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Espiritualidade e Literatura (7): 1984 e a sociedade vigiada

Publicada originalmente em 1948, a distopia futurista 1984 é um dos romances


mais influentes dos nossos tempos; um inquestionável clássico moderno. A obra trata
de uma temática que não poderia ser mais atual: o que pode ocorrer com uma sociedade
altamente vigiada? E quando essa vigilância transforma-se em mecanismo para
controlar as pessoas?

A história se passa no ano de 1984, em um futuro distópico onde o Estado impõe


um regime extremamente totalitário para a sociedade, através da vigilância do Grande
Irmão (Big Brother), imposta pelo partido (Ingsoc), onde ninguém escapa do seu poder.
Assim, o local do romance é dominado pelo medo e pela repressão, pois quem pensava
contra o regime era acusado de cometer um crime (no livro, crimideia, ou crime de
ideia).

O persongem principal, que representa o contraponto ao regime, é Winston


Smith, que logo começa a questionar o modo como age o Estado. Winston faz parte do
Ministério da Verdade, tendo como função alterar dados para que toda a história
estivesse de acordo com o que o partido pregava. A crimideia acontecia justamente
quando alguma pessoa era denunciada por questionar esses documentos. A punição era
aplicada pela Polícia do Pensamento, que eliminava a pessoa.

Para a vigiar as pessoas havia presente na casa de cada membro do Partido, a


teletela, que era um objeto plano, que emitia sons e imagens. Diferentemente da
televisão normal, através dela seria possível observar e ser observado. Entretanto: o ato
de “observar” não incluia ver quem estava te vendo; não existiam maneiras de descobrir
se estava sendo vigiado; não era possível desligá-la, ou alterar configurações básicas; e
o canal do Partido ficava permanentemente ligado, de modo que poderiam
simultaneamente transmitir a programação oficial do governo e filmar o que acontece
em frente ao aparelho: “Qualquer barulho que Winston fizesse, mais alto que um
cochicho, seria captado pelo aparelho; além do mais, enquanto permanecesse no
campo de visão da placa metálica, poderia ser visto também. Naturalmente, não havia
jeito de determinar se, num dado momento, o cidadão estava sendo vigiado ou não” (p.
8).
Vivemos hoje uma era de grande avanços tecnológicos. As diversas tecnologias
revelam ao homem um novo ambiente, isto é, uma nova maneira de sentir, perceber e
viver o mundo. A internet oferece esse novo ambiente, onde vivências acontecem de
fato. Contudo, a partir do uso inadequado , a tecnologia também tem sido usada como
meio de manipulção, vigilância, fake news e instrumentalização do ser humano. Vivemos
sob a vigilância de câmeras de segurança em ruas, lojas e sob as câmeras de celulares,
tablets e computadores, algo como as teletelas descritas em 1984. Na sociedade do
conhecimento e da informação instantânea, a escravidão moderna dos indivíduos não
funciona como outrora, baseada na coerção e na força, mas no controle do pensamento
alienando o indivíduo e transformando-o em um autômato incapaz de escrever uma
linha da sua vida com suas próprias mãos ou de saber expressar os próprios sentimentos.

Convivemos tanto com as redes sociais que, por vezes, sem percebermos, ao
invés delas servirem como um instrumento de verdadeira comunicação e comunhão,
tornam-se um meio de discórdia, fofocas, intrigas, vigilância e desinformação. De clicks
em clicks privacidades vão sendo retidas e desrespeitadas; enquanto, as vidas das
pessoas vão sendo sufocadas por milhares de vídeos e juízos arbitrários, desembocando
por muitas vezes em linchamentos midiáticos ou na perda do valor da vida humana. Vide
a desproporcional reação das redes sociais com a brutalidade de um segurança para um
cachorro em um hipermecado (algo moralmente pecaminoso) e os assassinatos na
catedral de Campinas. Parece que o cachorro comoveu mais as redes.

Por tudo isso, vale o que nos ensina o Papa: “O acesso às redes digitais implica
uma responsabilidade pelo outro, que não vemos mas é real, tem a sua dignidade que
deve ser respeitada. A rede pode ser bem utilizada para fazer crescer uma sociedade
sadia e aberta à partilha” (Papa Francisco. Mensagem para o 50º Dia Mundial das
Comunicações Sociais).

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