e rediagram ado a fim de evidenciar esse processo a esta nova geração
de cristãos. C um pre a nós, cristãos do século 21, apresentar a m ensa-
gem do Evangelho de C risto de m odo contextualizado e relevante, a
p a rtir da com preensão “do presente século” .
7

PREFÁCIO

Se alguém vai p assar um a longa tem porada no exterior, é de se


esperar que a pessoa aprenda a língua do país p ara onde vai. M ais
do que isso, en tretan to , é preciso que essa pessoa realm ente consiga
com unicar-se com aqueles entre os quais vai viver. E necessário ainda
aprender o u tra linguagem : a das form as de pensam ento das pesso­
as com quem falará. Só assim nosso viajante será bem sucedido em
sua com unicação com elas. O m esm o ocorre com a Igreja C ristã. Sua
responsabilidade não é apenas professar os princípios básicos da fé
cristã, à luz das E scrituras; sua tarefa é com unicar essas verdades im u­
táveis à geração em que se situa.
C ada geração cristã depara com esse problem a de aprender com o
falar à sua época de m aneira com unicativa. Esse é um problem a que
não pode ser resolvido sem um a com preensão da situação existen­
cial, em co n stan te m udança, com que se defronta. Para com unicar a
fé cristã de m odo eficiente, p o rta n to , tem os que conhecer e entender
as form as de pen sam ento de nossa geração. Tais form as diferem ligei­
ram ente de lugar p ara lugar e, em m aio r grau, de nação para nação.
E n tretan to , há d eterm inadas características da época em que vivemos
que são as m esm as, independentem ente do lugar onde nos en c o n tra­
mos. São a essas características que darei consideração especial neste
livreto. M as o p ro p ó sito que tenho está longe de ser m era satisfação
da curiosidade intelectual. A m edida que avançarm os, ficará cada vez
mais evidente o alcance das conseqüências práticas da com preensão
ad equada desses m ovim entos de pensam ento dos dias atuais.
Alguns vão se surpreender com o fato de, na análise das ten d ên ­
cias do pensam ento m oderno, eu considerar Tom ás de A quino com o
po n to de p artid a . Estou, porém , convencido de que o nosso estudo
deve interessar-se não apenas isoladam ente com o tam bém co n ju n ta­
m ente pela h istó ria e pela filosofia. Só poderem os com preender as ten­
dências atuais do m undo do pensam ento se visualizarm os a situação
segundo sua origem histórica e, ao m esm o tem po, aten tarm o s de m a­
neira m inuciosa p a ra o de-senvolvim ento das form as de pensam ento
filosófico. Som ente após haver efetuado esse p o n to prelim inar terem os
condições p ara enfren tar os aspectos p ráticos da questão de com o co ­
m unicar a verdade im utável a um m undo em m udança.
9

1
Natureza e graça

A origem do hom em m oderno pode ser atribuída a diversos p erío­


dos. E n tretan to , partirei do ensino de alguém que transform ou o m un­
do de m odo m uito real. Tom ás de A quino (1225-1274) abriu cam inho
para a discussão do que convencionalm ente é designado de “natureza e
g raça” . Isso pode ser representado p o r m eio do seguinte diagram a:

GRAÇA
NATUREZA

Esse diagram a pode ser am pliado da seguinte m aneira, m o stran ­


do o que se inclui nos dois níveis:

GRAÇA, O NÍVEL SUPERIOR


Deus, o Criador; o céu e as coisas
celestes; o invisível e sua influência
na Terra; a alma humana; a unidade

NATUREZA, O NÍVEL INFERIOR


A criação; a Terra e as coisas terrenas;
O visível e o que fazem a natureza e o
homem na Terra; o corpo humano;
a diversidade

A té a época an tes de T om as de A quino, as form as de p en sa­


m ento tin h am sido bizantinas. As realidades celestiais capitalizavam
to d a a im p o rtâ n c ia e se revestiam de tal san tid ad e que n ão eram
10 A M ORTE DA R A Z Â O

re tratad as de m an eira realista. É o que se observa com relação a


M aria e Jesus C risto : am bos nunca são re tra ta d o s de form a realis­
ta nessa fase. R etratam -se apenas sím bolos. A ssim , se ex am in arm o s
q u alq u er dos m osaicos do fim do p erío d o b izan tin o no b atistério de
Florença, p o r exem plo, n ão é um re tra to de M a ria que verem os, m as
um sím bolo que rep resenta M aria.
Por o u tro lad o , a natu reza em si - as árvores e as m o n tan h as
- n ã o se revestia de interesse p ara o a rtista , exceto com o p a rte deste
m undo em que vivemos. O alpinism o, p o r exem plo, sim plesm ente
não exercia n en h u m apelo com o escalada a ser feita pelo p ra zer de
subir m o n tan h as. C om o verem os, esse e sp o rte com o tal só surgiu
q u an d o oco rreu um novo interesse pela n atu re za. A ssim , antes de
i.omás de A quino, dava-se fo rtíssim a ênfase às coisas celestes, tão
rem otas e tran scen d en tes, tão santas e sublim es, rep resen tad as p o r
m eio de sím bolos, com pouco interesse pela n atu re za com o tal. C om
o advento de 1 m as de A quino, tem os o verdadeiro su rto da R enas­
cença h u m an ista.
A concepção to m ista de n atu re za e de graça n ão envolvia co m ­
pleta d esco n tin u id ad e dos dois prin cíp io s, pois sustentava um c o n ­
ceito de u n id ad e q ue as correlacionava. D esde os tem pos de A quino,
e p o r m uitos anos a seguir, houve em p en h o co n stan -te em se esta ­
belecer um a u n id ad e da graça e da n atu re za, bem com o a esperança
de que a ra cio n alid ad e tin h a de dizer algo a respeito de u m a e de
ou tra.
Um a boa p o rç ã o de coisas excelentes adveio do su rto d o p e n ­
sam ento ren ascen tista. D e m odo p a rtic u la r, a natu reza p asso u a
u su fru ir de co nceito m ais ap ro p riad o . D o p o n to de vista bíblico, a
n atureza é im p o rta n te p o rq u e criad a p o r D eus; p o r isso, n ão deve
ser m en osprezada. D o m esm o m odo, n ão devem ser desprezadas as
coisas relativas ao co rp o , q u an d o co m p arad as às da alm a. T udo o
que reflete a beleza reveste-se de im p o rtâ n c ia . A sexualidade em si
não e um m al. Jud o isso se integra n o fa to de que D eus nos o u to r­
gou na p ró p ria n atu reza um a dádiva excelente. P o rtan to , se o h o ­
m em a d esd en h a, ele está, na verdade, a te n ta n d o c o n tra a dignidade
d aq u ilo que é ci-ação divina. A ssim , em certo sentido, o hom em está
desprezando o p ro p rio D eus, já que despreza o que D eus criou.
Natureza e Graça
11

Tomás de Aquino e o autônomo

Ao m esm o tem po, estam os agora em condições de ver o significa­


do do d iagram a da natureza e da graça sob um a perspectiva diferente,
E m bora bons resultados adviessem da posição de m aior realce co n ­
ferida à natu reza, isso deu lugar a m uita coisa de cunho destrutivo,
com o se verá adiante. N a concepção tom ista, a vontade hu m an a está
decaída, m as não o intelecto. Dessa noção incom pleta do conceito
bíblico d a Q ueda resultaram to d as as dificuldades que vieram depois.
O intelecto h u m an o tornou-se autônom o. Em um aspecto, o hom em
passou a ser independente, autônom o.
Essa esfera do au tô n o m o em Tom ás de A qum o assum e várias
form as. Um dos resultados, p o r exem plo, foi o desenvolvim ento da
teologia n atu ral. N essa perspectiva, a teologia natu ral é um a teologia
que se p o d eria form ular independentem ente das Escrituras. E m bora
fosse um estudo au tô n om o, Tom ás de A quino esperava que resultasse
num a un id ad e e dizia existir um a correlação inegável entre a teologia
natu ral e a Bíblia. O p o n to im p o rtan te, porém , no que se seguiu foi
que um a área com pletam ente au tô n o m a assim se estabeleceu.
C om base nesse princípio de au to n o m ia, tam bém a filosofia tor-
nou-se livre e separou-se da revelação. P ortanto, a filosofia com eçou a
criar asas, p o r assim dizer, voando p o r onde queria e deixando à m ar­
gem as E scrituras. Isso não q u er dizer que essa tendência n ão tenha
se m anifestado anteriorm ente, m as apenas que, desse m om ento em
diante, evidenciou-se de m aneira m ais com pleta. Tal tendência ta m ­
bém não se lim itou à filosofia de Tom ás de A quino, logo se fazendo
sentir no m undo da arte.
O processo educacional dos dias atuais tem um p o n to falho, p o r
não levar em conta as associações n aturais entre as diferentes discipli­
nas. T endem os a estudá-las separadam ente, em tinhas paralelas. Essa
tendência é real tan to na educação secular com o na educação cristã.
Essa é um a das razões p o r que evangélicos têm -se surpreendido diante
das trem endas m udanças produzidas em nossa geração. Tem os estu­
dad o exegese apenas com o exegese, teologia apenas com o teologia,
filosofia apenas com o filosofia. E studam os algo na esfera d a arte ape­
nas com o arte. E studam os m úsica sim plesm ente com o sendo musica.
N ão percebem os que todas essas coisas são elaborações humanas e
12 A M ORTE DA R A Z Ã O

que as coisas do hom em não podem ser concebidas com o linhas p a ra ­


lelas não-relacionadas.
Essa associação entre teologia, filosofia e arte em ergiu de diversas
m aneiras após Tom ás de A quino.

Pintores e escritores

O prim eiro artista a ser assim influenciado foi C im abue (1240-


1302), m estre de G io tto (1267-1337). C onsiderando que Tom ás de
A qum o viveu de 1225 a 1274, essas influências se fizeram sentir bem
depressa no cam po da arte. Em vez de situ ar todos os m otivos da arte
acim a da linha divisória entre natureza e graça na m aneira sim bóli­
ca do B izantino, C im abue e G io tto com eçaram a p in ta r as coisas da
natureza com o n atu reza. N esse período de transição, a m udança não
ocorreu de um a vez. H avia, p o r isso, a tendência, a princípio, de se
pintarem os elem entos de m enos im p o rtân cia no quadro de form a n a ­
turalista, con tin u an d o , porém , a se representar M aria, p o r exem plo,
com o um sím bolo.
D epois, D an te (1265-1321) passou a escrever da m aneira com o
esses artistas pintavam . De repente, tu d o com eçou a se alterar no sen­
tido de que a n atureza veio a tornar-se im p o rtan te. Idêntica expressão
pode-se perceber nos renom ados escritores Petrarca (1304-1374) e Bo-
cácio (1313-1375). Petrarca foi o prim eiro de quem se ouviu dizer ja­
m ais haver escalado m o n tan h as sem ser pelo sim ples p razer de fazê-lo.
Tal interesse pela natu reza com o D eus a criou é, com o já vim os, bom
e apropriado. Tom ás de A quino, porém , havia aberto cam inho p ara
um hum anism o au tô n o m o , um a filosofia au tô n o m a, e tão logo o m o ­
vim ento adquiriu força, a tendência to rnou-se um verdadeiro dilúvio.

Natureza versus Graça

O principio vital a se n o tar é que à m edida que a natureza se fazia


au tô n o m a, passava a “devorar” a graça. Através da R enascença, de
D ante a M iguel A ngelo, gradualm ente a natureza se fez inteiram ente
auto n o m a. Ela libertou-se de Deus à m edida que os filósofos h u m a­
Natureza e Graça 13

nistas com eçaram a o p erar cada vez m ais à vontade. Q u an d o a R enas­


cença chegou ao seu clím ax, a natureza havia devorado a graça.
Isso pode ser dem onstrado de várias m aneiras. C om ecem os com
um a m in iatu ra conhecida com o G rands H eures de R ohan (G randes
H o ras de R ohan), p in tad a p o r volta de 1415. O m otivo explorado é
um a história m iraculosa do período. M aria , José e o m enino, em fuga
para o Egito, passam p o r um cam po em que um hom em está sem e­
ando, e um m ilagre se realiza. O grão sem eado germ ina e cresce no
espaço de m ais ou m enos um a h o ra, m ostrando-se em condições de
ser ceifado. Q u a n d o o hom em se põe a c o rta r o trigo, aparecem os
soldados que vinham em perseguição à fam ília fugitiva e indagam :
“Q u a n to tem po faz que eles passaram p o r aqui?” . O lavrador respon­
de que na ocasião estava sem eando aquele cereal, e diante disso os
soldados retrocedem .
N ão é, porém , p ropriam ente a história que nos interessa, m as a
m aneira com o as figuras se dispõem na m iniatura. Em prim eiro lugar,
há um a n o tó ria diferença entre o ta m an h o das figuras de M aria e José,
do m enino, do criado e do jum ento, que ocupam a parte superior da
tela e a d o m in am pelas dim ensões avultadas, e as m inúsculas repre­
sentações do soldado e do hom em que em punha a foice na porção
inferior do quadro. Em segundo lugar, a m ensagem se evidencia não
só p o r causa do p o rte das figuras superiores, mas pelo fato de o fundo
dessa po rção ser co b erto de linhas douradas. H á, pois, to tal expressão
pictórica da graça e da natureza. Esse é o conceito antigo - a graça
no to riam en te im p o rtan te, e a natureza pouco destacada.
N o n o rte da E uropa, Van Eyck (1380-1441) foi quem abriu a p o r­
ta à n atureza em um a nova m aneira. Ele com eçou a p in tar a natureza
real, tal qual se m ostra. Em 1410, d ata m uito im p o rtan te na história
da arte, ele p in to u um a m iniatura de apenas 12 x 8cm. E ntretanto,
é um q u ad ro de trem endo significado, porque representa a prim eira
paisagem real. Essa obra deu origem a todos os fundos de qu ad ro que
surgiram po sterio rm ente du ran te a Renascença. O tem a é o batism o
de Jesus, m as a cena abrange apenas dim inuta área do qu ad ro todo. O
fundo representa um rio, um castelo m uito real, casas, colinas e outros
elem entos - paisagem natural: a natureza tornou-se im p o rtan te. D e­
pois dessa o b ra, paisagens do gênero difundiram -se rapidam ente do
n o rte ao sul da E uropa.
14 A M ORTE DA R A Z Â O

Logo, surgiu o estágio seguinte. Em 1435, Van Eyck pintou a M a ­


dona do C hanceler Rolin, que está atualm ente no M useu do Louvre,
em Paris. A característica significante é que o C hanceler Rolin, ao se
d efro n tar com M aria , tem as m esm as dim ensões que ela. M aria não
é retratad a d istante, e o C hanceler não é um a figura m inúscula, com o
teria sido o caso em relação aos patrocinadores do período anterior.
E m bora tenha as m ãos em postura de prece, am bos estão em pé de
igualdade. Dai em diante, a pressão se fez sentir: com o resolver esse
equilíbrio entre graça e natureza?
Nesse ponto, cabe um a m enção a M asaccio (1401-1428), o u tra
figura im p o rtan te. Ele dá o pró x im o grande passo, na Itália após
G iotto, falecido em 1337, ao intro d u zir perspectiva e espaço reais.
Pela prim eira vez, a luz é projetada de direção pró p ria. Por exem plo:
na m aravilhosa C apela C arm ina, em Florença, há um a janela que
M osaccio levou em consideração ao p in ta r os quadros nas paredes,
de m odo que as som bras nas pinturas caem na posição determ inada
pela iuz vinda dessa janela. M asaccio estava observando a natureza
real, verdadejfa. Ele pintava de tal m odo que seus quadros parecem
refletir a exata perspectiva da realidade em três dim ensões. Eles d ão a
sensação de atm osfera, representam a introdução da com posição real.
M osaccio viveu apenas ate os 27 anos de idade, m as abriu quase com ­
pletam ente a p o rta para a natureza. C om a sua obra, assim com o a
m aior p arte dos trabalhos de Van Eyck, a ênfase na natureza foi tal que
poderia ter levado à p intura um verdadeiro po n to de vista bíblico.
. om Filippo Lippi (1406-1469), salta à vista que a natureza com eça
a oevorar ’ a graça de m odo m ais sério do que o visto na M adona do
anceler Rolin, de Van Eyck. Poucos anos antes, nenhum artista ousa­
ria pensar err p in tar M aria em m oldes naturais - seria pintado apenas
um símbolo. Q uando, porém , Filippo Lippi executou o quadro da M a-
aona, em 1641, a m udança que se tornava evidente era surpreendente.
A obra retrata um a jovem extrem am ente form osa com um a criança nos
braços, em uma paisagem que, sem dúvida, fora grandem ente influen­
ciada pela obra de Van Eyck. Essa M adona já não m ais era um sím bolo
rcm oto> 'sta:,tc' cunho transcendente, m as um a linda jovem com
um a criança, M as ainda há algo que devemos saber acerca desse q u a­
dro. A jovem que representa M aria era nada menos que a am ante de
Lippi, fato conhecido de toda Florença. N inguém teria ousado fazer
Natureza e Graça 15

isso alguns anos antes. A natureza estava m atando a graça.


N a França, Fouquet (cerca de 1416-1480) pintou, p o r volta de
1450, a am an te do rei, Agnes Sorel, com o M aria. Todos quantos c o ­
nheciam a corte de p erto, vendo o quadro, sabiam tratar-se da então
am ante do rei. Além disso, F ouquet pin to u -a com um dos seios à m os­
tra. E n q u an to nos tem pos precedentes a representação seria de M aria
am am en tan d o o m enino Jesus, agora era a am ante do rei, com um
seio à vista - e a graça estava m orta!
O p o n to a se acentuar é que a natureza, um a vez tra ta d a com o
coisa au tô n o m a, reveste-se de c a ráter destrutivo. T ão logo se estabe­
lece esse reino au tô n o m o , verifica-se que o elem ento inferior com eça
a co rro er o superior. De agora em diante, vou me referir a esses dois
elem entos com o o “an d a r in ferio r” e o “an d a r superior".

Leonardo da Vinci e Rafael

L eonardo da Vinci é a figura a ser considerada a seguir. Ele in tro ­


duziu um novo fato r no fluxo da história, sendo, mais do que q u al­
quer figura que o precedeu, a individualidade que m ais se aproxim a
do hom em m oderno. Viveu de 1452 a 1519, período im p o rtan te que
coincidiu com os prim eiros anos da R eform a Protestante. Tal período
íntegra ain d a, e com acentuada relevância, a assinalada m udança que
se m anifestou no pensam ento filosófico. C ósim o, o velho, de F loren­
ça, que faleceu em 1464, foi o prim eiro a perceber a im portância da
filosofia de Platão. Tom ás de A quino havia introduzido o pensam ento
aristotélico. C ósim o com eçou a bater-se pelo N eo-platonism o. Fici-
no (1433-1499), o grande neo-platonísta, foi m estre de Lourenço, o
M agnífico (1449-1492). N os dias de L eonardo da Vinci, o N eo -p lato ­
nism o era força do m in ante em Florença. Esse pensam ento assum iu tal
relevância sim plesm ente porque era preciso colocar algo no “an d ar
su p erio r” . O N eo -platonism o foi guindado a essa privilegiada posição
com vistas a re stau rar idéias e ideais, isto é, coisas universais:

GRAÇA - UNIVERSAIS

NATUREZA - PARTICULARES
16 A M ORTE DA R A Z Ã O

Um q u ad ro que ilustra esse p o n to é A escola de A tenas, de R a­


fael (1483-1520). N a sala do V aticano em que se encontra essa obra
fam osa, Rafael p in to u , em um a das paredes, um m ural que representa
a Igreja C atólica R om ana, que con trab alan ça, na parede oposta, A es­
cola de A tenas, que tipifica o pensam ento pagão clássico. Em A escola
de A tenas, Rafael retrata a diferença entre o elem ento aristotélico e o
platônico. Os dois filósofos ocupam o centro do qu ad ro - A ristóteles,
com as m ãos voltadas para o chão; P latão, a a p o n tar p ara o alto.
Esse problem a pode ser expresso de o u tra form a. O nde en co n trar
a unidade, depois de se conceder plena liberdade á diversidade? Se u n i­
dade e diversidade são libertadas, de que m odo conservá-las em um
to d o uno? L eonardo debateu-se com esse problem a. Ele era um p in to r
neo-platônico e, m uitos o têm dito - julgo que com m uita p ropriedade
- , o prim eiro m atem ático m oderno. Ele percebeu que se p artirm o s da
racionalidade au tô n o m a chegarem os à m atem ática (m atéria que se
pode m edir); e a m atem ática tra ta som ente de particulares, nunca de
universais. P o rtan to , não irem os nunca além da m ecânica. Para um a
pessoa que percebia quão necessária era a unidade, a insuficiência des­
se esquem a era evidente. L eonardo p rocurou, então, p in tar a alm a.
N ão a alm a cristã. A alm a, p ara ele, era a universalidade, com o, p o r
exem plo, a alm a do am or ou da árvore.

ALMA - UNIDADE

MATEMÁTICA - PARTICULARES - MECÂNICA

Um a das razões de Leonardo jam ais ter p in tad o de m odo intenso


foi sim plesm ente porque procurou desenhar, sem pre desenhar, com o
objetivo de ser capaz de re tratar o universal. N ão é necessário dizer
que ele jam ais conseguiu isso.
Giovanni G entile, um dos m aiores expoentes do pensam ento fi­
losófico italiano (1875-1944), disse que L eonardo m orreu frustrado,
porque n ão queria abrir m ão da esperança de um a unidade racional
entre os p articulares e o universal. Para escapar dessa frustração, era
necessário que L eonardo fosse um a pessoa diferente. Ele teria que se
desvencilhar desse desejo por um a unidade acim a e abaixo da linha.
A pesar de não ser pensador da linhagem m oderna, L eonardo nunca
Natureza e Graça yj

a b a n d o n o u a esperança de um cam po de conhecim ento unificado. Em


o u tras palavras, ele não abriria m ão d a esperança do homem erudito
que, no passad o , tinha se caracterizado p o r essa insistência em um
to d o unificado de conhecim ento.

' Leonardo D a Vinci ( R eynal- Co., N ew York, 1963),p p l 63-174: O pensamento de Leonardo.
2
Uma unidade de
Natureza e graça
A essa altu ra, é im p o rtan te observar certas relações históricas.
C alvino nasceu em 1509. Suas Institutas foram escritas em 1536. L eo­
nard o faleceu em 1519, m esm o ano em que se travou a D isputa de Lei-
pzig, entre L utero (1483-1546) e Eck. O rei que tinha levado L eonardo
para a França no final da vida foi Francisco I, a quem C alvino havia
enviado suas Institutas. C hegam os, pois, a um p o n to de justaposição
da R enascença e da R eform a. Q u a n to ao problem a da unidade, a Re­
form a deu resposta com pletam ente op o sta à da Renascença. A R efor­
ma repudiou tan to a form ulação aristotélica q u an to a neo-platônica.
Q ue resposta deu, então? Sustentou que a raiz da dificuldade brotava
do velho e crescente H um anism o cultivado na Igreja C atólica R om ana
e do conceito incom pleto da Q ueda expresso na teologia de Tom ás de
Aquino, que contem plava o hom em com o autô n o m o , livre. A Refor­
ma aceitou a noção bíblica de um a Q ueda to tal, absoluta. O hom em
em sua to talid ad e era o b ra de Deus; agora, porém , é decaído em toda
a sua n atureza, inclusive o intelecto e a vontade. Em contraste com a
posição to m ista, adm itia que som ente D eus é autônom o.
Isso era verdadeiro em duas áreas. Em prim eiro lugar, nada havia
de au tô n o m o na área de autoridade final. Para a R eform a, o conheci­
m ento final e suficiente residia na Bíblia, isto é, som ente na E scritura,
em contraste com a idéia de que estava na E scritura e tam bém em
o u tra coisa paralela, fosse a Igreja ou a teologia natural. Em segundo
lugar, não existia a m ínim a idéia de que o hom em fosse autô n o m o
na área da salvação. A posição católico-rom ana defendia um a obra
dividida de salvação - C risto m orreu p ara a nossa salvação, m as o
hom em teria que m erecer o m érito de C risto. Assim, entrava em jogo
o elem ento hum anista. O s reform adores declararam que não há nada
que o hom em possa fazer; nenhum esforço hu m an o m oral ou religio­
Uma unidade de Natureza e Graça
19

so, hum an ista ou au tônom o, pode ajudar. Somos salvos unicam ente
com base na o b ra consum ada de C risto, q uando m orreu no espaço e
no tem po na história, e o único m eio de o bter a salvação é elevar as
m ãos vazias da fé e, pela graça de Deus, aceitar o dom g ra tu ito de
Deus - a fé som ente.
Isso po sto , não existe divisão em nenhum a dessas duas áreas.
N ã o há divisão no conhecim ento norm ativo final - p o r um lado, entre
o que a Igreja ou a teologia n atu ral diriam e o que a Bíblia afirm a;
nem , p o r o u tro , entre o que a Bíblia e os pensadores racionalistas ca­
tegorizariam . Tam bém não havia divisão na obra da salvação. Era só
a E scritura e só a Fé.
O s evangélicos devem observar, nesse pon to , que a R eform a afir­
mou “a E scritura so m en te” e não “ a Revelação de Deus em C risto
som ente” . Se não tem os o m esm o conceito das E scrituras que os re­
form adores tiveram , não contam os com o real conteúdo da palavra
“C risto ”, e essa é a m oderna tendência na teologia. O term o é u tili­
zado sem co n teúdo pela teologia m o derna, pois percebe um “ C risto ”
inteiram ente alienado das Escrituras. A R eform a, porém , seguiu o en ­
sino do p ró p rio C risto, vinculando a revelação que fizera de Deus com
a revelação escrita, a Escritura.
A Bíblia oferece a chave para dois tipos de conhecim ento: o co ­
nhecim ento de D eus e o conhecim ento do hom em e da n atureza. As
grandes confissões da Reform a acentuam que Deus revelou Seus a tri­
butos ao hom em nas E scrituras e que essa revelação revestiu-se de
significado tan to p arta D eus com o p ara o hom em . N ão poderia ter
havido a R eform a, nem cultura reform ada na E uropa S etentrional,
sem a com preensão de que Deus fala ao hom em na Bíblia e de que,
p o rta n to , conhecem os algo verdadeiram ente acerca de Deus porque
ele p ró p rio revelou isso ao hom em .
N o interesse contem porâneo em com unicação e lingüística, é im ­
p o rta n te lem brar o princípio de que, na form ulação bíblica, em bora
não tenham os a verdade com pleta, auferim os da Bíblia o que eu ch a­
m o de “verdade verdadeira” . D iante disso, conhecem os a verdade ver­
dadeira acerca de Deus, a verdade verdadeira acerca do hom em e algo
verdadeiro acerca da natureza. Desse m odo, com base nas Escrituras,
em bora não tenham os conhecim ento com pleto, alcançam os conheci­
m ento verdadeiro e unificado.
20 A M ORTE DA R A Z Ã O

A Reforma e o homem

C onhecem os, pois, algo deslum brante a respeito do hom em . E n­


tre o u tras coisas, conhecem oç a sua origem e quem ele é —criado à
im agem de Deus. O hom em é m aravilhoso não apenas q u an d o é “nas­
cido de novo” com o cristão, mas tam bém pelo fato de D eus tê-lo feito
à sua p rópria im agem . O hom em tem valor e dignidade em função
daq u ilo que foi originalm ente, antes da Q ueda.
Estava, há algum tem po, fazendo um a série de preleções em Santa
B árbara, q u an d o me foi apresentado um rapaz viciado em drogas. Era
um jovem de sem blante delicado e expressivo, com cabelos longos e
encaracolados, pés calçados em sandálias e trajan d o um a calça jeans.
Ele assistiu a um a das preleções e confessou: “Isso é um a com pleta n o ­
vidade p ara m im . N u nca tinha ouvido coisa igual a isso” . Ele voltou
na tarde seguinte, e eu o saudei. E ntão, ele olhou-m e firm em ente nos
olhos e disse: “ O senhor me cum prim entou de m aneira tocante. Por
que me tra to u assim ?” . Eu lhe respondi: “É porque eu se. quem você é;
sei que você foi criado à im agem de D eus” . Em seguida, iivemos um a
dem orada e agradável conversa. N ão podem os tra ta r as pessoas com o
seres hu m an o s, não podem os vê-las 1 10 alto nível da verdadeira h u ­
m anidade, a m enos que conheçam os realm ente a sua origem - quem
elas são. D eus diz ao hom em quem o hom em é. Deus nos declara que
criou o hom em à Sua p ró p ria im agem . P o rtan to , o ser hu m an o é algo
m aravilhoso.
D eus, en tretan to , nos diz algo m ais a respeito do hom em - ele
nos fala da Q ueda. Isso introduz o o u tro elem ento que precisam os
conhecer, a fim de entenderm os o ser hum ano. Por que o hom em é, ao
m esm o tem po, criatu ra tão m aravilhosa e tão degradada? Q uem e o
hom em ? Q uem sou eu? Por que o hom em pode realizar coisas que o
to rn am único, e, no entanto, porque ele é tão horrível? Por quê?
A Bíblia diz que você é m aravilhoso porque é feito à im agem de
Deus e degradado porque, em d eterm inado po n to no espaço e no tem ­
po da h istó ria, o ser hum ano caiu. O hom em da Reform a sabia que
a criatu ra m archa rum o ao inferno em razão da revolta co n tra Deus.
E n tretan to , o hom em da R eform a e aqueles que, após a R eform a, for­
jaram a cu ltu ra do N o rte europeu sabiam que em bora seja m o ral­
m ente culpado diante do Deus, o hom em não é um nada. O hom em
Uma unidade de Natureza e Graça
21

m o d ern o tende a se julgar um n ada. M as os reform adores sabiam jue


eram exatam ente o o posto de nada, porque sabiam que tin h am sido
feitos à im agem de Deus. E m bora decaídos e —sem a solução não-hu-
m anística de C risto e sua m orte em nosso lugar - separados de D em
tendo com o destino o inferno, ainda assim isso não significava que
eram n ada. Q u an d o a Palavra de D eus, a Bíblia, passou a ser ouvida,
a R eform a teve resultados trem endos, tan to nas pessoas com o indiví­
duos, que se tornavam cristãos genuínos, q u an to na cultura em geral.
O que a Reform a nos diz, então, é que Deus falou nas Escrituras
tan to sobre o “ an d ar de cim a” com o sobre o “an d a r de b aix o ” . Falou
em verdadeira revelação sobre Si m esm o - as coisas celestiais —e falou
em verdadeira revelação a respeito da p ró p ria natureza - o cosm os e
o hom em . P o rtan to , os reform adores tinham um a real unidade de co­
nhecim ento. Eles sim plesm ente não tinham o problem a renascentista
de graça e natureza! O b tin h am real unidade não porque fossem mais
espertos, m as porque alcançavam um a unidade cuja base se achava
no que Deus revelara em am bas as áreas. Em contraste com o H u ­
m anism o que Tom ás de A quino tinha libertado e o H um anism o que
o C atolicism o R om ano tinha fom entado, a Reform a n ão reconhecia
nenhum a posição au tônom a.
Isso n ão quer dizer que n ão havia liberdade para a arte ou a ci­
ência. O o p osto é que era verdade. H avia, agora, a possibilidade da
verdadeira liberdade d entro da form a revelada. E n tretan to , ainda que
haja liberdade p ara a arte e a ciência, elas não são au tô n o m as - o
artista e o cientista tam bém se acham debaixo da revelação das escri­
turas. C om o se verá, sem pre que a arte ou a ciência ten tam tornar-se
au tô n o m as, certo princípio sem pre se m anifesta —a natureza “devo­
ra ” a graça e, conseqüentem ente, a arte e a ciência logo com eçam a
parecer destituídas de significação.
A R eform a teve m uitos resultados de trem endo alcance e to rn o u
possível a cu ltura que tantos dentre nós adm iram os, ainda que a nossa
geração esteja, agora, querendo se livrar dela. A R eform a confronta-
nos um A dão que era - usando a term inologia característica da form a
de pensam ento atual —um hom em não-program ado, n ão arranjado
com o um a instrução de um aplicativo de com putador. U m a carac­
terística que m arca o hom em do século 21 é que ele não pode visu­
alizar isso, um a vez que se encontra totalm ente influenciado p o r um
22 A M ORTE DA R A Z À O

conceito de determ inism o. A perspectiva bíblica, entretanto, é clara: o


Homem n ão po d e ser explicado com o totalm ente determ inado e c o n ­
d icionado —posição que forjou o conceito de dignidade do hom em .
H á pessoas que buscam , hoje,'apegar-se à dignidade do hom em , mas
não têm base conveniente em que se fundam entar, pois perderam a
verdade de que o hom em foi feito à im agem de Deus. A dão era um
hom em não-p ro g ram ado, um hom em revestido de significado num a
h istória de alto sentido, que podia alterar a p ró p ria história.
Tem os, pois, no pensam ento da R eform a um hom em que é al­
guém. N ós o vem os, porém , envolvido num a condição de revolta, e
a rebeldia e real - nunca um a p arte de um a encenação teatral. Uma
vez que é um ser não -program ado e de fato se revolta, o hom em in­
cide em genuína culpabilidade m oral. D iante disso, os reform adores
com preenderam algo mais. Eles tiveram um a com preensão bíblica da
obra de C risto. C om preenderam que Jesus m orreu na cruz em um a
função substitutiva e um a ação p ro p iciató ria, a fim de salvar o hom em
da verdadeira culpa que pesa sobre ele. Precisam os r f « v - : ;. rer que no
in stante em que com eçam os a alterar a noção bíblica d:t verdadeira
culpa m oral, seja p o r m eio da falsificação psicológica, da falsificação
genética, da falsificação teológica ou de qualquer o u tra form a de falsi­
ficação, nosso conceito da obra de Jesus n ão será m ais bíblico. C risto
m orreu pelo hom em que tinha um a culpa m oral verdadeira, pelo fato
de o p ró p rio hom em ter feito um a escolha real e verdadeira.

Mais acerca do homem

Temos que ver algo m ais acerca do hom em . Para isso, é preciso
ter em m ente que tu d o no sistem a bíblico rem onta a Deus. A dm iro o
sistem a bíblico com o sistem a. Em bora possam os não gostar da co n o ­
tação do term o sistem a, pois parece um tan to frio, isso não quer dizer
que o ensino bíblico não constitua um sistem a. Tudo rem ete ao p rin ­
cipio, e dessa form a o sistem a reveste-se de beleza e perfeição únicas,
um a vez que tu d o se acha sob o ápice do sistem a. Tudo com eça com
um D eus que está “presente”. Esse é o princípio e o ápice do to d o ,
tudo daí em an an d o de m aneira não co n trad itó ria. A Bíblia diz que
*Jeus e um Deus vivo e conta m uito a Seu respeito. Talvez o que pareça
Uma unidade de Natureza e Graça
23

ter m ais significado para o hom em do século 21 seja o fa to de que a


Bíblia caracteriza Deus com o pessoal e tam bém com o infinito Esse
e o tipo de D eus que esta “presente” , que existe. Além disso, esse é o
único sistem a, a unica religião, que aceita D eus com essas característi­
cas. Os deuses orientais são infinitos p o r definição, na acepção de que
tu d o abarcam - tan to o bem com o o m al - , m as não são pessoais. Os
deuses ocidentais eram pessoais, m as m uito lim itados. O s deuses teu-
tões, rom anos, gregos, eram todos do m esm o tipo: pessoais, m as não
infinitos. O D eus da fé cristã, o D eus da Bíblia, é pessoal e infinito.
Esse D eus da Bíblia, pessoal e infinito, é o C ria d o r de to d as as
coisas. D eus crio u tu d o , e do n ada. Logo, to d as as coisas são finitas,
criatu ras. Ele, e som ente Ele, é o C ria d o r infinito. Podem os represen­
ta r graficam ente esse fa to da seguinte m aneira:

Deus pessoal e infinito

Abismo
Homem
Animal
Vegetal
Máquina

Ele criou o hom em , os anim ais, as flores, a m áquina. D o p o n to de


vista da infinitude de Deus, o hom em está tão separado dEle q u an to
a m áquina. M as, diz a Bíblia, q u an d o encaram os o fato do ângulo da
personalidade hu m an a, deparam o-nos com algo b astante diferente. O
abism o, a separação, está em o u tro ponto:

Deus pess<íal e infinito


Abismo
Homem Homem
Abismo
Animal Animal
Vegetal Vegetal
Máquina Máquina
24 A M ORTE DA R A Z À O

Assim, o hom em , tendo sido criado à im agem de D eus, foi des­


tin ad o a u su fru ir com Ele um a relação pessoal. A relação do hom em
é ascensional (para cim a), não apenas descensional (para baixo).
Q u a n d o trata m o s com pessoas do século 21, essa diferença assum e
im p o rtân cia crucial. O hom em m o d ern o visualiza sua relação des-
censionalm ente, em term os do anim al e da m áquina. A Bíblia rejeita
esse conceito de natureza e sentido do hom em . D o po n to de vista da
p ersonalidade, som os diretam ente relacionados com Deus. N ão so­
m os infinitos, som os finitos; apesar disso, som os plenam ente pessoais,
som os feitos à im agem do Deus pessoal que existe.

Reforma, Renascença e moral

H á m uitos resultados práticos dessas diferenças entre o pen sa­


m ento da R enascença e o da R eform a. As ilustrações podem vir de
inúm eras áreas. Por exem plo: a R enascença outorgou liberdade à m u­
lher. A R eform a não fez m enos do que isso, m as com um a grande
diferença. A o b ra de Jacob B urckhardt, A civilização da R enascença
na Itália, pub licad a na Basiléia em 1860, é ainda p ad rão nessas ques­
tões. Ele ressalta que a m ulher da R enascença na Itália era livre, m as
ao preço elevado da im oralidade geral. B urckhardt (1818-1897) gasta
páginas e m ais páginas para ilustrar esse fato.
A que se deveu isso? Ao conceito então vigente de graça e n a ­
tureza. Tais coisas jam ais são apenas teóricas, pois o hom em age de
acordo com o seu m odo de pensar:

Poetas líricos - “Amor espiritual” - Amor ideal

Novelistas e poetas cômicos - Amor sensual

N a p arte superior, estão os poetas líricos, que cantavam o “am or


esp iritu al” e o am o r ideal. N a p arte inferior, os novelistas e poetas
côm icos, que apregoavam o am or sensual. H ouve um dilúvio de obras
pornográficas. Esse elem ento do período renascentista não se lim itou
à literatu ra, m as caracterizou o p ró p rio estilo de vida que os hom ens
dessa época levavam. O hom em au tô n o m o viu-se em balado em in­
Uma unidade de Natureza e Graça
25

solúvel dualidade. E o que se vê em D ante, p o r exem plo. Ele se apai­


x o nou p o r um a donzela, à prim eira vista, e am ou-a p o r toda a vida.
M as apesar disso casou-se com o u tra m ulher, que lhe deu filhos e lhe
lavava os pratos.
O fato sim ples é que essa separação natureza-graça invadiu toda
a estru tu ra da vida renascentista, e o “an d a r in ferio r” au tô n o m o cor­
roeu sem pre o “su p erio r” .

O homem integral

A perspectiva bíblica sustentada pela Reform a era, e é, m uito dife­


rente. N ã o é um a concepção platônica. A alm a não é m ais im p o rtan te
do que o corpo. Deus criou o hom em no seu todo, e o hom em todo
e im p o rtan te. A d o u trin a da ressurreição corpórea dos m o rto s não e
coisa su p erad a, anacrônica. Ela nos diz que Deus am a o hom em todo
e que o ser h u m an o é im p o rtan te em sua totalidade. P o rtan to , o ensi­
no bíblico opõe-se ao platônico, segundo o qual a alm a (o “ su p erio r”)
é m uito im p o rtan te, enq u an to o corpo (o “inferior”) tem im portância
bem reduzida. A concepção bíblica opõe-se, de igual m odo, à posição
h u m an ista, em que o corpo e a m ente au tô n o m a assum em grande re­
levância, m as a graça fica praticam ente destituída de significado.
A posição bíblica, acentuada pela R eform a, sustenta que nem a
concepção p latônica nem a h u m anista satisfazem . Prim eiro, D eus fez
o hom em to d o e está interessado na totalidade do ser hum ano. Se­
gundo, q u an d o se deu a Q ueda, fato histórico que ocorreu no tem po
e no espaço, ela afetou o hom em inteiro. Terceiro, com base na obra
de C risto com o Salvador e graças ao conhecim ento que tem os íja re­
velação das E scrituras, há redenção para o hom em no seu todo.% ?o
futuro, o hom em integral será levantado dentre os m ortos e redim ido
perfeitam ente.
N o capítulo 6 da C arta aos R om anos, Paulo diz que já na p re­
sente vida tem os um a substancial realidade da redenção do hom em
com o um todo. Ela se processa com base no sangue d erram ad o de
C risto e no poder do E spírito Santo m ediante a fé, em bora não seja
perfeita nesta vida. Existe o soberano senhorio de C risto sobre to d o
hom em . Fo; isso que os reform adores entenderam e a Bíblia ensina.
26 A M ORTE DA R A Z À O

N a H o lan d a, p o r exem plo, m ais do que no C ristianism o anglo-saxão,


eles acentiráram que isso significava o senhorio de C risto na cultura.
Assim, isso significa que C risto e Senhor em am bas as áreas, de m a­
neira igual:

GRAÇA
NATUREZA

N ão existe nada autô n o m o —nada à p arte do soberano senhorio


de Jesus C risto e da autoridade das Escrituras. Deus fez o hom em
to d o e está interessado no hom em to d o , e o resultado é um a unidade.
Dessa form a, ao m esm o tem po em que se processava o nascim ento
do hom em m o derno na R enascença, a Reform a dava a tini ca resposta
ad equada ao dilem a hum ano. Em contraste, o dualism o no hom em
renascentista tro u x e à tona as m odernas form as de H um anism o, com
as m isérias e os sofrim entos do hom em m oderno.
27

3
A ciência moderna
nos primórdios
A ciência exerceu papel de grande destaque na situação que tem os
delineado. O que nos im p o rta reconhecer, entretanto, é que a ciência
m o derna, em seus p rim órdios, foi o p ro d u to daqueles que viveram
no consenso e cenário do C ristianism o. Um hom em com o J. R obert
O ppenheim er, p or exem plo, apesar de não ser cristão, com preendeu
esse fato. Ele afirm ou que o C ristianism o era necessário para d ar o ri­
gem à ciência m oderna. O C ristianism o era necessário para o com eço
da ciência m oderna pela simples razão de que o C ristianism o criou
um clim a de pensam ento que colocou o hom em em posição de inves­
tig ar a form a do universo.
Jean Paul Sartre (1905-1980) afirm ou que a grande questão filo­
sófica é que algo existe e não que nada existe. N ão im p o rta o que o
hom em pensa, ele tem de se haver com o fato e o problem a de que
há algo que realm ente existe. O C ristianism o oferece um a explicação
do porquê dessa existência objetiva. Em contraste com o pensam ento
oriental, a trad ição hebraico-cristâ afirm a que Deus criou um univer­
so real fora de Si mesmo. N ão estou atribuindo à expressão “fora de Si
m esm o” um a acepção espacial; quero apenas dizer que o universo não
e um a extensão da essência de Deus. N ão é sim plesm ente um sonho
de Deus. Algo existe realm ente, p ara se pensar, com que tra ta r e p ara
investigar, revestido de um a realidade objetiva. O C ristianism o o u to r­
ga a certeza da realidade objetiva e de causa e efeito, certeza suiicien-
tem ente sólida para que sobre ela se assente o fundam ento do saber.
Assim, existem realm ente o objeto, e a história, e a causa, e o efeito.
Além disso, m uitos dos prim eiros cientistas tiveram a m esm a
perspectiva geral de Francis Bacon (1561-1626), que afirm ou, na obra
Novum O rganum Scientiarum (O novo órgão da ciência): “O hom em ,
pela Q ueda, decaiu ao m esm o tem po do estado de inocência e d o d o ­
28 A M ORTE DA R A Z Ã O

m ínio sobre a natureza. Am bas as perdas, entretanto, podem ser repa­


radas em p arte m esm o nesta vida - a prim eira, pela religião e pela fé; a
segunda, pelas artes e pelas ciências” . P ortanto, a ciência com o ciência
(e a arte com o arte) foi adm itida, no m elhor sentido, com o atividade
religiosa. Notq-se, na citação acim a, o fato de que Francis Bacon não
via a ciência com o autônom a, pois se situava no âm bito da revelação
das Escrituras, ao ponto da Q ueda. E ntretanto, dentro dessa “fo rm a”, a
ciência (e a arte) era livre e de valor intrínseco não só diante dos hom ens
com o tam bém de Deus.
Os prim eiros cientistas com p artilh aram tam bém da perspectiva
do C ristianism o na crença de que há um Deus racional, que criou um
universo racional e, p o rta n to , o hom em , m ediante o uso da p ró p ria
razão, possui a capacidade de descobrir a form a do universo.
Essas contribuições tão im portantes, que nós atualm ente tom am os
p o r fatos óbvios, deram im pulso à ciência m oderna em seus prim ór-
dios. Sem dúvida, seria um a grande questão considerar se os cientistas
do presente, que operam sem esses pressupostos e motivos, teriam ou
poderiam ter dado início à ciência m oderna. A natureza teve que ser li­
bertada da m entalidade bizantina e ser restaurada a um a correta ênfase
bíblica. E a m entalidade bíblica é que deu origem à ciência m oderna.
N os seus prim órdios, a ciência era n atu ral, porque tratava de
coisas n atu rais, m as estava longe de ser n atu ralista, pois em bora sus­
tentasse a uniform idade das causas n aturais, não concebia D eus e o
hom em com o presos dentro do m ecanism o. ! ais cientistas nutriam a
convicção, prim eiro, de que Deus propiciou conhecim ento ao hom em
- conhecim ento de Si p ró p rio e tam bém do universo e da história - e,
segundo, de que Deus e o hom em não eram partes do m ecanism o e
poderiam afetar a operação do processo de causa e efeito. D essa for­
m a, n ão havia um a situação au tô n o m a no “an d ar de b aix o ’ . Assim
se desenvolveu a ciência, um a ciência que tratava do m undo n atu ral e
real, que, porém , ainda não se havia to rn a d o naturalista.

Kant e Rousseau

Após o p erío d o R enascença-R eform a, o estágio crucial im ediato


foi atingido na época de K ant (1724-1804) e de R ousseau (1712-1778),
A ciência moderna nos primórdios
29

em bora ten h a havido, n atu ra lm e n te , m uitos outros no perío d o inter­


m ediário que m ereciam ser estudados. Q u a n d o se chega ao tem po de
K ant e R ousseau, o senso de a u to n o m ia, derivado que foi de Tom á
de A quino, já se en co ntra plenam ente desenvolvido. Assim , descobre-
se agora que o problem a se form ulara em term os diferentes. Essa m u ­
d ança de term o s na form ulação evidencia, p o r si, o desenvolvim ento
do p roblem a. E n q u an to os hom ens tin h am previam ente falado de
n atureza e g raça, a essa altu ra já não m ais restava nen h u m a idéia
de graça - o term o n ão m ais se encaixava. O racionalism o estava já
bem desenvolvido e entrincheirado; nenhum conceito de revelação
subsistia em q u alq u er área. C onseqüentem ente, o problem a definia-
se, agora, não em term os de “ natu reza e g raça” , m as de “natu reza e
lib erd ad e” .

LIBERDADE
NATUREZA

Essa foi um a m udança gigantesca, que expressa um a situação


secularizada. A n atu reza devorou to talm e n te a graça, e o que foi dei­
xad o em seu lu g ar no “ an d a r de c im a ” foi o term o “lib erd a d e” .
O sistem a de K ant rom peu-se de encontro ao rochedo da te n ta ­
tiva de d esco b rir a fórm ula, q u alq u er fórm ula, para estabelecer um a
ad eq u ad a relação entre o m undo fenom enal da natureza e o m undo
num enal dos universais. A linha divisória entre os andares superior e
inferior é agora m uito m ais espessa - e logo, bem logo, ficaria ainda
m ais espessa.
N esse p o n to , verificam os que a natureza é, na verdade, tã o com ­
pletam ente a u tô n o m a que o determ inism o com eça a em ergir. A n te­
rio rm en te, o d eterm inism o ficava confinado quase sem pre à área da
física ou, em o u tras palavras, à po rção m ecânica do universo.
E n tretan to , em bora o an d a r inferior im plicasse a to d o tem po cer­
to determ inism o, havia, ainda assim , um intenso desejo pela liberdade
hum ana. M as agora tam bém a natureza hum ana se via com o a u tô n o ­
ma. N o diag ram a, tan to a natureza com o a liberdade são autônom as.
A liberdade do indivíduo se concebe n ão apenas com o liberdade sem a
necessidade de redenção, m as ainda com o liberdade absoluta.
30 A M ORTE DA R A Z Ã O

A lu ta pela preservação da liberdade é sustentada p o r R ousseau


em alto grau. Elexe seus seguidores, graças a sua lite ratu ra e arte,
expressam um a decidida rejeição da civilização com o o elem ento que
restringe a liberdade hum ana. E o su rto do ideal boêm io. Eles sentem
a pressão no “an d a r in ferio r” do hom em reduzido a sim ples m áq u i­
na. A ciência n atu ra lista to rn a-se um peso m uito grande - um inim i­
go esm agador. C om eça-se a perder a liberdade. D aí, os hom ens que
ainda não são realm ente m odernos e, p o r isso, ainda não aceitaram
o fato de que são m eras m áquinas com eçam a ab o m in ar a ciência.
A nseiam p o r liberdade, ainda que essa liberdade não se revista de
real sentido, e assim a liberdade a u tô n o m a e a m áq uina a u tô n o m a se
d efro n tam , face a face.
Q ue é a liberdade autônom a? E a liberdade em que o indivíduo é
o centro do universo. L iberdade A utônom a é a liberdade sem restri­
ções. P o rtan to , logo que o hom em com eça a sentir o peso da m áquina
a oprim i-lo, R ousseau e outros esconjuram e praguejam , p o r assim
dizer, a ciência que lhes am eaça a liberdade h u m ana. A liberdade que
advogam é au tô n o m a, e nada pode restringi-la. É a liberdade sem
lim itações. E a liberdade que não m ais se ajusta no m undo racional.
Apenas espera e ten ta fazer, pela força de vontade, com que o in d i­
víduo seja livre - e tu d o o que resta é expressão p ró p ria , expressão
pessoal.
Para ap reciar a significação desse estágio da form ação do h o ­
m em m o d ern o , devemos lem brar que até essa d ata as escolas de filo­
sofia do O cidente, a p a rtir da era dos gregos, tinham três im p o rtan tes
princípios em com um . O prim eiro é que eram todas racionalistas.
C om isso, querem os dizer que o hom em com eça absoluta e to ta lm e n ­
te de si m esm o, coleciona a inform ação a respeito dos p articu lares e
form ula os universais. Esse é o sentido p ró p rio do term o racionalista
e e nessa acepção que uso a palavra neste livro. Segundo, to d o s criam
no racional. Esse vocábulo não se relaciona com o term o “racionalis-
m o . A quelas escolas agiam firm adas no pressuposto de que a a sp ira­
ção h u m an a pela validade da razão era bem fundada. Elas pensavam
em term os de antítese. Se algo fosse verdadeiro, o o p osto n ão poderia
ser. N o cam po da m oral, se um d eterm in ad o preceito fosse certo,
seria errad o o preceito contrário.
Isso é algo que se projeta recessivam ente até onde o p en sam en ­
A ciência moderna nos primórdios
31

to h u m an o po d e alcançar. N ão há base histórica que fundamente a


posição to m ad a em nossos tem pos p o r H eidegger, de que os gregos
p ré-socráticos, antes de A ristóteles, pensavam de m odo diferente. A
p ro p ó sito , essa é a única m aneira pela qual o hom em pode pensar
O fato é que o único jeito de se rejeitar um raciocínio em term os de
antítese e do racional é com base no racional e na antítese. Q u an d o
alguém diz que pen sar em term os de um a antítese é errad o , o que se
está realm ente fazendo é u tilizar o conceito de antítese p a ra negar a
antítese. D eus nos fez assim , e n ão há o u tra m aneira de pensar. Por­
tan to , a base da lógica dita clássica é que A não é não-A . A co m p re­
ensão do que está envolvido nessa m etodologia da antítese e, de igual
m odo, o que está envolvido na sua rejeição são m uito im p o rtan tes
para o en ten d im en to do p en sam ento contem porâneo.
O terceiro elem ento com que sem pre sonharam os pensadores
no cam p o da filosofia era ter a capacidade de co n stru ir um to d o un i­
ficado de conhecim ento. N os dias de K ant, p o r exem plo, os hom ens
insistiam com ten acid ade na esperança de conseguir isso, apesar da
pressão co n trá ria. Eles esperavam encontrar, p o r m eio do raciona-
hsm o co n ju g ad o com a racionalidade, a resposta com pleta — que
abran g eria a to talid a d e do pen sam en to e a to talid ad e da vida. C om
poucas exceções, essa aspiração m arcou to d a a filosofia até e d u ran te
os dias de K ant.

A moderna ciência moderna

A ntes de focalizar H egel, que representa o estágio significante se­


guinte ru m o ao hom em m oderno, quero cham ar a atenção, de m odo
sucinto, p ara a m udança o co rrid a no m undo da ciência, concom itan-
tem ente com a tran sfo rm ação do cam po da filosofia que vim os co n ­
siderando. Isso requer um a ráp id a recapitulação. Os cientistas dos
prim ó rd io s criam na uniform idade das causas n aturais. O que eles
não aceitavam era a uniform idade das causas naturais em um siste­
ma fechado. Essa pequena expressão faz, en tretan to , um a diferença
enorm e — diferença entre a ciência n atu ra l e um a ciência que tem
suas raízes na filosofia n atu ra lista. Faz to d a a diferença entre o que
eu cham o de ciência m oderna e o que eu cham o de m o d ern a ciência
32 A M O RTE DA R A Z À O

m oderna. É im p o rtan te enfatizar que isso n ão e um a falha da ciência


com o ciência. A ntes, é devido ao fato de a uniform idade das causas
n atu rais em um sistem a fechado ter-se to rn a d o a filosofia do m in an te
entre os cientistas.
Sob a influência da pressuposição da uniform idade das causas
n atu rais em um sistem a fechado, a m áquina não apenas abrange a
esfera da física, m as, agora, tu d o absorve. Pensadores m ais antigos
rejeitariam in teiram ente essa m aneira de pensar. L eonardo da Vinci
com preendeu o ru m o que as coisas estavam to m ando. C om o vim os,
ele percebeu que se com eçarm os racionalisticam ente com a m atem á­
tica, tu d o que se alcançará são p articu lares, e então verem os tu d o
reduzido à expressão da m ecânica. T endo com preendido isso, ele
se apegou à busca do universal. E n treta n to , na fase a que chegam os
agora em nosso estudo, o “an d ar in ferio r” au tô n o m o devorou in tei­
ram ente o “a n d a r su p erio r” . Os m odernos cientistas m o d ern o s insis­
tem na un id ad e to ta l dos dois andares, com o conseqüente d esap are­
cim ento do “ an d a r su p e rio r” . N em D eus nem liberdade subsistem aí
- tu d o está na m áq u in a. N a ciência, a m udança significativa ocorreu,
p o rta n to , com o decorrência da alteração na ênfase da uniform idade
das causas n atu ra is p ara a uniform idade das causas n atu rais em um
sistem a fechado.
Um a coisa p ara se n o ta r cu idadosam ente sobre os hom ens que
to m aram essa direção - e, com isso, atingim os o tem po presente - é
que eles ainda insistem na unidade do conhecim ento. Eles ainda se­
guem o ideal clássico da unidade. Q u al, porém , é o resu ltad o desse
anseio p o r um cam po unificado? Vemos que eles incluem em seu n a ­
turalism o não m ais apenas a física; tam bém a psicologia e as ciências
sociais estão agora in co rp o rad as à m áquina. Eles afirm am que deve
haver u nidade, n ão divisão. E n treta n to , o único m odo de se atingir
u nidade nessa base é excluindo sim plesm ente a liberdade. Assim , fi­
cam os com um m ar determ inista sem praia. O resultado de se buscar
um a unidade com base na uniform idade das causas n atu ra is em um
sistem a fechado é que não m ais existe iiberdade. A realidade é que o
p ró p rio am o r já não existe, o m esm o o correndo com o sentido, na
velha acepção desejada pelo hom em em relação a significado. Em o u ­
tras palavras, o fato é que a linha foi rem ovida e posta cim a de tu d o
—e no ' an d a r su p erio r’ não se en co n tra m ais nada.
A ciência moderna nos primórdios
33

NATUREZA - FÍSICA - CIÊNCIAS SOCIAIS E


PSICOLOGIA - DETERMINISMO

A n atureza, to rn ad a au tô n o m a, devorou ta n to a graça com o a


liberdade. Um “an d a r in ferio r” au tô n o m o sem pre devorará o “an d ar
su p erio r” . A lição é esta: q u an d o se quer fazer tal dualism o e com eçar
a estabelecer um a seção au tô n o m a em baixo, o resultado é que o in­
ferior devora o superior. Isso tem ocorrido, vez após vez, nos últim os
séculos. Se ten tarm o s m anter artificialm ente as duas áreas separadas
e su sten tar com o au tô n o m a apenas um a delas, logo a au tô n o m a en­
golfará a o u tra.

A moderna moralidade moderna

Isso, é claro, tem repercussão na esfera da m oral. Todos os es­


critores pornográficos do século 20 traçam sua origem no M arquês
de Sade (1740-1814). A tualm ente, Sade é festejado com o um hom em
m uito im p o rtan te —n ão m ais um sim ples a u to r de livros pervertidos.
H á uns vinte ou trin ta anos, se alguém na Inglaterra fosse apan h ad o
com um a de suas obras, corria ó risco de se ver em dificuldades com a
lei. H oje, Sade é considerado um grande nom e do teatro, da filosofia,
da literatu ra. N a A tualidade, todos os escritores niilistas “obscuros” ,
os autores de pro testo e revolta, voltam -se para Sade. Por quê? N ão
apenas p orque ele era um au to r pervertido ou porque ensinou esses
autores a utilizar a literatu ra erótica ou sensual com o veículo de idéias
filosóficas, m as porque, basicam ente, era um determ inista quím ico.
Sade percebeu a direção que as coisas tom am qu an d o o hom em é in­
cluído no m ecanism o. As conclusões que ele tirou foram estas: se o
hom em é d eterm in ad o, então, o que é, é certo; se a vida com o um
to d o é apenas m ecanism o - se isso é tu d o o que há - , então, a m oral
realm ente não im p o rta; a m oral torna-se apenas um a palavra p ara
designar um a expressão sociológica; ela torna-se apenas um m eio de
m anipulação utilizado pela sociedade no m eio da m áquina; a essa al­
34 A M ORTE DA R A Z Ã O

tu ra, m oral é apenas um a palavra de co notação sem ântica p ara os que


não têm m oral; o que é, é certo.
Isso nos leva ao segundo passo: o hom em é m ais forte do que a
mulher. A n atureza o fez assim. P o rtan to , o m acho tem o direito de fa­
zer o que quer com a fêmea. A atitude que levou Sade à prisão - pegar
um a p ro stitu ta e abusar dela para seu p ró p rio prazer - era de natureza
reta e p ró p ria. Desse episódio surgiu a palavra sadism o. E n tretan to , é
preciso lem brar que esse term o relaciona-se com um conceito filosó­
fico. O sadism o não é o simples prazer em to rtu ra r alguém , em fazer
alguém sofrer, m as im plica o conceito de “o que é, é” e o fato de que
aquilo que a n atureza decreta em plena força é totalm ente p ró p rio e
justo. Indivíduos com o sir Francis C rick, hoje, e m esm o Freud, em
sua tese de determ inism o psicológico, estão apenas dizendo o que o
M arquês de Sade já tinha afirm ado —som os p arte da m áquina. M as
se é assim , não há com o fugir à form ulação de Sade - o que é, é cer­
to. Estam os vendo a cultura de nossa época levar a efeito o fato de
que se disserm os aos indivíduos, du ran te um longo tem po, que eles
nada m ais são do que m áquinas, logo isso será evidenciado em suas
atitudes. E o que se vê em todos os níveis de nossa cultura - no teatro
da crueldade, na violência das ruas, na m orte do hom em na arte e na
vida. Coisas com o essas, e m uitas o u tras, são o resultado m ais do que
n atu ral do em basam ento histórico e filosófico a que nos referim os.
Q ue está errado? De novo, é preciso retroceder à insatisfatória
concepção da Q ueda em Tom ás de A quino, que atribui a certas coisas
um a estru tu ra au tô n o m a. Q u an d o se concebe a natureza com o a u tô ­
nom a, logo ela acaba devorando Deus, a graça, a liberdade e, final­
m ente, o p ró p rio hom em . Por pouco pode-se apegar à liberdade nesse
espectro, fazendo-se desesperado uso da palavra liberdade, com o fize­
ram R ousseau e seus seguidores. E ntretanto, essa liberdade tornou-se,
na realidade, não-liberdade.

Hegel

A tingim os, agora, o estágio significativo seguinte após Im m anuel


K ant. Dissem os que a filosofia e o pensam ento clássico ativeram -se a
três elem entos: racionalism o, racionalidade e esperança de um cam ­
A ciência moderna nos primórdios
35

po unificado do conhecim ento. A ntes de H egel (1779-1831), toda a


pesquisa filosófica se havia processado m ais ou m enos assim: alguém
fizera esforços p ara elaborar um círculo que contivesse o to d o do pen­
sam ento e da vida; o pensador seguinte disse que essa não era a res­
posta e que ele p ró p rio form ularia a verdadeira expressão que se tinha
em vista; então, após este surgiu outro, proclam ando: “M eus prede-
cessores falh aram , m as eu darei a solução” ; o que apareceu depois
disse: “N ão é assim , de jeito nenhum . A verdade é esta” ; e o seguinte
exclam ou: “N ã o !”. N ão e de estran h ar que o estudo da história da
filosofia não p ro d u za alegria esfuziante!
E n tretan to , no tem po de K ant, estavam esgotadas as genuínas
possibilidades racionais vistas sob o prism a racionalista. P artindo de
pressupostos racionalistas, nessa época os andares superior e inferior
tinham chegado a um estado de tensão tão grande que se encontravam
na im inência de se separar com pletam ente. K ant e H egel são o p o rtal
para o hom em m oderno.
Q ue disse Hegel? Ele argum entou que, p o r m ilhares de anos, fo­
ram feitas tentativas p ara se achar um a resposta com base na antítese,
mas não se havia chegado a nenhum resultado positivo. O pensam ento
filosófico h u m an ista ten tara apegar-se ao racionalism o, à racionalida­
de e a um cam po unificado, m as falhara, não lograra êxito. Logo, co n ­
cluiu ele, tem os de p ro cu rar o u tra m aneira de enfrentar o problem a.
O efeito em longo prazo dessa nova form a de abordagem p roposta
p or Hegel tem sido que os cristãos da atualidade não entendem seus
filhos. Esse fato pode parecer estranho, m as é real. O que Hegel m u ­
dou foi algo m uito m ais profundo do que sim plesm ente um a resposta
filosófica em lu g ar de ou tra. Ele alterou as regras do jogo em duas
áreas: na epistem ologia, que é a teoria do conhecim ento e os lim ites e
a validade do conhecim ento, e na m etodologia, ou seja, o m étodo peío
qual se tra ta r a q uestão da verdade e seu conhecim ento.
O que H egel propôs foi o seguinte: n ão m ais pensem os em term os
de antítese; pensem os, antes, em função de tese e antítese, sendo que a
resposta constitui sem pre um a síntese. Procedendo assim , ele mudou
inteiram ente a co n tex tura do m undo. A razão p o r que os cristãos não
entendem seus filhos é que estes não mais pensam nos m oldes em que
pensam seus pais. N ã o é que eles sim plesm ente chegam a respostas
diferentes. A m etodologia se alterou.
36 A M ORTE DA R A Z Ã O

N ão que o hom em racionalista quisesse fazer essa m udança. Ela


resultou do desespero, já que, p o r centenas de anos, o pensam ento ra ­
cionalista tin h a falhado. Uma escolha foi feita, e a opção consistiu em
co n tin u ar sob a égide do racionalism o, ao custo da racionalidade.
E verdade que Hegel geralm ente é classificado com o um idealista.
Ele nu tria a esperança de um a síntese que tivesse, de certo m odo, algu­
ma relação com a razoabilidade. E n tretan to , ele abriu a p o rta àquilo
que é característico do hom em m oderno. A verdade com o tal passou,
e a síntese (o tan to -co m o), com seu relativism o, im pera.
A posição básica do hom em em rebelião contra D eus é que o
hom em está no centro do Universo e é au tô n o m o ; nisso reside a sua
rebeldia. Ele m an terá seu racionalism o e sua rebelião, sua insistência
na au to n o m ia to tal ou em áreas parcialm ente autônom as, m esm o que
isso signifique ab rir m ão da racionalidade.

Kierkegaard e a linha do desespero

O personagem que vem depois de H egel, K ierkegaard (1813-


1855), é o real hom em m oderno, porque aceitou o que L eonardo e os
dem ais haviam rejeitado. Ele aban d o n o u a esperança de um cam po
unificado do conhecim ento.
P rim eiram ente, a form ulação era a seguinte:

GRAÇA
NATUREZA

Depois, passou a ser:

LIBERDADE
NATUREZA

A gora, ficou assim:


RACIONALIDADE
A Ciência moderna nos primórdios
37

N o diagram a a seguir, a linha é o curso do tem po. Os níveis supe­


riores são os m ais antigos; os inferiores, os m ais recentes. Os degraus
representam diferentes disciplinas.

FILOSOFIA

1
KANT

A LINHA DO
i
- HEGEL -
DESESPERO ARTE
I
KIERKEGAARD MUSICA

/ \ CULTURA GERAL

EXISTENCIALISMO EXISTENCIALISMO
TEOLOGIA
SECULAR RELIGIOSO

Esse novo m odo de pensar dissem inou-se de três m aneiras dife­


rentes. Em prim eiro lugar, ele difundiu-se geograficam ente, da Ale­
m anha p ara o exierior. C onseqüentem ente, a H o lan d a e a Suíça o ex­
p erim entaram antes da In glaterra, e os E stados Unidos continuaram
a pensar nos m oldes anteriores p o r m uito m ais tem po.
Em segundo lugar, esse pensam ento espalhou-se através das clas­
ses sociais. A intelectual foi a prim eira a ser afetada. Em seguida, m e­
d iante os m eios de com unicação de m assa, passou à classe operária.
Sobrou apenas a classe m édia, que não foi tocada e, com freqüência,
ainda não é. Esse g rupo representa, de m uitas m aneiras, um p ro d u to
da R eform a, m otivo pelo qual se deve d ar graças, pois ele funciona
com o fa to r de estabilidade. E ntretan to , é com um os elem entos desse
g rupo não com preenderem a base de sua p ró p ria estabilidade. Eles
não têm noção de p o r que pensam nos m oldes antigos - continuam a
agir p o r h áb ito e m em ória, depois de terem esquecido p o r que a for­
m ulação antiga era válida. N ão raro, eles ainda pensam da m aneira
correta —p ara eles, verdade é verdade, direito é direito —, m as já não
sabem p o r quê. Assim, com o poderiam entender os filhos, criaturas
38 A M ORTE DA R A Z Ã O

do século 21, que pensam conform e o novo prism a e não acham que
verdade seja verdade nem que direito seja direito?
A grande m assa recebeu o novo m odo de pensar m ediante os
m eios de com unicação sem analisá-lo. T anto pior para eles, porque
foram atingidos diretam ente, já que o cinem a, a televisão, os livros,
a im prensa, as revistas sofreram um a com pleta infiltração das novas
form as de pensam ento, sem que houvesse análise ou crítica. In terp o s­
ta com o que num bolsão entre os intelectuais e a classe o perária, en ­
contra-se a classe m édia superior. Sem dúvida, um a das dificuldades é
que a m aioria de nossas igrejas enquadra-se nessa faixa de classe m é­
dia superior, e o m otivo p o r que os cristãos n ão estão entendendo os
p ró p rio s filhos é que estes estão sendo educados em função do o u tro
m odo de pensar. N ã o é que sim plesm ente eles pensem coisas diferen­
tes. E que sua m aneira de pensar sofreu m udanças de tal ordem que a
frase “ O C ristianism o é verdadeiro” n ão significa p ara eles o m esm o
que p ara nós.
Em terceiro lugar, esse m odo de pensar dissem iftr.u --w por meio
de sucessivas disciplinas, com o representado no diagram a anterior: a
filosofia, depois a arte, em seguida a m úsica, então a cultura gera! -
que pode ser dividida em determ inado núm ero de áreas - e finalm ente
a teologia. N a arte, p o r exem plo, tem os os grandes im pressionistas -
Van G ogh (1853-1890); G aughin (1848-1903) e Cézanne (1839-1906).
Seguem-se os pós-im pressionistas. E assim nos acham os em pleno
m undo m oderno. N a m usica, Debussy (1862-1918) é o vestíbulo. N a
cu ltura geral, pode-se pensar em T. S. Eliot em seus prim eiros tem pos.
O vulto que abriu os p o rtais da teologia foi Karl M arx.
N o d iag ram a, cham o essa linha de L inha do Desespero. N ão que
todos os que se enco ntram abaixo da linha chorem e clam em , ainda
que alguns, com o o p in to r Francis Bacon, tenham feito isso. G iaco-
m etti tam bém agiu assim - m orreu aos prantos.
Q ue é esse desespero? E a resultante da perda da esperança de
um a resposta unificada ao conhecim ento e à vida. O hom em m oder­
no continua a se apegar ao racionalism o e à revolta au tô n o m a que
o caracterizam , em bora p ara agir assim ele tenha de abrir m ão de
qu alq u er esperança racional de um a resposta unificada. N o período
precedente, os hom ens de cultura não desistiam da racionalidade e da
esperança de um cam po unificado de conhecim ento. O hom em m o ­
A ciência moderna nos primórdios ^

derno, porém , ab a n d o n o u to talm en te a esperança de unidade e vive


em desespero - o desespero de n ão m ais pensar que aquilo que tem
sido sem pre a aspiração dos hom ens seja de algum m odo possível.

1 “On Science an Culture" (Sobre Ciência e Cultura), em E N C O U N T E R (Encontro), Outubro


de 1962.

2 No livro T H E GOSD WHO IS T H E R E ( 0 Deus que intervém - Hodder and Stougkton, Lon­
dres, 1968), mostrei com pormenores o desenvolvimento processado abaixo da linha de Dísespero
nessas áreas (filosofia, arte, música, cultura geral e teologia), desde o tempo quando baixaram a
essa posição até opresente.
40

4
O salto

E sse p a sso trouxe-n os a K ierkegaard e ao salto. C om K an t, vim os


que a linha entre a natureza havia-se a la rg a d o consideravelm ente. O
que o salto de K ierkegaard fez foi rem over a esp eran ça de to d a e qual
quer unidade. A p ós K ierkegaard , o que tem os é alg o assim :

O OTIMISMO DEVE SER NÃO-RACIONAL


TODA RACIONALIDADE = PESSIMISMO

D esap areceu a esperan ça de um elo entre as d u as esferas. N ã o


há perm eabilid ade ou in tercâm bio - ha um a com pleta d ico to m ia en­
tre os an d ares su p erior e inferior. A linha de sep a ra ção desses a n d a ­
res torn ou-se um a h orizon tal de concreto, de m ilhares de m etros de
e sp essu ra, com aram e fa rp a d o fortem ente eletrificado e n g a sta d o no
concreto.
A situ aç ão ag o ra p od e ser resu m id a no seguinte. A b a ix o da linha,
há racio n alid ad e e lógica. O an d ar su p erior ab rig a o n ão-lógico e o
n ão-racio n al. N ã o há relacion am en to entre os d ois níveis. Em o u tras
palavras, no an d ar inferior, com base na razão , o hom em co m o h o ­
mem esta m orto. T em os sim plesm ente a m atem atica, a m ecânica. O
hom em não tem sign ificad o, n ão tem p ro p ó sito , n ão tem sentido. H á
apen as p essim ism o q u an to ao hom em co m o hom em . M a s em cim a,
com base num salto n ão-racio n al, n ão-razoável, há um a fé n ão -racio ­
nal que dá otim ism o. E ssa é a d ico to m ia to tal do hom em m oderno.
O problem a relacio n ad o com aqu eles de nós que vêm de um m eio
cristão ou da fa ix a superior da classe m édia é que n ão p o d em o s sentir
facilm ente a esp essu ra d essa linha, da m aneira co m o a perceberia im e­
diatam ente o hom em do século 21 que vive à m argem esq u erd a, em
O salto
41

Paris ou na U niversidade de Lon dres. N ó s, e xp ressão d o am bien te do


q u al proced em os, p en sam o s que deve haver certo in tercâm bio, m as a
resp osta de n o ssa era é: “ N ã o , nunca houve e ja m a is h averá” . Q u a n ­
do se julgava que um in tercâm bio estava sen do p ro cessad o , era p u ra
ilusão. C o m b ase em to d a razão , o hom em é destitu ído de significado.
N o que concerne à racio n alid ad e e à ló g ica, o hom em sem pre foi m or­
to. Foi um a esp eran ça vã o hom em p en sar que n ão estava m orto.
E isso que significa dizer que o hom em está m orto. N ã o quer d i­
zer que ele vivia e m orreu. A o co n trário, ele sem pre esteve m orto , m as
faltava-lhe suficiente con hecim en to p a ra se reconhecer m orto.

Existencialismo secular

D e K ierk egaard , procedem d u a s exten sões: o existen cialism o se­


cular e o existen cialism o religioso.
O e xisten cialism o secu lar divide-se em três correntes p rin cip ais,
represen tadas p o r Jean -P au l Sartre (1905-1980) e C am u s (1913-1960),
na França; K arl Ja s p e r s (1883-1969), na Suíça, e H eid egger (1889-
1976), na A lem an h a. Em p rim eiro lugar, Jean -P au l Sartre. R a c io n a l­
m ente, o universo é ab su rd o , e o hom em deve bu scar auten ticar-se a
si m esm o. C o m o ? M edian te um a to de vontade. A ssim , se você estiver
an d an d o de carro pela rua e avistar alguém na calçad a so b forte chu­
va, você p ára o carro, p ega a p e sso a e lhe dá um a caron a. È absurdo.
Q ue im p o rta? A p e sso a n ad a é, a situ aç ão de igual m od o n ad a é, m as
você se au ten ticou m ediante um ato de vontade. A dificu ldade, en­
tretanto, é que a au ten ticação n ão tem co n teú d o racional ou lógico
- to d as as direções de um ato da vontade são iguais. P ortanto, de m a ­
neira sem elh ante, se você está dirigin d o num a rua e avista o hom em
na chuva, acelera o carro e o a tro p e la, você auten ticou su a vontade da
m esm a m an eira. Entendeu? A ssim , chore pelo hom em m odern o p o sto
em situ aç ão de tam an h a d esesp eran ça.
Em segun do lugar, K arl Ja sp e r s. Ele é fu ndam entalm en te um p si­
có lo go e fa la de um a “ experiên cia final” , isto é, um a experiên cia de
tal m onta que lhe p ro p o rcio n a a certeza de que você existe e um a e s­
peran ça de sign ificado - em b ora, racion alm en te, n ão lhe seja possível
auferir tal esp eran ça. O prob lem a que afeta e ssa “ experiencia final e
42 A M O R TE DA RA ZÃO

que, p o r ser totalm en te sep a ra d a d o que é racio n al, n ão há m eio de


co m u n icar seu con teúd o nem a ou tra p e sso a nem a você m esm o! Um
alu n o d a U niversidade Livre de A m sterd ã estava ten tan do agarrar-se
a essa experiên cia. Ele foi assistir a P astos verdejantes, certa noite, e
sentiu tal experiên cia, que lhe pareceu ter encon trado certo sentido
na vida. D o is an o s d ep ois d isso , eu o encontrei - ele estava a pon to
de se suicidar. Pense nisto: bu scar d esco brir certo significado p a ra a
vida som ente com base em tal experiên cia, um a experiên cia que n ão
lhe perm ite co m u n icar nem m esm o a si p ró p rio , n ad a além de sim ­
plesm ente repetir que ela aconteceu. N a m an h ã seguinte ao acon teci­
m ento, talvez e ssa experiência ain d a seja forte, m as e d ep ois de du as
sem an as, dois m eses, d o is an os? Q u ã o d esesp erad o ra é a esperan ça
fu n d am en tad a ap en as n essa experiên cia final.
A lém d isso , essa experiên cia final n ão co m p o rta p rep aração p ré ­
via. Ja s p e r s tin ha, p o rtan to , de dizer a seus m ais d evotados seguidores
que não p o d iam ter certeza de a lcan çar um a experiên cia final m ed ian ­
te o suicíd io, p o is tais p e sso a s levavam o c a so tão seriam ente que eram
capazes de fazer exatam en te isso. N ã o há m eios de n os p rep ararm o s
p ara a experiên cia final. Ela se en q u ad ra na categ o ria su p erior - a co n ­
tece q u an d o m enos se espera.
Em terceiro lugar, tem os o que H eid egger ch am a de A n gst. A n gst
n ão é m edo, sim plesm en te, p ois o m edo tem um objeto. A n gst é um
vago sen so de tem or - a sen sação d esag rad áv el que se tem q u an d o
se entra em um a casa su p ostam en te m al-a sso m b rad a . H eid egger fir­
m ou tu do n essa espécie de an sied ad e b ásica. P ortanto, os term os p elos
qu ais se exp re ssa o an d ar su p erior n ão fazem diferença nenh um a. A
base desse sistem a reside no salto. A esp eran ça está sep a ra d a do an d ar
inferior racion al.
H o je , q u ase que se p od e dizer que n ão há filosofia em seu sen tido
clássico - há anti-filosofias. O s p en sad ores n ão m ais pressu p õem que
alcan çarão re sp o stas racio n ais p a ra as gran d es q uestões. O s filósofos
lingüísticos a n g lo -sax õ e s alien aram -se com pletam en te d a s gran des
qu estões, lim itan d o a filosofia a área bem m ais reduzida. Eles estão in­
teressad o s na definição de term os e con fin am su as op erações ao an d ar
interior. O s existen cialistas ap eg aram -se m ais a um con ceito clássico
de filosofia, em que lidam com as gran des q u estões, m as o fazem acei­
tan d o inteiram ente a d icoto m ia entre racio n alid ad e e esperan ça.
O salto 43

O que faz do indivíduo um hom em tipicam ente m odern o é a e x is­


tência d e ssa d ic o to m ia, n ão as m ú ltip las c o isas que, co m o um salto ,
ele co lo ca no an d ar superior. N ã o im p o rta que e xp ressão ele co lo qu e
ali, secu lar ou religio sa; é tu d o a m esm a co isa, se se fu n d am en ta n essa
d icoto m ia. E isso que sep ara e distin gu e o hom em m odern o, p o r um
lado, do hom em da R en ascen ça, que alim entava a esperan ça de um a
unidade h u m an ista, e, de ou tro, d o hom em da R efo rm a, que p o ssu ía ,
na realid ad e, um a un idade racio n al acim a e ab a ix o d a linha b a sea d a
no con teúd o da revelação bíblica.

Existencialismo religioso

O m esm o q u ad ro geral que em erge do existen cialism o secu lar


está presente no sistem a de K arl B arth e n as novas te o lo g ias que têm
p ro jetad o e esten d ido o seu sistem a. N ã o há in tercâm bio racio n al a c i­
m a e a b a ix o d a linha. B arth adm itiu as teo rias da A lta C rítica, de
sorte que, a seu ver, a B íblia contem erros, m as a nós cum pre crer nela
assim m esm o. A “ verdade re lig io sa ” é sep a ra d a e d istin ta d a verdade
h istórica d as E scritu ras. A ssim , n ão há lu g ar p a ra a ra zã o e nem p o n ­
to de verificação. Isso constitui o salto em term os religiosos. T o m ás de
A quino abriu a p o rta p ara o hom em independente no a n d ar inferior,
p ara um a teologia n atural e um a filosofia que eram a u tô n o m a s em
relação às E scritu ras. Isso levou, no pen sam en to secular, à n ecessid a­
de de d e p o sita r finalm ente a esp eran ça to d a em um a n d ar su perior
n ão-racíon al. D e m od o sem elh ante, na teo lo g ia n eo -o rto d o x a resta
ao hom em a n ecessid ade de d a r o salto , p orq u e co m o hom em in tegral
n ada p o d e fazer na área d o racio n al na busca de D eus. N a teologia
n eo -o rto d o xa, o hom em é m en os d o que a criatu ra d ecaíd a d o con cei­
to bíblico. A R efo rm a e as E scritu ras categ o rizam que o hom em n ad a
pode fazer p a ra se salvar; p o d e , p o rém , g raç as a ra zã o que p o ssu i,
exam in ar as E scritu ras, que tan gem n ão ap en as a “ verdade religio­
s a ” , m as tam bém a h istória e o co sm o s. Ele, assim , n ão ap en as tem
recursos p a ra esq u ad rin h ar a B íb lia, co m o hom em in tegral, incluída a
razão , m as tam bém a resp o n sab ilid ad e de fazer isso.
A espécie de term os que se p rojetam a o an d ar su p erior n ão m uda
o sistem a básico . N o que diz respeito a o sistem a, o u so de term os reli­
44 A M O R TE DA RA ZÀ O

g io so s ou secu lares n ão faz diferença. O que é p articularm en te im p o r­


tante ob servar nesse sistem a é o ap arecim en to co n stan te, de alg u m a
fo rm a, da ênfase kierk egaard ian a na n ecessidade do salto. U m a vez
que o racional e o lógico são co m pletam en te sep a ra d o s do nâo-ra-
cional e d o n ão-lógicô , o salto é to tal. A fé, exp ressa em term os secu ­
lares ou religio so s, torn a-se um salto d estitu íd o de q u alq u er verifica­
ção, porque é totalm en te sep a ra d a d o lógico e do racional. Podem os,
a g o ra, ver com essa base co m o o s novos teó lo g o s podem afirm ar que
em bora a Bíblia, na esfera da n atureza e da h istó ria, esteja repleta de
erros, isso n ão afeta seu valor.
N ã o im porta que term os ad otam os. O salto é com um a to d a esfera
de pensam ento do hom em m oderno. O hom em é forçad o ao desespero
desse salto, porque não pode viver com o um a sim ples m áquina. Esse é,
pois, o hom em m oderno. E assim que ele se expressa na pintura que p ro ­
duz, na literatura novelesca, nas p eças de teatro e na p ró p ria religião.

A Nova Teologia

N a N ova T eo lo g ia, os term os definidos e stão a b a ix o d a linha:

NÃO-RACIONAL - TERMOS CONOTATIVOS


RACIONAL - TERMOS DEFINIDOS

A cim a da linha, o teólogo novo tem term os indefinidos. A “ te o lo ­


gia do s a lto ” cen traliza tu d o no term o indefinido. T illich , p o r exem ­
plo, fala sobre o “ D eus além de D e u s” —com o p rim eiro term o “ D e u s”
inteiram ente indefinido. O s term os defin idos na área da ciência e da
h istória estão a b a ix o da linha; acim a, há som ente vocábu los con ota-
tivos. Para ele, o valor de tais p alavras reside precisam ente no fa to de
elas serem indefinidas.
A N ova T eo logia parece levar van tagem sobre o existen cialism o
secular, ao fazer uso de palavras que se revestem de fortes c o n o ta ­
ções, a rra ig a d a s que estão na m em ória da raça; são term os co m o
“ ressu rreição ” , “ cru cificação” , “ C r isto ” , “J e s u s ” . E ssa s p alav ras d ão
um a slusão de com u n icação. E a im p o rtân cia d esses vocábu los p ara
O salto
45

os te ó lo g o s novos está exatam en te n essa ilu são de haver co m u n icação,


acrescida da reação altam en te m otivada que os indivíduos d em o n s­
tram com base na co n o ta çã o d o s term os. E ssa é a vantagem da N ova
T eologia sobre o existen cialism o secu lar e os m odern os m isticism o s
seculares. O uve-se a p alavra “J e s u s ” , age-se em fu nção dela, m as ela
jam ais e definida. O uso d e ssa s fo rm as restringe-se sem pre à área do
irracio n al, do n ào-lógico. S e p a rad a s da h istória e do co sm o s, divor­
ciam -se de to d a e q u alq u er verificação possível p o r p arte da ra zã o no
an d ar de b a ix o ; nenhum a certeza existe, p o rtan to , de que h aja algo
no an d ar de cim a. P recisam os com preender, con seqüentem en te, que
é um ato de d esesp ero fazer essa se p a ra ç ã o , g raç as à q u al se remove
to da esperan ça d o reino da racio n alid ad e. E um ato real de desespero,
e isso n ão se altera sim plesm en te com o u so de term os religiosos.

Experiências do andar superior

O h om em , feito à im agem de D eu s, n ão p o d e viver co m o se fosse


um n ad a; d aí, no seu desesp ero, ele co lo ca no an d ar su p erior to d o
tipo de co isa. Para ilustrar o fa to de que n ão im p o rta o que se co lo ca
no an d ar superior, tentarei m o strar q u ã o v ariad as são essas co isas. J á
enunciam os exem p ios co m o a “ experiên cia existen cial” de Sartre, a
“ experiência fin al” de Ja sp e r s e a A n gst de H eidegger. Em cad a caso,
o hom em está m orto , no que tan ge à racio n alid ad e e à gló ria.
A ld o u s H u xley fez um acréscim o titân ico a essa m an eira de pen ­
sar. Ele utiliza a ex p re ssão “ experiên cia de prim eira o rd e m ” . Para a l­
can çar essa tal experiên cia, ele advogou o uso de drogas. Tenho tido
co n tato com m uitas p e sso a s inteligentes que to m am L S D e reconhe­
cem , em q u ase to d o s os ca so s, que o que estão fazen do relaciona-se
com o ensino de H u xley sobre essa “ experiên cia de prim eira o rd e m ” .
O pon to a se d e stac ar é que no a n d ar inferior - a natureza — a vida
não faz sen tid o, é inteiram ente d estitu ída de sign ificação. O indivíduo
usa d ro g as p a ra ten tar alcan çar um a experiên cia m ística direta, sem
nenhum relacio n am en to com o m undo d o racio n al. Ja sp e rs, co m o vi­
m os, diz que n ão é possível preparar-se p a ra essa experiên cia. Huxley,
entretanto, aferrou-se à esp eran ça de que é possível prep arar-se p o r
m eio d as d ro g as. A ssim , m u itos, à m edida que concluem que n o ssa
46 A M O R TE DA RA ZÂO

cultura é, nas p alav ras de T im oth y Leary, um a socied ad e m on tad a em


um cenário de p u ra m istificação, ap elam p ara o recurso d as d ro g as.
A razão b ásica p o r que as d ro g as e stão sen do levadas tã o a sério
h oje em d ia n ão é a sen sação que p rod u zem , nem o escape que p ro ­
p orcion am , m as p orq u e os indivíduos sentem -se d esesp erad os. C om
base na racio n alid ad e e na lógica, o hom em n ão p ossu i nenhum sig ­
n ificado, e a p ró p ria cultura fica sem sentido. Por isso, o hom em está
p rocu ran d o um a resp o sta n as “ experiên cias de prim eira o rd e m ” . E
isso que está p o r trás d a m od ern a m an ia d a s d ro g as. R elacion a-se com
um m ilênio de p an teísm o, já que os m ístico s orien tais têm u sa d o h a ­
x ix e ha sécu los com o p ro p ó sito de ch egar a experiências religiosas.
L o g o , essa p rática está longe de ser nova, em b o ra o seja p a ra nós. N a
o b ra T he h um an ist fram e (A m oldura h u m an ista), da qual escreveu
o últim o cap ítu lo , H u xley in sistiu, p o u co antes de m orrer, no uso d as
d ro g a s p o r p arte d as “ p e sso a s s a d ia s ” p a ra se ter essa “ experiên cia de
prim eira o rd em ” . E ssa foi sua esperan ça.
O H u m an ism o E volu cion ário O tim ista é ou tra ilu stração do fa to
de que, um a vez que se aceite a d ico to m ia d os an dares su perior e in­
ferior, nenhum a diferença faz o que se co lo ca no superior. E ssa idéia
foi p ro p a g a d a p o r Ju lia n Huxley. O H u m an ism o E volu cion ário O ti­
m ista n ão tem fu n d am en to racional. S u a esp eran ça firm a-se no salto
d o am an h ã. N a bu sca de prova, sem pre se indica o dia seguinte. Esse
o tim ism o e um salto , e serem os to lo s se, em n o ssa s un iversidades, ce­
d erm os ao p en sam en to de que os h u m an istas têm um a base racion al
p a ra a p o rç ão “ o tim ista ” de seu slo gan . Eles n ão têm - sã o irracio ­
n ais. O p ró p rio Ju lia n H u xley aceitou isso , na p rá tic a, um a vez que
form u lou a p ro p o siçã o b ásica de que os seres h u m an o s agem m ais a
con tento q u an d o nutrem a con vicção de que existe um D eus. Segun do
Huxley, n ão há d eid ad e nenhum a, m as d irem os que há um D eus. Em
o u tras p alavras, assim co m o A ld o u s H u xley contem plava o u so de
d ro g a s, Ju lia n H u xley contem plava o salto religioso, em b ora isso não
lhe seja m ais d o que p u ra m entira - n ão existe D eus. E p o r isso que
n ão parece p a rad o x al que Ju lia n H u xley tenha escrito a in trod u ção
ao livro Phenom enon o f m an (O fen ôm en o d o h om em ), de T eilhard
de C h ardin . A m b o s estão em p en h ad o s no salto. O m ero em prego de
term os religio so s em co n traste com a term in ologia n ão-religiosa n ad a
m uda a p ó s serem ad m itid o s a d icoto m ia e o salto. C e rta s p o siçõ es se
O salto
47

nos afiguram m ais d ista n ciad a s e m ais ch ocantes. O u tras n os parecem


m enos d istan tes, m as n ão há diferença essen cial.
Em um p ro g ra m a rad iofôn ico d a B B C de L o n d res, A nthony Flew
fez a si m esm o a pergu nta: “ Valerá a pena a m o ra l?” . Ele se ser­
viu do p ro g ram a p a ra d em o n strar que, com base em seus p ró p rio s
pressu p o sto s, a m o ralid ad e n ão vale a pena. M a s, ap esar d isso , ele
não suportava essa ideia. N o final d o p ro g ra m a , ele invocou, sem base
na lógica, o con ceito de que, em b ora a m o ralid ad e n ão com pen se, o
hom em n ão é to lo em agir com escru p u los, Isso é um salto enorm e,
destitu ído de q u alq u er fu n d am en to que evidencie porque n ão é tolice
proceder com escrú p u los, à p arte de q u alq u er categoria q u an to ao
sentido b ásico do term o “ e scrú p u lo ” .
O elem ento significativo é que o hom em racio n alista, h u m an ista,
com eçou afirm an d o que o C ristian ism o n ão é suficientem ente ra cio ­
nal. A go ra, ele deu m eia volta, em um a m p lo círculo, e aca b o u na
con d ição de m ístico - ain d a que m ístico de um tip o to d o especial, Ele
e um m ístico sem ninguém com quem bu scar com un hão. O s velhos
m ísticos sem pre p o stu la ra m a existên cia de A lguém ; os novos m ísti­
cos, entretanto, afirm am que isso n ão vem ao ca so , p o is o que im p o rta
é a fé. É fé na fé, quer se expresse em term os religio so s, quer em ter­
m os seculares. O salto e o que im p o rta, n ão o s term os pelos q u a is se
expressa. A verb alização , isto é, os sistem as de sím b o lo s, p o d e m udar,
sejam o s sistem as religio so s ou n ão-relígio so s. O fa to de se utilizar
um a ou ou tra p alav ra é incidental. O hom em m odern o volta-se p ara
encontrar sua re sp o sta no an d ar superior, m ediante um salto , p a ra
longe d a racio n alid ad e e da razão.

Análise lingüística e o salto

H á p o u co tem p o, eu presidia u m a d isc u ssã o em um a un iversida­


de in glesa, em que filósofos lin gü ísticos d estacam -se por seu cerrado
ataq u e a o s cristão s. A lgun s deles estavam presentes. D entro de p o u co
tem po, era óbvio o que estavam ten tan d o fazer. Estavam fom en tan do
seu prestígio na área a b a ix o da linha, e m b a sa d o s em razoável definição
de term os. R epen tin am en te, porém , eles salta ra m p a ra um H u m a n is­
m o E volu cion ário O tim ista, acim a d a linha, e se lan çaram ao a taq u e
48 A M O R TE DA R A Z Ã O

ao C ristian ism o com base no p restígio que haviam estab elecido em


sua p ró p ria esfera. A lguns deles m erecidam ente co n q u istaram só lid a
repu tação de racio n alid ad e na defin ição de term os, m as en tão fizeram
um salto , m u d an d o sua m áscara ao a ta c a r o C ristian ism o com base
em um H u m an ism o que nenhum a relação tem com o an d ar inferior,
a área da an álise lin güística. C o m o já d issem o s, a an álise lingüística é
um a an ti-filosofia, no sentido de que esses p en sad ores lim itaram -se ao
con ceito que nutrem da filosofia. Eles n ão m ais fo rm u lam as gran des
q uestões a que a filosofia clássica sem pre se p restou. P ortan to, q u a l­
quer co isa que d ig am na área d e ssa s q u estõ es n ão tem nenhum a rela­
ção com a d isciplin a a que se d ed icam e ao p restígio que ela acarreta.
O interessante, na atu alid ad e, é que, um a vez que o existen cialis­
m o e, de m od o diferente, a “ filosofia de defin ições” se converteram em
an ti-filosofias, as verdadeiras e xp ressõ es filosóficas tenderam a p a s ­
sar p a ra o d om ín io daqu eles que n ão o cu p am as cáted ras de filosofia
— os escritores, os cin eastas, os m ú sico s de jazz, os h ippies e m esm o
as q u ad rilh as juvenis em sua violência. S ão e ssa s as p e sso a s que hoje
em d ia fazem as gran des pergu ntas e lutam p o r re sp o stas a d eq u a d a s
em n o sso tem po.

No estado marxista, o árbitro absoluto éo estado, que estabelece absolutos pormenorizados e arbitran-
tes como leis, com vistas a conferir unidade no turbilhão de seu materialismo hegeliano. Os artistas
foram, a princípio, os sustentá-culos da Revolução, mas, ao mesmo tempo (graças a suas modernas
formas de arte, baseadas emformas depensamento modernas), constituíram uma ameaça que teria
de ser debelada, porque desafavam a suficiência do estado e suas leis em relação a: (a) signifcado do
indivíduo; fb) tentativa de restringir o desenvolvimento naturalpartindo dopensamento hegeliano
epolarizando~se para com umaprogressiva carência de sentido, como se temprocessado no Ocidente.
Teóricos, como Adam Schajf de Varsóvia, estão procurando um meio de descobrir um sentido para
o indivíduo, sem se engolfar no crescente caos do Ocidente. 0 relativismo hegeliano é consenso em
ambos os lados da Cortina de Ferro; assim, no se?itido mais básico, a situação em ambos os lados da
Cortina de Ferro é uniforme, em ambos os lados o homem está morto. 0 Ocidente pode ressaltar
a perda de significado do indivíduo em conseqüência da supressão política e da lavagem cerebral
reinantes nos Estados Comunistas, mas o indivíduo igualmente perde o significado no Ocidente.
Pode-seperguntar, afim de conter o caos crescente, se isso não levará rapidamente à supressãoprática
do indivíduo no Ocidente de igual modo. Nesse aspecto, é de se lembrar a sugestão deJohn Kenneth
Galbraith quanto a um estabelecimento científico e acadêmico —Elite Estatal ”ou o provocativo
conceito deAlien insberg sobre um sistema de castas à moda da índia.
2 Allen and Un-win, Londres, 1961.

3 Collins, Londres; Harper and Row, Nova York, 1959.


4 The Listener (O ouvinte), 13 de outubro de 1966.
49

5
A arte como salto
no andar superior

V im os que desde R ou sseau se estabeleceu a d icoto m ia entre n a­


tureza e liberdade. A natureza p a sso u a represen tar o determ in ism o,
a m áq u in a, com o hom em na d e se sp e rad a situ aç ão de ser a b so rv i­
do pela m áq u in a. E n tão , no a n d ar superior, vem os o hom em lu tan do
pela liberdad e, que era b u scad a co m o ab so lu ta, sem lim itações. N ã o
existe D eus, nem m esm o um universal, a lim itar o hom em , de sorte
que o indivíduo p rocu ra exp ressar-se com to tal liberdade; ao m esm o
tem po, porém , ele sente a co n d en ação de ser ab so rv id o pela m áq u in a.
E ssa é a ten são do hom em m oderno.
O cam p o d a arte oferece vasta varied ad e de ilu straçõ es d e ssa ten­
são, que p o r sua vez p ro p o rcio n a um a e x p lica çã o parcial p a ra o fato
cu rioso de que m uito da arte co n tem p o rân ea, co m o e xp ressão p ró p ria
do que é o hom em em si, é feia. Ele n ão sabe d isso , m as está e x p re ssa n ­
do a n atureza d o hom em decaíd o, que co m o ser criado à im agem de
D eus é m aravilh oso. E n tretan to, em sua presente co n dição, é decaído.
N o esforço que o hom em faz p a ra exp ressar a liberdade a seu p ró p rio
m odo a u to n o m o , m uito de sua arte, ain d a que n ão o to d o , torn a-se
fftlõ e d estitu íd o de q u alq u er sentido. Em co n traste, m uitos p rojetos
in du striais e stão se to rn an d o m ais regulares, em p ad rõ e s m ais estili­
zad os, com estética e fo rm o su ra real. Em m inha o p in ião , a e x p licação
p ara o crescente ap rim o ram en to de larg a fa ix a de projeto in du strial é
o >ato de que ele tem que seguir a curva d o que existe —segue a fo rm a
d g universo. Isso ilustra, além d isso , co m o a ciência em si n ão é auto-
n om am ente livre, m as deve se ater a o que existe. M esm o que o cien tis­
ta ou filósofo sustente que tu d o é fo rtu ito e sem sentido, no m om ento
em que enfrenta o universo, em co n fron to direto, n ão im p o rta de q u al
sistem a filosófico seja ad ep to, ele está lim itad o, p o is tem de lid ar com
50 A M O R TE DA RA ZÃ O

o que ach a aí. Se a ciência n ão procede d e ssa m an eira, d eix a de ser


ciência real p a ra se to rn ar ficção científica. O p rojeto in d u strial, co m o
a ciência, e stá de igual m od o afeito à fo rm a d o universo e, p o rtan to ,
é freqüentem ente m ais belo d o que a “A rte ” (com A m aiú scu lo ), que
exp ressa a rebelião, a feald ade e o d esesp ero do ser hum ano. E sta m o s,
a g o ra, em con d ições de p o n d erar a lg u m as d a s várias exp ressõ es de
arte que representam o salto d o a n d ar superior.

A poesia: Heidegger no período final

H eidegger n ão m ais p od ia aceitar o existencialism o que defendera


e m udou de p o siç ão — ap ós ter u ltrap assad o os setenta anos* N a ob ra
W hat is philosophy? (Que é filosofia?), ele term ina com a ressalva “ m as
atentem p ara o p o e ta ” . Q u an d o apela a que se dêem ou vidos ao p o e ­
ta, ele n ão quer dizer que devem os escutar o teor ou o conteúdo das
palavras do p oeta. O conteúdo n ão vem ao caso —pode-se invocar seis
poetas que contradizem um o outro. O conteúdo não im porta porque se
acha 11a área da racionalidade, isto é, no an d ar inferior. O que 1 relevan­
te é que existe algo com a p oesia - e esta situa-se no an d ar superior.
A p o siç ã o de H eid egger e esta: um a p arcela do Ser é o ser, o h o ­
m em que exerce a fu n ção verbalizad a. Em co n seqü ên cia, um a vez que
há p alav ras no universo, nutrim os a esp eran ça em alg u m a fo rm a de
sign ificação do Ser, isto é, o que é. N atu ralm en te, ob serva-se que o
poeta existe e, em sua existên cia, torn a-se p ro feta. J á que a p o e sia está
em n o sso m eio, p o d em o s ceder à esp eran ça de que h á, em relação à
vida, m ais d o que sim plesm ente o que se adm ite em b ases ló g icas e r a ­
cion ais. E sse é, p o is, outro exem p lo de um an d ar su perior irracio n al,
sem nenhum conteúdo.

A arte: André Malraux

M a lra u x é um hom em m isterioso. Produ to do existen cialism o,


lutou na R esistên cia, entregou-se a o uso de d ro g as, levou um a vida
p o r vezes cheia de lances p olêm icos e, finalm ente, foi g u in d ad o à p o ­
sição de M in istro da C u ltura da França. Em seu livro “ T he voices o f
A arte como salto no andar superior
51

silen ce” (As vozes d o silên cio), a últim a seção é in titu lada “A co n se­
qüência d o a b so lu to ". N ela, ele revela que entende m uito bem a m u­
dan ça que se tem o p erad o ante o m odern o falecim en to d a esperan ça
de um absoluto.
H á , na a tu alid ad e, m uitos livros em p en h ad o s em co n co rd ar com
ele. N o num ero de 6 de ou tu b ro de 1966 da R evista N o v aio rq u in a de
Livros, diversos livros sã o d iscu tid o s. N esse exem plar, en con tram os
o seguinte co m en tário : “ T od as as o b ra s de M a lra u x são b isse tad as...
sem p o ssib ilid ad e de reso lu ção , entre d u as p o siçõ e s, no m ínim o: um
an ti-h u m an ism o b ásico (represen tado, con form e a s circun stân cias,
por orgulh o intelectual, busca de poder, erotism o e assim p o r diante)
e um a a sp ira ç ã o em últim a in stân cia irracion al p ara com a carid ad e,
ou um a escolh a racion alm en te injustificável a favor d o h om em ” .
Em ou tras p alavras, há um a 1 iú p olarid ad e” em M alrau x —no an ­
d ar superior algo se insere na arte que n ão tem nenhum a base racional.
E a asp iração de um ser h um ano alien ado da racionalidade. C o m base
na racionalidade, o hom em n ão tem esperança; entretanto, volta-se para
a arte co m o arte p ara provê-la. Ele o u to rg a um p o n to de in tegração,
um salto , um a esp eran ça de liberdade no âm b ito d aq u ilo que a m ente
sabe ser falso. E sta m o s em situ aç ão de p erd ição e sab em o s d isso , m as
nos voltam os p ara a arte e ten tam os encon trar um a esperan ça que s a ­
bem os, p o r força da razão , n ão existir. Prossegue e revista: “ M a lra u x
se eleva acim a desse d esesp ero ap elan d o eloqüentem ente a si p ró p rio
e a ou tros p ara que vejam a id en tid ad e d o hom em na ate m p o ralid ad e
da a rte ” . P ortan to, a o b ra de M a lra u x em seu to d o - seus rom an ces,
sua h istoria da arte , sua ativid ad e de M in istro d a C u ltu ra d a França
- é um a g ig an tesca ex p re ssão desse ab ism o e desse salto.
O sistem a que n os circunscreve, de d icoto m ia e salto , é m o n o lí­
tico. N a In glaterra, Sir Herberí. R ead en q u ad ra-se n essa m esm a ca te ­
goria. N a o b ra The p h ilosofy o f m odern art (A filosofia d a arte m o ­
derna), ele m ostra que entende a situ aç ão q u an d o afirm a, acerca de
C au gu in : ‘G au gu in su bstitu iu o am o r d o hom em p ara com o C riad o r
por seu am o r pela beleza (com o um p in to r)” . M a s em sua m aneira de
ver a realidade, ele diz tam bem que a razão deve d ar lu gar à m ística da
arte —n ão ap en as teoricam en te, m as ain d a co m o o p o n to de p a rtid a
a e d u cação p a ra o am an h ã. N a o b ra de Sir H erbert R ead , a arte é
outra vez p ro jetad a co m o a resp o sta co n segu id a pelo salto.
52 A M O R TE DA RA ZÃ O

Picasso

O u tro exem p lo é P icasso. Ele ten tara criar o universal p o r m eio da


ab stração . S u a s telas a b stra ta s ch egaram a tal p o n to que n ão era m ais
n ecessário diferen ciar um a loira de u m a m oren a, um hom em de um a
m ulher ou m esm o um a criatura h u m an a de um a cadeira! A a b stra ç ã o
havia sid o levada tã o longe que P icasso fizera seu p ró p rio universo na
tela —na realid ad e, p arecia que n essa ép oca ele estava ten tan d o fazer
com êxito o p ap el de deus em seus q u ad ro s. N o m om ento, porém , em
que pin tou o universal, n ão m ais o p articu lar, ele d ep ara com um d o s
dilem as do hom em m od ern o: a fa lta de co m u n icação. O indivíduo
que co n tem p la o q u ad ro perdeu to d a a co m u n icação com a o b ra de
arte dian te d a q u al se p o sta —n ão sab e o que a tela representa. Q ue
ad ian ta ser d eus n um a superfície de 60crn x 120cm , se ninguém sabe
d o que se trata?
En tretan to, é instrutivo ver o que aconteceu q u an d o P icasso se
a p aix o n o u . Ele com eçou a escrever p o r m eio da tela: Am o E va” .
A g o ra , de repente, estabeleceu-se um a co m u n icação entu. as p e sso a s
que olhavam o q u ad ro e P icasso. Era, entretanto, um a co m u n icação
irracio n al, com base no fa to de que ele am ava E va, o que p o d em o s
com preender, m as n ão com base no m otivo que o q u ad ro expressava.
A q u i, ou tra vez, tem os o salto. C o m b ase na razão , ao p ro c u rar o
pin tor racion alm en te fixar seu p ró p rio universal, p erdida e stá a co m u ­
n icação. M a s esta é restau rad a em um salto co n trário à racio n alid ad e
de sua p o siç ão . C o m o ain d a é um ser h um an o, o p in tor tem de d ar o
salto , especialm en te q u an d o se ap aix o n a .
A p a rtir d e ssa d a ta , é possível to m a r a o b ra de P icasso e seguir
as curvas da p in tu ra a flutuarem , con form e ele se a p aix o n a ou não.
M a is tarde, p o r exem p lo, q u an d o se a p aix o n o u p o r O lg a e com ela ca-
sou-se, ele a pin tou em m oldes sum am en te h um an o s. N ã o quero, com
isso , dizer que seus q u a d ro s restantes n ão sejam gran des o b ras. P icas­
so era um gran d e pintor, m as um hom em perdido. N ã o obteve êxito
no que se p ro p ô s a alcan çar em seu esfo rço de atin gir o universal, e sua
vid a to d a d ep ois d isso foi um a série de ten sões. Q u an d o se in d isp ô s
com O lg a , de novo seus q u ad ro s sofreram perceptível m udan ça. H á
p o u co s an o s, vi alg u m as de su as o b ra s p ro d u z id a s em p erío d o q u an d o
novam ente se a p aix o n o u , ago ra p o r Ja cq u e lin e. D isse eu na o c asiã o :
A arte como salto no andar superior
53

“ P icasso está vivendo um a nova era - ele a m a essa m ulher” . D e fa to


ele se ca so u com Ja cq u e lin e m ais tarde - seu segu n d o casam en to. D e s­
sa fo rm a, n os q u a d ro s de O lga e Ja cq u e lin e, em m oldes co n trário s à
q u ase to talid ad e de su as o u tras o b ra s, ele exp ressa o salto irracio n al
no sistem a de sím b o lo s de sua fo rm a de pintar, o m esm o salto irra cio ­
nal que ou tro s exprim em p o r p alavras.
O b servem o s, de p a ssa g e m , que em S alv ad o r D ali percebe-se essa
m esm a evolução - ele p a sso u a p in tar sím b o lo s de arte cristã cono-
tativos, q u an d o deu o salto de seu velho su rrealism o p ara o seu novo
m isticism o. Em su as o b ra s m ais recentes, os sím b o lo s c ristã o s são
p in tad o s com seus efeitos con otativo s, n ão em term os verb alizad os,
com o na T eo logia N ova. Isso, entretanto, n ão faz diferença, p o is se
baseia em um salto , e um a ilu são de co m u n icação resulta do u so do
efeito con otativo d o s sím b o lo s cristão s.

Bernstein

E sta m o s eviden cian do que nos d efro n tam o s h oje com um co n cei­
to q u ase m on olítico de d ico to m ia e sa lto ; além d isso , um a vez a d m i­
tido o salto , n ão faz realm ente diferença o que se co lo ca no a n d ar su ­
perior nem em que term os ou m esm o sistem a de sím b o lo s esse a n d ar
se expressa. L e o n ard o Bernstein, p o r exem p lo, em sua o b ra K ad d ish ,
sugeriu que a m úsica é a esp eran ça que há no a n d ar superior. A es­
sência d o hom em m odern o está em su a ace itação de um a situ aç ão em
dois níveis, n ão im p orta que term os ou sím b o lo s se em preguem p ara
expressar esse fato . N a área da razão , o hom em está m orto , e sua úni­
ca esperan ça é alg u m a form a de salto n ão a b erto à co n sid e ração da
razão. N ã o há p o n to de co n tato entre esses dois níveis.

A pornografia

A m od ern a literatura p o rn o gráfica se exp lica tam bém nesses m es­


m os term os. Sem pre houve escritores d essa n atureza, m as os atu ais
são diferentes. N ã o sã o m eras o b ra s im u n d as da espécie que sem pre se
encontrou —m uitas d a s o b ra s p o rn o gra ficas d a atu alid ad e sã o e x p o ­
54 A M O R TE DA K AZÀ O

sições filosóficas. V am os fo calizar o s escrito s de alguém co m o H enry


M iller. Verifica-se que eles são a afirm a çã o de que, do p o n to de vista
racional e lógico, até m esm o a sex u alid ad e está m orta. E n tretan to , em
o b ras m ais recentes ele se lan çou a um p an teísm o, em bu sca de um a
esperan ça de sen tido ou significado.
O u tro elem ento da m odern a literatu ra p o rn o gráfica evidencia-se
n as o b ras de Terry Southern. Ele é o a u to r de C an d y (B om bom ) e T h e
M ag ic C h n stia n (O cristão m ág ico ). A p esar d a indecência e do m a ­
lefício que está prod u zin d o, South ern está fazen d o afirm açõ es sérias.
C an d y tem p o r sobren om e C h ristian (C ristã). Isso se reveste de p a r­
ticular significado. Ele está queren d o e sm a g a r a p o siç ã o cristã. Q u e,
entretanto, ele co lo ca no lu g ar? N a in trod u ção de um livro in titu lad o
W riters on revolt (Escritores em revolta), ele segue e ssa linha de p en ­
sam en to. A in trod u ção tem co m o su b títu lo “ D a ética d a lei á u re a ” e
tem p o r objetivo m ostrar, em b ases a m p la s, co m o o m odern o hom em
ocidental está se d esfazen do. Ele d em o n stra co m o o hom em m od ern o
está orien tad o som en te p o r diretrizes e n orm as psic#V\s-i,;as. M erece
p a rtic u la r aten ção um a sentença expressiva n essa exp o siç io d a o rien ­
ta çã o p sico ló g ic a de n o ssa cu ltura: “ Sua im p licação, em term os de
qu alq u er filosofia previam ente op erativa ou estrutu ra cu ltural an terior
a este século, é a rra sa d o ra , p o is seus sign ificad o últim o é que n ão há
co isa tal co m o o crim e: d estrói a idéia de crim e” . E claro que ele n ão
quer dizer que n ão há m ais crim es. Significa sim plesm ente que, em
fu n ção d a o rien tação p sico ló g ic a, n ão há “ crim e” . S eja lá o que for,
n ão é visto co m o crim e nem co m o tra n sg re ssã o no sen tido m oral.
O s cristã o s evangélicos tendem a querer d istân cia de p e sso a s d e s­
se tipo e d ep ois se vêem em d ificu ld ades p a ra com preen der o hom em
m odern o, já que tais vultos sã o , a p ó s tu d o, os filósofos d a ép o ca. Em
larga m ed id a, n o ssa s cáted ras de filosofia estão vag as ou praticam en te
in operan tes. A filosofia d a a tu alid a d e está sen do escrita p o r au tores
deste m undo m od ern o, co m o Southern. Q u a n d o se chega ao fim da
in trod u ção citad a acim a, sente-se que até falta o ar, tal o trem endo
im pacto d essa notável p o rç ão literária. Tem -se o ím peto de brad ar:
“A final, o que é que existe?” . O fa n tá stic o é que, no final d ela, diz-se
que tais au tores estão escrevendo m aterial p o rn o gráfico , na esperan ça
de que, p o r fim, se destile um a ética a d eq u a d a à era áurea. D e ssa for­
m a, a literatu ra p o rn o gráfica está a g o ra a lo ca d a no a n d ar superior.
A arte como salto no andar superior 55

Concebe-se a p orn o grafia co m o a lib eração últim a - o salto p a ra a li­


berdade. E sses au tores arrem etem -se veem entem ente con tra a falta de
vida do an d ar inferior e p roclam am que n ão n os sujeitem os à tiran ia
dessa falta de vida. E ain da que h aja , co m o e n atu ral, m uita co isa reles
e só rd id a, fica evidente nesses escrito s a luta que se trava em to rn o do
problem a, a esp eran ça de que a p o rn o g ra fia proverá um a nova era á u ­
rea. Isso e R ou sseau e a liberdade a u tô n o m a ch egando, afin al, a um a
con clu são n atural. Lem brem o-n os de que na R en ascença cam peava o
sep aratism o nos seguintes term os:

OS POETAS LÍRICOS - O AMOR ESPIRITUAL


OS ROMANCISTAS E OS POETAS CÔMICOS (PORNOGRÁFICOS)

A go ra, porem , o h um an ism o racio n alista tem evoluído lo g ica ­


mente até um a to tal d icoto m ia entre os d ois an dares, e xp ressa nesta
form a:

O PORNOGRÁFICO AUTÔNOMO
A ÚNICA ESPERANÇA DA LIBERDADE E DO HOMEM
RACIONALIDADE - O HOMEM ESTÁ MORTO

O u tra vez, isso é um m isticism o sem existir ninguém , um m isticis­


mo que anula to d a a racio n alid ad e. N a d a existe, e ain da assim , levado
por su as a sp iraçõ es - p ois é feito á im agem e sem elhança de D eu s - o
hom em tenta to d o s esses estu p en d o s ato s de desespero, m an ten do a
esperan ça de que um a era áurea su rgirá enfim de um bairro sórd id o
com o o Soho.
Em literatura p o rn o gráfica séria que se tem p ro d u zid o m ais re­
centem ente, adm itiu-se que, p or n ão existir D eus, a m ulher deve-se
entregar às m ão s d o hom em p a ra ser p o r ele su rrad a. Tal literatura
declara explicitam en te que, um a vez que não há D eus, ela d eseja ser
p o ssu íd a p o r alguém e d essa fo rm a, em sua alien ação, sente-se alegre
com a fu stig a ç ã o e a dor con seqüen te co m o prova de p o sse ssã o pc«
algo ou alguém .
T ais p e sso a s cederam a to tal desespero. E sta m o s lu tam os pela
56 .4 M O R TE DA RA ZÀ O

n o ssa p ró p ria vida. Se a m am o s os h om ens, a g o ra n ão é tem po p ara


ía lta de co m p reen são, não é tem p o de n os en tregarm o s a jo g a d a s de
im p ortân cia reduzida, n ão é tem po de cairm o s n a m esm a fo rm a de
d u alid ad e de pen sam en to sem perceber.

O Teatro do Absurdo

E ssa n ota de desespero reflete-se no T eatro d o A bsurdo. A ên fase


no ab su rd o traz à lem brança a estrutu ra to d a d o pen sam en to de Sar-
tre. O hom em é um a p iad a trá g ica , num co n texto de to tal ab su rd o
cósm ico. Ele está repleto de asp iraçõ es que racio n alm en te n ão en con ­
tram sa tisfa ç ã o e cu m prim en to no universo em que vive. E n tretan to,
essa perspectiva, tal co m o e x p re ssad a no T eatro d o A b su rd o , vai além
de Sartre. Ele diz que o universo é ab su rd o , m as fa z uso de term os e de
sin taxe em seu em prego n orm ativo. O T eatro d o A b su rd o , entretan ­
to, u sa delib erad am en te a sin taxe an o rm al e a d ep reciação de term os
p a ra, assim , com vigor ain da m aior, b ra d a r que tu d o é absurdo.
M artin E sslin , bem conhecido p o r sua ob ra na B B C de L o n dres,
escreveu um livro sobre essa m atéria, em que se encon tra um a in tro­
d u ção m uito interessante sob o título “ O ab su rd o do a b su rd o ” . Ele
afirm a que há três p a sso s no T eatro d o A bsu rd o . O prim eiro é o que se
diz ao burguês: “A corde! Você já d orm iu p o r tem po suficiente” . D e s­
perte-o - sacu d a-lh e a cam a e d erram e sobre ele um balde de águ a
através d o teatro d o absurdo. Em seg u id a, tão lo g o ele esteja a c o rd a ­
do, fite seus olh os com renitência e diga-lh e que n ad a existe. E sse é o
segundo p a sso . M a s ha um terceiro p a sso , um a vez m ais um m isticis­
m o do an d ar superior. Esse m isticism o é um a tentativa de co m u n icar
a “ co m u n icação de cim a ” . C o m o tal, é p aralelo a o s Eventos e A m bi-
ências em seqüên cia a M areei D u ch am p , o a ssé d io d os sen tidos p o r
ob ra de um co n stan te b o m b ard eam en to de m úsica eletrôn ica, cinem a
ultra, elem entos p sico d elico s d os d isco s d o s B eatles e certos fato res
nas teorias de “ co m u n icação fr ia ” de M arsh a ll M cL u h an . Este n ão é
o lu gar p ara tra ta r d essa m atéria com porm en o res, m as é m inha co n ­
clusão que essa co m u n icação, “ co m u n icação de c im a ” , sem nenhum a
con tinuidade p a ra com o racio n al, n ão p ode co m u n icar con teúdo,
m as deve ser levada a sério co m o veículo de m an ip u lação . E ntretan to,
A arte como salto no andar superior 57

p od em os ver que d o s três p a sso s que caracterizam o T eatro do A b su r­


do dois se p o lariz am no p essim ism o , en q u an to o terceiro é, de novo,
um salto m ístico sem nenhum a raiz n os d o is p rim eiros p a sso s.

7 “Visiot1 Press, Londres, 1958.

2 Secker and Warburg, Londres, 1954.


3 Faber, Londres, 1954.
0 que quer que tenha acontecido com as Grandes Simplicidades , Saturday Review, 18 defeve­
reiro de 1967.

Sinfonia Kaddish, 1963, Columbia KL 6005 ou KS 6005.

Berkeley Publishing Company, Nova York, 1963.


0 Teatro do Absurdo. Anchor Books, Nova York, 1961.
58

6
Loucura

N ã o e sg o tam o s ain d a essa m atéria d o salto. H á o u tras áreas em


que ela se ap resen ta. Um livro de M ichel Fo u cau lt in titu lado “ M ad n e ss
and civilizatio n ” (L oucu ra e civilização é im p ortan te nesse pon to. Em
co m en tário sobre esse livro na “ T h e N ew Yorker Review o f B o o k s” ,
de 3 de novem bro de 1966, e p ig rafa d o “ In p raise o f fo lly” (O elogio
da tolice), Stephen M a rc u s, da U niversidade de C o lu m b ia , com en ta:
“ C o n tra o que se arrem ete F oucault, afin al, é, entretanto, a a u to rid a ­
de d a razão ... N isso F o ucault representa um a im p ortan te in clin ação
ou tendência d o p en sam en to co n tem p o rân eo avan çado. N o desespero
que revela p ara com o s poderes tran scen den tes d o intelecto racio n al,
encarn a um a verdade p erm an en te de n o ssa era —a falh a do sécu lo 19
em levar a ca b o su a p ro m e ssa s” . Em o u tra s p alavras, os herdeiros do
Ilum inism o tinham p rom etid o que proveriam um a resp o sta un ificada
com base no racion al. Fo u cau lt, corretam en te, sustenta que eles n ão
cu m priram a p ro m essa. C o n tin u a o co m en tarista: “ E ssa é, em p arte ,
a razão p o r que no fim ele se volta p ara os a rtista s e p en sad o res lou ­
cos ou sem ilou cos da era m od ern a... G ra ç a s a su as vociferações, o
m undo está in d iciad o; veiculando-lh es a lou cu ra, a lin gu agem de sua
arte d ram atiza a cu lp ab ilid ad e d o m undo e o força a se reconhecer e a
reform ular seu p ró p rio sen so intim o e real. N a se p o d e, em b o a co n s­
ciência, n egar o p od er e a verdade d e ssa s o b serv açõ es; e las refletem a
realidade d a situ aç ão intelectual d o m om en to presente —um m om en ­
to que esta p ara p en sar de si co m o p ó s-tu d o , p ós-m od ern o, pós-h istó-
ria, p ó s-so cio lo g ia , p ó s-p sico lo g ia... E n co n tram o -n os num a situ aç ão
em que rejeitam os os sistem as de p en sam en to d os sécu los 19 e 20, em
que o s su p eram o s sem havê-los tran scen d id o com nova verdade nem
desco berto algo de com p arável m agn itude p ara tom ar-lh es o lu g a r” .
Em o u tras p alav ras, os ra cio n a lista s n ão desco b riram nenhum a
Loucura 59

çspécie de un id ad e nem q u alq u er esp eran ça de so lu ção racio n al. Por­


tanto, verificam os que Foucault leva o p en sam en to de R o u sse au à sua
co n clu são lógica: o p o lo final em liberdade au tô n o m a é ser doido.
C o isa excelente é ser d o id o , p ois en tão é ser livre.

0 NÃO-RACIONAL - A LIBERDADE REAL É A LOUCURA


O RACIONAL - O HOMEM ESTÁ MORTO

Pode-se o b je ta r que essa é um a idéia ún ica, m ero exercício inte­


lectual de Fo u cau lt e seu co m en tarista, p o r isso, d estitu ída de im p o r­
tância p or ser totalm en te extrem a. N ã o o b stan te, o u so co n tin u ad o de
d ro g as é um a enferm idade m ental que o p ró p rio indivíduo se im põe,
e co m o é de se esp erar seus efeitos são tem p orários. O s efeitos d as
d ro g as e da esq u izofren ia são estran h am en te p aralelo s, fa to co m p re­
endido p or m uitos viciad os - e há literalm ente m ilhares de in divíduos
hoje h ab itu ad o s às d ro g as. A revista N ew sw eek de 6 de fevereiro de
1967 noticiou que os hippies de S ão Fran cisco, na C a ü ío rn ia , estavam
usan do a m elodia d o hino We shall overcom e (Venceremos) com a le­
tra de We are ali insane (Som os to d o s lou cos). Foucault n ão está m ui­
to distan te de A ld o u s Huxley. N ã o se deve p en sar de F o u cau lt co m o
excessivam ente iso la d o p ara ser de im p o rtan cia na co m p reen são de
n osso s tem p os e no entendim ento d o fim d a d u alid ad e e d a d ico to m ia.
O fim lógico da d ico to m ia, em que a esp eran ça e sep a ra d a d a sazão , é
a ab o lição to tal de to d a razão.

0 andar superior no cinema e na televisão

Esse con ceito q u ase m on olítico p o d e ser sentido n , cinem a


na televisão, tan to q u an to nas d em ais áreas a que já nos referim os.
O s prod u tores cin em atográfico s de renom e e talento d a atu alid ad e
- Bergm an , Fellini, A n ton ion i, Slesinger, os cin eastas avan çados de
Paris ou os D u p lo s-N o v o s da Itália —têm to d o s basicam en te a m esm a
pro clam ação ou m en sagem . Pergunta-se freqüentem ente q u al é a me
lhor — a telev isão am erican a ou a B B C . Q ue é que se prefere: m orrer
de tan ta d iv ersão ou sucu m bir ao im p acto de golpes h ab ilid o sam en ­
60 A M O R TE DA RA ZÀ O

te d esferid o s? E ssa é a altern ativa, a o que parece. A B B C é m elhor


no sen tido de que é m ais séria, m as está trem endam ente d o lad o da
m en talid ad e d o século 21. A ssisti àqu ele p ro g ram a da B B C em que se
usou um term o indecente. T al fa to é, obviam en te, sério a fa stam e n to
d o s velhos p a d rõ e s; entretanto, eu d iria que se nos fosse facu lta d a a
o p ç ão e tivéssem os que escolher, seria preferível o p tar p or dez mil p a ­
lavras su ja s a term os de agü en tar a q u ase sublim in ar ap resen tação do
p en sam en to d o século 21 que se tem na televisão inglesa sem p alavras
inconvenientes. O que é realm ente p e rig o so é que o povo está a ss i­
m ilando essa m ensagem típica d a m en talidad e do sécu lo 21 sem ser
cap az de entender o que está acon tecen d o a ele. E ssa é a ra zã o p o r que
essa m en talid ade tem p en etrad o n ão ap en as na esfera d o s intelectuais,
m as tam bém na p ró p ria m assa de nível cultural m ais m odesto.
B ergm an afirm ou que seus p rim eiros filmes tinham o p ro p ó sito
de ensin ar o existen cialism o. E n tão , ele chegou à co n clu são, co m o an ­
tes já havia feito H eidegger, de que isso n ão satisfa z ia, estava lon ge de
ser ad eq u ad o . A ssim , ele fez um filme - O silêncio - que m o stro u a
radical m ud an ça o p erad a. E sse filme é a e x p o siçã o d a crença de que
o hom em está realm ente m orto. Ele in troduziu um novo tipo de cine­
m a - as lentes da câm era sim plesm en te focalizam a vida e a retratam
co m o com p letam en te inerm e, d esp rov id a de to d o sen tido, em term os
n ão-h u m an os. E um a série de q u a d ro s vagos, im p recisos, n ão co rre la­
cio n ad o s em fu n ção de nenhum a afirm ação hum ana.
E ssa perspectiva p aten teia-se tam bém nos escritores “ n e g ro s”
(niilistas) de n o ssa era. E n isso que reside a im p o rtân cia de In cold
blood (A san gue frio), de T rum an C ap o te . U m dos p o n to s a que se
repo rtaram q u a se to d o s os c rm co s d o livro é que C ap o te n ão em ite
nenhum ju ízo m oral em to da a ob ra. Ele ap en as relata —to m ou a arm a
d o crim e e escreveu a h istória —nos m oldes típ icos em que o faria um
co m p u tad o r lig ad o ao olho m ágico da objetiva. N ã o foram p o u co s
o s que se voltaram p a ra O silêncio e A san gue frio, bem co m o p ara
as o b ras de ou tro s escritores avan çados na esperan ça de que abririam
um a área inteiram ente nova no cinem a e na literatura. Q ue espécie de
cinem a e de literatura é e ssa ? N ã o em ite ju ízos, n ão exibe elem entos
h u m an o s, ap en as declarações ou a sserçõ es que um co m p u ta d o r ou
câm era de film ar pod eriam fazer. A q u i, percebe-se claram en te a afir­
m ação de que o hom em do a n d ar de b a ix o está m orto.
L oucura
61

E n tretan to, a m ais e sp a n to sa e x p o siçã o cin em atográfica de n o s­


sos d ia s n ão é que o hom em d o a n d ar inferior está m orto , m as a p o ­
derosa e xp ressão do que é o hom em d o an d ar su p erior a p ó s o salto
O prim eiro d o s film es que retrataram essa perspectiva foi T h e last
year in M arie n b ad (O an o p a ssa d o em M arien b ad ). N ã o é con jectu ra
m inha. O d iretor d o filme explicou que foi isso que ele q u eria que o
filme m o strasse. E ssa é a razão p ara o s lon go s e interm ináveis corre­
dores e a carên cia de relacio n am en to d a s p artes. Se a b a ix o d a linha
o hom em está m orto , acim a d a linha, a p ó s o salto n ão -racio n al, as
categ o rias n ão o aju d am . N ã o aju d am porque elas se relacion am com
a racio n alid ad e e a lógica. N ã o h á, p o rtan to , nem verdade e nem não-
verdade em antítese, nem certo nem errad o - fica-se a esm o, levado
pela correnteza.
Ju lieta d o s esp íritos é ou tro dentre v ário s film es d e ssa espécie.
Um estu d an te de M an ch ester disse-m e que ia ver esse filme p ela ter­
ceira vez, com o objetivo de determ in ar o que era real e o que era fa n ­
tasioso. N e ssa o c a siã o , eu ain d a n ão tinha visto o filme. Vi-o d ep ois,
em Lon dres. Se o tivesse visto an tes, teria dito ao estu d an te p a ra não
se preocu par. Ele p od eria vê-lo e revê-lo dez mil vezes, e ain da assim
n ão teria con dições de ja m a is entendê-lo. O filme foi feito p ro p o sita ­
dam ente em m oldes que n ão perm item ao esp ectad o r distin gu ir entre
realidade objetiva e pura fa n ta sia . N ã o há categ o rias. A ssim , n ão se
sabe o que é real, ou ilu são, ou p sico ló g ico , ou insano.
O filme Blow -up, de A n ton ion i, é a m ais recente ap resen tação
dessa m esm a m en sagem —a co n fig u ração d o hom em m odern o no an ­
dar de cim a desp rovid o de categ o rias. O filme sublinha o p o n to vital
nesse co n texto: o fa to de que n ão há categ o rias é a ra zã o p o r que,
um a vez aceita a d ico to m ia, a q u ilo que se co lo ca no a n d ar su perior é
irrelevante.

Misticismo do an d ar superior

O m isticism o sem objetivo real, co m o o d esign am o s an terior­


m ente, é, p o is, um m isticism o sem cate g o rias, pelo que n ão im p o rta,
no an d ar de cim a, se fazem o s u so de term os religiosos ou não-religio-
sos, de sistem as de sím b o lo s de arte ou p orn o grafia.
62 A M O R TE DA RA Z Ã O

O m esm o prin cípio caracteriza a N ova T eologia - a b a ix o da li­


nha, n ão ap en as o hom em está m orto , m as D eus tam bém esta m orto.
O s teó lo g o s do “ D eus esta m o r to ” dizem com m uita clareza: “ Q ue
vantagem há em fa la r acerca de D eus situ ad o no a n d ar superior, se
n ad a sab em o s a seu respeito? D ig a m o s com to d a a h on estid ad e que
D eus está m o r to ” , C om o fu n dam en to que tem os esb o çad o no cam p o
da cu ltura geral, p od em os ago ra ver p o r que esses te ó lo g o s estão c a n ­
sa d o s d o jo go. Por que nos p reo cu p arm o s com to d a s e ssa s p alavras
e con ceitos p o la riz ad o s em D eus? Por que n ão sim plesm ente d ecla­
rarm o s que tu d o está a ca b a d o e ace itarm o s a co n clu são racio n al do
an d ar inferior, de que D eus está m orto?
P ortan to, pode-se esq u em atizar a teologia liberal da atu alid ad e
da seguinte m aneira:

NÃO-RACIONAL - APENAS O TERMO CONOTATIVO “DEUS”


-N E N H U M CONTEÚDO QUANTO A DEUS
- NÃO HÁ DEUS PESSOAL

RACIONAL - DEUS ESTÁ MORTO - O HOMEM ESTÁ MORTO

N o a n d ar de cim a, com o vácu o a que nos vim os referindo, e s­


ses teó lo g o s n ão têm idéia de que h aja alg o que se ache em real e
verdadeira co rrelação com a co n o ta ç ã o a sso c ia d a ao term o D eus. O
que eles adm item é sim plesm ente um a resp osta sem ân tica com base
num term o conotativo. Em cim a, a N ova T eo logia fica ap en as com
um ou tro filosófico, o tudo infinito e im p essoal. C o m isso, n ós, que
represen tam os o pensam en to ocid en tal, so m o s levados p ró x im o s do
O riente. E ssa classe de teó lo g o s perdeu totalm en te a n o ção d o D eus
único, infinito e p essoal da revelação bíblica e da R eform a. A teologia
liberal a fe iço ad a ao pen sam en to d a atu alid ad e tem ap en as palavras
co n otativas de deidade em su bstitu ição.
T. H. H uxiey demonstrou ser, em tudo isso, um profeta de penetrante
visão. Ele declarou, em 1890, que viria o tem po quando os hom ens rem o­
veriam todo o conteúdo da fé e especialm ente das narrativas bíblicas pré-
abraâm icas. Então, não m ais em contato com fato de qualquer espécie,
a fé se sobreleva agora e para sempre altivamente inacessível aos ataques
Loucura
63

dos infiéis” . Pelo fato de a teologia m oderna ter aceitado a dicotom ia e


removido do m undo do verificável as coisas da religião, ela está hoje na
situação que o velho H uxley profetizou. A teologia m oderna difere bem
pouco do agnosticism o e, m esm o, do ateísm o de 1890.
A ssim , p o is, em n o sso s d ias, a esfera da fé está situ ad a no â m b i­
to do n ão-racio n al e n ão-lógico , em o p o siçã o ao racional e lógico ; o
inverificavel, em con traste com o verificável. O s teó lo g o s do presente
usam p alav ras con otativas preferencialm ente a term os definidos - vo­
cábu lo s to m a d o s co m o sím b o lo s científicos sem pre cu id ad osam en te
definidos. A fé n ão se subm ete a d esafio s, porque ela pode ser q u a l­
quer coisa que se deseje - n ão há m eio de discuti-la em categ o riais
n orm ais. Sécu lo s an tes, T om ás de A quin o tinha estab elecido seções
au tô n o m as em seu sistem a teológico-filosófico. O resu ltad o é a N ova
T eologia de hoje.

Jesus, a bandeira indefinida

A E sco la T eo lógica do D eu s-está-m o rto ain d a faz uso do term o


Jesu s. Por exem plo: Paul van Buren, em seu livro The secu lar m ean in g
o f the G o sp el (O sign ificado secu lar do E van gelh o), diz que o prob le­
m a atu al é que a pp lavra “ d e u s” está m orta. Ele p rossegu e, entretanto,
insistindo em que nem p o r essa p erd a nós estam o s m ais em p o b re­
cidos, p o is tu d o de que n ecessitam os esta no hom em Je su s C risto.
M as Je su s, nesse con texto, n ão p a ssa de m ero sím b olo n ão-definido.
O term o é u sa d o porque está a rra ig a d o na m em ória d a h u m an id a­
de. E pu ro h um an ism o, com sua ban d eira religiosa ch am ad a Je su s, a
quem em p restam o con teúd o que preferem . Vê-se, pois, que esses te ó ­
logos fizeram um a sú bita tran sferên cia e inseriram no an d ar superior
a p alavra Je su s co m o term o con otativo. O bserve-se, p o rtan to , um a
vez m ais, que n ão im p o rta que term o é p o sto aí - m esm o palavras
bíblicas - , se o sistem a se fu n d am en ta no salto.

O NÃO-RACIONAL_______________________ JESUS
RACIONAL - DEUS ESTÁ MORTO
64 A M O R TE DA RA Z Ã O

Isso acen tu a q u ão c u id a d o so s n ós, cristão s, p recisam o s ser. N o


jo rn al W eekend T elegraph de 16 de dezem bro de 1966, M arg h an ita
L ask i fa la d as novas m o d alid ad e s de m isticism o que vê aparecerem
e pon d era: “ Em q u alq u er d o s ca so s, co m o p o d e ríam o s d em o n strar
ou provar serem eles verdadeiros ou fa ls o s ? ” . A síntese de sua tese e
que os h om ens estão tran sferin d o os elem entos religio so s da ó rb ita do
m undo d o discutível e relegan d o-os ao cum e do n ão-discutível, onde
se pode dizer o que bem convém sem tem or de com p ro vação ou d e s­
crédito, prova ou n egação.
O c ristã o evangélico p recisa ser c u id a d o so , p orq u e certos evange-
licos vêm recentem ente asseveran d o que o que im p o rta n ão é p rocu rar
provar nem n egar p ro p o siçõ e s; o que im p o rta é o encontro com Je su s.
A o fazer tal afirm ação , o c ristã o co lo ca-se, em fo rm a a n a lisa d a ou
n ã o -a n alisa d a, no an d ar superior.

NÃO-RACIONAL - UM ENCONTRO COM JESUS

RACIONAL - NÃO SE PROCURA PROVAR A VERDADE


OU A FALSIDADE DE PROPOSIÇÕES

Se tem os a n oção de que e stam o s e scap an d o de certas p ressõ es


d o debate m od ern o pelo fa to de n ão in sistirm o s na E scritu ra p r e p o ­
sicion al e sim plesm en te in serirm os o term o “Je s u s ” ou “ exp e riê n cia”
no an d ar superior, cum pre-nos enfren tar a seguinte q u e stão : que d ife­
rença há entre p roced erm o s assim em relação ao que o m un do secu lar
tem feito em seu m isticism o sem ân tico e o que fez a N ov a T eo lo g ia? O
m ínim o que se p o d e dizer é que isso abriu a p o rta p ara que o hom em
p en sasse que tu d o vem a ser a m esm a co isa. N ã o há dú v id a de que os
hom ens d a p ró x im a geração ten d erão a identificá-los.
Se o que se co lo ca no a n d ar su p erior é sep arad o d a ra c io n a lid a ­
de, se as E scritu ras n ão são to m a d a s co m o passíveis de verificação
onde to cam a co sm o s e a h istoria, p o r que se deveria, então, aceitar a
preferência d o an d ar sup erior evangélico em detrim ento da m odern a
teologia rad ical? Em que base a escolh a deve ser feita? Por que n ão se
p od eria tra ta r sim plesm en te de um encon tro so b o nom e de V ixenu?
N a verdade, p o r que n ão bu scar um a experiên cia, independentem ente
do uso de q u alq u er term o, na fo rm a da a ç ã o d a s d ro g as?
lou cura
65

A urgente n ecessidade de n o sso s d ias é com preen der o sistem a


m oderno co m o um to d o e ap reciar o sign ificad o da d u alid ad e, d a d i­
cotom ia e do salto. O an d ar superior, co m o já vim os, p o d e assu m ir
m uitas fo rm as - alg u m as religio sas, o u tras seculares, a lg u m as su ja s,
o u tras lim p as. A p ró p ria essên cia d o sistem a con duz ao fa to de que
o tipo de p alavras u sa d as em relação ao an d ar superior n ão im p orta
- nem m esm o um nom e tã o a m a d o co m o o de “ Je s u s ” .
Cheguei ao pon to em que, o u vin d o a p alavra “Je s u s ” - que p a ra
m im se reveste de tan to sign ificad o p o r ca u sa d a P essoa do Je su s h is­
tórico e sua o b ra - , fico a e scu tar cu id ad o sam en te, porq u e, d igo com
tristeza, receio m ais esse vo cábu lo d o que q u alq u er ou tro no m undo
atu al. O term o é u sa d o hoje em d ia co m o um em blem a sem con teúdo
a que se con vida n o ssa g eração a seguir. M a s n ão se dá a ele sentido
racional, bíblico, p o r m eio do q u al se p o ssa testá-lo, e d e ssa fo rm a a
palavra está sen do e m p reg ad a p a ra en sin ar exatam en te o o p o sto d a ­
quilo que Je su s ensinou. Inculca-se o term o e in sta-se com o s hom ens
p ara que o sig am com fervor altam en te m otivado, e isso em p arte al­
gum a com in ten sidade m aior d o que na nova m oralid ad e que resulta
da N eo -T eo lo g ia. A go ra, é p rática ad m itid a com o p ró p ria do seg u i­
dor de Je su s ter relações sex u ais com um rap az ou um a m oça, se isso
vai ao encontro da n ecessid ade dele ou dela. Se n ós havem os co m o
criaturas realm ente h u m an as, e stam o s seguin do nos p a sso s de Je su s,
m esm o que isso im p orte em fazer sexo com alguem , em flagran te v io ­
lação, observe-se, da m oral específica en sin ad a p o r Je su s C risto. Isso
entretanto, em n ad a p reo cu p a esses m o ralistas, p o is que é m atéria do
an dar inferior, a esfera do con teúdo bíblico racional.
A tin gim o s, p o is, a d eplorável situ aç ão em que o term o “J e s u s ”
converteu-se num inim igo da P essoa e d o ensino de C risto. D evem os
tem er esse em blem a sem co n teú d o, que é a p alavra “J e s u s ” , n ão p o r­
que não o am em os, m as exatam en te porque o am am o s. D evem os
com bater essa ban deira sem co n teú d o, com sua m otivação p rofu n d a,
enraizada n as lem bran ças da h u m an id ad e, que está sendo m an ip u la­
da p ara o s fins da form a e d o d o m ín io so cioló gico s. D evem os ensinar
n osso s filhos esp iritu ais a procederem da m esm a form a.
E ssa ten dência, que p arece g an h a r ca d a vez m ais aceleração e m o ­
m ento, leva-m e a p en sar se Je su s, q u an d o disse que nos fins d o s tem ­
p os surgiriam fa lso s cristo s, n ão tinha em m ente algo co m o o que se
66 A M O R TE DA RA ZÃO

p a ssa hoje. N ã o devem os esquecer que o gran d e inim igo que está p ara
vir é o A n ticristo. Ele n ão é um an ti-n ão-C risto. E A n ticristo. C a d a
vez m ais, nesses últim os an o s, o term o “ Je s u s ” , d e sp o ja d o do co n teú ­
do bíblico, tem -se to rn ad o o inim igo do Je su s da h istoria, o Je su s que
m orreu e ressuscitou e virá pela segun d a vez, o eterno Filh o de D eus.
S ejam os, p o is, cu id a d o so s, Se os cristão s evangélicos com eçarem a ce­
der à d ic o to m ia, sep aran d o o encontro com Je su s do co n teú do d as
E scritu ras (inclusive do discutível e do verificável), m esm o sem querer
estarem os lan çan d o tan to a n ós m esm o co m o a geração vin dou ra no
redem oinho do sistem a m oderno. E sse sistem a nos cerca co m o um
con sen so q u a se m onolítico.
A lgu m as d a s con seqü ên cias de se lan çar a fé contra a ra cio n a lid a ­
de em linhas que n ão refletem a perspectiva bíblica p odem ser enun­
ciad a s nos term os a seguir.
A prim eira con seqüên cia de se co lo car o C ristian ism o no an d ar
superior diz respeito à m oral. Surge a q u e stão de co m o estabelecer
um relacion am en to de um C ristian ism o 110 an d ar su perior em term os
7
Racionalidade e fé

de m oral na vida co tid ian a. A resp o sta sim ples é que isso n ão é p o s ­
sível. C o m o vim o s, n ão ha ca te g o ria s no an d ar superior; p o rtan to ,
não há m an eira de provê-lo com q u alq u er espécie de cate g o rias! Em
con seqüên cia, o que realm ente define o ch am ad o “ ato c ristã o ” hoje
é sim plesm ente o que o gen eralizad o co n sen so d a igreja ou o d o m i­
nante con ceito d a socied ad e ad m ite co m o desejável em determ in ad o
m om ento. N ã o se pode ter verdadeira m oral no m undo real um a vez
íeita essa d isso ciaçã o . O que nos resta, em tais circun stân cias, é um
form ulário de n o rm as éticas inteiram ente relativas.
A segun da con seqü ên cia d essa d isso c iaç ã o é que n ão se tem um a
base a d eq u ad a p ara o direito, p a ra a lei. O sistem a legal da R efor­
ma era totalm en te calcad o no fa to de que D eus revelara alg o real na
própria essência d a s c o isas com un s d a vida. H á , no an tigo prédio do
Suprem o 1 ribunal de L au san n e, na Su íça, um lindo q u ad ro p in tad o
por Paul R obert in titu lad o A ju stiça in struin d o os juizes. N a p arte d a
frente desse avan tajad o m ural, exibe-se n ão p o u co litígio e con tenda
- a esp o sa co n tra o m arid o, o arqu iteto co n tra o co n stru to r e assim
por diante. C o m o devem os juizes p roceder p a ra ju lg ar a s ca u sa s em
disputa? E ssa é m an eira co m o exercem os o ju ízo em um p a ís refor­
m ado, diz Paul R obert. Ele pin tou a Ju stiç a com a esp a d a ap o n tan d o
para um livro sobre o qual se lêem e stas p alavras: “A Lei de D e u s” .
Psr-t o hom em d a R efo rm a, havia um a base p ara a lei, p a ra o direito.
O hom em m od ern o n ão ap en as repudiou a teologia cristã, m as ta m ­
bém alijou a p ossib ilid ad e d aq u ilo que n o sso s an cestrais assu m iam
com o base p ara a m oral e p a ra o direito.
O utra con seqü ên cia é que tal rejeição põe p o r terra a so lu çã o p ro ­
posta p ara o prob lem a d o m al. A resp o sta d a d a pelo C ristian ism o
a licerça-se na Q u ed a con cebida co m o ocorrên cia h istórica, no tem po
68 A M O R TE DA RA ZÃ O

e no e sp aço , real e com pleta. O erro de T om ás de A q uin o foi a n oção


de um a Q u e d a in com pleta. A verdadeira p o siç ão cristã, entretanto, é
que, no esp aço , no tem po e na h istó ria, houve um hom em n ão p ro g ra ­
m ad o que fez um a escolh a, rebelando-se realm ente con tra D eus. N o
m om ento em que se rejeita essa so lu çã o , n ão há co m o fugir à ch ocan ­
te afirm ação de B audelaire: “ Se há um D eus, é o D ia b o ” , nem á n ão
m enos extrav agan te co n clu são de A rchibald M acL eish , em sua peça
teatral J. R.: “ Se ele é D eus, n ão p od e ser bom ; se é bo m , n ão pode
ser D e u s” . A p arte da resp osta d o C ristian ism o de que D eus fez um
ser h um an o revestido de sign ificad o em um a h istória com sign ificado ,
sendo o m al resu ltad o d a revolta, p rim eiro de S atan á s, d epois d o h o­
m em , no âm b ito h istórico do tem po e do e sp aço , nenhum a ou tra s o ­
lução su b siste a n ão ser aceitar, com lág rim as, a aberran te co n clu são
de B audelaire. Se a h istórica so lu ção cristã é rejeitada, o m áx im o que
se p o d e fazer é salta r p a ra o a n d ar su p erior e p roclam ar, con tra to d a
a razão , que D eu s é bom . O bserve-se que, se aceitam o s a d u alid ad e,
ju lg an d o que d essa form a evitam os enr>-ar em conflito i:•.-m a cultura
m odern a e com o con sen so d o p^n.^iniento-, e stam o s i-mi>alodos em
pura ilu são , p o is q u an d o avan çam o s uns p ou cos p a sso s verificam os
que nos ach am o s no m esm o p o n to em que eles estão.
A q u a rta con seqüên cia de relegar o C ristian ism o a o a n d ar su p e­
rior é que, assim , sacrificam os n o ssa p ossib ilid ad e de evan gelizar a
verdadeira gente d o sécu lo 21 no âm b ito de seu p ró p rio pensam en to.
O hom em m odern o an seia p o r ou tra resp o sta que a de sua p ró p ria
perdição. Ele n ão aceitou a Linha de D esesp ero e a n ecessária d ic o to ­
m ia porque qu is, m as porque, com base no desenvolvim ento n atural
de seus p re ssu p o sto s racio n alistas, n ão p od ia d eix ar de aceitá-la. Ele
pode fa la r com em páfia às vezes, m as d ep ois de tudo n ad a m ais é do
que desespero.
O C ristian ism o tem , p o rtan to , a o p o rtu n id ad e de fa la r c la ra ­
m ente que a resp osta que oferece encerra exatam ente aq u ilo de que
se desesperou o hom em m odern o - a un idade d o pensam ento. E um a
resp osta un a, que ab arca a vida co m o um todo. E verdade que o h o ­
mem terá que renunciar a seu a rra ig a d o racio n alism o , m as, com base
no que se p od e discutir, ele tem plena p o ssib ilid ad e de recob rar a ra ­
cion alidade. Pode-se perceber, a g o ra , p o r que insisti com tan ta ênfase,
anteriorm ente, na diferença entre racio n alism o e racio n alid ad e. E sta,
Racionalidade e Fé
69

O hom em m od ern o perdeu. E n tretan to, ele p o d e recuperá-la graças a

um a resp osta unificada p a ra a vid a, com base no que se abre à verifi­


cação e à d iscu ssão .
P ortanto, nós, cristão s, devem os lem brar que se n os d e ix arm o s
apanh ar na arm ad ilh a con tra a qual venho avisan do, estaren io en­
tre ou tras c o isa s, assu m in d o a atitud e de, na realid ade, sim plesm en te
anunciar em term in ologia evangélica o que o incrédulo está dizendo
com seus p ró p rio s term os. Para nos d efron tar com o hom em m odern o
em perspectiva correta e em bases ju sta s, p recisam o s rem over a dico-
tonna. E n ecessário ouvir as E scritu ras falarem a real verdade tan to a
respeito d o p ró p rio D eus co m o da área em que a Bíblia tan ge a h istó ­
ria e o co sm os. Foi isso que n o sso s p redecessores na R efo rm a apren ­
deram de m an eira tão cabal.
N a d im en são da etern idade, co m o vim o s, estam o s co m p letam en ­
te sep arad o s de D eus; na linha da p e rso n alid ad e, porém , fo m o s feitos
à Sua im agem . P ortanto, D eus p o d e fa la r co n o sco e dizer-nos acerca
de Si m esm o - n ão de form a exau stiva, m as de m aneira real; n ão p le­
na, m as verdadeiram ente (afinal, co m o so m o s criatu ras finitas, n ão
p oderíam o s conhecer n ad a de fo rm a exau stiva). M a s D eus n os fa la d o
tam bém acerca de c o isas pertinentes ao reino do finito, ao elem ento
criado. D eus tem -nos fa la d o c o isas verdadeiras acerca d o co sm o s e da
história. L o g o , n ão estam os flutuan d o a esm o.
N ã o se p o d e, p orém , obter e ssa resp o sta a m enos que se nutra
o conceito da Bíblia su sten tad o p ela R eform a. N ã o é q u e stão de se
revelar D eus em Je su s C risto sim plesm en te, p ois n ão há con teúdo sufi­
ciente n isso , se o sep a ra rm o s d a s E scritu ras. N esse caso , faz-se apen as
outro em blem a sem con teúd o, p o is tu d o o que sab em o s q u an to ao que
foi essa revelação de C risto provém d a s E scrituras. O p ró p rio Je su s
não fez d istin ção entre Sua au to rid ad e e a au to rid ad e d a s E scritu ras.
Ele operou b a se a d o na un idade de Sua p ró p ria au to rid ad e e na do
conteúdo d a s E scrituras.
Envolvido em tudo isso há o elem ento p e sso al. C risto é Senhor de
tudo - de cad a asp ecto da vida. E inútil p ro clam ar que Ele é o A lfa e
o G m e ga, o co m eço e o fim, o Senhor de to d as as co isas, se Ele n ão
» o Senhor de to d a a m inha vida intelectual unificada. Serei fa lso ou
estarei co n fu so se can tar a respeito da soberan ia de C risto e preser­
var determ in ad as áreas de m inha vida inteiram ente au tô n o m as. Isso e
70 A M O R TE DA RA Z Ã O

verdadeiro se é a m inha vida sex u al que se m antém au tô n o m a , m as é


igualm en te verdadeiro se a au to n o m ia cabe à m inha vida intelectual
—ou m esm o a q u alq u er área altam en te seletiva de m inha vida intelec­
tu al. Q u alq u er au to n o m ia é im proceden te. U m a ciência a u tô n o m a ou
um a arte au tô n o m a é ab e rração (se to m arm o s ciência ou arte a u tô n o ­
m a fora d o con teúdo d aq u ilo que D eu s n os deu a conhecer). Isso n ão
quer dizer que ten h am os um a ciência ou arte estática — o co n trário
é que é verdade. R ecebem os a fo rm a em cu jo âm b ito, sen do finito, a
liberdade é possível.
N ã o se p o d e co lo car a ciência e a arte na m oldu ra de um a n d ar
inferior a u tô n o m o sem sofrer o m esm o trág ico fim que se tem veri­
ficado através d a h istória. V im os que, em to d o s os c a so s em que o
an d ar inferior se fez au tô n o m o , n ão im p o rta o nom e que lhe foi d a d o ,
n ão decorreu m uito tem po até que o inferior a ca b a sse devoran do o
superior. D e ssa fo rm a, d esap areceram n ão ap en as D eus, m as tam bém
a liberdade e o hom em .

A Bíblia pode manter-se por si só

Freqüentem ente, p e sso a s m e dizem o seguinte: “ C o m o é que o


senhor p arece sab er se com u n icar com essa gente esd rú x u la? Parece
que o sen h or con segu e fa la r a eles em um a lin guagem que entendem ,
m esm o que n ão aceitem aq u ilo que o sen h or d iz ” . M u itas p odem ser
as razões p o r que isso ocorre, m as u m a d elas c que, sem d ú v id a, p ro ­
curo induzi-los a ver o sistem a bíblico e sua verdade à p arte de um
apelo à au to rid ad e cega - isto é, co m o se crer significasse ace itação
sim plesm en te porque a fam ília crê ou co m o se o m telecto n ad a tivesse
que ver com a fé.
Foi assim que me tornei crente. Por m uitos an o s, freqüentei um a
igreja “ lib eral” . C onclui que a única resp osta com patível com a q u i­
lo que costum ava ouvir era o agn o sticism o ou o ateísm o. C o m base
na teologia liberal, acho que ja m a is fizera um a d ecisão m ais lógica
em m inha vida. Tornei-m e agn ó stico e, d ep ois, com ecei a ler a B íblia
pela prim eira vez com o p ro p ó sito de co n trap ô-la a certa parcela de
filosofia g rega que eu estava exam in ad o . Procedi assim co m o um ato
de h on estid ad e, um a vez que havia a b a n d o n a d o de to d o o que pen ­
R acion alidade e Fé
71

sava ser o C ristian ism o ; entretanto, ja m a is tinha lido a Bíblia inteira.


P assad o s m enos de seis m eses, eu m e converti, crente de fato, porque
me convencera de que a plena re sp o sta que a B íblia apresentava era
a única à altu ra d os p rob lem as com que eu me d ebatia então, e essa
resposta era realm ente em ocion an te.
Sem pre tendi a p en sar visu alm en te; assim , via os m eus prob lem as
com o b alões a flutuar no esp aço . N ã o con h ecia, n essa é p o ca, tan to s
problem as b á sico s d o p en sam en to h u m an o co m o conheço ago ra. O
que, porém , m e fascin ava (e ain d a me fascin a) era descobrir, a o e x a ­
m inar a B íb lia, que ela n ão derru bava os p rob lem as, co m o fa ria um
canhão an tiaéreo , ab aten d o os b alõ es um p o r um , m as fazia alg o ain ­
da m ais fascin an te. E la resp on d ia a o s p rob lem as de tal m o d o que eu,
em bora lim itad o , p o d ia sentir co m o se tivesse à m ão um cab o , em
que os p rob lem as se correlacion avam to d o s co m o em um sistem a, no
contexto geral d o que a Bíblia diz ser a verdade. Vez a p ó s vez, repeti­
dam ente, vejo m inha experiên cia reiterad a. E possível to m ar o sistem a
que a B íblia en sin a, co lo cá-lo no m ercad o d a s idéias h um anas e deixá-
lo aí p ara fa la r p o r si m esm o.
N ote-se que o sistem a d a B íblia é fascin an tem en te diferente de
todo e q u alq u er ou tro, p orq u e é o único na religião e na filosofia que
nos diz p o r que alguém p od e fazer o que to d o m undo deve fazer, isto
é, com eçar co n sigo p ró p rio . O fa to é que n ão há ou tro m eio de c o ­
m eçar sem ser a p artir de n ós m esm os — cad a um vê através de seus
próp rio s o lh o s - , m as isso envolve um prob lem a real. Q ue direito te­
nho eu de co m eçar aqu i? N en h um ou tro sistem a explica m eu direito
de fazer assim . A B íb lia, p orém , dá-m e um a resp osta em relação a p o r
que p o sso fazer o que devo fazer, isto é, co m eçar co m igo m esm o.
A B íblia diz, antes de q u alq u er co isa, que no prin cípio to d a s as
co isas foram cria d a s p o r um D eu s pessoal-in firúto, que sem pre e xis­
tiu. Isso p o sto , o que existe é in trin secam en te p e sso a l, em vez de im ­
pessoal, A Bíblia diz, além d isso , que D eu s criou to d a s as c o isas fora
de Si m esm o. A ex p re ssão “ fora de Si m esm o ” é, parece-m e, a m elhor
m aneira de exp ressar a criação p a ra a m en talidad e do sécu lo 21. N ã o
que se deva to m ar a ex p re ssão em sen tid o e sp acial, p o is o objetivo e
negar que a cria çã o seja q u alq u er m o d alid ad e de exten são p a n td s ta
da essência de D eus. D eu s existe - um D eus p e sso a l que sem pre existiu
~ e criou to d a s as c o isas fora de Si m esm o. C o m o o universo iniciou-
72 A M O R TE DA RA Z À O

se p o r um co m eço verdadeiram ente p e sso a l, am o r e co m u n icação (as


gran des p reo cu p açõ es d o hom em d o século 21) n ão são co n trário s ao
que intrinsecam ente existe. O universo teve um p rin cipio p e sso a l em
c o n trap o sição ao im p essoal e, p o r isso , esses an seio s de am o r e co m u ­
n icação que o hom em sente n ão sã o co n trário s a o que in trin secam en ­
te existe. E o m undo é real, p orq u e D eus o criou verdadeiram ente fora
de Si m esm o. O que Ele criou é objetivam en te real, logo, há verdadeira
h istória e há um verdadeiro eu.
N esse cen ário de um a h istó ria d o ta d a de sign ificado, a Bíblia diz
que D eus fez o hom em de m an eira esp ecial, à Sua p ró p ria im agem . Se
n ão entendem os que a relação b á sica d o hom em é p a ra cim a, tem os
de p rocu rar d esco bri-la p a ra b aixo . Se, a o fazer isso, a p e sso a p rocu ra
essa relação b ásica com os an im ais, é co n sid erad a an tiq u ad a. H o je , o
hom em m od ern o p rocu ra relacion ar-se com a m áq u in a.
E n tretan to, a Bíblia diz que n o ssa linha de referência n ão p recisa
nos levar p a ra baixo . E la ap o n ta p a ra cim a, porque fo m o s feitos à
im agem de D eus. O hom em , afin al, n ão é um a m áqu in a.
Se rejeitam os a origem in trin secam en te p e sso al do universo, que
altern ativa p o d e m o s ter? Tem -se de dizer enfaticam en te que n ão há
resp o sta final, exceto que o hom em é p ro d u to do im p e sso a l, m ais o
tem po, m ais o acaso . N in guém ja m a is con segu iu d esco b rir p e rso n a li­
d ad e com essa b ase, em bora m uitos, co m o o finado T eilh ard de Char-
din, tenham ten tado. É um a em p reitad a sim plesm en te inexeqüível.
A m enos que p a rta m o s da p e rso n alid ad e, a co n clu são de que so m o s
p ro d u to s n atu rais do im p e sso al, m ais o tem po, m ais o a ca so , é a única
a que p o d e m o s chegar. E ninguém d em o n strou ain da co m o o tem po
m ais o a c a so p od em prod u zir m u d an ça q u alitativa do im p e sso a l p ara
o p esso al.
Se a verdade fosse e ssa, nós e staría m o s num a situ aç ão desespe-
rad o ra, num beco sem saíd a. Q u an d o , p orém , a B íblia diz que o h o ­
m em foi criad o à im agem de um D eu s p e sso a l, ela n os d á um p o n to
de p a rtid a . N en h um sistem a h u m an ista tem p rovido um a justificativa
p a ra que o hom em com ece co n sig o p ró p rio . A resp o sta da B íblia é
totalm en te única. A um e ao m esm o tem p o, provê a ra zã o pela q u al o
hom em p o d e fazer o que deve —co m eçar co n sig o m esm o - e dita a ele
o p o n to de referência ad eq u a d o —o D eu s p essoal-in fin ito. Isso c o n sti­
tui co m p leto co n traste em relação a o s d em ais sistem as que dizem que
Racionalidade e Fé
73

o hom em co m eça co n sigo p ró p rio , m as n ão lhe dizem p o r que ele tem


o direito de p a rtir de si m esm o nem em que direção deve, tatean d o ,
avançar.

C o m eçan d o d e m im m e s m o , m as...

Q u an d o fa la m o s sobre a p o ssib ilid ad e de o hom em co m eçar de


si m esm o p a ra com preen der o sen tid o d a vida e do universo, deve­
m os ter cu id ad o p ara definir claram en te o que querem os dizer. H á
dois con ceitos ou idéias de con hecim en to que devem ser co n servados
distintos. O prim eiro é o con ceito racio n alista ou h u m an ista, isto é,
de que o h om em , co m eçan d o totalm en te independente e au tô n o m o
de tudo, p od e con stru ir um a pon te p ara a verdade últim a - co m o se
tentasse a sse n ta r um a pon te de p ilares, com um a extrem idade do vão
ap o iad a em si m esm o e a ou tra p o n ta na ou tra m argem de um es­
paço infinito. Isso é im possível, p orq u e o hom em é finito e, assim ,
n ada tem p a ra o que ap o n ta r com segu ran ça. Ele n ão d isp õ e de m eios
p ara, p artin d o de si m esm o, estabelecer universais suficientes. Sartre
viu esse fa to com insuperável clareza q u an d o, em decorrência de n ão
encontrar nenhum pon to de referência infinito, chegou à co n clu são de
que tudo deve ser absurdo.
O segu n d o con ceito é o cristão . O u seja, um a vez que o hom em
foi criad o à im agem de D eus, ele p o d e co m eçar con sigo m esm o —n ão
com o infinito, m as p e sso al. Sem co n tar o fa to im p ortan te (com o vere­
m os adiante) de que D eus o u to rgo u ao hom em um conhecim ento do
real con teúdo d a q u ilo de que ele d esesp erad am en te precisa.
O fa to de o hom em ser d ecaíd o n ão significa que ele n ão seja
m ais p o rta d o r da im agem de D eus. Ele n ão deixou de ser hom em p o r
decair em rebeldia e p ecad o. Ele p od e am ar, em bora decaído. Seria
erro afirm ar que som ente o cristão é cap az de am ar. A lém d isso , um
pintor n ão -cristão p o d e, ap esar d isso , p in tar a beleza. E é p o r ain da
ser cap az de fazer c o isas co m o e ssa s que o hom em ain da m an ifesta a
expressão da im agem de D eu s ou , em o u tras p alavras, p o d e afirm ar
sua q u alid ad e única de “ h u m an id ad e ” co m o hom em .
E, p o is, alg o verdadeiram ente m aravilh oso que, em b ora seja d is­
torcido, co rro m p id o , perdid o em con seqü ên cia da Q u ed a, o hom em
74 A M O R TE DA RA ZÃ O

ain da é h om em . Ele n ão se to rn o u um a m áq u in a, nem an im al, nem


p lan ta. A s m arcas da “ h u m an id ad e ” ain d a subsistem nele —am or, ra ­
cio n alid ad e, an seio p o r sentido, tem or d o n ão-ser e assim p o r dian te.
E sse é o c a so m esm o q u an d o seu sistem a n ão-cristâo o leva a dizer que
essas c o isas n ão existem . E n tretan to, ta is c o isas é que o distingu em
do m undo an im al e vegetal e d a m áq u in a. Por ou tro lad o , p a rtin d o
de si m esm o au ton om am en te, é b astan te óbvio que, sendo finito, ja ­
m ais p o ssa alcan çar q u alq u er re sp o sta a b so lu ta. Isso seria verdadeiro
se fosse som ente com base no fa to de que o hom em é finito; a isso,
entretanto, deve-se acrescentar, desde a Q u ed a, o fa to de su a rebelião.
R ebelar-se con tra o testem unho d o que existe e o perverte —o universo
externo e sua fo rm a e a h u m an id ad e d o hom em .

A fonte do conhecimento de que necessitamos

N e ssa s circun stân cias, a B íb lia apresen ta o seu p ró p rio con ceito
sobre o que ela m esm a é. A Bíblia apresen ta-se co m o a co m u n ica­
çã o da verdade p ro p o sicio n al de D eu s, escrita em fo rm a verb alizad a,
àqueles que sã o feitos à im agem de D eus. O p eran d o so b o p ressu p o sto
da u n iform id ad e d as ca u sa s n atu rais em um sistem a fech ado, tan to
o pen sam en to secu lar co m o o p en sam en to teológico n ão-b íblico da
atu alid ad e d iriam que isso é im possível. E n tretan to, é precisam en te
isso que a Bíblia afirm a apresen tar. T om em os, p or exem plo , o que
ocorreu no Sin ai (D t 5:23-24). D iz M o isé s a o povo: “ Vocês viram ; vo­
cês o u v ira m ” . O que o povo ouviu (juntam ente com o u tras co isas) foi
um a co m u n icação p ro p o sicio n al v erb alizad a de D eus a o h om em , em
d eterm in ad a situ aç ão h istórica no tem p o e no esp aço. N ã o foi alg u m a
espécie de experiên cia existen cial, sem con teúd o, nem um salto anti-
intelectual. E x atam en te o m esm o tip o de co m u n icação é en con trado
no N ovo T estam en to, p o r exem p lo, q u an d o C risto fa lo u a Paulo em
hebraico no cam in h o de D am asco . T em os, p o rtan to , de um lad o , a e s­
pécie de co m u n icação p ro p o sicio n al que D eu s ou to rga n as E scritu ras;
vem os, de ou tro, a quem se dirige e ssa co m u n icação p ro p o sicio n al.
A B íblia ensina que, em b ora o hom em se ache irrem ediavelm ente
perdido, nem assim ele é n ad a. O hom em está p erd id o p orq u e está
sep a ra d o de D eus, seu verdadeiro p o n to de referência, em ra zã o de
Racionalidade e Fé
75

real cu lpa m oral. M a s, a p esar d isso , ja m a is será co n sid erad o “ n a d a ” .


N isso reside o h orror de sua co n d ição de perdido. Q ue o hom em este­
ja perdido, em to d a sua un icidade e m aravilh a, é trágico.
N ã o devem os m in im izar as realizações d o hom em - na ciência,
por exem plo, as realizações h u m an as dem on stram que o hom em está
longe de ser lixo, em b ora o fim a que ele leva essas realizações evi­
dencie q u ã o profu n d am en te p erd id o está. N o sso s a n te p a ssa d o s, cren­
do com o criam que o hom em está p erdido, n ão tin ham prob lem as
a respeito d o significado d o hom em . Ele p od e influenciar a h istória,
inclusive a sua p ró p ria eternidade e a d o s ou tros. E ssa co n cep ção vê o
hom em co m o hom em , co m o alg o realm ente m aravilh oso.
Em co n traste com isso , há o racio n alista, que se co lo ca d elib era­
dam ente no centro d o universo e insiste em com eçar au ton om am en te,
apen as com o conhecim ento que é cap az de obter, term in an d o p o r se
ver destitu ído de sign ificado e realce, nulo, sem valor real. O racio n a­
lista chega à m esm a co n clu são do B u d ism o Z en , que de m aneira tão
ad eq u ad a exp ressa a n oção d o hom em m odern o: “ O hom em entra na
águ a, m as n ão cau sa o n d u la çã o n en h u m a” . A Bíblia, porém , diz que
ele produ z o n d u laçõ es que ja m a is term in am . Pecador que é, o hom em
não p o d e ser seletivo em sua sign ificação , de sorte que d eix a a trá s de
si b o as e m ás p e g a d a s na h istó ria, m as p o r certo ele n ão é um zero à
esquerda.
O C ristian ism o é um sistem a co n stitu íd o de um elenco de idéias
que se p od em discutir. N ã o q uerem os, com o term o “ siste m a ” , sign i­
ficar um a a b stra çã o esco lástica; n ão nos esquivam os, p o rém , de fazer
uso d essa palavra. A Bíblia n ão exibe p en sam en tos n ão relacio n ado s.
O sistem a que ela encerra tem um prin cípio e se desenvolve d esse p o n ­
to de p artid a em m oldes que n ão se con trad izem . O pon to de p artid a é
a existência d o D eus pessoal-infinito co m o C riad o r de tudo o que exis­
te. O C ristian ism o n ão é apen as um a série vaga de experiências incom u­
nicáveis, b asead as em um “ salto no escu ro” , totalm ente inverificável.
T am pou co deveriam a conversão (o início da vida cristã) e a espúrituali-
dade (seu crescim ento) constituir salto s desse tipo. A m bas relacionam -
se firmemente com o D eus que existe e com o conhecim ento que Ele nos
tem facu ltad o - e am b as envolvem o hom em com o um todo.
76 A M O RTE DA RA Z Ã O

A mentalidade do "salto no escuro"

O hom em m odern o chegou à p o siç ã o que o caracteriza na a tu a li­


dad e porque aceitou um a nova atitude p a ra com a verdade. Em p arte
nenhum a isso e m ais claro e m ais tragicam en te visível do que na te o ­
logia m odern a.
Para v isu alizar essa nova atitud e p ara com a verdade em p e rs­
pectiva, con sid erem os d o is ou tros con ceitos da verdade: prim eiro, o
d os gregos; segun d o, o d os judeus. C o m um en te, o con ceito helênico
de verdade era um sistem a o n tológico ou m etafísico h arm o n io sam e n ­
te co n trab alan çad o , fo rm an d o um to d o uno e coerente em to d o s os
p on tos. O con ceito ju d aico e bíblico de verdade é diferente. N ã o que
o conceito racion al a o q u al os gregos se ativeram fosse d estitu íd o de
im p ortân cia p a ra os ju d eu s, já que tan to o A ntigo co m o o N ovo T es­
tam en to op eram com base no que se p o d e discu tir em m oldes ra c io ­
n ais. M a s p ara a m ente ju d aica, alg o m ais firme era n ecessário. E essa
b ase m ais firme era um ap elo à h istória real - h istoria no esp a ço e no
tem po que se p o d ia escrever e discu tir co m o h istória.
A n oção m od ern a da verdade insere um a cunha entre o s co n cei­
tos grego e ju deu , m as o faz no lu g ar errado. O s ad ep tos da co n cep­
ção m odern a p in tariam os gregos co m o su jeitos à verdade racion al e
os ju deu s co m o existen cialistas. D essa fo rm a, tais ad ep to s p rocu ram
susten tar que a Bíblia está do seu lado. E um argu m en to engen hoso,
m as co m pletam en te errado. O con ceito ju d aico distingue-se da n oção
helênica exatam en te no fa to de Se fu n d am en tar na h istória espaço-
tem poral, n ão sim plesm en te num sistem a e qu ilib rad o e h arm o n ioso.
En tretan to, o con ceito bíblico-jud aico de verdade é m uito m ais p r ó x i­
m o do helênico d o que o m odern o, no sen tido de que n ão n ega aqu ilo
que é parcela d a h um an id ad e d o hom em — o an seio pela racio n ali­
dad e, aqu ilo que se p od e p en sar racion alm en te e se pode d iscu tir em
term os de antítese.

O imutável num mundo mutável

H á d u as c o isas que p recisam os apreender firm em ente no esfo rço


de com u n icar o evangelho na atu alid ad e, quer estejam o s falan d o a
R acion alidade e Fé 77

nós m esm os, a o u tro s cristão s ou aqu eles que e stão totalm en te fora
do n o sso círculo.
A prim eira é que há certos fa to s im utáveis e verdadeiros. S ão f a ­
tos que n ão tem nennuima relaçao com as on d as e correntes em co n s­
tante m udan ça. Eles fazem do sistem a cristão o que ele é, e se são
alterados o C ristian ism o converte-se em alg o diferente. E sse fa to re­
quer ên fase, p orq u e há cristão s evan gélicos em n o sso s d ia s que, com
toda sin cerid ad e, estão p reo cu p ad o s com sua falta de com um cação-
m as no a fã de preencher o vácu o tendem a m u d ar o que deve p e rm a­
necer in alterado. Se assim p roced erm o s, n ão m ais estarem os com uni"
can do o C ristian ism o , e o que stin al restara n ao sera m uito diferente
do co n sen so que nos cerca.
E n tretan to, se nos detiverm os nesse pon to, n ão poderem os ap re­
sentar um q u a d ro h arm o n io so , equ ilib rad o. T em os de com preender
que estam o s enfren tan do um a situ aç ão h istórica que sofre ráp id as
tran sform ações e, se vam os n os lan çar à o b ra de fa la r acerca d o evan­
gelho, p recisam o s conhecer q ual a presente flutuação d a s fo rm as de
pensam ento. A m enos que fa ç a m o s isso , os im utáveis prin cíp ios do
C ristian ism o c a irã o em o u vid os su rd os. E se v isam os a alcan çar os
intelectuais e os o p e rário s, d o is g ru p o s que se acham além do âm b ito
de n o ssas igrejas de classe m édia, en tão se im põe a nós um m in ucioso
esq u adrin h am en to d o co raç ão q u an to a co m o p od em os fa la r sobre o
que é eterno em um a situ aç ão h istórica em con stan te m udan ça.
E m uito m ais con fortável, n aturalm en te, contin u ar rotin eira­
mente p ro c lam an d o o evangelho ap en as em frases fam iliares àqu eles
que constituem a classe m édia. Isso, entretanto, seria tão in ju stificá­
vel quan to teria sid o, p o r exem plo, se H u d so n T aylor enviasse m issio ­
nários à C hina e lhes d eterm in asse que apren dessem apen as um dos
três d ialetos diferentes fa la d o s p o r aqu ele povo. Se fosse esse o caso,
apenas um entre o s três g ru p o s teria con d içõ es de ouvir o evangelho.
N ão p o d e m o s im agin ar que H u d so n T aylor tivesse um co raç ão tão
insensível. E claro que ele sab ia que os hom ens n ão crêem sem a obra
do E spírito S an to em seus co raçõ es, e sua vida foi to d a de o ra çà o para
que isso acon tecesse. M a s, ao m esm o tem p o, ele sab ia que os hom ens
não podem crer sem ouvir o evangelho. C a d a geração da igreja, em
suas circu n stân cias p articu lares, em seu p ró p rio cenário, tem a res­
p on sab ilid ad e de co m u n icar o evangelho de m aneira que p o ssa ser
78 A M O R TE DA RA Z À O

entendido, co n sid erad as a lin gu agem e as fo rm as de pen sam en to do


am biente ou p eríod o específico em que a co m u n icação se p rocessa.
Paralelam en te, estam o s sendo abusivam ente in ju stos, até m esm o
e go ístas, em relação à n o ssa p ró p ria g eração , com o se os m issio n ário s
tivessem d elib eradam en te fa la d o em um só dialeto. A ra zã o pela q u al
m uitas vezes n ão p o d em o s fa la r a n o sso s filhos, m uito m enos a o s fi­
lhos dos o u tro s, é que jam ais nos d em o s a o trab alh o de pon d erar o
q u an to su as fo rm as de p en sam en to sã o diferentes d as n o ssas. G ra ça s
à leitura e à orien tação e d u cacion al, bem co m o ao m aciço b o m b a rd e ­
am ento cultural que os m eios de co m u n icação estão prom ovendo, até
m esm o os filhos d a classe m édia e stão se to rn an d o ex p re ssão integral
da perspectiva do século 21. Em áreas cru ciais, m uitos p a is, m in istros
e ed u cad ores cristão s estão , h oje, tã o fora de sintonia com n um erosos
contingentes de filhos da p ró p ria igreja e com a vasta m aio ria que
não pertencem a ela, que é co m o se estivessem falan d o um a língua
estran geira.
C o n clu ím o s, p ois, afirm an d o que o que se diz neste livreto n ão
é um a sim ples m atéria de debate intelectual. N a o é alg o que deva ser
de interesse puram en te acad êm ico. Ê assu n to decisivam ente crucial
p ara aqu eles dentre nós que nutrem o sério p ro p ó sito de co m u n icar o
evangelho cristão neste século 21.
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aM O R T E da
RAZAO
O homem já morreu. Deus já morreu. A vida tornou-se uma
existência sem significado, e o homem não passa de uma roda
na engrenagem. A única via de escape passa por um mundo
fantástico de experiências, drogas, absurdos, pornografia, uma
“experiência final” vaga e de loucura.

Como chegamos a esse tipo de mentalidade? E como


podemos fazer com que a fé cristã tenha sentido para o mundo
de hoje? O dr. Schaeffer, que foi diretor da Comunidad L'Abri,
na Suíça, mostra o histórico de como a arte e a filosofia têm
sido o espelho do dualismo existente no pensamento ocidental
desde o tempo da Renascença.

Hoje, esse dualismo se expressa no desespero de se descobrir


o racional e no escape para o mundo não-racional, que é o único
que parece oferecer alguma esperança. Essa tendência é vista na
literatura, na arte, na música, no teatro, no cinema, na televisão
e na cultura popular.

Francis Schaeffer, pastor, teólogo e um dos maiores apologetas do século XX


nasceu em 1912, nos EUA e faleceu em 1984. Influenciou toda uma geração de
líderes cristãos no mundo todo. Sua integridade intelectual, sensibilidade para
com as artes e preocupação em desenvolver um cristianismo bíblico, coerente e
prático tornam suas publicações uma leitura obrigatória a todos os que desejam
viver uma fé bíblica e contextualizada.

ffl ES M
E D I T O R A
Respostas bíblicas
para o mundo hoje

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