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ARTIGO ARTICLE
nos últimos vinte anos (1988-2008)
Abstract This paper examines the institutional- Resumo O presente artigo examina o desenvol-
ization of health promotion (HP) in Brazil in vimento da institucionalização da promoção da
the twenty years following the proclamation of saúde (PS) no Brasil nos últimos vinte anos, des-
the 1988 Brazilian Constitution. The legal and de a Constituição Federal de 1988. Aborda, inici-
institutional foundations of HP are delineated, almente, o arcabouço jurídico-institucional so-
as well as its recent reassertion as a national pol- bre o qual repousa a institucionalização da PS no
icy. Moreover, the praxis of HP within the health país. A seguir, trata de sua afirmação recente como
system and other instances are analyzed, and the política nacional, da análise de suas práticas se-
institutional capacity building – by means of re- gundo se desenvolvam no interior do sistema de
search and training of human resources – is ex- saúde ou em outras instâncias e, finalmente, da
amined. Around 100 papers were revised, includ- construção da sua capacidade institucional, atra-
ing institutional policy documents, decrees, laws, vés da pesquisa e da formação de recursos huma-
and annals of congresses and other events. The nos. Foram revisados cerca de cem referências bi-
authors’ personal experience in the ideational bliográficas, entre documentos de política insti-
conception of the area and in the institutional- tucional, decretos e leis, anais de congressos e ou-
ization of health promotion as a public policy in tros eventos. A vivência pessoal dos autores no
the country was also drawn upon. Finally, major processo de desenvolvimento teórico-conceitual
restrictions to the theoretical and practical de- da área e do processo de institucionalização da
velopment of health promotion are criticized and promoção da saúde como política pública no país
a few ideas that might benefit such development também foi aproveitada na produção desta revi-
are presented. são. O artigo finaliza com uma crítica sobre as
Key words Health promotion in Brazil, Health principais restrições ao seu desenvolvimento teó-
system, Brazilian Constitution rico-prático e a indicação de algumas perspecti-
vas que favoreceriam tal desenvolvimento.
Palavras-chave Promoção da saúde no Brasil,
1
Escola Nacional de Saúde
Sistema de saúde, Constituição brasileira
Pública Sérgio Arouca,
Fundação Oswaldo Cruz.
Rua Leopoldo Bulhões
1480/7º andar, Manguinhos.
21041-210 Rio de Janeiro
RJ. buss@fiocruz.br
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Buss PM, Carvalho AI
mobilizar um único dos campos propostos na de família, um enfermeiro, dois auxiliares de en-
Carta de Ottawa ou incluir simultaneamente vá- fermagem e um número variável de agentes co-
rios deles. Com respeito à “ênfase” conferida, munitários de saúde (ACS). No final de 2008, o
podem identificar-se apenas com ações educati- MS registrava a existência de 230,2 mil ACS e o
vas ou com ações mais abrangentes de saúde, PACS estava presente em 5.354 municípios. Quan-
qualidade de vida e desenvolvimento. Podem ser do ampliada com a saúde oral, a equipe de SF
implementadas no âmbito de políticas públicas conta ainda com dentista, auxiliar de consultó-
universais do sistema de saúde ou por organiza- rio dentário e técnico em higiene dental. As equi-
ções privadas, exclusivamente para seus mem- pes de saúde oral eram cerca de 17,8 mil, no final
bros. No caso da política pública, podem ser uma de 2008. Todos os trabalhadores têm jornada de
iniciativa do governo federal ou de um governo trabalho de quarenta horas semanais.
estadual ou local. Além dessas, muitas outras “ca- Cada equipe se responsabiliza pelo acompa-
tegorias” poderiam ser invocadas para caracteri- nhamento de cerca de 3 a 4,5 mil pessoas ou de
zar a PS no Brasil. mil famílias de determinada área. A atuação das
Para apresentar de forma didática a comple- equipes ocorre principalmente nas unidades bá-
xidade e abrangência destas ações, optamos por sicas de saúde, nas residências e na mobilização
alinhar de forma crítica as iniciativas conhecidas, da comunidade, caracterizando-se24: como por-
conforme se situem: ta de entrada de um sistema hierarquizado e re-
. No espaço dos serviços de saúde gionalizado de saúde; por ter território definido,
. No espaço das políticas intersetoriais e de com uma população delimitada, sob a sua res-
desenvolvimento ponsabilidade; por intervir sobre os fatores de
risco aos quais a comunidade está exposta; por
No espaço dos serviços de atenção à saúde, prestar assistência integral, permanente e de qua-
individuais ou coletivos lidade; por realizar expressivo conjunto de ativi-
dades de educação e promoção da saúde.
Como foi dito, a própria configuração insti- E, ainda24: por estabelecer vínculos de com-
tucional do SUS atende a diversos preceitos da promisso e de corresponsabilidade com a popu-
PS; entretanto, o seu funcionamento na prática lação; por estimular a organização das comuni-
ainda carece de maior expansão de práticas pro- dades para exercer o controle social das ações e
mocionais. Ressaltamos, a seguir, a iniciativa que serviços de saúde; por utilizar sistemas de infor-
consideramos paradigmática da reorientação e mação para o monitoramento e a tomada de
inovação do SUS, à luz de estratégias promocio- decisões; e por atuar de forma intersetorial, por
nais, que tende a se universalizar no sistema de meio de parcerias estabelecidas com diferentes
saúde do país: o Programa Saúde da Família23,24. segmentos sociais e institucionais, intervindo em
situações que transcendem a especificidade do
Programa Saúde da Família (PSF) setor saúde e que tenham efeitos determinantes
O PSF iniciou em 1992, com o Programa de sobre as condições de vida e saúde dos indiví-
Agentes Comunitários de Saúde (PACS), visan- duos-famílias-comunidade, o que são, concei-
do implementar ações básicas custo-efetivas em tualmente, ações de PS.
populações pobres (reidratação oral, aleitamen- O controle do crescimento e desenvolvimen-
to materno, educação, etc.), com o objetivo fun- to infantil, o atendimento ao calendário de imu-
damental de reduzir a mortalidade infantil. Evo- nizações, o acompanhamento pré-natal, o estí-
luiu, graças ao reconhecido êxito do programa, mulo ao aleitamento materno, a promoção de
para o que hoje é conceituado como “estratégia melhores condições de higiene domiciliar e pes-
da saúde da família” que, segundo seus conduto- soal, bem como do acesso aos recursos de água,
res políticos, visa à conversão do modelo assis- esgoto e destinação do lixo estão entre as princi-
tencial do sistema de saúde, através da expansão pais ações de PS do PSF, voltadas para as pessoas
do PSF e da indução da oferta de média e alta e o núcleo familiar. Inúmeros trabalhos ainda
complexidade adequada aos preceitos da inte- não publicados têm realçado os efeitos positivos
gralidade e da qualidade da atenção. da saúde da família e das ações de PS sobre de-
Segundo dados do MS, o PSF estava consti- terminados indicadores de saúde, com redução
tuído, em dezembro de 2008, de 29,3 mil equipes da mortalidade infantil, da desnutrição infantil e
em cerca de 5.235 municípios, cuja população total dos partos prematuros, assim como do aumen-
é de cerca de 89,3 milhões de habitantes37. Cada to dos partos normais versus o parto por cesari-
equipe é composta, no mínimo, por um médico anas e da amamentação ao peito, entre outros.
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país, confundindo-se com o próprio campo. O PBF é operado pelo Ministério do Desen-
Manifesta-se por duas vertentes principais, a edu- volvimento Social, não tendo relações formais
cação em saúde clássica e mais tradicional, prati- com o MS ou com outros ministérios setoriais.
cada em serviços de atenção básica como os da Contudo, são nítidas as relações entre o PBF e a
antiga Fundação SESP, e a que se vincula ao cam- PS, não só pelas condicionalidades exigidas, como
po da chamada “educação popular em saúde”. pelo asseguramento de alimentação mínima para
Esta surge na virada da década de oitenta para a família e o impulso que tais recursos têm trazi-
noventa, quando é criada a Articulação Nacional do ao desenvolvimento local de inúmeras regi-
de Educação Popular em Saúde. Alguns livros ões pobres do país, com evidentes externalidades
publicados sobre esta vertente59,60 foram decisi- nos campos da saúde e da qualidade de vida.
vos para a formulação de projetos acadêmicos e Estudos recentes61 mostraram que o PBF está
de práticas em serviços de saúde, bem como para bem focalizado, ou seja, efetivamente chega às
a construção teórico-conceitual da área. famílias que dele necessitam e que atendem aos
critérios da lei e que contribui de forma significa-
No espaço das políticas públicas tiva para a redução da extrema pobreza e da de-
de desenvolvimento, da intersetorialidade sigualdade e para a melhoria da situação alimen-
e da ação comunitária tar e nutricional das famílias beneficiárias.
Há, por outro lado, o esforço de articular, no
Descrevemos, neste tópico, diversas iniciati- plano local, o PBF com iniciativas setoriais como,
vas de PS, de natureza intersetorial, envolvendo a por exemplo, nas áreas rurais pobres do país,
participação de diversas áreas governamentais e com a agricultura familiar ou o desenvolvimento
da sociedade. territorial integrado e sustentável, ambos geren-
ciados pelo Ministério do Desenvolvimento Agrá-
Programa Bolsa Família (PBF) rio (MDA) e municípios; estas iniciativas buscam
O PBF61 é um programa de transferência di- estimular a produção de alimentos por meio da
reta de renda com condicionalidades, que bene- prática da agricultura familiar e de subsistência
ficia famílias pobres (renda mensal por pessoa versus a agroindústria voltada para a exportação,
de R$ 60,01 a R$ 120,00) e extremamente pobres bem como integrar políticas públicas em territó-
(renda mensal por pessoa de até R$ 60,00). Re- rios rurais. Estabelece-se, assim, um “círculo vir-
sulta da pactuação entre Governo Federal, esta- tuoso”, pelo qual os recursos do PBF estimulam o
dos e municípios, com a intenção de potenci- consumo alimentar, asseguram um melhor nível
alizar a ação de todos no combate à pobreza. A de saúde e nutrição e garantem a sustentabilidade
decisão de que famílias vão receber o benefício da agricultura familiar e do desenvolvimento nos
do Bolsa Família é de um conselho ao nível dos locais onde este arranjo se estabelece.
municípios. A concessão do cartão bancário que
dá acesso aos recursos por parte da família é en- Cidades/comunidades saudáveis
tregue à mulher, pois é ela, em geral, que se res- “Cidades/municípios/comunidades saudá-
ponsabiliza pelos cuidados à prole e pela gestão veis” é estratégia de implementação da PS reco-
da economia doméstica. nhecida em todo o mundo62-64. Apesar de tal rele-
Ao entrar no PBF, a família se compromete a vância, apenas iniciativas limitadas de cidades/
manter crianças e adolescentes frequentando a comunidades saudáveis estão em curso no Brasil
escola e a cumprir cuidados básicos em saúde: sem, contudo, organizarem-se nacionalmente. São
calendário de vacinação, para crianças entre zero iniciativas localizadas em microrregiões, que em
e seis anos, e agenda pré e pós-natal para gestan- geral reúnem como parceiros principais as prefei-
tes e mães em amamentação. turas e universidades, às quais podem se agregar
Dados recentes61 informam que o PBF está outros atores sociais. Contudo, o tema “cidades
presente em todos os municípios brasileiros; que saudáveis” ainda não ganhou realce no Brasil e,
seus gastos anuais ascendem à cerca de R$ 10,3 tampouco, alcançou instâncias politicamente
bilhões (cerca de USD 5 bilhões); e que cerca de mais relevantes, como o MS e o Conselho Nacio-
11,1 milhões de famílias e 45 milhões de pessoas nal dos Secretários Municipais de Saúde (CONA-
estão cobertas, o que o transforma num dos SEMS) ou, o que seria mais indicado, organis-
maiores programas de transferência de renda da mos que reúnem prefeituras e/ou prefeitos do país.
América Latina. Contudo, não é possível estimar A seguir, descrevemos algumas destas iniciativas.
quantas famílias e pessoas vulneráveis e elegíveis Uma das primeiras referências consistentes
para o programa ainda estão por ser cobertas. sobre municípios saudáveis no Brasil, relacionan-
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ção, habitação, geração de emprego e renda, es- da troca e da produção de informações entre pes-
porte e lazer. O projeto logrou importante mobi- quisadores brasileiros, da aproximação crítica de
lização da comunidade, o que certamente influ- experiências existentes no país e dos marcos e dire-
enciou na escolha de Manguinhos como uma das trizes definidos na PNPS91.
áreas do PAC (Programa de Aceleração do Cres- O Brasil constitui-se numa sub-região dentro
cimento) em 2008 no Rio de Janeiro e a conduziu da Oficina Regional Latino-Americana (ORLA)
a participação formal no comitê local do PAC. da IUHPE. Reúne profissionais de promoção da
saúde e algumas instituições. Realiza oficinas so-
Construção de capacidade institucional bre educação em saúde de âmbitos nacional e es-
para a promoção da saúde: tadual. Publicou, em 1998, o Diagnóstico das Ações
pesquisa e formação de Educação em Saúde no Brasil92. Em 1996, rea-
lizou o Seminário de Formação de Recursos Hu-
Só muito recentemente, foram criadas inicia- manos para a Área da Educação em Saúde93. Em
tivas mais sólidas e de caráter nacional de amplia- 2002, a ORLA realizou no Brasil a III Conferência
ção da capacidade institucional para o trabalho Regional Latino-americana de Promoção da Saúde
com as diversas dimensões da PS. e Educação para a Saúde, cujos resumos de tra-
Um exemplo significativo foi a realização, em balhos apresentados94 oferecem um panorama
2006, do I Seminário sobre a Política Nacional de abrangente do que vem sendo implementado no
Promoção da Saúde86, que reuniu cerca de qua- país sob o rótulo de promoção e educação em
trocentos gestores das três esferas governamen- saúde. Em 2005, realizou o I Seminário Brasileiro
tais e propôs desencadear um projeto nacional sobre Efetividade da Promoção da Saúde95, com
de formação em larga escala de profissionais em expressiva participação de profissionais nacionais
PS, utilizando inclusive metodologias de educa- e estrangeiros, buscando aperfeiçoar esta dimen-
ção à distância. são fundamental da PS.
Por iniciativa da CNDSS, a SCTIE/MS fez, em A ABRASCO, articulando instituições acadê-
2006, uma inédita chamada pública para pesqui- micas no campo da saúde coletiva, inicia levan-
sa sobre determinantes e iniquidades em saúde87, tamento da produção acadêmica sobre PS e or-
visando à consolidação de uma agenda de inves- ganiza diretório nacional de cursos, para refor-
tigações focada em PS e que aprovou 25 proje- çar a articulação e o intercâmbio de instituições
tos, com ênfase na produção de subsídios e evi- entre si e com a sociedade.
dências para a conformação de políticas para a Em parceria com a ENSP/Fiocruz e CIDA/
produção da saúde e redução das iniquidades. CPHA, a mesma instituição desenvolve o projeto
Para orientar as ações de controle das doen- Ações Intersetoriais para a Saúde96, com foco no
ças não-transmissíveis e dos acidentes e violên- intercâmbio entre grupos de distintas regiões do
cia, o MS realizou estudos nacionais de base po- país, com vistas à produção coletiva de conheci-
pulacional, como o Inquérito Domiciliar sobre mento e à ampliação da capacidade institucional
Comportamentos de Risco e Morbidade Referi- para o exercício ampliado das funções da PS. Esta
da de Doenças e Agravos Não-Transmissíveis88 é a segunda etapa do programa de cooperação
(em 2003 e 2005) e o Inquérito de Fatores de Ris- entre as mesmas instituições que, com financia-
co para Doenças Crônicas Não-Transmissíveis mento da CIDA, desenvolve-se desde 199897.
por Telefone (VIGITEL)89, em 2006. Peso e con- Um conjunto muito expressivo de livros, ca-
dições nutricionais, exposição ao sol, tabagismo, pítulos de livros, artigos em periódicos e teses de
consumo de álcool, dieta e atividade física são mestrado e doutorado sobre PS e áreas correla-
alguns dos fatores pesquisados, que ficam dis- tas e afins (ver referências) foi publicado nos úl-
poníveis em bases nacionais e estaduais, permi- timos dois a três anos no país, representando a
tindo seu uso para o desenho de intervenções maturidade de pesquisadores, grupos de pesqui-
moduladas localmente. Um estudo recente90 dis- sa e instituições neste campo. Quando se com-
ponibiliza dados sobre violência, que podem au- param os dois últimos quinquênios, fica ainda
xiliar no desenho de intervenções em prol da cul- mais flagrante o boom de publicações que a área
tura da paz e de prevenção da violência. teve mais recentemente no país.
O MS está financiando uma série de catorze Os Congressos Brasileiros de Saúde Coletiva
estudos de avaliação da PS no país, que objeti- promovidos pela ABRASCO a cada quatro anos
vam a análise e validação de desenhos metodológi- são um espaço privilegiado para a amostragem
cos e indicadores adequados à avaliação de efetivi- sobre a robustez das áreas integrantes da saúde
dade de estratégias de promoção da saúde, a partir pública. Um exame sumário de seus anais, que
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Colaboradores
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