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Capitulo VIII O Reconhecimento do Particularismo do Direito do Trabalho Introducao 1 Ascaracteristicas especiais do Direito do Trabalho, que originariamente provocaram confusio e resistencia na doutrina e na jurisprudeéncia, configuram o fenomeno que se qualifica como particularismo do Direito do Trabalho) ‘mas também como especialidades ou peculiaridades deste dircito. Pode observar-seatravés dos desenvolvimentos precedentes quea primeira nota distintiva do Direito do Trabalho, que em alguma medida explica todas as outras, esta dada pela circunstincia de que se trata de um direito que nasceu para resolver problemas sociais que o direito tradicional se mostrou incapaz sequer de entender. Portanto, 0 Direito do Trabalho teve, desde suas origens, a vocacio de ser diferente. Anova doutrina tratou de integrar-se desde o inicio do século XX a coluna de um “Novo Direito”, relacionado um objeto nao idemiificével com os estudados no passado?. Também, era entendido por muitos que os conflitos que inevitavelmente se produziriam entre as partes interessadas deviam ventilar-se perante uma administragdo de justiga especializada e até diferente integrada com representantes dos dois setores profissionais e sob regras de procedimento igualmente diferentes. Conforme esse propésito, a doutrina procurou dotar-se de novos métodos que a liberaram das flegdes que ocultavam a tealidade do mundo do trabalho. No entanto, em alguns casos, os cultores deste novo ramo do Direito, para escapar & alcunha pejorativa de “corrente socioldgica’, tiveram que assegurar que nao se incorria em um desvio dos conceitos juridicos tradicionalmente aceitos.®) 2. De fato, o objetivo da nova legislagao, apesar do desconforto que causasse aos juristas céssicos, nto se adequava as cinones tradicionais\, isto 6, que nao era reconduzivel ao Direito Civil, nem este era apto para explicar a natureza dos institutos de um direito gestado espontaneamente. No mais, tal direito assumia uma importancia pratica cada ver maior, porquanto se referia ao comum das pessoas e nao somente aos titulares de bens. Sem dizer de uma normativa que descia a0 Ambito interno de cada pafs a partir de um érgio internacional tripartite, ou de dispositivos constitucionais que, rompendo todos os precedentes, faziam do trabalho humano o objetivo concreto da protegao da lei. 3.0 grau em que a nova normativa alterava o sistema das fontes do direito tradicional nao foi imediatamente compreendido ou aceito pela doutrina e, tampouco, pela magistratura trabalhista. Esta, ainda aps instaurar-se como jurisdigao diferenciada (em varios paises até em sua integra¢ao), se manteve por algum tempo apegada as ideias nas quais 0s formados nos conceitos juridicos tradicionais se sentiam confortaveis. Durante muito tempo, somente alguns juristase filésofos do direito observaram que nenhuma norma do sistema que regia as relages de trabalho, ou sua interpretacao, podia ficar isenta dos particularismos que derivavam do distan- ciamento dos caminhos percortidos. (1) fxpressdo escothida por Paul Durand, "Le partcularismo du droit du travail’ en ex Droit Soca, Pars, 1945, 298 ess, que lem a vantagem de permitr a determinacao eo reconhecimento das diferencas deste direto com os demas, aludindo uma definigio sobre um tema valorativ ou comparativo que é objeto de muitas discussbes, como é 0 de se possuir ou no autonomia e, em caso afirmativo, em que {rau ou de que tipo. Questao & que parece que se adjudicou excessiva importincia, (2) Como se evidencia na famosa comparag30 de Georges Scelle na introduce a seu histérco Droit Ouvrer (A. Colin ed, Pars, 1922) (5) Segundo se deixou tit, foro caso do eminente Philipp Lolmar, quando ndo deu passagem paraliberar se da twora cls dareprsentagao, ‘20 explicar os contrat de arta (4) Deve lembrar-se que, por apego ao Codigo Civil Marcel Planiol nem sequer acelava que se empregasse a expresso contro de trabalho. (5) Como apontava Gorges Scele 20 rejeitar energicamente que 0 dirito oper Fosse intepretado recerrendo a categorasjurdicas abstralas (Droit Ourvier, ci), Por sua wer Rafael Caldera, em principios da doutrna labora laine-amencana, observava que perante 0 Dito do Trabalho 112 4 Hécor-Hugo Barbagelata "Nesse sentido, cabe destacar que os juristas tradicionais desprezavam como metajuridicos —quando nao ilus6rios ‘ou enganosos — principios como o de Justica Social, bem como o que nega a equiparacio do trabalho com uma mercadoria, nao obstante 0 reiterado reconhecimento de tais principios por varios dispositivos constitucionais ¢ internacionais. 4, Como quer que seja hoje se admite, cada vez com maior clareza, a existéncia de uma série de fatores que fazem 6 particularismo do Direito do Trabalho. E dbvio que nao basta que se reconheca em abstrato com grande amplitude dito particularismo, sendo que se requer que exista consenso sobre sua virtualidade e que os juizes o tenham presente ao proferir suas sentengas. Por conseguinte, vale @ pena deter-se na consideragio do conjunto das principais manifestagoes diferenciais do Direito do Trabalho. 5. Existem questoes formais que afetam a aplicagio do Direito do Trabalho, as quais estio relacionadas com a pluralidade de fontes, onde se destacam normas internacionais e normas alheias ao Estado, como as convenes oletivas ou 0s usos profissionais, ‘Tal sistema normativo nao permanece imével, mas esta sujeitoa miiltiplas e muito frequentes mudangas, provo- ‘cadas tanto por novas normas internacionais, ou da legislagao interna, bem como por novos ou revisadas convengoes coletivas. [sso sem mencionar 0 dinamismo que a jurisprudéncia tem em alguns patses, Um freio para que tais modificagdes e corregdes nao descaracterizem o sistema, 0 constitui certamente-0 bloco de constitucionalidade dos direitos humanos trabalhistas, Questées comuns a toda normativa trabalhista 6. Ao tratar sobre o particularismo do Direito do Trabalho, éimprescindivel comegar destacando que atualmente nao ha nenhuma diivida sobre um particularismo radical desta matéria, que consiste no reconhecimento a titulo pleno de sua integragao a0 sistema dos direitos fundamentais, que est conformado pelo bloco de constitucionalidade dos direitos humanos trabathistas:® ‘Tal bloco potencializa a hegemonia do principio protetor, que em grande niimero de ordenamentos resulta ‘expressa ou implicitamente consagrado em pertinentes disposigoes das respectivas Cartas Fundamentais, desde a ‘Constituigao le Weimar. A partir do qual, vai se desenvolvendo o mesmo, através dos prinefpios e regras correspondentes do praprio texto Constitucional de cada Estado, bem como pelos reconhecidos pelos instrumentos universas, regionals ou comunitarios, ¢ as normas emanadas da Organizagio Internacional do Trabalho. 7.0 particularismo que deriva do fato de o Direito do Trabalho pertencer ao sistema dos diteitoshumanos nao ‘exclui que corresponda reconhecer varios outros ¢ fundamentalmente os seguintes: a) Subjacéncia do conffito nas relagdes trabalhistas; b) Dimensio coletiva destas relagoes; c) Papel central da negociagao; d) Particularidades das fontes; e) Significagdo do tempo social; f) Maior ntimero e poder dos operadores juridicos. “Tais tragos caracteristicos do Direito do Trabalho, e que fazem seu particularismo, no sio os dinicos, nem se «dao exclusivamente neste ramo do direito, mas os referidos se apresentam com maior intensidade e formam um. entrelagado bem caracteristico. era preciso empreender ‘uma revisio das repro elaboradas pela tric juridca para interprearo Dito comum’ (Derecho del Trabajo, {Aleneo, Bs. sp. 189. Anos depois, Gérard Lyon-Caon,asseverava que ‘chegou o momento de avala se os concetos da Dircto Ci, por muito tempo necessirio, no dstorcem aialmente 0 desenvolvimento do Direito do Trabalho, impeding de tomar conse Je suas prdprias necessidades” Com essa preocupac,concliaaimando que 6 opertuno “interogar-se sobre o senlide ea egitimidode 449 uso dos putdes do Dieta cil al onde sta insercdo pode ser disculda g sobreludo, onde sua inlewenn perturba os efits de tuma le de progresso social” (Dural des principesgéréroux du droid cr en dra du rai in Re. Dra Cl, UXXI, 1974, p. 251-252) (6) V-XVII Jomadas Lruguayas de Derecho del Trabajo y da Seguridade Social, CL, Montevideo, 2006, Vol.2,p. 12.€8. A Evolugio do Pensamento do Direito do Trabalho 113. 4) Subjacéncia do conflito nas relagaes trabalhistas” 8. Um elemento comum a toda regulamentacao das relagdes de trabalho individuais ¢ coletivas deriva da circunstancia de estarem assentadas sobre um tipo especial de conflito que pode ser caracterizado como permanente. ‘© mesmo resulta do fato de os atores pertencerem a posigdes diferenciadas e opostas no sistema produtivo, bem como na organizagaoa que se relacionam."®) Tudo o que nao se pode assimilara desarmonia que, em forma localizada ‘etransit6ria, acompanha outtras relagDes juridicas, ou aos conflitos concretos que eventualmentese suscitam entre elas, ‘O conflito que atravessa as relagdes trabalhistas individuais e coletivas é 0 que se costuma qualificar como conflito industrial, ou rrabalhista, quaificativo que atualmente abarca, como destaca Gino Giugni: “todas as hipoteses de

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