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1 INTRODUÇÃO

mbientes e recursos naturais no mundo se encontravam, no final do século XX,


A ameaçados, muitos com incertezas e outros em riscos de processos de degradações
e perdas de suas funções, atributos e capacidades como as de produção e sustentação à vida. Por
vezes e em certos locais, as situações eram de deteriorações de estruturas, inter-relações e
interdependências ecossistêmicas que afetavam a qualidade e quantidade dos recursos da terra e,
como resultados desses impactos negativos, comprometiam as condições naturais para se
recomporem de intervenções humanas e continuarem oferecendo bens, serviços e informações
para o desenvolvimento.
Eram situações que ocorriam (continuam ocorrendo no início do novo milênio) por causa
de manejos inadequados e excessivos usos e consumos, além da capacidade de suporte de
ecossistemas para fornecer esses bens e tolerar-assimilar poluições-rejeitos, impostos pelos
crescimentos da população e de suas necessidades sem reconhecimentos de, p.ex., a capacidade
e limites dos ecossistemas. Crescimentos atendidos sem critérios físicos e socioeconômicos, os
adequados, como os técnico-científicos de conservação e manejo e com notáveis
incompatibilidades com a preservação e proteção de fontes, reservas, ciclos e processos naturais.
Processos que respondem por fluxos produtivos, por excedentes econômicos, que, ao não serem
atendidas as condições de usos dessas fontes e respeitados os limites de suporte determinam
crescimentos insustentáveis.
Os equilíbrios instáveis e, ainda, os desequilíbrios persistentes (romperam-se equilíbrios
de dinâmicas de forças em tensão pelo esgotamento do leque de realizações) entre necessidades
(expressões “incontroláveis” de desejos e demandas humanas) de consumos desses bens e
serviços ambientais em aceleradas expansões e disponibilidades (expressões naturais que
condicionam, deveriam condicionar, excedentes) de fontes, reservas – estoques e ciclos naturais
para manterem os fluxos desses bens e serviços, constantes ou decrescentes, geravam incertezas
quanto ao futuro de ambientes e da biota, inclusive quanto ao futuro do homem no planeta, com
1,02 bilhões de subnutridos, segundo dados da FAO (2009).
Tais desequilíbrios formalizam novas “ordens” (desordens) de ambientes e sistemas
naturais cada vez mais empobrecidos; essa formalização vem ocorrendo pela trilha da
desertificação que acentua a escassez de recursos naturais pelo consumo irresponsável; provoca
desastres naturais como a erosão de solos e biológica; e gera como conflitos como os de posse e
uso desses recursos.
Os ambientes e recursos naturais, 1 no início do novo milênio, continuam sendo
submetidos a crescentes pressões e em processos elevados e acelerados de degradações,
comprometendo ou agravando a continuidade de atendimentos de necessidades que passam, com
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Eduardo A. C. Garcia

maior frequência, extensão e intensidade, a serem insatisfeitas para uns e insustentáveis para
todos. É a pavimentação da trilha da desertificação feita pelo consumismo, 2 economicismo” 3 e
“tecnologismo” / tecnologicismo. 4
Os processos de degradação ambiental, as pressões antrópicas sobre os recursos naturais e
os riscos de perdas dessas riquezas davam claros sinais, no início do novo milênio, de
continuarem ampliando condições e fortalecendo estados precários para a sobrevivência da
humanidade e, no mediano prazo, para a sobrevivência de comunidades vulneráveis à
desertificação; estados insustentáveis para o fornecimento de bens ambientais valiosos e
imprescindíveis para o desenvolvimento sustentável.
Eram evidências e sinais, reais ou aparentes, em 2009, de países industrializados não
estarem dispostos a, p.ex., realizarem contribuições substanciais para a redução de emissões de
gases causadores do efeito estufa – GEE: não conseguirem atender expectativas do Grupo
Intergovernamental de Especialistas sobre a Mudança Climática – IPCC, no sentido de
reduzirem em 40,0%, até 2020, as emissões desse GEE; nem se dispuserem, tais países, para
agirem (até jul/2009), com ações, estratégias e decisões exequíveis e práticas para combater o
aquecimento global que aprofunda desigualdades econômicas e sociais associadas às perdas
ambientais (resultados de simulações indicam um elevado potencial de perdas econômicas no
Nordeste, em especial nos estados mais pobres; DOMINGUES, MAGALHÃES E RUÍZ, 2009).
Frustravam-se, com tais sinais, propósitos da 14ª. Reunião de 2008, em Poznan, ao preparar a
15ª. Conferencia das Partes da Convenção (7 – 18, dez., 2009, Copenhague).
São processos destrutivos, pressões com impactos negativos e comportamentos
“irracionais” a se constituírem sérios entraves para a harmonização e equilíbrio exigidos por esse
desenvolvimento.
Pelo desenvolvimento sustentável a tratar e integrar dimensões, tais como: a) a ambiental,
devidamente (re)conhecida pela sua natureza, pela sua capacidade de sustentação dos
ecossistemas e pela necessidade de ser valorizada em sistemas contáveis e em políticas públicas;
b) a social, a ser indicada, internalizada e respeitada em planos que tenham como alvo o
desenvolvimento integral do ser humano; c) a econômica, a ser (re)pensada em novas bases e
com novos paradigmas para preparar, gerar e gerir resultados evidenciados no crescimento
“limpo” e com benefícios e oportunidades socialmente distribuídas e ambientalmente
consistentes.
As ameaças, incertezas e excessivas pressões que geram respostas como as das
desertificações (ambiental e humana), secas e inundações catastróficas; e as ações humanas, por
vezes incidentais 5 e, com freqüência, omissas na proteção de fontes, reservas - estoques e ciclos
naturais de renovação de recursos como os hídricos, determinam que esse meio seja inseguro,
imprevisível e dessa forma permaneça, enquanto não sejam devidamente:
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas
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a) Conhecidas, equacionadas em políticas públicas e tratadas devidamente as causas da


degradação e de perdas de bens e serviços ambientais, conforme sejam as condições
regionais, interpretadas em ações, diretrizes e instrumentos dessas políticas.
Com frequência, o que se conhece da degradação são manifestações que afetam
determinados setores, os menos influentes, e causas gerais do problema, porém sem
suficientes informações de interrelações, dinâmicas e importâncias relativas dessas causas
no agregado, no problema da desertificação.
b) Definidos os limites da capacidade de suporte ambiental e as condições de conservação e
manejo que considerem “reais” potencialidades e limitações reconhecidas, internalizadas e
viabilizadas em políticas públicas consistentes e com legitimidade pela coerência técnico-
científica, pela viabilidade operacional e pela consistência social.
c) Formuladas propostas exequíveis (p.ex., em dimensões, tais como a técnico-científica, a
econômico-financeira, a sociocultural e a política, além da ambiental) e orientações de
políticas para recompor e/ou buscar o equilíbrio, com ações e estratégias dentro de riscos
calculados e aceitáveis por todos.
Propostas com a efetiva e oportuna participação da comunidade informada e
conscientizada da necessidade do combate à desertificação e convívio com as secas.
É oportuno indicar que a desertificação no mundo e no Brasil não é um processo novo. O
relativamente novo é a velocidade, a intensidade e a extensão de sua ocorrência tanto em países
e regiões desenvolvidas como em regiões e países em diversos estágios de desenvolvimentos.
Um processo dinâmico e complexo de eventos muitos deles em estruturas cíclicas ou espirais de
causas  efeitos; efeitos/causas  novos efeitos etc.
Em cidades – estados da Mesopotâmia, - parte (lendária) do Crescente Fértil da
Antiguidade e verso da primeira grande civilização mundial, - a antiga Suméria, com registros de
mais de 5.000 anos atrás, verificou-se a substituição de grandes bosques por cidades e campos
agrícolas irrigados (desenvolveu-se um sistema sofisticado de irrigação), arados com bois e com
canais para levar água. Campos que gradativamente foram transformados em terras afetadas por
fortes ventos que varrem as várzeas dos rios Tigres e Eufrates (LARSEN, 2008).
Diamond (2006; complementado), em seu livro Collapse: how societies choose to fail
or to survive, apresenta uma análise das causas de ascensão e colapso de muitas civilizações;
nessa apresentação, enfatiza a fragilidade do meio ambiente (isto é, do conjunto de fatores
naturais, sociais e culturais que rodeiam o indivíduo e com os quais deve interagir,
influenciando-o e sendo influenciado) e os efeitos de escolhas individuais para o futuro das
sociedades e descreve como várias civilizações foram destruídas por causa do uso insustentável
dos recursos naturais e decorrentes processos de desertificação.
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Oportuno complementar que esses processos, no caso do Brasil, continuam sendo


provocados por diversas causas conhecidas, algumas com origem histórica como é a
concentração de recursos da terra que centraliza poder. Desde o início, a estrutura montada para
a acumulação do capital esteve (está) diretamente relacionada com a concentração de recursos da
terra. A concentração fundiária está associada à própria forma como o Estado se organizou no
País, mediante concessões Sesmarias aos “filhos do Rei”; uma forma que determinou
características da territorialidade, sem preocupações 6 diretas com o ambiente, com efeitos
notáveis e douradores, quanto à proteção e preservação de fontes e reservas.
É importante destacar para reflexão, entre outros aspectos, a colocação de que os
problemas ambientais não estão exclusiva ou necessariamente ligados ao sistema capitalista e ao
objetivo da empresa de “maximizar” lucros, mas à questão de não ser feita a “otimização”
compatível com preocupações ambientais o ocorrer se não houver condição para isso.
A ideia da sensibilização da sociedade para a importância das boas práticas ambientais é
um fator que permeia à empresa para adotar boas práticas com evidências de que as que
provocam (provocarem) danos são (serão) penalizadas pelos mercados.
No sistema capitalista e democrático é possível gerar incentivos e induzir mudanças de
comportamento, dos consumidores e de governos. São atitudes e comportamentos, provocados
por tais mudanças, compatíveis com a proteção ambiental. Caso não seja alcançada essa
compatibilização, será difícil [se não impossível] manter por muito tempo o meio ambiente
sadio. São ajustes que dependem de escolhas certas feitas no presente, em relação à natureza
(DIAMOND, op. cit.).
Relatos do senador romano Cícero (106 - 43 a.C), destacam, entre outros aspectos,
barreiras de recuperação de áreas ocupadas no norte da África (UNEP, 1992; SANTO e LIMA,
2002).
Friedrich Engels, em sua obra Dialética da natureza, descreve “Os homens que na
Mesopotâmia, na Grécia e na Ásia Menor, entre outras regiões, destruíram os bosques para obter
terra arável, não podiam imaginar que, dessa forma, estavam dando origem à atual [no início do
novo milênio] desolação dessas terras ao despojá-las de seus bosques”.
A desertificação era, no início, um processo lento e silencioso que pela intensificação de
fatores responsáveis pela sua ocorrência passou a ser observado, com preocupação, a partir dos
anos 30, no meio oeste americano dos Estados Unidos da América.
Foi a observação do fenômeno conhecido como Dust Bowl por causa de três anos de secas
que foram agravados pela degradação da terra. Eram “poeiras de areias” que afetaram
aproximadamente 380 mil km2, em áreas de climas semiáridos de quatro estados (Oklahoma,
Kansas, Novo México e Colorado), com violentas tempestades de poeiras, após secas, erosão
dos solos e desmatamentos da vegetação natural (gramíneas). Foram impactos que dizimaram a
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas
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produção agrícola e provocaram a emigração coletiva para o oeste norte-americano; migração e


efeitos decorrentes da intensa e desordenada exploração dos recursos naturais da terra.
No período 1967/68 a 1973, ocorreu uma grande seca na Região do Sahel, África
Subsahariana, zonas semiáridas que afetam vários países. Essa seca provocou a morte, por fome,
da mais de 200 mil pessoas e milhões de animais.
Foram fatos, entre outros e, possivelmente, por um deles ter afetado, na década de 30, um
dos países mais desenvolvidos, - os Estados Unidos da América, que despertaram pesquisadores
para orientar suas ações de investigação em ecossistemas frágeis marcados pelas intempéries do
clima e sob forte pressão antrópica de seus ambientes.
Na era moderna, dominada pela tecnologia e o conhecimento, a desertificação não se
limita às regiões em desenvolvimento, mas é observado e registrado em países como, por
exemplo, Austrália, Estados Unidos e a China, entre os mais de 110 países afetados por esse
fenômeno, 33,9% da superfície seca do planeta e mais de 2,5 bilhões de pessoas.
Segundo a ONU, é notável a degradação e a ameaça que afeta 66,0% das terras do planeta.
De acordo com o Centro Internacional para o Estuda das Terras Áridas e Semiáridas da
Universidade de Texas, 69,0% das terras estão degradas (solo e vegetação) das zonas áridas do
mundo.
No Brasil, na década de 50 do século XX, há registros da “saarização do Nordeste”.
Segundo Duque (2004), a desertificação “progressivamente vai rompendo cada vez mais o
equilíbrio entre as associações vegetais, o ciclo da água, a produção agrícola, a economia e o
aspecto social”; um processo que se intensificou, na década de 70 e começou a se manifestar em
núcleos de desertificação (JALFIM, 2002), afetando, no início do novo milênio, a 1482
municípios, aproximadamente 13,0% do território e mais de 32 milhões de pessoas.
O problema da desertificação, com grandes impactos, incertezas e perdas de riquezas
naturais, espera, com urgência, respostas com efetividade, de interlocutores: instituições e fóruns
de cientistas – pesquisadores, com soluções sustentáveis e legitimadas pela sociedade; de
políticos e legisladores, com ações públicas consistentes e aplicáveis às diversas realidades
afetadas; e de organizações públicas e privadas efetivamente engajadas no controle de causas
para amenizar efeitos.
Tem sido, com freqüência, interlocutores consultados, porém sem o suficiente despertar e
a necessária resposta para assumirem os desafios de frear, recompor, disciplinar e tratar
necessidades, expansões, manejos, incentivos, planos e políticas orientadas para o controle da
desertificação e a busca da convivência com a seca.
O despertar lento, retardado e desuniforme de atores com visões, por vezes, deturpadas,
ainda em países em desenvolvimento, tem sido destacado em fóruns internacionais como os
promovidos pelas Nações Unidas. Em um deles, o 5º. Fórum entre América Latina, Caribe e
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Eduardo A. C. Garcia

África para a Luta contra a Desertificação, em Santo Domingo, jun. 2007, destacou-se a notável
falta de conscientização de lideres mundiais no combate a desertificação como parte do combate
ao problema da pobreza. Na 1ª. Reunião do CRI / CCD realizada em Roma, em 2002, concluiu-
se que a Região Latino-americana apresentava severos processos de desertificação não
percebidos realmente por tomadores de decisão nem a sociedade.
Pelas posições conflitantes e a pouca percepção do problema da desertificação pode-se
concluir que esses líderes não acordaram o necessário, para o fato de a desertificação ser um
problema global, com graves conseqüências para a segurança de ecossistemas, a estabilidade
socioeconômica e o desenvolvimento sustentável em níveis nacional e local. No acordaram para
o fato de efeitos de a desertificação, o aquecimento global e a perda da diversidade biológica não
se restringem às terras secas, mas afetam a todos.
Segundo a Conferência Internacional da INTECOL sobre zonas úmidas, realizada em
Cuiabá, em 2008, há evidências do impacto negativo do aquecimento global na desertificação.
Se essas terras úmidas continuarem a secar o efeito será catastrófico: grande quantidade de
carbono, em torno de 40 t/ha/ano, será liberada na atmosfera. Com isso se terão consideráveis
perdas da capacidade de reserva, de regulação e de filtração; são contribuições significativas e
em acelerados processos de fortalecimentos para a desertificação.
A “saarização” do Nordeste e os seus expansivos núcleos de desertificação afetam o
semiárido; uma região que não pode ser resumida às variáveis como clima, água, solos e
vegetação, por certo especiais, mas, deverá compreender comunidades em interações com o
meio; as expressões artísticas e socioculturais, a religião e aspectos político-institucionais com
feições, por vezes particulares, de identidade que retratam e interagem com esse ambiente.
É nesse contexto abrangente e de múltiplas, complexas e dinâmicas interações de
elementos e componentes e, quanto possível, devidamente caracterizados que se devem discutir,
acordar, definir e implementar políticas e planos para o combate a desertificação e convívio com
a seca, exigindo-se, nestes instrumentos, a consistência e legitimidade, pela coerência de
estratégias e ações com os elementos e componentes e a participação efetiva da comunidade
devidamente informada - conscientizada. A condição sine qua non é conhecer esses elementos e
componentes, integrá-los no nível regional e traduzi-los em políticas viabilizadas em diversas
dimensões e instâncias.
Nesse contexto, definem-se diagnósticos, estudos e o propósito do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada, Ipea, para auxiliar a “garimpagem” de dados e informações que permitam
ter o conhecimento da realidade do semiárido e sintetizá-lo em diretrizes, critérios e
instrumentos de políticas públicas. Este documento é parte inicial desse propósito.
O semiárido nordestino é, nessa tipologia, o mais chuvoso do planeta, com um regime de
“normais” pluviométricas que varia entre 250 mm/ano e 800 mm/ano, irregularmente distribuída
no tempo e no espaço. Uma região que se caracteriza por acentuado déficit hídrico: 750 mm/ano
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas
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como média de precipitação, o que corresponde a aproximadamente um terço da evaporação, em


média de 3.000 mm/ano.
O semiárido é, também, a mais populosa região do mundo e com condições propícias de
vida se atendidas certas condições, entre outras, as de controle de causas da desertificação e
melhorias sociais para “garantir” a convivência com a seca.
Nessa região, por causa da excessiva pressão humana (em relação à capacidade de suporte
desses ecossistemas) sobre o meio ambiente, registram-se processos de degradação dos recursos
da terra que respondem pela desertificação e limita ou dificultam a convivência no semiárido.
Aspectos “tecnológicos” inadequados para o semiárido contribuem, de forma
significativa, para a desertificação e limitam ou dificultam a convivência com a seca, entre eles a
irrigação agrícola não-apropriada às realidades físicas e socioeconômicas da Caatinga. O estudo
dessa causa da desertificação é omitido neste documento. Isso não significa excluir um dos mais
importantes recursos da agricultura, - a irrigação, mas buscar a articulação com o órgão
responsável para atender objetivos e metas comuns como são as de promover a inclusão social
com a geração de emprego e renda na agricultura irrigada e de contribuir para superar
degradantes e insustentáveis índices impostos por perdas provocadas pelas deficiências na
prática da irrigação no semiárido.
A desertificação é um processo difícil de reverter, porém, quase sempre (por enquanto:
início do milênio) com possibilidades de preveni-lo ao conhecê-lo (identificá-lo e caracterizá-lo
por indicadores, como instrumentos chaves de planejamento, 7 de gestão ambiental 8 e de
tomada de decisões) e, com base nesse conhecimento dar a necessária fundamentação às
políticas públicas e agir com oportunidades, eficiência e objetividade na proteção de
comunidades frágeis e potencialmente vulneráveis. Conhecimentos que permitam:
a) aliviar pressões, em níveis e riscos toleráveis por essas comunidades, - pelo sertanejo,
mediante a recuperação de terras parcialmente degradadas, incorporando-as ao processo
produtivo;
b) utilizar os recursos de forma racional e com garantia de proteção de fontes, reservas e
ciclos, em contextos como os de conservação e manejo integrado e onde se possam tratar
e internalizar, no saber tradicional de comunidades (a potencializar com os novos
conhecimentos), as fragilidades e medidas de proteção com as atividades de
aproveitamentos possíveis e sustentáveis de suas potencialidades e limitações.
c) novas informações e serviços da educação para a sustentabilidade que permita incorporar e
promover o uso e consumo responsáveis e com práticas de redução, reutilização e
reciclagem.
O documento é uma proposta e provocação, em alguns aspectos simplista e sempre bem
intencionada; em outros, omissa em assuntos importantes, que precisa de discussão, adequação e
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Eduardo A. C. Garcia

legitimação; uma proposta elaborada com viés para aspectos técnicos, porém com flexibilidade
para acolher e integrar outros aspectos em um plano de combate à desertificação, mitigação de
efeitos e convívio com a seca, com ações e estratégias consistentes com a realidade.
Com base nessa flexibilidade, define-se um espaço para o Ipea dentro de sua missão de
produzir, articular e disseminar informações para aperfeiçoar políticas públicas, na forma de um
desafio para contribuir na formulação de planos e estratégias de desenvolvimento regional, de
fortalecer a integração institucional e de ampliar a participação no debate a ser orientado para
definir ações e estratégias exequíveis, tanto técnico-científicas como prático-operacionais, de
controle da desertificação em várias abordagens, agrupadas em: a) um conjunto de processos
difusos (isto é, nem sempre evidentes em suas origens), por vezes complementares,
desenvolvidos no longo prazo; b) um conjunto de processos concentrados e localizados, que se
apresentam na forma de “núcleos” (hot spot), bem definidos e com evidências no curto e meio
prazos, com sentidos de crescimento e níveis, em geral, de perdas irreversíveis.
O documento está composto de três partes.
A primeira parte, a do desenvolvimento, apresenta conceitos e contextualizações do
problema no Mundo e no Brasil. A caracterização do problema de degradação dos recursos da
terra é uma das referências para se definir fontes de dados, objetivos e procedimentos
metodológicos de um plano para tratar as informações primárias e se ter bases consistidas de
auxílio às propostas de políticas, de programas, planos e projetos no monitoramento, avaliação,
prevenção e controle, segundo seja o caso.
A segunda parte apresenta o desdobramento de um dos aspectos críticos mais importantes
da desertificação, o da erosão dos solos, com ajustes quantitativos preliminares para definir a
contribuição de cada variável (atributo que se mede, monitora, controla, prognostica e avalia) em
perdas por erosão. Essa definição permite destacar esforços, proporcionais às contribuições de
fatores causais na quantificação do problema, com indicações para o controle orientado pela
importância das causas.
A terceira parte sintetiza inferências e as traduzem em conclusões e recomendações como
orientações explícitas para auxiliar políticas públicas de combate à desertificação e definir ações
de fortalecimento institucional considerando essas recomendações.
Deve-se adiantar que o documento é simples, ilustrativo e preparado para atender, em
primeiro lugar, um fim didático, para ser uma referência de ensino, com o propósito de
contribuir em cursos como os de capacitação e educação ambiental: habilidade, ampliada pela
capacitação, para descobrir e se inserir em processos, alguns de ajustes e mudanças, de conexões
– interrelações nem sempre explícitas (pensamento sistêmico com o desenvolvimento da teoria
da complexidade ou dinâmica não-linear, segundo conceito de Capra) e ser ator (ativo,
participante e responsável) na criação do futuro, em lugar de simples e omisso expectador que
observa como se perdem riquezas naturais essenciais.
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas
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É, também, um documento que incita à reflexão em termos de como se preparar e agir,


dentro do tema proposto de combate à desertificação e convívio com a seca.
Por essa incitação, espera o maior número de críticas e sugestões, cumprindo, dessa
forma, o propósito de auxiliar, ampliar e enriquecer o debate de um dos temas prioritários de
governos em várias instâncias da administração pública, o da desertificação ambiental e humana:
sua prevenção e controle com o engajamento consciente e responsável de comunidades em
políticas e planos, como processos (não são instrumentos fixos nem modelos) preparados e
orientados para esse combate.
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Eduardo A. C. Garcia

2 DESENVOLVIMENTO
nível avançado e crítico de desertificação, na transição para o novo milênio, era um
O dos mais graves problemas do meio ambiente, tanto em escala mundial como
regional. Um problema preeminente, com seus correspondentes desafios, capaz de superar ou de
ameaçar superar ganhos do desenvolvimento e desestabilizar sociedades por afetar, de forma
grave, por vezes irreversível, zonas e áreas de mais de 110 países em todos os continentes e mais
de 1,2 bilhões de pessoas, classificadas como pobres, dentro de um contingente de
aproximadamente de 2,0 bilhões de pessoas que vivem em terras secas, segundo informações do
secretário das Nações Unidas, Ban Ki-Moon (informe na 1ª. reunião de cientistas da Convenção
das Nações Unidas de Combate à Desertificação, UNCCD, em Buenos Aires, set. 23 de 2009).
Um processo de degradação em terras férteis que, conforme dados das Nações Unidas/
UNESCO, provocou perdas estimadas em 24 bilhões de toneladas de solos férteis por anos,
durante as duas últimas décadas, afetando em torno de um terço do total das terras do planeta.
A desertificação é um fenômeno que se refere a um processo de mudança ou, segundo
outro conceito, o resultado final de processos de mudanças que afeta tanto países e regiões
desenvolvidas como países e regiões em desenvolvimento, com variações (escalas e intensidade)
nas transformações de florestas nativas com biodiversidade por vezes não conhecida e em geral
não-valorizada, de matas e terras com potencial produtivo, de solos férteis e recursos hídricos
com qualidade em sistemas simplificados com reduzida ou sem diversidade biológica, em terras
inférteis e recursos hídricos poluídos e reduzidos que perderam seu potencial econômico e se
orientam para a desertificação. Transformações com elevados passivos ambientais, em especial,
os passivos decorrentes da artificialização de ecossistemas em zonas secas, frágeis e facilmente
desertificadas. Um fenômeno destrutivo de riquezas potenciais e de ativos naturais dos recursos
da terra.
A desertificação nesses níveis e escalas de extensões e perdas, por vezes irrecuperáveis,
deveria ensejar (uma atitude racional, diante o desafio) uma ação conjunta e integrada de todos e
em todos os níveis, com programas e planos propostos, discutidos e legitimados por todos,
comunidades, governos e setores públicos e privado. Planos e políticas devidamente orientadas
para gerar resultados com efetividade (proporcional ao empenho na preparação e desenvolução)
no combate à desertificação e amenização dos efeitos das secas em comunidades vulneráveis de
terras secas; aquelas que abrigam os mais pobres, os mais vulneráveis e os de menores
capacidades e recursos para o combate, porem, os que carregam o “peso” de mudanças dessas
transformações.
Um problema, - a desertificação, caracterizado pelo empobrecimento da capacidade de
renovação biológica da terra e por perdas de produtividades bioeconômicas que ocorrem, com
maior freqüência e intensidade, em zonas áridas, semiáridas e subúmidas secas, as chamadas de
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas
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terras secas, aproximadamente 37,0% de toda a superfície. Nessas zonas, a razão precipitação
anual / evapotranspiração potencial está compreendida entre 0,05 e 0,65; índice que define, sem
o necessário atendimento em intervenções humanas, essas zonas como muito vulneráveis e
frágeis.
A degradação do solo, no processo de desertificação, tem sido definida como uma crise
silenciosa, que, segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação
(FAO, 2007 e 2008), compreende “o declínio em longo prazo na função e na produtividade de
um ecossistema” 9. Essa queda se intensificou, em gravidade e extensão, nas últimas décadas do
século passado, com incidência em mais de 20,0% das terras agrícolas, 30,0% das florestas e
10,0% das áreas de pastagens no mundo, acusando-se na elevação de problemas como os da
pobreza e desnutrição.
Aproximadamente 1,5 bilhões de pessoas, segundo a FAO (2008), em torno de um quarto
da população mundial, “depende diretamente de solos que estão sendo degradados” e que, como
conseqüência dessa degradação, respondem por quedas de produtividades e produções agrícolas
e pecuárias significativas e por migrações de produtores de seu meio rural. São fenômenos de
degradações responsáveis, também, por inseguranças alimentares e por significativas,
incalculáveis, perdas da biodiversidade, entre outras.
Configuram-se, a partir desses fenômenos, situações graves, definidas por:
a) A degradação ambiental (efeito significativo e determinante da migração humana),
afetando comunidades que vivem às margens de domínios ecológicos, econômicos e
sociais e onde predomina a pobreza, como síndrome de diversas carências.
São prejuízos (perdas valiosas), em especial, na capacidade produtiva do solo e na
qualidade– disponibilidade de água nesses locais, que determinam, de forma significativa,
a migração da população, portanto uma causa na dimensão ambiental.
Para o caso do Brasil, segundo o Centro de Estudo Refugiados (2008), durante o período
1970 a 2005, teria migrado do sertão nordestino, em torno de 60,0 milhões de pessoas, por
causa de estiagem que afetaram a produção agrícola.
b) O “ordenamento” territorial insustentável dos recursos da terra, apesar de ter sido definido
como importante instrumento da política do meio ambiente brasileira (pela Lei no. 6938,
de 31 ago. de 1981; recepcionado pela Constituição da República Federativa do Brasil de
1988; e adotado como objetivo da Política Nacional de Controle da Desertificação).
c) As mudanças climáticas com impactos negativos dessas variações na população, na
economia e no meio ambiente. São fatores que em geral contribuem para que as terras
áridas, semiáridas e subúmidas secas, sob pressão antrópica e formas de uso e manejo
inadequados, sejam, com relativa facilidade e notável rapidez, áreas desertificadas no
mundo, em aproximadamente 22,0% das terras sujeitas a esse processo.
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Eduardo A. C. Garcia

Os países em processo de desenvolvimento e mais afetados pela pobreza e fome, segundo


o Informe do Desenvolvimento Mundial do Banco Mundial para 2010, afrontam 75,0 a
80,0% dos danos potenciais das mudanças climáticas.
No caso do Nordeste, tais mudanças, de acordo com Magalhães (2007), poderão
representar impactos como decréscimos na disponibilidade de água, substituição da vegetação
nativa por outras típicas de zonas áridas, terras agricultáveis sujeitas à desertificação, salinização
e aumentos de fatores que levam à redução na capacidade de suporte para manter a população,
mais incertezas para a agricultura de sequeiro e crises sociais devidas às secas mais frequentes e
severas, entre outros.
O estudo da FAO Avaliação da degradação do solo em zonas áridas, de 2008, financiado
por Global Environment Facility, revela que a principal causa da degradação do solo é a má
gestão da terra, a má gestão dos recursos da terra. Essa causa se destaca pelo fato de as terras
secas serem responsáveis por aproximadamente 22,0% da produção de alimentos do mundo. São
terras com riscos de desertificação em aproximadamente 33,0% da superfície total (51,72
milhões de km2) e 70,00% de todas as terras das zonas áridas.
A evidência do impacto da desertificação, junto com a difusão da pobreza, é a degradação
de aproximadamente 3,3 milhões de km2 da área total de campo: 73,0% com baixa capacidade
de sobrevivência; 47,0% de queda na fertilidade dos solos de áreas secas; e 30,0% de áreas secas
com alto potencial de irrigação e alta densidade demográfica. Parte da evidência dos efeitos
negativos da desertificação está na perda de cerca de 6,0 mil km2 por causa do sobrepastoreio e
da salinização de solos por irrigação com praticas e tecnologias impróprias às condições locais e
usos intensivos dos recursos da terra, além da capacidade de suporte de ecossistemas e manejos,
portanto, inadequados às realidades locais.
No Brasil, são terras que correspondem a aproximadamente 15,7% da superfície total do
território, com várias categorias de susceptibilidade, tais como: muito alta (24,3% da área total
susceptível de 980,7 mil km2); alta (39,2% do total da área susceptível; áreas áridas e semiáridas)
e moderada (36,5% da área total susceptível) (PROGRAMA DE COMBATE À
DESERTIFICAÇÃO E MITIGAÇÃO DOS EFEITOS DA SECA. IICA, 2008).
É oportuno esclarecer que as áreas susceptíveis à degradação dos solos, dos recursos
hídricos, da vegetação e biodiversidade e à redução da qualidade de vida de populações afetadas
pelo fenômeno, não se limitam às regiões semiáridas ou subúmidas secas do Nordeste. Têm-se
registros e, por vezes com melhores avaliações desses processos negativos, em estados como os
de Rio Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais, São Paulo e Rondônia, entre outros. Em posteriores
publicações do Ipea, com detalhes e sugestões (parcerias) obtidas de organizações e instituições,
públicas e privadas, serão apresentados novos documentos com semelhante propósito de auxiliar
planejadores, gestores e políticas públicas no combate à desertificação.
Admitindo-se a má gestão dos recursos da terra como principal causa da degradação do
solo e esta como o principal fator da desertificação (omitem-se as controvérsias), coloca-se em
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas
13

evidência desafios do Ipea como os de organizar uma rede de produção em novas bases da
sustentabilidade e de gestão pública de conhecimento.
Este documento, preâmbulo de outros, sintetiza o esforço de coleta, sistematização e
análise de dados em um campo, dentro da amplitude, complexidade e dinâmica ambiental, que
procura mostrar a necessidade de entendimento do problema, o da desertificação, a acenar para
ações de proteção e de conservação e manejo dos recursos da terra.
Para facilitar a comunicação e entendimento do texto se apresentam, a seguir, diversos
conceitos baços diretamente relacionados com o assunto (omitindo-se, também, as controvérsias
conceituais: é apenas uma referência situada em determinado contexto).

2.1 Conceitos e Contextualizações


Pelo cumprimento às exigências de um propósito didático proposto neste documento,
define-se o conceito como sendo uma entidade abstrata do pensamento, da comunicação e do
conhecimento. Uma entidade utilizada para designar uma categoria ou atributo de algo, de um
evento ou fenômeno a ser destacado por determinados atributos representados pelo conceito ou
uma relação entre variáveis de uma proposição.
O conceito, por vezes eventualmente provisório e, nesta publicação, com viés ou certo
enfoque para a questão técnico-científica, facilita o entendimento, pela concisão e clareza do
texto uniformizado sobre uma base, - a conceitual, portadora de significados, independente da
linguagem. Daí a sua importância e a necessidade de se explicitar, de conceituar, em qualquer
documento técnico.
A explicitação ou desdobramento de conceitos relacionados em estudos da desertificação
é orientado para questões técnicas - tecnológicas e se limita a um número reduzido de assuntos,
tais como: desertificação, combate à desertificação, degradação dos recursos da terra,
desenvolvimento sustentável, plano de convivência com a seca, erosão dos solos, conservação e
manejo dos recursos da terra, agricultura sustentável, participação social em todos os níveis e
cenários do semiárido para orientar boas práticas e sustentar diretrizes e instrumentos de
políticas públicas que, com frequência, escolhem e apresentam conceitos.
A metodologia relaciona outros conceitos e desdobramentos como os de indicadores e os
pertinentes às técnicas e métodos utilizados na coleta, análise e síntese de dados, na inferência e
apresentação de resultados sistematizados em conceitos como os da ABNT e ISO.

2.1.1 Desertificação: o problema central


14
Eduardo A. C. Garcia

A desertificação pode ser definida como um processo de destruição ou de perda do


potencial produtivo da terra, de degradação dos recursos da terra (sistema bioprodutivo terrestre
que compreende o solo, a vegetação, outros componentes da biota, além de processos ecológicos
e hidrológicos desenvolvido nesse sistema; conceito de terra segundo a Convenção) e, em
especial e como síntese e final de uma cadeia de destruição, a degradação humana, destacada em
regiões ou zonas áridas, semiáridas e subúmidas secas, as chamadas “terras secas”.
Um processo, o da desertificação, que resulta de ações (as que se definem como sendo
predatórias ou que excedem à capacidade de suporte e recomposição de ecossistemas) de vários
fatores, agindo isoladamente ou, com freqüência, simultaneamente, incluindo, entre eles, as
variações bioclimáticas (“induzidas” ou potencializadas por atividades antrópicas) e as
atividades humanas insustentáveis. São fatores como os físicos, biológicos, socioculturais
econômicos e político-institucionais, segundo a visão da Convenção das Nações Unidas de
combate à Desertificação 10
Conforme outros enfoques, um processo que resulta, prioritariamente, de atividades
humanas inadequadas para o local ou região e que é influenciado por variações climáticas, com
seus maiores impactos na diversidade biológica e em perdas da capacidade produtiva dos
ecossistemas.
Os diversos enfoques e, em especial, o da Convenção, destacam, ainda que de forma
implícita, a abordagem sistêmica e integradora de um conjunto de elementos em um componente
e de diversos componentes em um sistema, diferenciando-se de enfoques tradicionais não apenas
pelo tratamento isolado de cada componente, mas por incorporar processos como os econômico-
sociais, demográficos e institucionais, associados, como resultado, ao fenômeno da
desertificação. Esse resultado, seja da ação conjunta de fatores ou de atividades humanas
influenciadas por variações climáticas, é um da degradação dos recursos da terra que transforma
florestas e solos férteis em áreas desertificadas (com o tempo, desertos) e onde os elevados
níveis de hostilidade limitam, reduzem ou eliminam as condições de vida nesses ambientes.
As adaptações de plantas e animais que sobrevivem em ambientes especiais como os do
semiárido e subsumido estão (são) determinadas por características, entre outras, genéticas e
ambientais: processos que se acompanham e refletem harmonias e equilíbrios alcançados no
transcurso de longos períodos de evoluções e adaptações. Mas, a acelerada velocidade de
simplificações ou artificializações excessivas e a intensidade do processo de degradação dos
recursos da terra, da desertificação, rompem tais equilíbrios porque superam, em muito, à
capacidade dos organismos se adaptarem ao novo meio. São desequilíbrios com graves
implicações (efeitos) que se manifestam pelo desaparecimento (riscos, perigos ou ameaças de
extinção de espécies), migrações e substituições: perdas da biodiversidade e riquezas naturais.
No semiárido nordestino há evidências tanto de migrações (p.ex., humanas) como de
substituições (p.ex. da vegetação típica de caatinga por vegetação de zonas áridas) associadas às
simplificações de ecossistemas e às perdas de suporte ambiental para atividades humanas.
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas
15

As atividades humanas, realizadas sem cuidados de proteção e conservação, orientam-se


para provocar a desertificação, ainda que não intencionalmente, em um ou outro enfoque e com
impactos negativos sobre o meio ambiente, principalmente, em “terras secas” de ecossistemas
frágeis e com “limitadas” capacidades de recomposição de suas fontes, reservas e ciclos.
Essas “orientações” provocam impactos ou alterações em processos e dinâmicas que
caracterizam os ecossistemas como susceptíveis à desertificação, com fluxos de bens e serviços
ambientais excedentes limitados ou, ainda, sem “suportáveis” excedentes, na visão econômico-
ecológica, dado o estado das artes e ciência tecnologia para evidenciá-los com sustentabilidade.
São ecossistemas, os das terras secas, exigentes por técnicas – tecnologias e práticas de
proteção e manejo que, em ausências delas, limitam (deveriam limitar ou até impedir com base
em critérios, os de sustentabilidade) as artificializações e incorporações desses ambientes aos
sistemas produtivos.
Nas práticas frequentes de simplificações, de usos e manejos de ecossistemas do
semiárido, configuram-se causas que levam à desertificação. Isto, porque os usos e manejos de
seus recursos não atendem às características (como, p.ex., grandes variações e irregulares
distribuições de “normais” climáticas, solos pobres em matéria orgânica, escassez de água e
biota adaptada às condições do meio alterado) e, em particular, à capacidade de suporte (poucos
excedentes de recursos naturais, dado o instável equilíbrio interno desses sistemas) desses
ecossistemas.
São diversas as atividades de simplificações ou artificializações a que são submetidos,
com frequência, os ecossistemas de térreas secas, tais como:
a) O desflorestamento e desmatamento desordenado e praticado sem critérios técnicos
consistentes (para as condições locais e regionais) que interfere no equilíbrio ecológico,
alteram ou eliminam importantes habitats, destroem nichos, rompem cadeias alimentares,
modificam condições indispensáveis para a manutenção e expressão da biodiversidade
(p.ex., com a extração intensiva de plantas medicinais e de vegetais fontes de alimentos) e
de riquezas culturais (p.ex., o desflorestamento que desqualifica a identidade natureza –
homem e parte de saberes tradicionais) com prejuízos, em geral, não-compensados pelos
ganhos tecnológicos na produtividade agrícola e em outras intervenções humanas que
realizam tais práticas com impactos ambientais negativos.
No caso da desertificação no Nordeste, uma das causas mais importante, associada ao
desflorestamento, é o extrativismo vegetal e mineral, com danos muitas vezes irreversíveis
no meio ambiente.
b) A introdução de novas espécies de monocultura de plantas cultivadas e proliferação
“anormal” (apenas para a atividade, para o agente econômico que faz essa introdução) de
espécies de insetos nocivos: ciclo curto dos cultivos introduzidos e que substituem a
vegetação nativa, abundância de alimentos e ausência de predadores das “pragas”.
16
Eduardo A. C. Garcia

Em alguns casos, a introdução de novas espécies, relaciona-se com o desenvolvimento de


culturas de exportação que não estão devidamente adaptadas ao clima, ao solo da região e
que ao não considerar riquezas naturais, habitats, endemismos e fatores indispensáveis (no
conceito de “demanda derivada” de bens ou serviços indevidamente considerados livres,
sem preços nem mercado) no suporte a um excedente econômico, destroem a base ou
sustentação dessas mesmas culturas, além da destruição, provocada pela simplificação, no
ecossistema.
c) As queimadas indiscriminadas que alteram ciclos, processos e comprometem reservas e
fontes de recursos naturais como as de águas.
d) As sobre-explorações (p.ex., a intensidade na exploração agrícola e pecuária, -
sobrepastoreio, e da caça e pesca excessiva) de ecossistemas em níveis que excedem à
capacidade auto-regeneradora desses sistemas naturais.
A capacidade de suporte da Caatinga de 8,0 a 14,0 ha / unidade animal de bovino ou 1,0 a
1,5 ha / caprino, ainda que sem uma base técnica, porém mantida e tida no limite de
tolerância (?, suposto ou admitido), tem experimentado significativos e evidentes
aumentos da densidade populacional de 50,0% ou mais.
e) A mineração desenvolvida sem adequados critérios e com a utilização de recursos
prejudiciais ao meio ambiente e à saúde humana.
f) As atividades ceramistas que utilizam lenha retirada da caatinga e emitem poluentes na
atmosfera (p.ex., dióxido de enxofre, óxido de nitrogênio etc.); atividades que poluem
fontes de água e com a extração de argila (em locais de várzeas, riachos, açudes etc.)
desmatam e degradam o solo, entre outras consequências da simplificação da Caatinga.
São simplificação e mudanças de cenários primários com perdas de características
geoecológicas que se traduzem em perdas econômicas e sociais.
As atividades humanas, nas exageradas simplificações ou artificializações de ecossistemas
da Caatinga, favorecem a desertificação quando aceleram ou incentivam processos como os de
erosão geológica (desertização); quando alterarem, de forma significativa, a paisagem e
provocam mudanças de ambientes bióticos com determinadas riquezas dominantes na Caatinga,
para ambientes abióticos empobrecidos e sem água (sem capacidade para manter a biota original
que é substituída nem um excedente econômico de água, de vegetação, de caça e pesca).
A “trilha” frequente da degradação que leva à desertificação ao transformar um estado
natural inicial, (p.ex., uma área não degradada de Jabariguara, CE; Figura 1) em um “estado”
culminante de degradação dos recursos da terra, da desertificação ou de um estado muito
próximo dela, poucas décadas depois, é determinada pela intensidade de uso e as formas de
manejo. Um estado irreversível que provoca ou favorece desequilíbrios de sistemas naturais
como os dos ciclos hidrológicos e climáticos, além de alterações da dinâmica dos solos e da
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas
17

biodiversidade (TRIGUEIRO, OLIVEI-RA e BEZERRA, 2009). Essa “trilha” representa uma


nova dimensão temporal

O tempo pode ser medido pela capacidade de transformação da matéria: sem


transformação, ocorre a detenção no tempo, se tudo se transforma e é auxiliado por atividades
antrópicas, acelera-se esse processo e se rompem equilíbrios dinâmicos. O auxílio, neste caso,
ocorre com o uso (intensivo e além da
capacidade de suporte ambiental) de Área não-degradada: Jaguaribara (CE)

práticas e técnicas-tecnologias
inadequadas de produção, de hábitos de
consumo e de formas de manejo, com a
liberação de subprodutos responsáveis
pela poluição e com as mudanças
climáticas: esse é o sentido da “trilha”
que encurta o tempo para a desertificação;
da trilha que representa o aumento de
perdas ambientais, da pressão sobre o Trilha
meio ambiente, afetando-o, de forma Taxa de Natureza física do local
Função Intensidade de uso
negativa, em sua estrutura, inter-relações Degradação Forma de manejo
(internas e externas) e dinâmica.
São impactos mais ou menos
graves que podem levar à desertificação
em maior ou menor tempo: detê-la é um
compromisso de todos, baseado na
racionalidade e efetividade de
instrumentos definidos e integrados em
políticas públicas, para agirem, com
objetividade e efetividade nos Área degradada; erosão laminar; Jaguaribara (CE)
componentes causas que definem essa
Figura 1 “Trilha” da degradação que leva a desertificação
trilha. Surge, nessa proposta, um espaço
para empresas como as de pesquisas e institutos como os de auxílio à formulação de políticas
públicas contribuírem para o desvio, redução ou eliminação de fatores e condições da
degradação.
A desertificação é considerada como um dos problemas mais graves do meio ambiente,
um problema que passou a ser internalizado (?) no Brasil em 1988, 11 decorrente da degradação
do solo (dos recursos da terra) que afetava, no início do novo milênio, mais de um bilhão de
pessoas de regiões áridas, semiáridas e subúmidas secas do mundo. Um problema complexo e
18
Eduardo A. C. Garcia

dinâmico composto por diversos ciclos e/ou espirais e onde efeitos de uma fase podem ser
causas de outras, retroalimentadas em ciclos ou espirais perversas.
É preciso identificar nós e elos, caracterizá-los e, com propostas “consistentes, romper
esses ciclos e espirais, no combate às causas da desertificação, agindo com efetividade em
fatores controláveis (atividades humanas) que levam à degradação e eliminar a potenciação de
efeitos negativos como os de variações bioclimáticas: é, antes de tudo, um processo de
prevenção, monitoramento e controle, a iniciar ou acelerar com os melhores endereçamentos
para a educação socializada, conscientização e responsabilidade–comprometimento de todos
nesse combate.
A taxa de deterioração, no processo de degradação ambiental ilustrado na figura acima,
pode ser reduzida, em níveis (riscos) toleráveis (os mínimos; o ideal seria eliminá-lo), agindo
nos fatores e condições que definem a trilha de desertificação, mediante:
a) Substituição criteriosa e oportuna de formas, procedimentos e técnicas de usos-utilizações
indevidas e de práticas de manejos inadequadas de recursos como água, solo e vegetação.
A condição para fazer essas substituições é conhecer as deficiências, ineficiências e
efeitos negativos ou consequências das práticas de uso e manejo atuais e, com base nesse
conhecimento, buscar alternativas para se realizarem tais substituições. Devem ser
alternativas que incorporem critérios técnicos “facilmente” adotáveis por terem
viabilidades técnica, econômica e operacional. Alternativas que possam utilizar
(incorporar, quando convenientes) experiências e saberes tradicional.
Técnicas e procedimentos de conservação e manejo integrado, testadas e adequadas às
condições físicas como, p.ex., as de disponibilidades de águas combinando diversas fontes
desses recursos, em termos de quantidade e qualidade e características físicas e químicas
dos solos, além de se integrarem aos aspectos socioeconômicos locais e regionais que
possam se relacionar com as substituições de usos e manejos.
b) Eliminação de tecnologias impróprias como as de irrigação, dadas as condições locais e
regionais não atendidas com essas tecnologias.
A semelhança do caso anterior, é preciso definir as impropriedades ou os impactos
negativos das tecnologias, em termos de (relação preliminar): bases “técnicas” (p.ex., as
dos sistemas de irrigação e drenagens com a salinização), consequências (p.ex., as de
inundações de áreas mal drenadas, alterações físicas do solo, - aeração, e, em especial,
salinização dos solos) e custos de perdas, considerando-se, nessas estimativas, diversos
critérios, além dos econômicos de prevenção, recuperação, etc., os sociais e ecológicos.
As consequência de técnicas, procedimentos e tecnologias impróprias se manifestam,
também, pelo abandono das terras por partes das populações mais pobres; pela diminuição
da qualidade de vida, aumento da mortalidade infantil e diminuição da expectativa de vida
dessas populações; pela desestruturação das famílias, no local, como unidades produtivas;
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas
19

e, seja de maneira direta ou indireta, pelo crescimento da pobreza urbana devido às


migrações, a desorganização de cidades, ao aumento da poluição e aos problemas
ambientais urbanos provocados por essas migrações.
Parte dos estudos das consequências, dos impactos das tecnologias no meio ambiente e de
necessidades de suas substituições deve ser utilizada para orientar a busca de alternativas
dessas tecnologias. Trata-se de uma orientação de especial utilidade em delineamentos de
políticas de pesquisa e extensão.
c) Períodos de pousios insuficientes (muito curtos ou épocas na adequadas), dadas as
condições físicas, econômicas e socioculturais desses ambientes.
A insuficiência de um período de descanso e recomposição deve ser considerada à luz de
indicadores e condições locais e regionais para, p.ex., repor (pela atividade cíclica em
cada caso) e manter (conforme indicações dadas pela estrutura - organização, composição
e interação de sistemas) reservas como as de nutrientes dos solos e biomassas de espécies
nativas e disponibilidades sazonais de águas.
Na suficiência de atendimento, - a alternativa para reduzir ou eliminar esse fator de
deterioração, poderá combinar períodos de descansos com formas de manejo como as de
pastoreio, rotações de culturas e plantios diretos, entre outras.
A mudança (redução ou eliminação) da taxa de degradação ambiental pode ser alcançada,
segundo Trigueiro, Oliveira (op. cit.), por: a) o enriquecimento [reintrodução] de espécies
nativas e pela recuperação e manutenção da biodiversidade de componentes florísticos em áreas
degradadas; b) com a aplicação de técnicas de cultivo mínimo e de raleamento quando
necessário, observando a preservação do componente arbóreo nativo; c) pelo aprimoramento
tecnológico da agricultura de sequeiro; e, em especial, d) pelo uso racional e a conscientização
de que é necessário preservar ambientes e condições para as futuras gerações, evidenciando, com
isso, o papel da educação ambiental: mudanças de hábitos e orientação do produtor e de
comunidades para adotarem princípios de convívio ambientalmente sustentável.
Quais são esses princípios? Do ponto de vista tecnológico em sua real dimensão e
significado, os de vantagens do conhecimento e da tecnologia para a proteção, uso sustentável
(vale dizer, conservação), manejo integrado e valorização internalizada na conservação.
A degradação da terra é um problema em escala mundial que requer (exigências, entre
outras não menos importantes, de habilidades, competências e oportunidades de todos os
envolvidos e interessados) detalhado e criterioso aprofundamento em seus aspectos teórico-
científicos e metodológicos necessariamente adaptados e aplicáveis às condições ambientais,
socioculturais e econômicas do local ou região.
São exigências como as de entender impactos, desdobramentos e complexas interações de
fatores físicos (locais, regionais e globais), biológicos (locais e territoriais), socioculturais (locais
20
Eduardo A. C. Garcia

e regionais), institucionais (regionais) e econômicos (desde locais até globais em mercados


conectados).
Exigências para romper abordagens de análises e interpretações temáticas, tais como:
climatológica, hidrológica, pedológicas, biológica e antrópica ou de apenas conteúdos
tecnológicos, entre outros, tratando-as em contextos sistêmicos interdisciplinares, dinâmicos e de
“naturais” ou lógicos desdobramentos e ciclos, tais como (Quadro 1): saúde (saneamento
básico) para a preparação na educação e educação para garantir a saúde (esse serviço básico); o
binômio saúde - educação para se ter justiça social (inclusão social e oportunidades de trabalhos,
de moradia, segurança alimentar etc.). O atendimento a tais exigências impõem outras como as
de bases de dados “consistidas” e novas abordagens como as sistêmicas, dinâmicas e de riscos,
no tratamento e formulação de planos.

Quadro 1 Sequência e inter-relacionamento de componentes em abordagem sistêmica

saúde  educação
Interdisciplinaridade

saúde  educação  justiça social


Dinâmica

saúde  educação  justiça social  médio ambiente

saúdeeducaçãojustiça social médio ambiente  desenvolvimento sustentável

Os impactos e ameaças, as associações e interações de fatores, as causas e projeções da


desertificação possuem origens e desdobramentos diferenciados ou diferentes, por vezes
característicos de cada local ou região, em função de naturezas e situações específicas de
ecossistemas naturais, variando desde ocorrências de fenômenos que definem secas até
processos institucionais, de infraestrutura e organização e de uso, manejo e acesso aos recursos
naturais.
Na perspectiva de sequência e inter-relacionamento de componentes é preciso combinar
elementos da história – evolução ambiental no local ou região (como surgiu o problema com os
processos de ocupação e uso econômico, com os hábitos de consumo que provocaram a
degradação da capacidade de resiliência do ecossistema, que afetou o homem nos níveis
registrados no presente e que poderão se agravar no futuro, caso não sejam tomadas as devidas
medidas) com tendências e projeções (previsões de agravamento ou de solução do problema da
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas
21

desertificação associadas às mudanças climáticas e às perdas da diversidade biológica, aos


comportamentos de agentes ou às ações de controle: são os cenários) para compreender a
desertificação.
O termo desertificação surgiu, no final da década de 40, século XX, para identificar áreas
que ficavam parecidas com desertos:

“para expressar a regressão da selva equatorial africana pelo corte abusivo, incêndios e roças para a
transformação em campos de cultivo e pastiçais, o resultado dessa prática não era outro senão a
exposição do solo, a erosão hídrica, eólica e conversão de terras biologicamente produtivas em
desertos” (AUBRAVILLE, citado por CAVALCANTI, COUTINHO E SELVA, 2006).

O problema da diminuição ou da destruição do potencial biológico dos recursos da terra


que pode levar ambientes a condições semelhantes a desertos está associado com outros
problemas não menos graves 12 com inter-relacionamentos, por vezes de causa e outras como
efeito, complexos e dinâmicos.
A comunidade científica aceita, ainda que com diversidade de enfoques e interpretações
de fatos, inclusive com fontes variáveis de dados, os inter-relacionamentos de pobreza,
desertificação e degradação dos recursos da terra, da desertificação com a perda da diversidade
biológica e com as mudanças climáticas, conforme se indica, de forma simplista, na Figura 2.
Projeções preliminares apontam tendências de maiores variações climáticas para regiões
áridas e semiáridas: épocas de inverno com muita chuva e épocas secas com maiores secas.
Essas variações, entre outros, são manifestações notáveis que aparecem na África e na América
Latina (NOBRES, 2008).
Entretanto, por “conveniências” e acomodações com viés, de determinados setores e
países e pelas implicações que se depreendem com a internalização de passivos ambientais em
contabilidades públicas e privadas desses atores, são “fatos, dados e projeções” questionáveis e
até “rejeitáveis”, em função dessas “conveniências” e acomodações, apesar da polêmica ter sido
“aparentemente” resolvida quando aprovada a Agenda 21 e acordada a sua implementação na
Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação.
As Nações Unidas, mediante suas convenções que pactuam, por acordos, ações e
estratégias de combate à desertificação, e os países ricos e desenvolvidos, através de suas
representações econômicas e políticas nesses fóruns, respondem com grande defasagem (à
despeito de fatos e evidências das consequências da desertificação no econômico, no social e no
ambiental) e se “recusam” em acatar compromissos e a se comprometerem a alcançarem metas
que possam reduzir causas como as de mudanças climáticas, de perdas da biodiversidade e das
desertificações ambiental e humana.
22
Eduardo A. C. Garcia

Acrescenta-se o fato de determinados acordos e mercados internacionais estimularem a


sobre-exploração de recursos da terra que levam ou favorecem à desertificação.
A definição da desertificação tem como base a proposta apresentada na Convenção das
Nações Unidas de Combate à Desertificação e “acatada”, em tese, pelos países signatários,
entre outros o Brasil, com desdobramentos e ênfases, em aspectos, tais como:
a) A definição da desertificação pelas suas causas, as relevantes, no local ou região e as
interações, as significativas, de fatores naturais e antrópicos que determinam a
complexidade e dinâmica desse fenômeno.

AÇÕES
Elaborar e implementar um programa de ação
nacional de combate à desertificação, com a
participação da população e de comunidades
OBJETIVOS (...), com parcerias, cooperações e
Combater a desertificação coordenações.
e os efeitos da seca, em Um programa com flexibilidade para se
abordagens consistentes ajustar às mudanças, com ênfase em
com a Agenda 21 medidas preventivas e com possibilidades
de revisões periódicas.

PROBLEMA
Identificar fatores contri-
buintes * à desertificação e COMBATE À
definir-especificar DESERTIFICAÇÃO E AOS
obrigações ** dos EFEITOS DE SECAS
envolvidos (…).

RECOMENDA
Recomenda a criação de ABORDAGEM
sistemas de alerta precoce Integrada [sistêmica], considerando
e a preparação da aspectos físicos, biológicos e
sociedade com planos de socioeconômicos do problema para
contingências para lidar acenar nas ações de solução.
com a seca. Inclusão do Associar as estratégias de erradicação da
fortalecimento de sistemas pobreza com os esforços orientados para
como o de segurança combater a desertificação e mitigar os
alimentar. efeitos da seca.

Figura 2 Elementos de um plano de combate à desertificação indicados pela Convenção das


Nações Unidas de Combate à desertificação
Fonte: Combate à desertificação e mitigação – convívio com a seca (2008).
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas
23

A caracterização e análise de causas não apenas pelos efeitos diretos, mas pelas interações
e sinergias desses elementos ou variáveis, com possibilidade para acenarem, com
objetividade, a busca de fontes de dados na complementação do estado inicial de
conhecimentos, de objetivos e meios necessários para serem alcançados.
b) A incorporação de saberes tradicionais, evoluções (históricas) e perspectivas
socioculturais de comunidades vulneráveis ou susceptíveis à desertificação.
A incorporação de intangíveis como saberes e experiências de comunidades no convívio
com o semiárido e em políticas de combate à desertificação requer o necessário
conhecimento desses ativos (precedida do resgate e valorização de sistemas tradicionais,
entre outros, os de convivência–ajuste ao meio e de gestão e ordenamento do território) e
definir brechas para que tal incorporação, valorizada e legitimada, possa ser socializada e
acrescida de novos valores com os conhecimentos adicionais.
Estabelece-se como hipótese, que tal incorporação, - as de saberes e experiências de
comunidades no combate à desertificação e convivência com a seca em planos, dá
legitimidade à ação política e facilita a definição e implantação desses planos quando
neles se identifiquem poderes e desejos sociais; quando possam interpretar a vontade
popular e a ação comunitária integrada – potencializada nesses planos.
c) A natureza dinâmica e complexa da desertificação que em seu componente antrópico
responde aos arranjos que se fecham em ciclos ou se mantém em esperais e onde é preciso
encontrar pontos de tensão, elos críticos, oportunidades para rompê-los e evitar retro-
alimentações viciosas.
Por vezes, são estruturas institucionalizadas, como as de posse da terra e recursos hídricos,
que favorecem a exclusão social e a sobre-exploração de recursos com a concentração de
recursos e benefícios. Reconhece-se que são estruturas sedimentadas e com lastros
históricos e socioculturais e onde esforços de mudanças encontram grandes resistências
por parte de setores influentes e dominantes.
d) Os fatores de riscos no planejamento, na gestão integrada, na tomada de decisão e em
políticas públicas, em geral, omitidos em planos de combate a desertificação e
24
Eduardo A. C. Garcia

convivência com a seca. Em muitos casos são fatores de incertezas como as que ocorrem
em projeções de causas e efeitos em horizontes de curto, médio e longo prazos, devido às
dificuldades de representar a dinâmica e complexidade desses processos. Contudo, não há
razões nem desculpas para ignorá-los, dada a gravidade e extensão do problema, e adotar
a procedimentos simplistas ou relações estáticas e bem definidas.
Grande parte das incertezas está associada à consideração, por parte da teoria econômica
que tem permeado políticas e comportamentos de agentes econômicos, do uso comum de
recursos naturais. Recursos valiosos, porém sem preços nem mercados e com acessos, em
tese, permitidos a todas as atividades econômicas, por vezes, dominadas e concentradas
por setores. Essa permissão favorece ou se orienta para a sobre-utilização que responde
por externalidades cruzadas negativas e implica, no longo prazo, o comprometimento da
sustentabilidade de fontes do meio ambiente como sistema de suporte à vida.
No contexto de “bens livres”, os recursos naturais passaram, em alguns casos, de uso
comum e disponibilidade ilimitada para bens escassos e com valor econômico, como é o
caso da água, com a instituição da cobrança do uso de recursos hídricos. 13 Mas, os
processos de reconhecimento, - do valor de bens e serviços ambientais, e de internalização
desse valor em atividades produtivas, - ainda mais distante, são dominados por incertezas
que favorecem efeitos negativos como os de mudanças climáticas originadas, em parte,
pela acumulação de gases de efeito estufa.
É relativamente claro para, no contexto da pesquisa e a ciência, que o potencial de
mudança climática é muito grande e que a omissão ou o desinteresse para tratar o assunto
relacionado com a desertificação, seja como provável (riscos) ou como possível
(incertezas), provocará conseqüências negativas para todos. Por isso, mesmo com
incertezas, é preciso construir cenários e fazer projeções para planejar e agir no combate à
desertificação: durante os processos, ações e estratégias do combate, poderão ser feitos
ajustes e correções necessárias, baseadas em novos dados e evidências.
e) Os relacionamentos, com fieis e consistentes indicadores, de fatores naturais (objeto de
gestão integrada) e antrópicos (objetos de conservação e manejo integrado) é, também,
parte da desertificação. Gerenciar esses fatores implica conhecê-los e nessa tarefa é
destacado o papel do Ipea para, p.ex., socializar evidencias empíricas que foram
fortalecidas nos últimos anos acerca de mudanças climáticas pela acumulação de GEE
provocada por atividades humanas e com prováveis efeitos na elevação de temperatura,
alteração do sistema climático com diversos impactos no Nordeste: na agricultura, com
queda na produtividade; em reservas de água, com redução; na biodiversidade, com a
extinção ou ameaça de extinção de espécies; e na saúde humana, com danos e riscos pelo
aumento da incidência de doenças efeitos e relacionamentos importantes.
O relatório do IPCC (2007) projetou para a América Latina alguns impactos, tais como:
aumentos de temperatura e decréscimo associado de água no solo, com substituição da vegetação
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas
25

do semiárido por vegetação típica de zonas áridas; perda de biodiversidade com a extinção de
diversas espécies; mudanças no padrão de chuvas; e tendência de quedas na produtividade de
alguns cultivos agrícolas com implicações graves na segurança alimentar em determinados
setores da população.
O problema da desertificação pode ser muito mais complexo do que a ação combinada de
fatores naturais e antrópicos em determinada região ou local em desacordos com a capacidade de
suporte e com acentuados desequilíbrios em processos naturais. Poderá compreender, de forma
significativa, graves problemas ambientais, conforme se ilustra na Figura 3, com o destaque de
uns poucos exemplos de ciclos e interações. A mudança climática e a desertificação são dois
aspectos, complexos e estreitamente inter-relacionados de um mesmo problema e tais fenômenos
requerem ações e estratégias combinadas para o controle. A mudança climática está associada à
maior evapotranspiração potencial (feito da elevação da temperatura) o que se traduz em
“normais” de chuvas menores e mais “erráticas” sua distribuição, aumento da área semiárida e
avanço da mata seca em áreas de Ceará e Bahia.
A desertificação ilustrada na Figura 3 com o processo de erosão dos solos, a perda ou
redução da diversidade biológica e a mudança climática são (cada um deles) grandes e
complexos problemas de um único fenômeno que, em estágios avançados, provoca a
desertificação humana. Um resultado “inicial” é a menor produtividade agrícola e pecuária que
pressiona para incorporar novas áreas da caatinga a serem desmatadas, queimadas, erodidas para
manter a renda. Desse ciclo, um é considerado:
erosão do solo  redução da capacidade de produção dos recursos da
terra  fome  êxodo: mais pobreza, subemprego, insegurança etc.
A degradação pela a erosão do solo é, também, um assunto relacionado com outros
problemas ambientais não menos graves como, p.ex., ser essa deterioração responsável, em mais
de 30%, pela emissão de gases do “efeito estufa”: as perdas de biomassa e matéria orgânica
liberam carbono na atmosfera, com implicações na redução e adaptação às mudanças climáticas
e, como efeito direto, implicações nas perdas da biodiversidade.
O semiárido nordestino pode ser considerado uma das regiões mais vulneráveis à
desertificação do Brasil que, no aspecto social, o aquecimento global pode resultar em acentuada
redução da pluviosidade média, com efeitos na vegetação típica da caatinga, substituída,
provavelmente, por vegetação de regiões áridas, segundo projeções do IPCC (op. cit.).
O aquecimento global pode, também, inviabilizar a agricultura familiar e de subsistência;
aumentar a emigração humana que na última década do século XX atingiu em torno de um
milhão de pessoas das áreas rurais do semiárido nordestino; e até reduzir o volume de água do
rio São Francisco, com possíveis implicações em projetos como o da Transposição desse rio, no
contexto do Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste
Septentrional.
26
Eduardo A. C. Garcia

O entendimento do problema da desertificação é condição necessária (a suficiente


depende da vontade, decisão e ação de resultados com efetividade) para acordar com os
interessados a definição de um plano com ações e estratégias a desenvolver, integradas em
políticas públicas, de “combate” à desertificação, reconhecendo-se que é preciso, antes de tudo,
vontade e decisão política para que esse combate possa ter efetividade em seu resultado. Essas
condições, as de suficiência, não são consideradas neste documento, pressupondo-se que o fato e
a evidência sejam argumentos para despertar, motivar e orientar ações combinadas, públicas e
privadas, destinadas ao controle.

Desertificação

Reduções da produção primária Reduções de plantas


e de ciclos de nutrientes e da diversidade de
organismos do solo
Redução do sequestro
de carbono em (…)
Erosão do solo Redução (perda):
Não-conservação do solo

Aumentos de
eventos extremos: Reduções da diversidade
secas, enchentes etc. Reduções de reservas de Perdas de nutrientes e na estrutura de coberturas
carbono e aumentos de da umidade do solo vegetais e nos micro-
emissões de CO2 organismos do solo

Mudança Perda da
climática biodiversidade

Aumento – redução Mudança na estrutura e


de espécies como (…) na diversidade como (...)

Figura 3 Relações entre desertificação (fenômeno local), mudança climática (fenômeno


regional e global) e perda - degradação da biodiversidade (processo local, regional e global)
Fonte: Combate à desertificação e mitigação – convívio com a seca (2008; adaptado)
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas
27

Parte de condições necessárias como, p.ex., as consequências regionais do aquecimento


global por ações antropogênicas ainda não podem ser previstas com níveis de confiança
desejáveis. Contudo, são prováveis alguns impactos e possíveis outros, como os de elevação de
temperatura e aumento da evapotranspiração e mudanças em regimes de outras “normais”
climáticas.
Fica claro, pelo exposto anteriormente, que o conhecimento do problema se coloca como
condição indispensável não apenas para entendê-lo, mas para procurar os meios de combate ao
preparar e direcionar ações e estratégias. Uma síntese conceitual desse assunto é apresentada na
próxima seção.

2.1.2 Combate à desertificação


A desertificação é um inimigo não mais silencioso, nem visível apenas no longo prazo e
defasado de atividades causais, em seu aparecimento, que, paradoxalmente, tem sido “criado”,
fortalecido e evidenciado em grande parte, por ações e intervenções humanas imprevidentes e
irresponsáveis nos ecossistemas. Isto porque sucessivos desflorestamentos, queimadas, sobre-
explorações e artificializações auxiliadas por tecnológicas impróprias rompem ciclos e exaurem
fontes: a trilha da desertificação é pavimentada por essa tecnologia.
O combate pressupõe definir (conhecer) o inimigo da forma mais completa e objetiva
possível: identificar e caracterizar os fatores ou condições que impedem ou limitam o
aproveitamento integrado do solo, dos recursos hídricos e dos recursos florestais em áreas
susceptíveis à desertificação; conhecer os fatores e condições que levam à degradação.
Dessa forma, combater à desertificação implica (condição necessária) conhecer as causas
da degradação pelos seus efeitos significativos, tanto diretos como indiretos – associados;
conhecer as interações de fatores em um conjunto (físico e antrópico) e de conjuntos ou sistemas
em um local ou região. Um combate que exige ações e estratégias acordadas, integradas e
viabilizadas (viabilizáveis por todos) em planos e políticas com atividades conjuntas público–
privadas e com recursos e estratégias nacionais – internacionais direcionadas. Esse
direcionamento, com objetividade, realismo e legitimidade é condição de sucesso. Um combate
com visão e cenário “definidos” e interpretados – viabilizados em políticas públicas.
Controlar a degradação de recursos da terra com efetividade esperada em resultados de
planos pressupõe, além de conhecer a origem, a evolução, o estado atual e os possíveis
desdobramentos de fatores, as tendências desse fenômeno dentro de condições estabelecidas em
cenários prospectivos de desenvolvimento para, com base nesses conhecimentos, definir
estratégias e ações integradas em planos de desenvolvimento sustentável.
O combate à desertificação com objetividade, significa evitar ou minimizar, em níveis
toleráveis pelos sistemas ambientais, sociais e econômicos, fatores, condições e atitudes que
28
Eduardo A. C. Garcia

estimulam ou favorecem, provocam ou aceleram a degradação dos recursos da terra e levam à


desertificação. Significa relacionar e compreender todas as atividades (no início do combate, as
mais importantes) e estratégias que podem melhorar as fontes - reservas e os fluxos de recursos
naturais em zonas semiáridas e subumidas (terra secas: caso do semiárido nordestino) tendo
como referência o desenvolvimento sustentável. Portanto, nesse combate há, também, um
interesse e foco no aproveitamento integrado dos recursos e ambientes da terra em zonas áridas,
semiáridas e subúmidas secas, orientado para o desenvolvimento sustentável e com objetivos de
prevenção e/ou redução da degradação e de recuperação de terras em vários níveis de
degradação.
O controle de causas da desertificação e, em particular, o combate aos fatores e condições
de aceleração e intensificação desse fenômeno, tem sido para a agricultura sustentável, um tema
recorrente tanto na Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação como em outras
convenções, agendas, planos e proposições em vários níveis e frentes, desde o monitoramento
até a avaliação e propostas de medidas sem, contudo, alcançar (até início do novo milênio) os
objetivos propostos nessas convenções e planos.
Um tema em destaque que, a partir de 2007/08, motivou novas preocupações, diante as
frustrações de controle e combate desse fenômeno, pelas relações diretas com a produção de
alimentos significativamente reduzida em zonas afetadas, em setores expressivos da população,
e de fontes afetadas biorenováveis de energia passando a se constituir um problema ambiental,
social e econômico nacional e global.
O combate à desertificação deve considerar, no tratamento proposto em políticas públicas,
as causas e os fatores condicionantes que as favorecem; considerar, em especial, evitar esses
fatores ou reduzi-los em níveis ou riscos toleráveis pelo ecossistema, bem como eliminar ou
reduzir as condições que aceleram ou agravam esse problema.
Há princípios, recomendados pela Convenção das Nações Unidas de Combate à
Desertificação que, quanto possível e sempre adequados às condições locais (processo e
estratégia que o País tem adotado), devem orientar e fundamentar programas de combate à
desertificação, tais como: a) as decisões relativas à concepção e implementação desses
programas serão tomadas com a participação das comunidades locais afetadas – interessadas;
nas instâncias superiores de decisão, será criado um ambiente propício para facilitar a realização
das ações nos níveis nacional e local; b) devem ser melhoradas a cooperação e coordenação, no
contexto de solidariedade e parceria, e os recursos humanos, organizacionais e técnicos alocados
onde forem mais necessários; c) a natureza e o valor dos recursos da terra devem ser mais bem
compreendidas e promovidas conservações, - usos com tecnologias e praticas sustentáveis; d) as
necessidades e circunstâncias particulares devem ser evidenciadas e plenamente consideradas
nos programas.
São recomendações que destacam a necessidade de se ter “pleno” conhecimento de
condições que facilitam a participação e cooperação – coordenação; da internalização da
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas
29

natureza e valor dos recursos em políticas e programas; e de circunstâncias particulares a serem


atendidas em planos e projetos, como as do ser humano em seu meio e estado de evolução.
O Quadro 2 sintetiza aspectos, relacionados com a pesquisa e desenvolvimento (P&D),
para reflexão ao se definirem ações e estratégias de um plano de combate à desertificação e
convivência com a seca, considerando, em parte, recomendações da Convenção.
Quais são as causas que devem ser colocadas em destaque em uma proposta de combate à
desertificação? As manifestações dessas causas, em níveis variáveis de região para região,
podem ser sintetizadas como segue:
a) Intensivos e indiscriminados desmatamentos feitos sem critérios técnicos nem opções
econômicas em áreas frágeis; práticas de queimadas constantes; e ocupação desordenada
do solo, com redução e/ou extinção de espécies da vegetação nativa, uma das formas do
empobrecimento do solo e do favorecimento da erosão.
b) Utilização de tecnologias agropecuárias, entre outras e para outros setores, inadequadas
para as condições do semiárido e uso abusivo na aplicação de agrotóxicos e praticas de
irrigação que poluem fontes de água e provocam salinizações nos solos.

Quadro 2 Pontos de reflexão que podem auxiliar a definição de ações e estratégias em um plano
projeto de combate à desertificação e convívio com a seca
PONTOS DESDOBRAMENTOS
Em seu meio sociocultural, econômico e ambiental; com a sua
Foco: o ser humano
história, perspectivas e possibilidades, dentro de contextos realistas.
- A implementação de programas de ação local e regional:
motivação para a participação.
O progresso, com - Necessidade de cooperação internacional e parceria: troca de
objetividade no foco, experiências e aporte de recursos financeiros.
depende de: - Participação plena: da mulher, do homem, de associações em
planos.
- Imprescindível engajamento da comunidade em políticas públicas.
- Conhecer o problema por suas causas, efeitos e importâncias.
- Ordenar / priorizar as causas com base em indicadores, critérios,
Condições diretrizes, objetivos e recursos disponíveis.
necessárias objetos de
- Relacionar e avaliar as causas em lógicas estruturas.
atendimentos
- Alocar recursos suficientes e com objetividade.
- Encorajar a participação: motivar, educar, conscientizar (...)
Papel da P&D no - Melhorar o conhecimento do problema e os meios (...).
combate à - Atender objetivos e metas conforme diretrizes (…).
30
Eduardo A. C. Garcia

desertificação - Projetar/integrar/valorizar o conhec. novo e tradicional


- Fortalecer a P&D para gerar / adaptar e levar / difundir
informações e tecnologias para esse combate e convívio.
- Definir relações: pobreza– migração–desertificação como
elementos de subsídios para formular políticas públicas.
- Agir, com objetividade e oportunidades, em redes, parcerias (…),
tanto públicas como privadas: organizações.
INFORMAR PARA EDUCAR. EDUCAR PARA CONHECER E VALORIZAR. CONHECER
PARA PREVENIR. E PROTEGER. CAPACITAR PARA AGIR NA CONSERVAÇÃO E
MANEJO INTEGRADO DE RIQUEZAS E NO COMBATE À DESERTIFICAÇÃO E
CONVÍVIO COM A SECA

c) Práticas tradicionais de uso e manejo inadequados dos recursos solo, água e vegetação;
são, com frequência, práticas associadas a um sistema de propriedade da terra
concentrador de benefícios e de arranjos produtivos com externalidades negativas,
agravados pela existência de secas periódicas.
d) Exploração intensiva (sobrepastoreio e cultivo excessivo ou sobre-exploração), além da
capacidade de suporte ambiental em áreas frágeis e de equilíbrios “considerados”
instáveis; na abordagem de sistema não se tem essas considerações, pois são equilíbrios
que respondem às estruturas e “idades” de seus processos de desenvolvimento
determinantes de níveis de resiliência.
Ecossistemas, no semiárido, apresentam baixa capacidade de suportar as perturbações
antrópicas e ambientais e de manter sua estrutura e padrão de comportamento e resposta
diante de mudanças das condições de equilíbrio. Não reconhecida essa capacidade é fator
contrário às ações e estratégias de combate da desertificação.
e) Mineração sem cuidados adequados com o meio ambiente; o pouco ou o desconhecimento
desse meio na intervenção mineraria é condição favorável à desertificação.
Relaciona-se, também, o escasso conhecimento do valor “real” dos recursos naturais e da
necessidade, não reconhecida, de proteger as fontes como condição necessária para se ter um
fluxo produtivo objeto de manejo e conservação; essa valoração deve considerar a capacidade do
sistema e o custo de oportunidade da reserva a proteger.
A negligência ou a total omissão na preparação e desenvolvimento de atividades para se
ter a preservação e proteção de fontes é comum em modelos de crescimentos regionais
imediatistas e com padrões economicistas. No texto se alerta sobre essa padronização e se
valoriza o esforço de adaptação e aplicação de um padrão à condição local, com a definição de
um critério.
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas
31

O combate à desertificação precisa, com suficiente antecedência da implementação de


programas, do entendimento profundo, além de simples ”leituras” de manifestações ou sintomas
de fenômenos naturais. Requer informações e conhecimentos para fundamentar atividades do
aproveitamento racional, sustentável e integrado de ambientes e recursos das zonas áridas,
semiáridas e subúmidas secas. São ecossistemas tidos como frágeis (indicações dessa
fragilidade) e de limitada capacidade (indicações de tolerância) de sustentação e regeneração –
recuperação às intervenções antrópicas.
Precisa, - esse combate, do entendimento de relações, tais como dos solos rasos e de
rochas aflorantes; da existência de aquíferos e de suas características físicas e químicas; de tipos
de recargas de lençóis freáticos; de “normais” como as de temperatura, evaporação e
precipitação pluviométrica; de aspectos socioculturais e econômicos, históricos de políticas
públicas, de planejamentos e de gestões, entre outros fatores que devem ser considerados, em
abordagens sistêmicas e com base em critérios representados por dados consistidos e sintetizados
por indicadores.
O conceito de indicador que permeia todos os demais conceitos é destacado e indicado
tanto na metodologia como na apresentação e discussão de resultados.
É com base no entendimento e na informação e conhecimento necessário do valor
econômico, social e estratégico dessas zonas e de seus serviços e recursos naturais que se
definem, em grande parte, estratégias e atividades orientadas para o desenvolvimento sustentável
em formulações de políticas públicas: é o instrumento que se destaca nesta publicação.
Valorizar esses ambientes significa conhecê-los para apreciá-los e com base nessa
avaliação ambiental 14 valorativa, conservá-los, tendo como objetivos: a prevenção e/ou redução
da degradação de suas fontes; a reabilitação de terras parcialmente degradadas; e a recuperação
de terras degradadas, entre outros.
Aliado ou concomitante com o combate a desertificação se tem a mitigação dos efeitos da
seca (entendida, conforme a Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação, como
as “atividades relacionadas com a previsão da seca e dirigidas à redução da vulnerabilidade da
sociedade e dos sistemas naturais aquele fenômeno no que se refere ao combate à
desertificação”) para auxiliar às comunidades no convívio com a seca, não por pretendidos e
frustrados controles diretos desse fenômeno natural, mas mediante ações que impeçam seu
agravamento ao preservarem equilíbrios ecológicos, matas ciliares preservadas e fontes de água
conservadas, entre outras. Ações que permitam “melhor” reconhecer e gerenciar esse fenômeno,
inclusive com potencial de oportunidades de fontes alternativas de energia. Ações que
possibilitem amenizar seus efeitos, tornando-os toleráveis, como é o caso da previsão da seca,
dirigida, em parte, à redução da vulnerabilidade, isto é, à diminuição do grau de susceptibilidade
de sistemas físicos, biológicos e socioeconômicos de comunidades não mais surpreendidas pela
seca.
32
Eduardo A. C. Garcia

Pela avaliação de previsões de secas com a máxima confiabilidade possível e decorrente


implantação de ações (p.ex., emergenciais, transitórias e permanentes, segundo seja o caso) e
seus monitoramentos oportunos é possível, em tese, minimizar-se-ão danos de “secas
anunciáveis”. Gerar e divulgar informações de previsões sobre as características de secas, formas
de proteção em cada período do ano, mudanças de comportamento das comunidades, alternativas
de produção e consumo, entre outras, que possam estar contribuindo para efetivar o convívio
com a seca.
O combate à desertificação, para que seja eficiente deve ter objetividade em seu foco,
consistência em suas ações propostas e desenvolvidas e efetividade nas estratégias, parcerias e
resultados como síntese e fruto da objetividade e efetividade. Isso significa:
a) Definir as vulnerabilidades, isto é, os níveis de susceptibilidades abióticas, bióticas e
socioeconômicas das zonas relacionadas com as práticas agrícolas de uso e manejo dos
recursos naturais; conhecer a capacidade de reorganizar, de regeneração dos ecossistemas
(resiliência) e de estrutura produtiva nesses ambientes.
Trata-se de um conhecimento básico para desenvolver ações de conservação com relações
simbióticas com as previsões / prognósticos do clima, com a recomposição de sistemas
hídricos e com a proteção da diversidade biológica.
É oportuno destacar o sentido de vulnerabilidade que, segundo Kasperson e Turner
(2001), quando associado aos riscos, perigos e danos, evidenciam fatores naturais e sociais
e facilitam a compreensão de interações entre o homem e o- ambiente.
Na especificação de indicadores para a sustentabilidade de unidades geoambientais, feita
com base no potencial e limitações de uso dos recursos naturais, em condições
ecodinâmicas, vulnerabilidades ambientais e compatibilidades de uso do solo, relacionam-
se vários níveis de sustentabilidade e vulnerabilidades a serem considerados, se necessário,
em políticas e planos.
b) Entender, por diagnósticos e análises de causas, a lógica e racionalidade de ações, de
resultados e de padrões de pressões da agricultura e pecuária extensiva, da exploração
madeireira e com fins energéticos, da erosão dos solos, da concentração de recursos como
terra e hídricos por distorções estruturais e institucionais como as de posse desses recursos
e de arranjos capital–trabalho, entre outros aspectos, que agem sobre o meio ambiente e
seus recursos.
É um entendimento básico para auxiliar e fundamentar a formulação de políticas públicas
e de um plano de combate à desertificação e convívio com a seca, que poderá esclarecer
fatores e racionalidades que levam ao desmatamento da vegetação nativa, à desertificação.
Em tese, são, em parte, incentivos econômicos que resultam da omissão de valores de bens
e serviços ambientais dessa vegetação, da diversidade biológica do bioma Caatinga.
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas
33

A explicação da falta de opções econômicas para substituir os “benefícios” de derrubar-


queimar poderá acenar para a pesquisa buscar alternativas em contextos como os da
proteção dessas fontes em cenários com novos fundamentos de políticas e legislações.
A vegetação desempenha importante papel no equilíbrio da água no solo ao permitir que
parte da chuva se infiltre através das raízes para a recarga do lençol freático, além de se
constituir proteção natural do solo contra a erosão. Parte dessa função está compreendida
pelo manejo florestal na conservação do solo. Evidenciar a importância das funções da
vegetação e atribuir valor às mesmas, faz parte de um plano de educação e de manejo e
conservação.
A queimada que segue ao desmatamento é uma prática rudimentar e tradicional que o
agricultor utiliza para controlar pragas, limpar áreas para o plantio e renovar pastagens,
entre outras. Uma prática sustentada no “economicismo” e em modelos regionais
imediatistas.
Com as sucessivas queimadas se tem a degradação física, química e biológica do solo, as
perdas de biodiversidade e da dinâmica do ecossistema, o favorecimento à erosão, além de
outros efeitos negativos como incêndios. Evidenciar esses efeitos faz parte da educação,
manejo e conservação.
c) Compreender efeitos negativos de sobre-utilizações de ambientes e recursos naturais; da
salinização que decorre da irrigação de terras para fins de exploração agrícola; de perdas
da diversidade biológica pelos usos e manejos impróprios desses recursos. Essa
compreensão deve, quanto possível, estar baseada em indicadores.
d) Avaliar os fatores causais e suas inter-relações, naturais e antrópicas, que provocam a
erosão de solos; as perdas acentuadas de produtividade agrícola e pecuária; e, como
impactos, os problemas de desnutrição, fome e doenças nas comunidades afetadas.
Análises de inter-relações de variáveis, de ordenamentos e da importância dessas variáveis
podem oferecer elementos para a gestão e tomada de decisão e para orientar estratégias e
ações em condições de limitações de recursos financeiros.
O entendimento, com base em resultados dessas análises, poderá apontar e/ou destacar
fatores aparentemente sem importância, mas que complementam ou potencializam efeitos
de outros fatores; são, portanto, fatores que precisam tratamentos conjuntos.
e) Reconhecer as deficiências de dados e informações com qualidade, valor e utilidade para o
planejamento, a gestão e a tomada de decisões. Reconhecer, também, as fragilidades de
órgãos e instituições encarregadas do controle da desertificação e indicar meios para
fortalecê-las no cumprimento de suas missões.
34
Eduardo A. C. Garcia

Definir, entender, compreender, avaliar e reconhecer fases de um processo de controle,


incluindo, em especial, a prevenção, com origem no conceito de desertificação capaz de acenar e
se constituir ponto de partida para:
a) Estabelecer objetivos e metas desse combate ou controle: a prevenção e/ou redução da
degradação de recursos da terra; a reabilitação de terras parcialmente degradadas; e a
recuperação de terras degradadas, entre outros que fazem parte de objetivos de políticas
públicas e de aprimoramento de capacidades institucionais.
b) Testar / validar e escolher os procedimentos metodológicos necessários na obtenção,
tratamento e difusão de dados, informações e tecnologias necessárias para esse combate e
convívio com a seca.
c) Estimar os indicadores de síntese de dados e informações, úteis e valiosas, para a gestão
ambiental e para a educação da conservação e manejo integrado solo – água - vegetação
na região.
d) Orientar o atendimento às demandas por soluções conforme indicações do problema, dos
objetivos propostas, dos recursos alocados para alcançar os propósitos, da gestão e dos
resultados propostos e esperados.
e) Definir procedimentos como os de acompanhamento (monitoramento), avaliação e
(re)orientações, se for o caso, nesse combate e convívio.
O conceito de desertificação destaca outros conceitos, um deles o da degradação dos
recursos da terra, um passo intermediário no caminho para a desertificação.

2.1.3 Degradação de recursos da terra


São perdas ou reduções significativas de produtividades econômicas e biológicas dos
recursos da terra em zonas áridas, semiáridas e subúmidas secas e da complexidade
(simplificações de ecossistemas dessas zonas) das terras agrícolas de sequeiro e irrigadas, das
pastagens naturais e semeadas, das florestas e das matas nativas, provocadas pelas frequentes e
crescentes alterações, por intervenções sem critérios adequados, no uso e manejo de recursos
como solos pela erosão e deterioração de propriedades físicas, químicas e biológicas ou
econômicas; hídricos pela poluição e esgotamento de fontes; e vegetação pelo desmatamento e
queimada. Efeitos negativos e perdas incalculáveis dessa degradação que se traduz em perdas da
qualidade de vida de comunidades vulneráveis e dependentes desses ecossistemas.
O conhecimento da degradação de ambientes e recursos da terra é fundamental não apenas
para dar sentido a princípios estabelecidos em instrumentos como os de políticas de
conservação ambiental, de combate à desertificação, de gestão dos recursos hídricos (...); em
documentos como o da Carta da Terra ao acordar acatar respeitar, favorecer, proteger e
restaurar ecossistemas para assegurar a diversidade biológica e sociocultural; e os de garantir
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas
35

que os processos de decisão e seus critérios de sustentação sejam definidos de formas


transparentes, explícitos e equitativos, mas, para acenar e indicar que medidas devem ser
aplicadas; medidas que tem alicerce em princípios.
Como conceito teórico, ponto de partida de raciocínio e fundamento de políticas públicas
e à despeito do princípio ser indemonstrável, ele procura orientar uma conduta e maneira de
fazer e dar garantia - sustentação ao uso e manejo conforme a aceitação e conveniência em
determinada região. Essa conformidade ou parecer de aceitação e conveniência ou adequação
que traz o princípio determina a legitimidade de uma ação ou plano. Mas, o princípio deve ser
complementado com outros conceitos e fatores para se definirem políticas como as de
desenvolvimento e, neste caso particular, políticas de combate às causas da desertificação e
convívio com a seca.
Pressões como as de altas dos preços dos alimentos e dos combustíveis, apesar de
possíveis mitigações temporárias por novas tecnológicas e de fontes biorenováveis de energia,
poderão ser insuficientes para deter a degradação. Isso poderá acontecer, se tais aumentos não
forem devidamente planejados, geridos e gerados em bases tecnológicas e procedimentos
operacionais sustentáveis no local.
A sustentabilidade de aumentos, portanto, o aumento da produtividade biológica ou
econômica das terras agrícolas de sequeiros, das terras agrícolas irrigadas (...) deverá considerar,
para o caso do semiárido do Nordeste, a grande diversidade de climas, geomorfologias, solos,
vegetações, sistemas de uso e manejo dos recursos da terra, densidade populacional e sistemas
socioculturais, econômicos e político-institucionais, entre outros fatores e condições que
compõem um mosaico fragmentado de mais
Migração…
Fome,

de uma centena de unidades do semiárido.


Queda Prod. Agrícola (...)
Isso significa considerar ações e estratégias
integradas em planos de conservação e
manejo capazes de romper elos de Desequilíbrio ciclo água
componentes e ciclos perversos de
estruturas como as indicadas na Figura 4. Perda fertilidade solo
São estruturas e pontos que levam à
insegurança alimentar, à alta de preços de Degradação da terra:
bens agrícolas, à fome, à instabilidade e à - ambientes bióticos: flora e fauna
- recursos naturais: água, solo,
migração rural-urbana. vegetação (...); perda de bem-estar
de comunidades
Nos lugares de destino do migrante da
Sobre-utilizações de fontes(...)

desertificação, têm-se novos e graves


Usos-manejos inadequados

Degradação
Tecnologias inapropriadas

problemas urbanos, provocados por uma


população migrante e sem recursos nem
habilidades – competências para se Simplificação. Degradação. Perda
da biodiversidade em termos (...)
desenvolver nesse meio; problemas em

Degradação

Mudança climática

Figura 4 Ciclos da degradação da terra


36
Eduardo A. C. Garcia

setores básicos como de emprego, habitação– moradia, serviços de saneamento, saúde e


alimentação.
A degradação dos recursos da terra se relaciona com diversos ciclos, conforme ilustrado
na Figura 4, que precisam de estudos para entender suas lógicas e, em seguida, procurar rompê-
los ao controlar as causas quando se possa agir contra as forças ou fatores de manutenção ou
propulsão, com instrumentos de políticas locais e regionais consistentes e integráveis. Essa
consistência é parte do alicerce de processos como os de desenvolvimento sustentável em terras
secas.
As terras secas podem ser consideradas ecossistemas frágeis e vulneráveis, delimitadas
conforme descritores e indicadores, um deles é o índice de aridez (Chuva/Evaporação +
transpiração ou evapotranspiração potencial) na classificação climática de Thorthwaite, com
valores, variações de intervalos e terras afetadas por continentes apresentadas na Tabela 1.
O aquecimento global pode, também, inviabilizar a agricultura familiar e de subsistência;
aumentar a emigração humana que na última década do século XX atingiu em torno de um
milhão de pessoas das áreas rurais do semiárido nordestino; e até reduzir o volume de água do
rio São Francisco, com possíveis implicações em projetos como o da Transposição desse rio, no
contexto do Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste
Septentrional.
O entendimento do problema da desertificação é condição necessária (a suficiente
depende da vontade, decisão e ação de resultados com efetividade) para acordar com os
interessados a definição de um plano com ações e estratégias a desenvolver, integradas em
políticas públicas, de “combate” à desertificação, reconhecendo-se que é preciso, antes de tudo,
vontade e decisão política para que esse combate possa ter efetividade em seu resultado. Essas
condições, as de suficiência, não são consideradas neste documento, pressupondo-se que o fato e
a evidência sejam argumentos para despertar, motivar e orientar ações combinadas, públicas e
privadas, destinadas ao controle.

Tabela 1 Clima, índice de aridez e terras afetadas (mil km2) pela desertificação nos continentes a
CLIMA ÍNDICE ÁFRICA ÁSIA AUSTRÁLIA EUROPA A.NORTE A. SUL

Hiperárido < 0,05 6.720 2.770 0 0 30 260


Árido 0,05  0,20 5.040 6.260 3.030 110 820 450
Semiárido 0,21  0,50 5.140 6.930 3.090 1.050 4.190 2.650
Subúmido Seco 0,21  0,65 2.690 3.530 510 1.840 2.320 2.070
Subúmido e úmido >0,65 - - - - - -
TOTAL - 19.590 19.490 6.630 3.000 7.360 5.430
a
Fonte. Atlas Mundial Times (1995).
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas
37

2.1.4 Desenvolvimento sustentável


Conceito fundamental, composto por dois termos (subconceitos), que passa a se constituir
necessária referência 15 em todas as fases de um plano de combate à desertificação, mitigação de
efeitos d clima e convívio com a seca. Referência para, no início, definir o problema da
desertificação (bem como as oportunidades não-aproveitadas da região para se desenvolver), e,
ao final, para buscar e aplicar soluções (aproveitar oportunidades na desenvolução), prévias as
especificações de objetivos e metas, de meios e recursos definidos para alcançar os propósitos
desse combate e de ações, estratégias e atividades que permitam alcançar os objetivos conforme
seja à alocação criteriosa de recursos, portanto, conforme às decisões de planejadores, gestores e
políticos.
O conceito de desenvolvimento sustentável surgiu em 1987, no Relatório Brundtland na
Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, criada pela ONU em 1983, e é
considerado, nesta publicação, de forma simples e “operacional”, com extensão e/ou explicitação
de pressupostos básicos ao se reconhecer a finitude de estoques e fontes de recursos naturais,
ainda que algumas sejam ciclicamente renováveis, aqueles cujos estoques são passíveis de
recomposição (diferente dos não-renováveis que tendem a se exaurir, independente da forma em
que são explorados: a ideia é substituição e a tecnologia é um dos meios) e a imprescindibilidade
de harmonizar necessidades e crescimentos com obrigações e disponibilidades. Sem tais
explicitações e diante de acomodações, o conceito não é operacional, nem útil por ser vago e
abstrato.
É claro, - e assim deve ser entendido, que a sustentação do conceito desenvolvimento
sustentável em princípios não permite a sua aplicação direta, linear e para qualquer situação.
Contudo, esses princípios devem acenar para buscar a adequação e passar da ideia de
compatibilizar desenvolvimento e sustentabilidade, uma formulação ampla ou vaga de uma meta
necessária, para entender, pela análise de causas, interações, desdobramentos etc., o que
determina, para um local ou região, necessidades, condições de atendimento, níveis de
exigências, possibilidades de atendimento (...) e equilibrar essa conta.
No balanço e equilíbrio de contas surgem fatores como os de ameaças, incertezas e riscos,
entre outros, os de esgotamento de fontes e reservas, de perturbações de ciclos etc., e, como
efeitos diretos, comprometimentos de fluxos produtivos, não mais sustentados em suas fontes.
Observe-se que na busca e manutenção de equilíbrios entre “desenvolver” e “sustentar” há
implícitos fatores causais, de origem antrópica (é o destaque neste documento), que contribuem
para aumentar, em ritmo acelerado, as pressões, pelo lado da demanda, do crescimento, sobre os
recursos e, no outro sentido, - o da oferta, há fatores, também de origem antrópica, que
38
Eduardo A. C. Garcia

enfraquecem, poluem ou destroem reservas e fontes com a aceleração da extração e exploração


dos recursos naturais; atividades muitas vezes favorecidas por avanços tecnológicos.
A operacionalização do conceito deve explicitar os fatores causais que perturbam o
equilíbrio entre desenvolver e sustentar em um determinado território, período de tempo e
condições, apresentando-os, entre outros meios de síntese, mediante indicadores de ordenamento
e imprescindibilidade de atendimento, se o desejado for buscar soluções consistentes e
exequíveis; aplicar essas soluções visando a efetividade de resultados nessa delimitação espaço-
temporal; e assegurar com “certa” garantia (proporcional à consistência técnico-científica da
solução, ao empenho e vontade política em buscá-la e aplicá-la, ao comprometimento social e
participação etc.) a sustentabilidade do crescer com responsabilidade e consciência de limites
das fontes.
Entenda-se crescer com responsabilidade social compartilhar meios como são os técnico-
científicos (p.ex., informações para novos conhecimentos, atividade de capacitação e educação)
para a construção de uma sociedade sustentável e evidenciar a necessidade de buscar e manter o
equilíbrio entre desenvolver e sustentar.
O conceito desenvolvimento como uma referência em determinado território e, portanto,
definido (repetindo, como um processo de acordo e sucessivas fases) para um conjunto de
fatores físicos, socioculturais, econômicos e institucionais e de condições e atitudes como
vontade-disposição à discussão e ao entendimento entre interessados, capazes de definirem uma
agenda com as ações e estratégia a implementar na construção de uma sociedade sustentável.
Na formulação inicial do conceito, - a de desenvolvimento capaz de prover as
necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade de atender às necessidades das
futuras gerações, tem-se pressupostos e implicações nem sempre facilmente aceitos, verificáveis
e atingíveis; para alguns, trata-se de uma definição falha, vaga e abstrata. São pressupostos e
implicações como os de abertura e disposição de todos os atores e interessados para o diálogo de
partes diferentes em seus objetivos e meios; a decisão e disposição por todos para acordos numa
agenda aceitável, em cada fase e para os contínuos progressos e melhorias de resultados no
horizonte de longo prazo.
A definição desse processo não é um modelo nem algo que possa ser definido,
generalizado e aplicado de qualquer forma e para qualquer situação, mas, repetindo,
procedimentos de um processo de negociação, de acordos com expressão, identidade e
representatividade da região, a ser construído pelos atores de cada território com base em planos,
políticas e legislações propiciadoras da desenvolução.
Acordos, entre outros, sobre conceitos claros de “necessidades” e formas de atendê-las:
ordenadas, priorizáveis e viabilizadas; de disponibilidades de recursos e formas de geri-los
conforme indicadores como os de capacidade de manter fluxos, renovar fontes e tolerar
intervenções: riscos conhecidos e suportáveis. Nesses acordos, coloca-se em evidência outro
fator: a informação para um novo conhecimento, conscientização e mudanças – ajustes.
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas
39

O contexto abrangente em que se define o desenvolvimento sustentável compreende


atividades, planos e políticas orientadas em diversas frentes, uma delas é a do combate à
desertificação e convívio com a seca. Um plano a ser definido, seguindo semelhante esquema
indicado para o desenvolvimento sustentável, e que compreende vários eixos (ver parte desses
planos e programas no final da Figura 9). Portanto, um plano que depende, também, de outros
planos e, por sua vez, os condicionam.
O conceito original de desenvolvimento sustentável tem sido utilizado, com frequência, de
forma exagerada, com viés e, por vezes, com interpretações erradas, discriminadas e banalizadas
que o reduzem ou tornam “vazio” e objeto de críticas, tais como: incorreto, insustentável,
utópico, inútil, artificioso e capcioso. Um conceito, segundo tais enfoques, contraditório em seus
termos “desenvolvimento”  fazer crescer no sentido econômico, de competição (concorrência)
e “sustentável”  manter ou suportar, no sentido biológico como equilíbrio dinâmico de
cooperação, negando-se mutuamente. Um conceito, segundo outros críticos, com lógicas
diferentes ao aduzir como causa aquilo que é efeito; impreciso, incompossível e ambíguo,
possibilitando seu uso no discurso com objetivos e meios diferentes de países “desenvolvidos” e
países “em desenvolvimento”, propício, portanto, “para defender” interesses contrários à
essência original desse conceito.
São críticas nem sempre “sustentáveis” e/ou com parciais fundamentos e notáveis
exageros, propositadamente não-consideradas neste documento, admitindo-se a viabilidade de
intenções da ECO-92 ao aceitá-lo como um processo que “atenda [ao poder garantir: uma
questão de operacionalização] às necessidades presentes sem comprometer a possibilidade de
que as gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades”; como a desenvolução
ecologicamente sustentável com um benefício para as futuras gerações, complementando-se, ao
definí-lo para atender às necessidades das presentes gerações: condição sine qua non para se
chegar à futuras gerações. Um conceito que não coloque a equidade intergeração por cima da
equidade intra-geração; sem sobrevalorizar a capacidade moralista para decidir nem subestimar a
dinâmica que tornariam assimétricas as situações intertemporais comparadas. Implícito nessa
aceitação, parte da operacionalização e contextualização do conceito, combinar-se-ão o
crescimento de “fluxos” possíveis com a preservação - proteção “melhorada” de “estoques”,
reservas e ciclos naturais: é o espaço da tecnologia “conveniente” (conservação) e internalizada
no setor produtivo contribuinte desse desenvolvimento.
Observe-se que tal resultado é uma condição necessária para, por um lado, interromper
causas de problemas como os da degradação dos recursos da terra e desertificaçãoes ambientais
e humanas e, pelo outro, não deixar nem eliminar oportunidades de riquezas naturais portadores
de um futuro imediato para o caso do Brasil. Um conceito formado por dois, - desenvolver e
sustentar, ambos complexos e em construções sistêmicas com relações interdependentes, básicas
para criar e manter comunidades sustentáveis.
40
Eduardo A. C. Garcia

Assim admitido e viabilizado, o conceito de desenvolvimento sustentável estará


propiciando melhorias na capacidade de ciclos e reservas que permitam continuar fornecendo
bens e serviços para o crescimento “responsável” e inclusivo; propiciando, também, equilíbrios
dinâmicos para atenderem às necessidades de atuais e futuras gerações; fluxos de bens e serviços
devidamente reconhecidos pelos mercados em seus valores reais como parte desse
desenvolvimento. Esse reconhecimento e, portanto, a rejeição de um bem livre, é um fator que
inibe a sobreexploração de recursos, o esgotamento de fontes.
O próprio reconhecimento do valor de bens e serviços ambientais pelo mercado como
parte da desenvolução deverá contribuir para eliminar (ou reduzir) usos e consumos indevidos,
excessivos ou superfluos (desperdícios), em benefícios de gerações presentes e futuras. Parte
desse reconhecimento tem efeitos no monitoramento de equilíbrios que possam assegurar o
atendimento às necessidades disciplinadas na “otimização condicionada” às capacidades de
suporte de uma “função objetiva” com limitações impostas pelas dimensões que ali se integram,
conjugam e definem: a ecológica (pela capacidade de suporte), a social (pela inclusão), a
econômica (pela otimização) e a político-institucional (viável), entre outras.
O desenvolvimento sustentável pode ser visto (essa é a visão inicial neste documento:
críticas para adequá-la) e considerado como um conjunto harmônico e integrado–complementar
de processos que passam por sucessivas aproximações de atores definidos e identificados em
um espaço e período de tempo determinados; de negociações e “confluências” (ou tolerâncias)
de interesses desses atores, capaz de compreender, de forma integrada (porque resulta de
transações e acordos entre os interessados que se aproximam), articulada (porque a todos
convém a participação nesse processo) e transparente 16 (pela legitimidade do acordo na
participação social e discussão de o que fazer? Para responder por que e como fazer, para se
adequar à realidade) em várias dimensões que buscam soluções e equilíbrios. Essas realidades e
os direcionamentos para buscar soluções compatíveis e equilíbrios são ilustrados, em termos
gerais (apenas conceituais), na Figura 5, com o destaque de cinco dimensões.
A busca desse atendimento coletivo que é facilitado pela educação ambiental, transita e se
sustenta (pelo que se informa e comunica, pelo que orienta e fundamenta, pela transparência e
sentido ético etc.) em INDICADORES confiáveis, consistentes e úteis – aplicáveis, para:
representar a complexidade do problema e comunicar e informar; e para alertar e prognosticar
realidades em diversas dimensões.

Situação inicial
0% 100%
Ecológica Prejuízos sociais e
ambientais
SA2
SP1
SA1
SP2
Política 0%
100%

100%
0% Social
SS2
ST1
Situação Melhorada
SS1 Negociação-acordo
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas
41

Aceite-se (uma hipótese) que pela disposição à negociação, ao acordo e à observância


legal de instrumentos como os de políticas públicas é possível (assim se espera), ao disciplinar o
crescimento econômico e internalizar passivos ambientais em suas fontes, transferir parte dos
benefícios econômicos para as dimensões social e meio ambiente–ecológica, com melhorias, -
as indicadas pelas correspondentes setas nessas dimensões na Figura 5, e retração “imposta” na
dimensão econômica. É a transferência de lucros e benefícios que poderá ocorrer com políticas e
seus instrumentos de distribuição e compensação, entre outros.
As dimensões ilustradas na Figura 5 apresentam estados iniciais (presentes: baixa
sustentabilidade ambiental, limitado desenvolvimento social e ineficiências espaciais e de
instrumentos de políticas públicas de desenvolvimento) e esperados (futuros) em dimensões:
a) A econômica, como, p.ex., em atividades de produção e hábitos de consumo melhorados e
sustentáveis na região, em um local: sem desperdício, sem poluição etc., baseadas em
critérios como os de proteção de fontes e riquezas naturais e conservação e manejo dessas
reservas.
É possível alcançar (hipótese) a sustentabilidade econômica mediante o planejamento, a
alocação eficiente de recursos, a gestão criteriosa de processos e resultados, em níveis
macroeconômico e micro-econômico, e com políticas, programas, planos e recursos
consistentes para se definirem atividades sustentadas em bases (integráveis) ambientais,
sociais e institucionais.
Em que ponto da Figura 5 se encontra a sustentabilidade da dimensão econômica? No
indicado por SE1 que representa: produtividade (rentabilidade, custo etc.) da cultura (...)
42
Eduardo A. C. Garcia

no tipo de solo (...) no período (...): y1 com a importância relativa p1; crédito agrícola para
agricultura familiar: y2, p2; consumo local de (...): y3, p3; produção agricola – pecuária da
agricultura familiar para o mercado local: y4, p4; índices de ganhos de empresas locais
com substituição de mão-de-obra: y5, p5; etc. O resultado dessas atividades econômica é
dado por: SE1 =  yi pi (i = 1, 2, 3, ... n), considerada “alta” (de maximização de lucros),
porém insustentável, devendo se ajustar, ao recuar (flexa branca), para uma posição de
otimização definida por SE2 =  y’i pi. Esse é o ponto esperado de equilíbrio que
dependerá da efetividade de ações e estratégias propostas e implementadas.
Mecanismos de mercado com a valorização – internalização de preços de bens e serviços
ambientais e com projeto como os de mecanismos de desenvolvimento limpo (MDL) e de
créditos de carbono poderão facilitar essa mudança. A efetividade na aplicação de leis de
proteção ambiental e de conservação e manejo poderão, também, auxiliar esse ajuste
conveniente para todos, inclusive para a própria dimensão econômica: o empresário.
Que ponto poderia ser alcançado no período (x anos)? O indicado por SA2 e proposto por
estudos prospectivos e cenários traduzidos em planos.
Parte da sustentabilidade econômica com a otimização condicionada às limitações
“impostas” tem implicações em outras dimensões (ou se relaciona) como a institucional e
legal, agindo em estruturas, para o caso cnsiderado neste documento, como as de posse da
terra e acessibilidade social aos recursos hídricos.
É necessário considerar na sustentabilidade da dimensão econômica, entre outros
aspectos, a sensibilidade de limites do potencial de crescimento, de produção (de
produtividade), e a necessidade de disciplinamento do consumo - uso com base em
indicadores da capacidade de suporte ambiental, sem viés para a “quantidade” e o “ter”
quando se privilegia a maximização, a concentração e a exclusão social de riquezas.
É preciso agilizar processos que possam potencializar o crescimento econômico ao
incorporar potencialidades de ambientes e recursos naturais. Um desses processos é o do
licenciamento ambiental mais ágil e consistente, portanto, necessariamente sustentado em
critérios. Deixar de incorporar um potencial ambiental em um projeto de crescimentos é
omitir um custo de oportunidade, com efeitos negativos ao retardar o desenvolvimento
que seria viabilizado ou agilizado por esse potencial.
O extremo, ao exagerar o disciplinar a atividade econômica com instrumentos punitivos e
impositivos poderá se traduzir em preservacionismo, sem considerar potencialidades e
possibilidades da extração de excedentes econômicos do ecossistema, excludente,
portanto, do crescimento e de melhorias sociais: uma forma de desertificação antrópica.
Mas o combate à desertificação com foco no ser humano elimina, como hipótese, essa
possibilidade e destaca a conservação e manejo de recursos naturais em perspectivas como
as da agricultura sustentável, agricultura familiar e gestão integradas dos recursos da
terra.
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas
43

b) A sociocultural, como, p.ex., na distribuição de bens e benefícios com equidade e, por


isso, socialmente inclusivos.
A sustentabilidade social pressupõe compreensão, envolvimento, participação e
consideração de valores humanos, da diversidade biológica, de saberes tradicionais e de
perspectivas sociais no desenvolvimento sustentável: foco na “qualidade” de vida e no
“ser”, na solidariedade.
Em que ponto da Figura 5 se encontra essa dimensão? O indicado por SS1 que representa
deficiências no atendimento de políticas públicas como as de saneamento básico,
educação, assistência técnica (...). Indica-se a proposta de melhorias em SS2, com
objetivos, tais como: construir um ambiente social no local ou regional com a maior
eqüidade – justica possível no acesso a oportunidades, criação de fontes de emprego e
renda, de modo a reduzir as diferenças criadas – insustentáveis entre padrões de vida de
ricos ou desenvolvidos que concentram riquezas, socializam externalidades e pobres que
concentram misérias e pagam parte da contam de externalidades da degradação dos
recursos da terra.
c) A ambiental, como, p.ex., quando o econômico e social possam efetivamente consultar e
respeitar a capacidade de suporte dos ecossistemas na região.
A sustentabilidade ecológica, obtida pela combinação de diversos meios, entre outros, a
conservação e o manejo integrado de ambientes e recursos naturais, portanto, com a
observância do equilíbrio de ecossistemas submetidos à intervenções antrópicas e com a
preservando – protegendo de fontes, reservas e ciclos como os dos recusrsos hídricos e da
biodiversidade.
A nova perspectiva ambiental que o conceito traz é a de conscientização social, fruto da
educação e capacitação, com relação às limitações e fragilidades de sistemas naturais
como os do semiárido e dos efeitos de atividades não-planejadas nem desenvolvidas
conforme critérios técnicos adequados à região, sobre esses sistemas, sem a polarização de
visões estreitas do economicismo maximizador e concentrador de benefícios
materializados nem a intransigência de percepções não menos estreitas do
preservacionismo que nega melhorias econômicas e oportunidades de crescimento.
Em que ponto da Figura 5 se encontra a sustentabilidade da dimensão ecológica? Esse
ponto é indicado por SA1 e representa determinado “estado” e condição do ambiente no
local ou região dado por indicadores, tais como: desmatamento da floresta caatinga / área
total inicial: x1, com a importância relativa, desse índice, expressa por p1; taxa de
crescimento de áreas degradadas: x2, p2; taxa de crescimento de áreas recuperadas: x3,
p3; vida útil de ecossistemas simplificados: x4, p4; práticas de conservação utilizadas: x5,
p5; emissão de substâncias poluentes em sistemas hídricos: x6, p6; da taxa de eroção dos
solos: x7, p7; taxa de salinização dos solos por efeito de irrigação, “molhamento”: x8, p8;
44
Eduardo A. C. Garcia

emissão de gases efeito estufa: x9, p9, etc. O resultado define o estado de sustentabilidade
inicial: SA1 =  xi pi (i=1, 2, 3,... n).
Que ponto poderia ser atingido no período de (... anos: fase 2) agindo nos fatores críticos?
Esse ponto é indicado por SA2 =  x’i pi e espera-se seja determinado pela eficácia do
controle dos fatores – causais que definem o “estado” inicial. São fatores com
importâncias relativas variáveis e com efeitos isolados ou combinados que o planejador,
gestão, formulador de políticas e planos deve conhecer e gerenciar.
É imprescindível considerar a conscientização social, fruto da educação e capacitação, da
fragilidade de sistemas naturais e dos efeitos antrópicos de atividades sobre esses
ecisistemas, sem a polarização de visões estreitas nem a intransigência do
preservacionismo, para que a efetividade os resultados obtidos sejam muito próximos (ou
ainda maiores) dos esperados quando se cenariza, para o futuro, em SA2 =  xi pi. É
importante especificar possíveis formas de distribuição dos benefícios com as melhorias
provenientes da conservação e manejo, potencializadas pelas sustentabilidades em outras
dimensões, tais como: valorização (econômica) para proteger; educação (social) para
conservar; legislação (institucional – política) para gerir; fortalecimento e integração rural
– urbana (espacial) para desenvolver etc. Deve-se acrescentar que na sustentabilidade,
nesta dimensão, não há resíduos nem desperdícios e a diversidade assegura a resiliência
do sistema.
d) A político-institucional, de notável importância no tecido do processo de desenvolvimento
e de inexplicável omissão em ações e estratégias de planos passados.
A sustentabilidade institucional - política, representa a efetividade de instrumentos de
planejamento e gestão e da participação – comprometimento das comunidades em
definições e execuções de planos como os de combate à desertificação.
Em que ponto do gráfico se encontra essa dimensão? Esse ponto é indicado por SP1 e
representa deficiências e ineficiências de instrumentos. Melhorias em estruturas como as
de posse de recursos e de instrumentos como os das políticas públicas permitirão alcançar
o estado SP2.
e) A sustentabilidade espacial determinada pela configuração rural – urbana mais equilibrada
e com função social de fatores como terra e água. Em que ponto da Figura 5 se encontra
essa dimensão? Em ST1 e representa desorganização da ocupação territorial. Vários
instrumentos são propostos para alcançar o nível ST2, com destaque para o zoneamento
econômico – ecológico para ordenar e priorizar a ocupação.
Na ilustração da Figura 5 se destaca propositadamente o suporte técnico-científico e
operacional (baseado na racionalidade e pertinência de critérios ou padrões adequados à
realidade para proteger, produzir, consumir, prever – prognosticar, reciclar etc.). Mas, outros
fatores e condições de suporte são tão importantes ou mais notáveis para o desenvolvimento,
como são vontade e decisão política, os éticos e os princípios da transparência (ver nota 11).
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas
45

O conceito de desenvolvimento sustentável conforme sintetizado não permite, em tese,


posições intransigentes, egoístas e o predomínio de interesses de grupos sobre o bem-estar
coletivo. Por outro lado exige legislações e planos no concerto de dimensões para espaços e
condições que o determinam.
O exposto acima expressa certo otimismo, à despeito de fatores, condições e estruturas
negativas para a transformação e a construção do desenvolvimento, sem necessariamente ser
compelido pela conversão de problemas solucionáveis em calamidades irreparáveis; de terras
degradas transformadas em desertos; do disciplinar do crescimento da polpulação e de suas
atividades transformadas em desertificação humana.
Implícitos nos desdobramentos anteriores se têm outros conceitos como os de
solidariedade e ético com problemas, segundo Capra (2003), pois a economia global [que
interfere na economia regional] foi desenhada sem nehuma dimensão ética. Destaca-se o desafio
de como adaptar-se de um sistema baseado na ideia de crescimento ilimitado para uma outra que
seja simultaneamente sustentável no social e justa-equilibrada no econômico; um crescimento
não-linear nem ilimitado, mas qualitativo, como o aumento da complexidade e maturidade para
se aperfeiçoar a qualidade de vida, desmaterializando a economia.
Há lugar, no contexto da economia capitalista, para essa desmaterilaização?
Provavelmente sim, porque não são inerentes ao capitalismo moderno a expansão permanente de
capital em sistemas concentrados, a ampliação de mercados socialmente excludentes e a
produção contínua e crescente de bens e serviços sem comprometimento com as fontes.
A economia moderna, a economia que se integra, harmoniza e potencializa no
desenvolvimento sustentável não se sustenta em falsas necessidades, em desperdícios, em
exclusão social de benefícios (...).
O conceito de desenvolvimento sustentável e seu processo de criação endógeno e
legítima, para ser sustentado em uma região, não compreendem apenas problemas técnico-
científicos físicos, mas, também problemas político-institucionais com desdobramentos legais,
sociais, culturais e institucionais que colocam múltiplos e, com frequência, conflitantes
interesses, objetivos, recursos e possibilidades, ainda para situações específicas ou limitadas de
um local ou região: um processo de acordos cimentados em cada fase, de construção evolutiva.
É o caso do semiárido, com espaços geográficos diversos, dentro de arranjos que refletem
desigualdades e situações complexas de acomodações como as de estrutura de posse de recursos
da terra (um processo histórico-cultural), para poucos e de exclusão e miséria social para muitos.
No conceito, apesar dos desgastes e deturpações, há condições para criar novas
oportunidades e para que “todos” sejam capazes de optar (para uns, “ceder”; responsabilidade
social e para outros “aceitar”, ambos como preços da sustentabilidade: Figura 5) e escolher os
melhores caminhos por meio do diálogo, da solidariedade. Nessa escolha se evidenciam fatores
do combate à desertificação e mitigação de efeitos das secas; vontade e decisão política para
46
Eduardo A. C. Garcia

perceber como agir com ecoeficiência; recursos necessários a oferecer para desenvolver com
eficiência; orientações, diretrizes e instrumentos, entre outras de políticas públicas, para
solucionar conflitos com eficácia, tanto os que resultam de violência explicita da
marginalização, quanto de violência implícita que discrimina e exclui. Por corolário, há espaços
para acordar planos de sustentação consistentes para o suporte ao desenvolvimento em uma
região.
O desenvolvimento poderá compreender, em qualquer nível de abrangência, a
combinação de dotações de recursos naturais com a criação de aptidões modernas de
conhecimento e tecnologia, de capital humano e de instituições econômicas e públicas de
qualidade-efetividade, sem que haja superposição à ideia estática de dotação de recursos, de
vantagens comparativas, mas complementações e sinergias ao se definirem novas vantagens da
competitividade. São possibilidades a considerar no semiárido dotado de especiais recursos de
seu bioma, a caatinga, condições climáticas, reservas subterrâneas de água e, principalmente, de
seus habitantes especiais por sua cultura, vontade e perseverança.
Outro conceito importante a considerar nesta síntese é o da convivência com a seca em
planos que considerem esse fenômeno natural da região e que permitam minimizar, em níveis
toleráveis, seus efeitos, evidenciando-se, nessa minimização, o potencial da tecnologia.

2.1.5 Convivência com a seca: ações integradas em planos


Na linguagem comum se encontram associações e equívocos em significados de termos
como desertificação e seca que podem confundir e até desorientar planejadores, tomadores de
decisão e órgãos de financiamento e desenvolvimento, ao trata o assunto da convivência. A
desertificação entendida conforme anteriormente apresentada, - interação de processos
complexos; a seca, de acordo com a Convenção das Nações Unidas para o Combate à
Desertificação, como sendo um fenômeno natural que ocorre quando a precipitação diminui
significativamente em relação às normais de um local ou região, provocando sérios
desequilíbrios hidrológicos e afetando, de forma negativa, sistemas produtivos.
Conceitos errados, também, na definição de convivência com o semiárido, com a imagem
e clima da região, distorcidas e associadas ao de uma região árida, de solos estorricados, de
açudes secos, de retirantes nas estradas, de animais mortos nos campos, de crianças raquíticas,
entre outras figuras e expressões presentes na música de Luís Gonzaga, na pintura de Portinari,
na literatura de Graciliano Ramos (...), como visões ideológicas e parcialmente realistas, porém
incompletas ou com viés; o sertanejo tem sua cultura de convivência e adaptação ao maio.
É preciso entender os princípios e a lógica do desenvolvimento da cultura de convivência
adequada ao meio ambiente, à semelhança de culturas desenvolvidas pelos povos como os do
ártico e deserto naquelas condições ambientais.
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas
47

Compreender como o clima, os recursos hídricos e a vegetação funcionam e se relacionam


- estruturam e adequar-se a eles, sem pretender acabar com a seca ou importar vegetações e
tecnologias forâneas; sem interferir, de forma destrutiva, em ciclos e processos como os
hidrológicos e de recomposição de fontes, mas com intervenções inteligentes que, respeitando
leis naturais e permitam explorar riquezas contidas nesses frágeis ecossistemas.
Conhecer a capacidade de tolerância de ecossistemas às intervenções humanas e ampliar
os estreitos limites, dessa capacidade, com “garantias” como as que possam se derivar da
tecnologia adequada às condições da região, fazem parte dos elementos para definir um plano de
convivência com a seca no semiárido.
No entendimento da realidade física e antrópica se destaca o combate à desertificação,
com foco no ser humano em seu meio; entender como prevenir, descontinuar e reverter
processos como os de degradação e qual é o papel (imprescindível) do engajamento da
comunidade nessa prevenção e na reversão.
A imprescindível da participação da comunidade em planos e propostas de convivência é
fortalecida com a educação e capacitação para, pela instrução e conscientização, comprometê-la
nessa participação.
O plano de convivência com a seca deve compreender ou prever, entre outras ações
importantes, o re-ordenamento de espaços agro-econômicos diversos e, em geral, complexos do
semiárido, portanto, com especificações baseadas em critérios e evidências de fragilidades,
limitações e potencialidades a serem internalizadas, com sustentação, nas atividades econômicas
locais e regionais. Parte dos fundamentos de um plano de convivência com a seca compreende
(relação preliminar) ou implica:
a) Oferecer opções tecnológicas para amenizar a escassez de água e as limitações da
capacidade produtiva do solo, entre outras.
É oportuno destacar que esse plano, o da
convivência, compreende um forte e
imprescindível componente político agindo na
geração e disponibilização dessas opções.
Uma tecnologia, ainda que adequada às condições,
porém sem meios de implantação (p.ex., crédito,
assistência técnica, monitoramento etc.) poderá
não alcançar os rendimentos que dela se esperam
e, ainda, gerar perdas e provocar frustrações e
descrédito de um dos instrumentos mais
importantes do desenvolvimento.

Figura 6 Cisternas do semiárido


48
Eduardo A. C. Garcia

b) Desenvolver, aprimorar e disponibilizar procedimentos e técnicas de dimensionamento,


construção e uso–manejo de sistemas de abastecimento de água como, p.ex., cisternas rurais
(para beber, para produzir etc.; Figura 6), barragens subterrâneas e poços com
dessalinizadores, como alternativas “simples” e economicamente viáveis para a captação e
armazenamento da água de chuva.
c) Disponibilizar critérios técnicos e operacionais para a conservação e manejo integrado do
de água, solo e vegetação com a introdução de adequadas práticas de uso desses recursos.
d) Motivar – mobilizar as comunidades para participar e usufruir dos benefícios de projetos
como os de educação ambiental, capacitação e valorização de ambientes e recurso a serem
protegidos.
A convivência com a seca, com o semiárido, é, em parte, o resultado de um processo de
educação para tratar, em outros contextos, fatores limitantes como água, solo e vegetação.
No semiárido se tem um regime de chuva, mesmo irregular no tempo e no espaço, que é
preciso aproveitar com o armazenamento e gestão criteriosos da água para superar notáveis
déficits hídricos.
Formas tradicionais de armazenamento como as de grandes reservatórios não atendem às
exigências do meio ambiente: quanto mais extensa a superfície de um reservatório, tanto maior
será a evaporação pelo efeito da insolação e ventos e da transpiração de plantas ao redor dessas
construções; assim, a água armazenada a céu aberto em reservatórios rasos se “perde” com
facilidade e rapidez. Por isso, não é suficiente armazenar água de qualquer forma, mas é preciso
limitar a sua perda por evapotranspiração e assegurar a sua qualidade.
A própria natureza de solos do semiárido sob cristalinos limitam a infiltração e recargas
de lençóis freáticos. O desmatamento facilita o escoamento e as “perdas” tanto de água como da
capa agricultável do solo.
Do saber tradicional 17 se
destaca e exemplifica a tecnologia
“inventada” por um pedreiro
(conhecido por Nel, que depois de
vários anos construindo piscinas em
São Paulo, aprendeu a utilizar placas
de cimento pré-moldadas, levando o saber e a
experiência para o Nordeste; município Simão
Dias, Sergipe, há mais de 35 anos).
São as chamadas cisternas de placas (pré-
moldadas curvadas; Figura 7) para captação de Figura 7 Cisterna de placas pré-moldadas
água de chuva para o consumo humano,
pequenos reservatórios de forma oval ou cilíndrica, coberto e com metade de suas dimensões
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas
49

encravadas no chão, construídos em proximidades das casas que usam calhas para colher a água
de chuva dos telhados, direcionando-a para essas cisternas, individuais ou coletivas. São
construções fechadas e variáveis conforme o número de pessoas a serem atendidas e o tamanho
do telhado das casas. A água depositada ali durante os períodos chuvosos fica armazenada para
atender necessidades nos períodos em que normalmente não chove. São atividades e
experiências, entre outras, que precisam de divulgação, incentivos e mobilização social,
possíveis de serem melhoradas.
O atendimento às exigências como as de estruturação e (re)composição do meio natural,
de conhecimento e divulgação de saberes tradicionais e de medidas sociais para a melhoria do
bem-estar, é imprescindível na formulação de um plano de convivência com a seca. Um plano
capaz de compreender aspectos, tais como:
a) Os econômicos: apoio à agricultura familiar e ao desenvolvimento com base em novos
critérios, práticas e tecnologias que possam “garantir” a segurança alimentar e gerar
excedentes para o mercado com valores agregados no local. A convivência, como
comportamentos induzidos, precisa de estímulos e atrativos de melhorias sustentáveis na
dimensão econômica. Tais melhorias no semiárido não podem ignorar a seca, com
possibilidades de “previsão” e alerta contra ocorrências “anormais” desse fenômeno.
b) Os sociais: infraestruturas para melhorar o atendimento à saúde, à educação e ao
saneamento básico no contexto da qualidade e segurança social que esse meio permita
desenvolver. Um plano de convivência, ao lidar com a seca, exige infraestruturas para se
fundamentar, em parte, no acesso aos recursos e serviços de bem-estar social que possam
compensar efeitos “negativos” da seca. A exigência não é apenas de infraestrutura, mas
compreende a dotação de recursos para gerar e manter os serviços. Compreende planos de
educação, monitoramento e avaliação social.
c) Os culturais e históricos como saberes tradicionais e experiências, uma delas acima citada,
no convívio com a seca. A valorização de tais saberes e o resgate da identidade cultural de
comunidades é um propósito a ser colocado em um plano de convivência com a seca, ao
possibilitar difundir (aprimorar) experiências e saberes bem-sucedido. Deve-se observar
que a legitimidade de um plano é proporcional à representatividade sociocultural e
histórica que ele traduza da comunidade e seu meio.
d) Os físicos, tais como, os conhecimentos básicos sobre a localização, caracterização e
disponibilidade de fontes de águas superficiais e subterrâneas, dos solos e da vegetação,
com suas naturais limitações e possibilidades ou potencialidades. São conhecimentos que
tem como argumentos informações, serviços e tecnologias adequadas à região, às
condições de comunidades e, portanto, integráveis com seus saberes; tecnologias do
manejo e conservação no contexto de unidade de planejamento como o de uma bacia (sub-
bacia) hidrográfica e o município.
50
Eduardo A. C. Garcia

e) Os organizacionais incluindo, entre outros, estruturas cooperativas e associações de


classes e civis para agregar valor no local aos bens e serviços com novas formas de
organização e integração de esforços e recursos, de interesses e objetivos das
comunidades, de economias e mercados.
f) Os de planejamento estratégico e gestão integrada que permita combinar estratégias e
atividades públicas e privadas para a harmonização da eficiência econômica e a
sustentabilidade social e ambiental na região dentro de contextualizações e arranjos ou
cadeias produtivas típicas da região.
g) Os institucionais: de descentralização de investimentos, de infraestruturas básicas como as
de energia, transporte e comunicação; e de mudanças em estruturas socioculturais e
históricas relativas à pose da terra, da água e dos meios de produção. Podem ser ajustes
gradativos e mudanças que obedecem a processos como os de conscientização coletiva,
educação e autonomia com responsabilidade.
h) Os planos de contingências e de alertas de fenômenos com antecedências suficientes, entre
outros requisitos, dentro do plano de convivência com a seca, para mitigar efeitos e
preparar - auxiliar à população diante de previsões.
i) Os sistemas de informações com dados de todas as dimensões integráveis e sintetizáveis
em INDICADORES; sistemas que permitam gerenciar e disponibilizar, com garantias de
integridade e oportunidade, a informação para todos.
j) O gênero e o semiárido, destacando-se a estreita relação entre a mulher e a sua função
mulher de abastecer o lar com água (como uma extensão do trabalho doméstico), além de
seu papel, em muitos casos, como fator produtivo e chefe da família desestruturada com a
emigração do homem do semiárido.
k) E, principalmente, os aspectos de educação - capacitação para a proteção de fontes e para
o manejo - conservação de seus fluxos com melhorias de bem-estar: conscientização e
educação.
É possível definir, em quase todos os aspectos anteriormente relacionados, um espaço a
ser legitimado em planos de convivência e desafios em campos de estrita e direta competência
do Ipea, dada a sua missão institucional, seja para contribuir diretamente na formulação de
políticas públicas orientadas para o apoio a esses planos, seja para o atendimento às demandas
por capacitação, formulação de cenários e estudos, entre outros os prospectivos, solicitados por
órgãos e entidades públicas e privadas engajadas no desenvolvimento do semiárido.
Os aspectos acima indicados, entre outros a compor um plano de convívio com a seca,
poderão ter definições e enfoque diferentes, conforme seja o entendimento e aceitação do
conceito seca por parte de formuladores desse plano. Alguns poderão identificar a seca (S) e a
desertificação (D), como um único e mesmo fenômeno (S = D) e, portanto, admitem que a
eliminação dos efeitos da seca pelo controle de suas causas, significa acabar com a
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas
51

desertificação (S  D). Outros, pressupõem que a desertificação é um processo que pode


aumentar o rigor das secas (D  S) e, dessa forma, concluem que combater a desertificação é
evitar a mudança climática. Há aqueles que associam as secas como causas da desertificação (S
 D) e, assim, gerenciá-las significaria impedir a desertificação; entre outras posições.
Pelo exposto e para se ter uma orientação objetiva na formulação de um plano de
coexistência com a seca, é preciso diferenciar conceitos. O da desertificação, conforme
anteriormente apresentado e o da seca, de acordo com o que segue, sem admitir que sejam
definições necessariamente corretas e/ou de aceitações unânimes entre os cientistas, apenas
referências conceituais necessárias, claras e objetivas, para facilitar a comunicação e
entendimento da mensagem que se propõe neste documento.
O conceito de seca, como um fenômeno climático mais antigo e visível do que a
desertificação caracteriza-se por normais pluviométricas (ou outras fontes naturais de água)
insuficientes (em relação a um padrão) em uma determinada região e período de tempo. O
conceito compreende:
a) Seca meteorológica: precipitação abaixo das normais de precipitações pluviométricas
esperadas em uma região e para determinado período; como normais, refletem
comportamentos de longos períodos.
b) Seca hidrológica: níveis de rios e reservatórios abaixo de normais esperadas em pontos –
chaves de locais significativos em uma bacia hidrográfica e região para determinado
período.
c) Seca agrícola: níveis de umidade do solo, supridos por diversas fontes naturais de água
como as superficiais, subterrâneas e meteóricas, insuficientes para atender demandas
consuntivas, conforme sejam as tipologias de cultivos e sistemas de produção.
d) Seca econômica: quando o déficit de água provoca a falta de bens e serviços em uma
determinada região e período, como os de dessedentação, alimentos e energia hidrelétrica
devido ao volume insuficiente, a “má” distribuição das chuvas, ao aumento no consumo
de água e ao mau gerenciamento dos recursos hídricos, entre outras causas desse déficit.
Os termos ou conceitos implícitos em abaixo, insuficiente e déficit qualificadores do
fenômeno das secas, ainda que não façam parte de abordagens sistêmicas, precisam, além de
referências para suas definições, (p.ex., as normais de longo prazo da região por período), de
indicadores para expressar esse fenômeno, sua severidade, 18 e relacioná-lo com diversos efeitos.
Essas expressões e relações são fundamentais em um plano de convivência com a seca; básicos
para a formulação, aplicação e monitoramento de políticas públicas. Por outro lado ou de forma
concomitante, é preciso entender os fatores que determinam (poderão determinar) essa
convivência em um contexto político-institucional, histórico, sociocultural, econômico e físico
(ambiental ou ecossistêmico) amplo e realista de um local e região.
52
Eduardo A. C. Garcia

São fatores, tais como: as medidas que devem ser consideradas e para quem devem ser
propostas; as condições de adoção dessas medidas o que significa auscultar aspectos
socioculturais e históricos das comunidades vulneráveis e afetadas pelo fenômeno da seca; a
procura da harmonia entre as atividades econômicas e a proteção – preservação de fontes, de
reservas, de ciclos em ambientes do semiárido (INDICADORES e referências); as condições
necessárias para se ter a conservação – manejo de fluxos de bens e serviços ambientais e o que é
preciso fazer para garanti-las no local; as exigências de ações e estratégias cooperativas,
multidisciplinares e multi-institucionais, implícitas nessa convivência; e a especificação do que
se busca em cada fase e é possível alcançar em um plano estruturado e com visão de longo
prazo. Nesse contexto há importantes lições a serem devidamente estudadas e atualizadas para
aplicá-las na formulação de novos planos; uma dessas lições é a do Projeto Áridas.
O plano de convivência com a seca deve compreender ou prever o re-ordenamento de
espaços agro-econômicos do semiárido, com especificações baseadas em critérios e evidências
de fragilidades, limitações e potencialidades a serem internalizadas, com sustentabilidade, nas
atividades econômicas e na convivência.
Relacionado com os aspectos básicos de um plano de convivência com a seca, tem-se os
fundamentos, instrumentos e recursos, entre outros, os de políticas públicas e do próprio plano
da convivência a compreender (relação para reflexão):
a) Opções tecnológicas para amenizar a escassez de água e as limitações da capacidade
produtiva do solo por insuficiente umidade para os cultivos.
b) Desenvolver e disponibilizar técnicas de dimensionamento, construção e uso – manejo de
sistemas de abastecimento de água como, p.ex., cisternas rurais (para beber, para produzir
etc.; figura ao lado), barragens e poços com dessalinizadores etc. Algumas dessas ações e
se oportunas e/ou convenientes, devem ser integradas com as da transposição do rio São
Francisco.
c) Disponibilizar critérios técnicos e operacionais para a conservação e manejo integrado do
solo – vegetação.
d) Motivar e mobilizar as comunidades para participar e usufruir de projetos como os de
educação ambiental, capacitação e valorização de ambientes e recurso a serem protegidos.
O plano de convivência da seca no semiárido começa e se desenvolve com base no potencial
dessas zonas, incluindo, entre outros aspectos:
a) O regime pluvial médio de 750 mm com grande potencial (perspectiva) de
armazenamento de parte desses 750 bilhões de m3/ano de água para uso e manejo
criteriosos.
Essa perspectiva parece ser interpretada no projeto de construção de um milhão de
cisternas, incluindo, entre outras atividades: a implantação de projetos demonstrativos e
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas
53

capacitações em gerenciamento de recursos hídricos, gestão administrativo-financeira de


cisternas em nível de comunidades e capacitação de pedreiros.
b) A diversidade de plantas e animais do bioma da caatinga que deve ser conhecida e
valorizada: proteção de habitats e possíveis melhorias para gerar excedentes econômicos
sustentáveis.
c) O ser humano, o sertanejo: suas experiências, saberes tradicionais e organizações –
movimentos sociais a serem resgatados, valorizados e internalizados em ações de planos
de convivência com a seca, além de projetos de capacitações e de educação ambiental.
Um dos fatores mais importantes no processo de degradação dos recursos da terra e, por
fim, da desertificação é o da erosão dos solos dentro de uma ampla diversidade de clima,
geomorfologia e tipologias pedológicas. É um fator que faz parte de um ciclo perverso da
desertificação:

“desmatamento – queimada”  “simplificação ecossistêmica” 


“degradação ambiental/erosão”  “redução da produção agrícola” 
incorporação de novas áreas de “proteção”

“piora de condições econômicas e sociais”  fome “emigração” ....

Romper esses ciclos pressupõe conhecer as fases que os definem e gerar – oferecer
alternativas para evitar a emigração ao melhorar condições socioeconômicas, aumentar a
produção, recompor áreas, proteger encostas, diversificar ecossistemas e reflorestar – regenerar
coberturas nativas de vales e áreas úmidas desmatadas e preservar as reservas de proteção
ambiental. Esses propósitos, entre outros, fazem parte do conceito de convivência em seus
desdobramentos. O plano deverá transcender a conceituação com a especificação de meios,
procedimentos e recursos para operacionalizá-la.
Um dos conceitos básicos do processo de desertificação no semiárido nordestino é a
erosão de solos, da biota e humana.

2.1.6 Erosão dos solos


Na degradação dos recursos da terra, caminho para a desertificação, destaca-se a erosão,
um processo natural de desagregação da massa do solo provocada pelo impacto das gotas de
chuva numa superfície livre ou pela ação do vento, entre outros fatores; de transporte do
material desagregado pelo escoamento superficial de partículas da capa agricultável em
processos laminares e voçorocas; e de deposição, à jusante da área afetada, de materiais da rocha
e solos. Um processo acelerado por inadequadas práticas de manejo e técnicas - tecnologias de
uso do solo, da água e da vegetação. Um processo favorecido pela perda da cobertura vegetal
54
Eduardo A. C. Garcia

que serve de proteção à superfície do solo contra a ação da água (erosão hídrica) e do vento
(erosão eólica).
Várias formas de uso e manejo tradicionais dos solos podem resultar em degradação
ambiental, tais como: o extrativismo vegetal e mineral; o sobre-pastoreio e excessivo uso
agrícola, formas de manejo e técnicas de produção que expõem os solos aos agentes erosivos.
A erosão depende de um conjunto de fatores que agem tanto de forma isolada como
conjunta (mais freqüente), potencializando o efeito negativo de cada fator. A análise da ação ou
impacto de cada um e do conjunto, sob determinadas condições do semiárido é fundamental para
definir práticas e tecnologias de manejo integrado e de conservação desses ecossistemas.
Na caracterização da erosão no semiárido se podem identificar várias formas como, p.ex.,
a laminar predominante em Irauçuba (CE), lenta e quase imperceptível em solos rasos e
pedregosos, submetidos a intensos desmatamentos, práticas de queimadas e ocupação
desordenada do solo; e a erosão em voçorocas (crateras) e grandes dunas (erosão hídrica:
inverno e eólica: época das secas, com solos esturricados), com sinais mais notáveis registrados
em solos arenosos de Gilbués (PI), ilustradas nas Figuras 8 e 9 e na Tabela 2.
As perdas de solo, de água e de nutrientes são responsáveis pelo decréscimo na
produtividade agrícola e pecuária, pela eutrofização de corpos de água e pela degradação do solo
com impactos nos recursos hídricos, na flora, na fauna e, no final dessa cadeia, no homem.
Quanto às perdas de solo, observam-se variações (em função de diferenciações ambientais
e de usos e manejo dor recursos da terra), com destaque para a erosão entressulcos, a mais
prejudicial, com a combinação de dois processos (desagregação e transporte de materiais).

Se destruída essa borda e Se destruída essa borda e


proteção natural de proteção natural de
matas ciliares, facilita-se matas ciliares, facilita-se
a degradação do solo a degradação do solo

Bordas protegidas/ vegetação: mata ciliar

Borda de rio desprotegida: erosão Irrigação / inundação de campo aberto Sulcos rasos: Picui (PB)
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas
55

Aspecto erosivo: núcleo de Cabrobó Aspecto erosivo: núcleo de Gulbués Erosão laminar
(PE) (PI)

Área rural de Cabrobó (PE) Aspecto erosivo: frequente Caprino pastando na caatinga
PLANOS E ESTRATÉGIAS NACIONAIS, EM 2008, NO COMBATE À DESERTIFICAÇÃO
1) Programa Alimentação saudável: famílias carentes com renda inferior a 0,5 salário mínimo per capita.
2) Programa Educação de jovens e adultos: reduzir os índices de analfabetismo
3) Programa toda criança na escola: ação de “bolsa escola”; mais de 2,6 milhões de crianças do semiárido.
4) Programa desenvolvimento da Região Nordeste: provimento de infraestrutura como eletrificação, água e mecanização
5) Programa jovem empreendedor: organização e capacitação do jovem do meio rural / Projeto Amanhã.
6) Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura – Pronaf; aça\o: Seguro Renda; famílias de produtores rurais
7) Programa Bolsa-renda: concessão financeira sazonal para auxiliar famílias carentes atingidas pela seca
8) Programa desenvolvimento da fruticultura: geração de inovações tecnológicas para aumentar produtividades
9) Programa proágua infraestrutura: ampliar a oferta mediante com obras: adutoras, canais, barragens e extração subterrânea.
10) Programa proágua gestão: combate à desertificação mediante estudos para disponibilizar água no semiárido
11) Programa de expansão e consolidação do conhecimento científico e tecnológico
12) Programa de desenvolvimento sustentável de mesorregiões diferenciadas
13 Projeto desenvolvimento sustentável para assentamento de reforma agrária no semiárido
14) PROGRAMA NACIONAL DE COMBATE À DESERTIFICAÇÃO

Figura 8 Tipos frequentes de erosões dos solos no semiárido e Planos Nacionais no combate à desertificação

As perdas ocorrem pela remoção da camada superficial que contém a matéria orgânica, os
nutrientes inorgânicos, materiais orgânicos e, por vezes, insumos agrícolas como fertilizantes,
com alterações de processos microbianos refletidos na fertilidade dos solos e na produtividade
que se perdem com a erosão.
Que fatores determinam a erosão? O Quadro 3 relaciona alguns desses fatores e
exemplos de contribuições, para certas condições tanto físicas como de uso e manejo dos
recursos da terra, determinantes das perdas do solo por erosão.
Em termos econômicos são perdas quase que incalculáveis pela “impossibilidade” de
reparar totalmente os ambientes danificados, mas, com possibilidades de se ter estimativas ou
aproximações como as apresentadas pelo PNUMA, na África e as calculadas, em parte, neste
documento.
56
Eduardo A. C. Garcia

No processo de erosão há causas físicas e causas mecânicas, agentes passivos e agentes


dinâmicos, fatores controláveis e fatores naturais, com interações a serem conhecidas e tratadas
em planos de conservação e manejo do solo conforme as características e condições da região:
práticas a melhorar; tecnologias a introduzir conforme saberes.
Perdas pela erosão do solo representam redução da fertilidade natural do solo e seguida
queda da produtividade agrícola e pecuária; aumento no consumo de fertilizantes e nos custos de
produção; eutroficação e assoreamentos de rios, açudes e barragens, entre outros impactos.

2.1.7 Conservação e manejo integrado de ambientes e


recursos naturais
A conservação é entendida como a utilização racional de um ambiente ou de um recurso
natural qualquer, de modo a obter um rendimento considerado satisfatório porque, nessa
consideração, é “conhecida” e “garantida”, quanto possível, a renovação do ecossistema em
função dessa utilização não exceder a capacidade nem alterar, com danos irreversíveis, as
características do sistema, mantida, dessa forma, a proteção da fonte e do ciclo responsáveis
(adequada substituição ou reposição) pelo fluxo nessa utilização. Dessa forma, a conservação do
solo, p.ex., é compreendida como sendo a exploração agrícola que adota técnicas, entre outras,
as de proteção contra erosão e faz a devida reposição de fertilidade do solo conforme seja a
extração de nutrientes pelas culturas.
Analogamente, a conservação ambiental quer dizer o uso apropriado, mediante a
conciliação da proteção do ecossistema com atividades humanas orientadas para o atendimento
de necessidades econômicas, sociais e culturais ao tempo em que admitem fluxos de matéria e
energia renovados: fluxos econômicos excedentes. São usos dentro de limites “seguros”,
garantindo-se a manutenção (por vezes melhorias) de “estados” de qualidade e quantidade,
equilíbrio, integridade e capacidade de atendimento às necessidades econômicas, sociais e
culturais humanas, em níveis e riscos aceitáveis.

Quadro 3 Fatores, condições e possíveis contribuições que determinam a erosão dos solos, a
CONDIÇÃO OU
FATOR EFEITOS e EXEMPLOS DE INDICADORES
SITUAÇÃO

A quantidade erodida de solo é diretamente proporcional a


Chuva Quantidade
quantidade de chuva: intensidade e concentração
erosividade
Intensidade Quanto maior  maior o potencial de desagregação
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas
57

Distribuição Maior potencial de erodibilidade no verão


Pouco desenvolvido; relevo suave ondulado; pouca água
Luvissolos (18,4%)
disponível; erodibilidade elevada
Tipo de solo
erodibilidade Neossolos Lit. (10,0%) Acentua degradação
Argisolos Relevos suaves – forte ondulação; boa drenagem
Declividade Perdas do solo proporcionais à inclinação da rampa
Topografia
Cumprimento Perdas do solo diretamente proporcionais
Tipo de Pastagem Menos de 0,1 ( 0 < P < 1,0)
vegetação
Cultivos, com/práticas O fator de conservação poderá variar entre 0,2 a 0,7
P = fator de
conservação Cultivos sem/ práticas P .> 0,7
Plantio morro abaixo P > 0,9
Tipo de
Plantio / nivelamento 0,5 – 0,7 < P < 0,9
manejo
Plantio / barreira 0,2 – 0,3 < P < 0,5
Solo desnudo C > 0,9
Tipo de uso Pastagem não-degradada 0,2 < C < 0,3; com crescimento médio a alto
C=fator de
proteção Queimada e
Fator de crescimento baixo: C , < 0,1
superpastoreio
aOs fatores são analisados conjuntamente, na parte de apresentação de resultados, com o auxílio da estatística e
matemática, para determinar a contribuição de cada uma dessas variáveis nas perdas totais de solo por erosão.

19
Nos conceitos de conservação e de manejo integrados de ambientes e recursos há
definições básicas, tais como:
a) A utilização racional com práticas “adequadas” de manejo e com as tecnologias
convenientes de conservação; adequação e conveniência devem ter como referência as
características conhecidas do local ou região. Dessa forma entendido, a conservação e
manejo integrado devem refletir tais características não apenas físicas, mas socioculturais
e econômicas, com perspectivas de mudanças pela gestão e por inovações tecnológicas
apropriadas e convenientes.
b) O rendimento satisfatório, considerando determinadas referências, entre outras as
ambientais e socioeconômicas próprias do local, da região.
O Nordeste é uma região pobre, porém com potencialidades para “superar” níveis críticos;
com limitações de seus recursos naturais, mas com oportunidades a desvendar. Dessa
forma, modelos de países e regiões desenvolvidas e industrializadas não poderão servir de
referências, sem prévias avaliações, testes e possíveis ajustes ou adequações, para explicar
58
Eduardo A. C. Garcia

problemas e delinear políticas públicas. Mas, experiências e lições de regiões com


semelhantes condições e precedidas de avaliações poderão ser úteis.
c) A capacidade de sustentação do sistema à intervenção, à exploração, dependendo da
forma, manejo e intensidade conformada às características do local, da região.
d) Os limites de tolerância, de elasticidade ou de resiliência, expressos por indicadores
capazes de manterem estados como os de qualidade, quantidade e equilíbrio do
ecossistema e de outros sistemas do local ou região.
e) Os níveis e “riscos” aceitáveis, sob determinadas condições, as locais.
São definições básicas implícitas nos conceitos de conservação e manejo integrado que,
apesar de serem importantes, não serão consideradas neste documento simples.
O Quadro 4 sintetiza o conceito de conservação no sentido em que se utiliza neste
documento, com indicações de processos e decisões baseadas em dados confiáveis e indicadores
consistidos.
O manejo pode ser conceitualizado como um conjunto de práticas culturais como, p.ex.,
no caso da agricultura, capinas, altura de corte, adubação em cobertura, pulverização, manejo
integrado de pragas, irrigação considerando características das fontes de água, dos solos e das
plantas, rotações ou cultivos alternados etc., no cultivo de uma espécie. Diretamente relacionado
com os conceitos de conservação e manejo se tem o conceito de agricultura.

2.1.8 Agricultura: destaque para a sustentabilidade agrícola


Atividade econômica que se define com bases em procedimentos, técnicas e métodos de
conservação e manejo integrado dos recursos naturais; e pela proteção de fontes, reservas e
ciclos com práticas e sistemas de inovações que permitam o “melhor” aproveitamento de
potencialidades no longo prazo, constituindo-se atividade contra a degradação.

Quadro 4 Elementos do conceito de conservação, de utilização racional

REALIDADE Desenvolver
Usos e manejos... Sustentável

Avaliação
Crítica Consistência
Preservação Avaliação Decisão
Esperada
Unidade de Conservação 

Realidade: análise
Potencialidade: indicador CONSERVAÇÃO
Restrição/ limitação: indicador Nova realidade...
Capacidade de suporte: indicador

Utilização racional
Avaliação
Risco  Sistemas de produção adequados ao local
Tecnologias para inovações
Práticas para manejo integrado
Saberes tradicionais: resgate e valorização

Avaliação
Econômica  Alternativas de utilização
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas
59

Uma atividade planejada e desenvolvida dentro da tipicidade de fatores do semiárido,


adequada aos tipos de solos de fácil ressecamento nos períodos de estiagem; aos lençóis de
águas com frequências salinizáveis; ao clima tropical quente definido pelas suas “normais”, com
grandes variações pluviométricas; aos elevados índices de evaporação e evapotranspiração
durante todo o ano; e à vegetação da caatinga com a sua diversidade e potencialidade.
Afeiçoada, também, às formas de uso e manejo desses recursos e a organização e
estruturação em unidades de agricultura familiar (destacado papel da mulher), em arranjos e
destinos de produtos como feijão, milho e mandioca para consumo e mercadorias como valor de
troca em mercados locais; atividade de sobrevivência e em pequena escala, ainda com áreas
improdutivas.
Em diagnósticos e análises detalhadas determinar-se-ão as brechas para melhorias de
sistemas produtivos, entre outros os da agricultura sustentável, não apenas em áreas de vazantes,
60
Eduardo A. C. Garcia

mas em áreas secas com possibilidades de incorporar procedimentos de irrigação adequada:


técnicas e condições como as de financiamento (crédito), assistência técnica, etc.
É preciso considerar, na agricultura com sustentabilidade, a capacidade de manter pelo
menos estáveis as fontes de recursos da terra do semiárido, se não melhoradas. Considerar,
também, que possibilidades de inovações tecnológicas se encontram atreladas ao sistema
tradicional de trabalho: “meu avô, meu pai, meu tio .... faziam assim e dava certo, por que é que
preciso mudar?
Configuram-se estruturas tradicionais e resistentes ao progresso, quando definido e
implantado, sem consulta, entendimento e acordo solidário com esses atores. Parte da resistência
à tecnologia decorre de experiências passadas que não tiveram sucessos e geraram problemas ao
produtor, ao meio ambiente. Por fim, considerar, no conceito de agricultura sustentável, formas
de arranjos entre trabalhadores e proprietários dos recursos da terra; são arranjos tradicionais que
contribuem para o estado crítico da agricultura com efeitos sobre o meio ambiente.
O conhecimento de condições em que se desenvolve, sem sustentabilidade, a agricultura
no semiárido poderá determinar onde, como e a intensidade de formas alternativas de uso com
proteção ambiental e de manejo com integração dos recursos. Isso, como garantia para manter a
produção por longo prazo ao proteger reservas como as de nutrientes do solo, fontes de recursos
hídricos e estados da diversidade biológica, bem como condições de vida na região, a melhorar,
do sertanejo, evitando-se a sua expulsão do campo.
Um dos propósitos das ações e estratégias de um plano de combate à desertificação e
convívio com a seca é capacitar lideranças de associações rurais para sair da pobreza, fazendo da
degradação dos recursos da terra uma parte central desse plano e evidenciando que a degradação
leva a uma competição maior por esses recursos cada vez mais escassos e determinantes da
sobrevivência das comunidades rurais nesse ambiente.
Dessa forma entendido o conceito amplo de agricultura sustentável, tende-se ou se espera
fechar um ciclo produtivo “virtuoso” dentro da propriedade, com certo equilíbrio energético;
equilíbrio entre extração, produção e consumo caracterizado por critérios a serem internalizados
nas práticas de uso e manejo dos recursos da terra. Não significa dispensar modernas tecnologias
e insumos que degradam o meio ambiente, quando não bem escolhidos e aplicados, mas fazer
escolhas “certas”, utilizá-los de forma criteriosa e observar, ao não ser possível evitar esses
impactos, que eles sejam mínimos e, principalmente, toleráveis por esse meio: esse é o sentido
de sustentação e de riscos aceitos na atividade produtiva no semiárido.
Para que a atividade agrícola – pecuária seja sustentável é preciso que considere, além de
aspectos físicos técnicos, outros aspectos básicos como os socioculturais, econômicos, históricos
e institucionais que representem as comunidades e ambientes nessas atividades. Que incorporem
possibilidades de mercados com acréscimos de valor, pela agregação de utilidades dos produtos
primários, dentro da unidade produtiva e em arranjos ou cadeias próximas ao produtor. Essas
considerações colocam o sentido da sustentabilidade agrícola várias dimensões a serem
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas
61

compatibilizadas e integradas. Não é suficiente proteger e melhorar os recursos da terra se tais


melhorias não são traduzidas em melhorias sociais, em bem-estar; se o controle da
desertificação, dentro da agricultura sustentável, não se traduz em benefícios sociais, - é o ideia
da convivência induzida, para as comunidades vulneráveis que se engajam e apóiam um plano
de combate à desertificação e convivência com a seca.
Pelo exposto, conclui-se que a agricultura sustentável é mais do que novas práticas e
tecnologias de manejo e conservação de recursos, entre outros os naturais, acessíveis e
operacionais para o sertanejo. São transformações sociais, culturais, econômicos e de novos
relacionamentos com o meio ambiente, propiciados por projetos como os de educação e
conscientização para valorizar esse meio, protegê-lo e utilizá-lo de forma racional. Tais
transformações colocam em destaque a participação da comunidade na discussão e elaboração de
políticas e planos como os de controle da desertificação e convívio com a seca.

2.1.9 Participação e ação solidária da comunidade no controle


da desertificação e convívio com a seca
Com base em considerandos e disposições da Convenção Internacional de Combate à
Desertificação nos Países Afetados por Secas Graves e/ou a Desertificação aceitos pelo Brasil,
como, entre outros:
a) a desertificação é causada por uma interação complexa de fatores físicos, biológicos,
políticos, sociais e econômicos;
b) o crescimento econômico sustentado, o desenvolvimento social e a erradicação da pobreza
são prioridades dos países em desenvolvimento afetados;
c) dispõem adotar uma abordagem integrada que considere os aspectos físicos, biológicos,
políticos, sociais e econômicos dos processos de desertificação e seca;
d) integrar as estratégias de erradicação da pobreza nos esforços de combate à desertificação
e de mitigação dos efeitos da seca;
e) promover a cooperação de proteção ambiental e de conservação em terra e hídricos;
f) reforçar a cooperação subregional e regional;
g) cooperar com as organizações intergovernamentais.
Nessas considerações e disposições se destacam o papel da participação e de estratégias e
ações solidárias das comunidades, nesse controle e convívio, em especial, aquelas afetadas.
62
Eduardo A. C. Garcia

Ao combater as causas profundas da desertificação e dar especial ênfase aos fatores


socioeconômicos que contribuem para esse fenômeno, aliados aos considerando anteriores,
colocam em evidência a imprescindível participação das comunidades nesse combate.
O conceito de solidariedade entendido como o ato de amparar, de modo responsável, o
pensamento, a ação ou a vida de outrem, de labor conjunta, implica a ideia de cooperação e
compromisso, de diálogo, sem controle ou viés como, p.ex., pela produtividade nem
assistencialismo e paternalismo associado a outro conceito, o da ajuda (este pressupõe
menoridade ou precariedade daquele a ser ajudado). Como princípio e ao lado de a justiça, a
democracia, a liberdade e o entendimento da diversidade sociocultural, a solidariedade é básica
no diálogo para construir um plano de combate à desertificação e convívio com a seca.
As propostas de ações e estratégias, adequações das propostas da Convenção e de
compromissos do País com o desenvolvimento sustentável, orientam-se em quatro eixos básicos
(Figura 10): a redução da pobreza e desigualdades sociais; a ampliação sustentável da
capacidade produtiva mediante a conservação e manejo integrado de recursos da terra; a
preservação e a conservação – manejo dos recursos da terra; e a gestão democrática e
fortalecimento institucional que, de certa forma, compreendem e integram princípios, entre outro
o da solidariedade.
É fácil entender a necessidade da participação da comunidade e de ações solidárias
quando se considera que o foco, a realidade problematizada, do combate à desertificação é uma
situação (provocada pelo homem) do ambiente que afeta negativamente o ser humano e que esse
ambiente compreende fontes de bens e serviços ambientais ameaçados, em riscos e/ou em
processos de degradação / perdas, com implicações negativas para todos.
A degradação dos recursos da terra que leva à desertificação ocorre, em parte, pela
ausência de um direito de propriedade, por distorções institucionais como as de posse e
concentração desses recursos e pela característica de fungibilidade, isto é, de serem bens e
serviços que não podem ser substituídos por outros da mesma espécie, qualidade, quantidade
valor.
São bens essenciais submetidos a utilizações desordenadas e competitivas desses recursos
que, ao mesmo tempo em que pertencem a todos (p.ex., florestas públicas e recursos hídricos),
não pertencem a ninguém em particular: é a tragédia dos bens comuns, agravadas por distorções
ou favorecimentos legais – institucionais como os de posse da terra e por formas insustentáveis
de usos e manejos de seus recursos.
Processos notáveis de degradação que destroem, com as suas formas artesanais como os
de garimpagens áreas vegetadas e corpos de água, mediante desmatamentos, erosão-
assoreamento e uso de substâncias tóxicas como o mercúrio. Reverter esse processo coloca em
destaque a educação ambiental e a instrução - capacitação para proteger e conservar.
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas
63

2.1.10 Educação ambiental e capacitação para o planejamento


e a gestão
Todos os conceitos acima apresentados e contextualizados são, em maior ou menor
intensidade, permeados, influenciados e determinados pela educação ambiental para que as
ações sejam concretas, eficazes e permanentes e os planos produzam seus efeitos positivos. Tais
ações serão concretas na medida em que consultem e se adaptem à realidade física e humana
local e regional, tenham legitimidade quando internalizadas e sustentação social com a
participação das comunidades e sejam devidamente consideradas e implementadas com os
recursos necessários, sem esperar acontecer os fatos para depois decidir o que fazer.
A educação e capacitação são as ações que mais se destacam, inclusive com orientações
explícitas do documento para atendê-las, em primeira instância, por considerá-las essenciais para
a conscientização cidadão e para buscar- assegurar o comprometimento, responsabilidade e
participação da comunidade educada, conscientizada, em planos de combate à desertificação e
convívio com a seca: são eles os principais atores.
Como pode ser definida a educação ambiental que possa auxiliar planos de combate à
desertificação e convívio com a seca? É, antes de tudo, instrução, com novas informações, que
se internaliza (processo pedagógico centralizado na compreensão da vida, segundo Fritjof Capra)
e leva à reflexão e formação de uma consciência crítica pelo conhecimento de causas e
interrelações de questões, tanto globais como locais, numa perspectiva sistêmica, ao considerar
aspectos primordiais do desenvolvimento, tais como: saúde, direitos humanos, democracia,
segurança, fome e degradação dos recursos da terra; ao considerar a construção de uma
consciência crítica – realista do processo das relações sociedade – natureza e, como reflexão que
a educação produz, promover a transformação de hábitos, atitudes e valores.
Pelo Decreto 4.281 de 2002, trata-se de um processo que deve proporcionar as condições
para o desenvolvimento de capacidades necessárias que grupos sociais, em diferentes contextos
socioambientais, o sertanejo do semiárido é um desses grupos, intervenham de modo qualificado
e com motivações, tanto no planejamento e gestão do uso dos recursos ambientais 20 quanto na
concepção e aplicação de decisões que afetam a qualidade do ambiente, seja ele físico-natural ou
construído.
Pela multiciplicidade de disciplinas que convergem e se integram, o enfoque ou
abordagem da educação ambiental deve ser interdisciplinaridade possibilitando que os processos
interativos entre as diferentes áreas do conhecimento permitam uma melhor compreensão da
totalidade. Dessa forma sistêmica, procura-se uma abordagem metodológica capaz de integrar os
conhecimentos entre as ciências naturais e sociais, respeitando-se a pluralidade, diversidade e
singularidades culturais e resgatando saberes e experiências locais em educação ambiental. Em
outro sentido complementar, a educação ambiental deve desenvolver o espírito crítico e a
64
Eduardo A. C. Garcia

criatividade do cidadão quanto às alternativas locais de desenvolvimento sustentável, na busca


de um ambiente saudável e ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações.
É notável o empenho do Ipea para auxiliar tanto planos de educação ambiental como
programas de capacitação orientados para o planejamento, gestão e elaboração de políticas
públicas de desenvolvimento regional. Este documento é um primeiro esboço na definição de
uma estrutura e base de dados e de estudos para fins educativos, compreendendo atividades de
pesquisa. Essa base informacional compila, integra e procura gerir dados de várias fontes para o
atendimento às necessidades de planejadores, gestores e tomadores de decisão em diversos
níveis e, em especial, para auxiliar projetos de educação ambiental.
No conceito de educação para o desenvolvimento há elementos e condições que o tornam
sustentável; um deles é a adequabilidade de conteúdos, de procedimentos metodológicos, de
oportunidade, de atendimento às demandas, de formas de monitoramento e avaliação, etc., de
planos e projetos de educação e capacitação em sintonia com outros planos, expectativas,
tendências e cenários prospectivos. Um deles é o de previsão de mudanças.

2.1.11 Cenários e estudos prospectivos


A prospecção e a construção de cenários facilitam a reflexão e tomada de consciência
sobre o desenvolvimento que se quer e pode construir ao transformar a visão de futuro em
possíveis (em alguns casos prováveis) realidades; ao fazê-lo quando se pensa e planeja essa
criação, buscando os fatores e condicionantes que levam ao progresso, sem, contudo, dispensar,
nessa criação, o passado com suas lições e experiências.
Parte dos cenários deve se orientar para definir planos de redução de vulnerabilidades de
ecossistemas e fundamentar o que se pode fazer para amenizar ou evitar efeitos negativos como
os de secas. É importante, nesse contexto, propor planejamentos estratégicos de tratamentos de
problemas como os de mudanças climáticas e desertificações.
É preciso “pensar”, com criatividade, em quanto e como preparar administrações regionais
do semiárido na previsão de desastres naturais como secas e enchentes, da produção agrícola e
da perda da biodiversidade, entre outras previsões.
A prática de exploração do futuro é tão antiga quanto à própria humanidade sem, contudo,
tal prática, à despeito de avanços científicos, conseguir gerar respostas satisfatórias em previsões
de eventos. Apenas tem sido possível antecipá-los, conforme trajetórias, evoluções e
prospecções de fatores portadores de futuros, de tratamento de fatores críticos.
Um exemplo de antecipação, de um cenário futuro provável, é o da desertificação por
causa de desmatamentos e queimadas sem controles, de práticas de uso e manejo não-
sustentáveis (degradação de recursos da terra causada pela perda da capacidade produtiva de
ecossistemas) e de atitudes imediatistas que levam ao empobrecimento do solo e potencializam
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas
65

variações climáticas, entre outros fatores portadores desse futuro. Uma morte anunciada e
agravada pelo aquecimento global / mudanças climáticas no semiárido com seus possíveis (por
vezes, prováveis) impactos negativos em sistemas, tais como:
a) recursos hídricos; p.ex., estresse (mudanças inesperadas e rupturas em sistemas vitais) e
redução na disponibilidade de água por causa, entre outras, supressão da matas ciliares,
desmatamentos e exposição do solo, tornando-o vulnerável às perdas (um exemplo na
Paraíba é apresentado por SOUZA et alii, 2007);
b) climáticos, p.ex., tornar mais árido o Nordeste por causa de mudanças em frequências e
severidades de eventos extremos;
c) vegetação; redução e/ou substituição de espécies da Caatinga, do semiárido, por espécies
do árido;
d) agricultura, p.ex., intensidade de uso, além de sua capacidade de suporte e inadequado
manejo para as condições locais;
e) degradação humana, por causa de degradações nos recursos hídricos, na vegetação e no
solo com aumentos de marginalização, de insegurança alimentar e de problemas na saúde
e saneamento básico, entre outros.
O conceito de cenário pode ser o de “uma a seqüência de eventos hipotéticos de situações
complexas, construídas com a finalidade de focalizar as atenções em processos causais e pontos
de decisão”, segundo Kahn e Weiner (1969), a fim de demonstrar como uma meta determinada
pode ser atingida se atendidas certas condições. No caso considerado neste documento, essa
meta é controlar os fatores causais dessa construção antes que os mesmos ocorram e produzam
seus efeitos e buscar o convívio com a seca antes que ocorram as emigrações.
É impossível antecipar as causas - efeitos e a emigração se nada efetivo for feito, com
antecipação, no combate e para o convívio. As condições são as de caracterizar a realidade,
definir propósitos (desejos e expectativas) e controlar (poder de agir) as causas da desertificação.
A abordagem de cenários compreende:
1 Uma visão global, sistêmica, da realidade que se impõe na medida em que se observam
efeitos e interdependências entre fatores causais ou correlacionais, tais como os físicos
(ambientais), econômicos, sociais e político-institucionais.
A complexidade de entrelaçamentos de fatores determina que o tratamento de apenas um
deles apresente um valor explicativo reduzido ou inexpressivo. Assim, p.ex., uma “boa”
prática de manejo e uso do solo sem uma alternativa exequível de substituição de
desmatamentos e queimadas na agricultura do sertanejo não será benéfica o suficientes no
controle da desertificação; ou a prestação de serviços como os de crédito rural sem um
66
Eduardo A. C. Garcia

acompanhamento de sua aplicação poderá ser até prejudicial por comprometer o


patrimônio do sertanejo.
Uma das características básicas de cenários é a capacidade de reunir, comportar e
articular–integrar opções, prognósticos, hipóteses e contribuições de múltiplos fatores.
Para tal propósito considera estruturas flexíveis pela sua capacidade de se ajustar e
acompanhar evoluções e tendências.
2 Ênfase em aspectos qualitativos da realidade e onde cada cenário possa caracterizar um
futuro qualitativamente diferente.
3 As relações entre variáveis e atores são vistas como estruturas dinâmicas, que comportam
mudanças qualitativas ao longo do horizonte de “projeção” de um fator do plano de
combate à desertificação.
4 O futuro é concebido como a motivação básica de ações e decisões do presente, e não
como um prolongamento inevitável da dinâmica do passado. Essa visão de futuro deve-se
ao fato (ou ao pressuposto: uma hipótese de trabalho) de as pessoas, grupos, organizações
ou classes sociais são capazes de influenciar o seu próprio destino dentro de um quadro de
oportunidades e restrições concretas, porém manejável por elas. Conhecer essa capacidade
dentro de um quadro de oportunidades e limitações é um dos aspectos básicos na
formulação de um plano de combate à desertificação.
5. Uma visão plural do futuro. Em cada momento, o futuro “previsível” é múltiplo e incerto,
porque resulta da confrontação ou cooperação de diferentes atores sociais em torno de
determinados interesses. Dessa forma, a construção do futuro se explica mais pela ação
humana do que pelo jogo ou imposição do determinismo.
6. Adoção de modelos conceituais, métodos qualitativos e quantitativos e de uma visão
probabilística (quando possível: associada ao risco) dos fenômenos. Esta característica é
consequência das anteriores que incluem a incerteza (a ser reduzida) e a pluralidade
(opções de escolha) como algo inerente à exploração do futuro, à criação de cenários.
7. A consideração explícita dos atores envolvidos. Cada cenário representa, em geral, uma
particular hegemonia ou o predomínio de uma aliança de determinados atores em torno de
um conjunto de interesses, objetivos e recursos. Isso significa, na prática, considerar a
dimensão política como um forte condicionante do futuro. Por fim, as mudanças políticas,
econômicas, tecnológicas, sociais, culturais ou mesmo ecológicas não ocorrem ao acaso,
mas resultam, em parte, do jogo de coalizões e de conflitos dos grupos ou instituições
intervenientes em cada situação. Neste caso, procura-se que a dimensão política tenha
como foco o interesse e as ações do coletivo e que determinados grupos influentes sejam
engajados no combate à desertificação.
8. Pertinência, coerência, plausibilidade e credibilidade. Um cenário não é a realidade futura
e sim um meio de orientar a ação presente à luz de futuros possíveis e desejáveis. A
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas
67

preocupação com o realismo e com a eficácia, entre outros, devem guiar a reflexão
prospectiva visando um melhor domínio da história na construção do futuro.
Os cenários devem focar assuntos relevantes da realidade, de desejos, de poderes, da
governabilidade (...); formular hipóteses-chave sobre o futuro; e assegurar a coerência e
plausibilidade das combinações possíveis em torno de um plano de combate à desertificação.
Há vários tipos de cenários, tais como: os imagináveis ou hipotéticos; os possíveis dentro
de um determinado contexto; os normativos ou de situações esperadas e desejadas; os mais
prováveis ou cenários de referências para determinadas regiões, fatores e condições; e os
cenários extrapolativos.
O Quadro 5 sintetiza conceitos de alguns cenários, com ênfase em os normativos e
exploratórios, que podem para auxiliar a formulação um plano de combate à desertificação.
As fontes de dados e informações para essas construções compreendem, entre outras, os
objetivos de planos estratégicos governamentais dos entes federativos, relacionados como o
tema; a Declaração do Semi-árido – DAS, documento da sociedade civil que compreende mais
de 1.200 organizações (BRASIL, 2004); e, principalmente dados a serem obtidos diretamente de
comunidades, grupos e organizações para completar uma base de informação das regiões
vulneráveis e afetadas, em termos da realidade, possibilidade, desejos e poder, conforme se
indica, sem especificações, neste boletim.
O Quadro 6 indica possíveis cenários de futuros construídos sem os necessários cuidados
que demanda a redução de emissões de gases responsáveis pelo efeito estufa e por mudanças
climáticas. Em alguns casos não são apenas possibilidades, mas evidências probabilísticas sobre
tais futuros, inclusive para as condições do Nordeste (colchetes).

Quadro 5 Tipos de cenários que podem ser utilizados para auxiliar a elaboração de um
plano de combate à desertificação e mitigação dos efeitos da seca no Nordeste

CENÁRIO, ESTUDOS PROSPECTIVOS


Histórico e evolução de fatores. Diagnósticos temáticos integrados.
Situações atuais e desejáveis- possíveis. Recursos. Metodologia etc.

Normativo Exploratório
68
Eduardo A. C. Garcia

Quadro 6. Possíveis cenários de um futuro sem redução de emissões de CO2 à atmosfera a

IMPACTO DO
AQUECIMENTO EXEMPLOS DE PROVÁVEIS IMPLICAÇÕES
GLOBAL

Vegetação Redução do número de espécies: menor biodiversidade, em especial (….).


Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas
69

Emissões de CO2 por morte da biomassa do solo: possível ciclo


retroalimentado entre emissões desse gás e aquecimento global.
Mudança de características climáticas, com possíveis implicações em fluxos
dos rios, provocando seca em algumas regiões (por exemplo, na América do
Recursos hídricos Sul) e enchentes em outras (por exemplo, na China)
Maior número de países utilizando mais de 20% dos seus recursos de água
doce por ano, considerado um limite perigoso, segundo estimativas da FAO.
Apenas considerando o aumento da temperatura (sem apreciar a falta de água)
a produtividade de grãos poderá aumentar em alguns países (por exemplo,
Agricultura América do Norte, China e Argentina) e ser reduzida em outros (por
(alimentos) exemplo, África e Oriente Médio).
A fome poderá ser agravada em várias regiões da África.
População em risco de inundações passará de 13 milhões para 94 milhões,
com um aumento dos níveis dos oceanos de 40 cm. Mais de 70% ocorrerão
na Ásia.
Nível dos oceanos
Em todos os cenários estudados, com ou sem redução das emissões de CO2, o
nível dos oceanos deverá subir. A diferença poderá ser na velocidade, o que
possibilitaria, de acordo a essa velocidade, algumas adaptações.
Com as atuais previsões para o ano de 2080, um adicional de 290 milhões de
pessoas poderá estar sob o risco da malária, especialmente na China e Ásia
Saúde humana central.
A mortalidade poderá ser reduzida em regiões de clima temperado, devido à
redução de mortes induzidas por invernos rigorosos.
a
Fonte: adaptado do Hadley.

2.1.12 Políticas públicas para o combate à desertificação e


convívio com a seca
O conceito de políticas públicas pode ser entendido como um conjunto de diretrizes gerais
definidas e voltadas para a concretização de certos objetivos em determinada sociedade, espaço
geográfico e condições socioculturais econômicas e ambientais. É o ordenamento de práticas,
ações e estratégias para se alcançar fins estabelecidos de um bem comum.
As políticas públicas, para o caso do combate à desertificação, mitigação de efeitos
climáticos adversos e convívio com a seca, podem ser sintetizadas como um ciclo, conforme se
ilustra na Figura 9, a iniciar com a identificação de problemas. Um ciclo que não segue uma
lógica linear e que se retroalimenta em cada fase, conforme sejam as avaliações de resultados
intermediários. Tais resultados poderão determinar ajustes e/ou novas demandas (novas, como as
de controle de fatores de mudanças climáticas; recorrentes, pois os problemas da desertificação
70
Eduardo A. C. Garcia

continuam sem solução e, ainda, agravando-se; reprimidas, pela não-decisão ou pela


incapacidade de políticas e programas. Daí a importância de monitorar e de avaliar – ajustar
(quando necessário) os instrumentos componentes das relações de poder entre os membros de
uma sociedade, orientadas para a resolução pacífica de conflitos como os que se geram em torno
de bens públicos mais escassos e disputados.
É preciso entender a dimensão, a complexidade e a gravidade do problema da
desertificação, aspecto enfatizado neste documento, para orientar mudanças de paradigmas que
se exigem, entre outros, na elaboração e implementação de políticas públicas de combate à
desertificação. É nesse sentido que se preparam os participantes para agirem na definição de
propostas na agenda da terra, 21 em Copenhague, envidando capacidades e recursos na gestão
integrada da terra em temas como os de seqüestro do carbono para aliviar o efeito estufa,
proteção e prevenção de fontes, reservas e ciclos de renovação natural, recuperação de terras e
combate às perdas de solo e vegetação. Estas, entre outras medidas, poderão não apenas reforçar
a resiliência, mas contribuir para aumentar a produção agrícola, a segurança alimentar e, no
final, o desenvolvimento. As políticas devem interpretar tais orientações.
Um conceito a destacar na formulação de políticas públicas é o da análise, de avaliação,
dessas políticas, no sentido de o que o governo faz, por que faz (ou porque não faz) e de como
são interpretadas causas e efeitos ao se processarem demandas e apoios do ambiente externo,
colocando-as no sistema ao definir ações e estratégias em instrumentos como leis, programas,
planos e projetos.
São instrumentos das políticas públicas para gerar resultados: é a síntese da formulação de
políticas públicas (revestidas de autoridade soberana do poder público) e não de resultados
privados ou apenas resultados coletivos.
Na análise (avaliação) de políticas públicas, conforme entendimento de Dunn (2008)
adotado neste documento, como um processo de inquérito (testar e buscar soluções)
multidisciplinar definido para gerar soluções de problemas práticos, criticamente avaliar e
informar – comunicar para o entendimento e melhoria de políticas, são considerados (devem ser
consideradas) diversos aspectos, entre outros:
a) os atores de maior relevância: aqueles significativos e com problemas importantes que
demandam soluções e, por isso, ingressam na agenda pública: a avaliação compreende a
caracterização desses atores, seus problemas (por que acontecem) e oportunidades;
b) as relações que se estabelecem entre atores-chaves e entre atores e fatores importantes; são
relações dispostas ou ordenadas de acordo com determinados critérios e referências como
são os indicadores; a avaliação poderá tratar, entre outras, relações de causalidade entre
um programa e os resultados alcançados;
c) os propósitos (objetivos) e meios (recursos) dos atores em contextos como os de interesses,
de ideias e de instituições (nem sempre conciliáveis) que se refletem em agendas
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas
71

governamentais; a avaliação poderá tratar a coerência, lógica e equilíbrios entre esses


contextos;
d) os grupos de pressão e as relações de poder que se expressam ou sintetizam na vontade e
decisão política traduzida em planos, programas e projetos; a avaliação trata da relação
entre esses grupos e os objetivos das políticas;
e) as relações ente o Estado e a sociedade, os mercados e organismos internacionais, entre
outros; destaca-se, para o caso em estudo, o compromisso assumido pelo País em
convenções como as de combate à desertificação, mudanças climáticas e biodiversidade;
f) a formulação de políticas públicas como expressão da vontade popular, captada pelos
representantes, da motivação e engajamento da sociedade; o resultado, seja ele direto ou
indireto, é função da educação e conscientização para escolher esses representantes; da
solidariedade e comprometimento em planos e projetos;
g) decisão e vontade política que se mede, em parte, pela aplicação de recursos e outros
meios de viabilização (operacionalização) das políticas públicas;
Ciclos-espirais de
políticas públicas

t2 Fase III
t1 Fase II
t0
Fase I

Interesses
Surgem (problemas) como: tensões existentes Vontades,
entre a sociedade civil e o Estado, causadas por preferências
precárias condições de vida; necessidade de
assegurar níveis de produção e consumo para o Ideias, visão, Instituições,
desenvolvimento; desigualdades sociais, econô- Contexto
paradigmas normas, valores
micas e de oportunidades; e reivindicações por
melhores condições ambientais e de qualidade
de vida, perdas ambientais que afetam o homem

Vontade
72
Eduardo A. C. Garcia

h) empenho e participação da sociedade na formulação de políticas pública que se mede, em


parte, no monitoramento e avaliação de resultados das políticas públicas;
i) o final de um ciclo de políticas públicas, ilustrado na Figura 9, compreende aspectos do
ajuizamento dessas políticas. É a parte relativa à avaliação de resultados da ação política
orientada para alcançar o objetivo: é a estratégia de um plano; o detalhamento do plano ao
expor as linhas e regras a serem seguidas nos projetos: é a tática adotada; e a atividade
(conjunto de atividades correlatas) que se desenvolve conforme a estratégia e tática: é a
parte operacional que se indica em um projeto.
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas
73

Na criação de um conjunto de ações e serviços adotados pelo Estado, isto é, de políticas


públicas, definidas para assegurar direitos como os de solidariedade que englobam o direito a um
meio ambiente equilibrado (competência do Estado: “proteger o meio ambiente e combater a
poluição em qualquer de suas formas” e “preservar as florestas, as fauna e a flora”), a uma
saudável qualidade de vida, ao progresso e a existência digna, entre outros, além de garantir
direitos difusos como os de grupos menos determinados de pessoas de acordo com os ditames da
justiça social, deve abordar diretrizes gerais para a implementação dessas políticas, contendo,
também, conceitos (princípios), objetivos e instrumentos.

São princípios ou preceitos que se fixam para servirem de normas e traçado de orientações
norteadoras de conduta da sociedade diante uma situação. No caso considerado, esses princípios
podem ser: democratização do acesso à terra e à água; participação das comunidades no processo
de elaboração e de implantação de ações e estratégias de combate à desertificação; e
incorporação do conhecimento tradicional sobre uso sustentável de recursos, potencializado por
novos conhecimentos como os tecnológicos, nas políticas públicas.
Os objetivos gerais que se esperam da política pública e que dada a sua abrangência só
podem ser alcançados com a efetivação de objetivos específicos colocados na prática da política
mediante planos (conjunto de ações a ser adotado para se atingir determinado objetivo),
programas (detalhamento de planos com a exposição de linhas e regras a serem seguidas:
exemplo o PAN-Brasil) e projetos (atividade ou conjunto de atividades correlatas, como
expressão ou desdobramento operacional de um programa).
Os instrumentos são as ferramentas econômicas - financeiras, políticas e institucionais que
viabilizarão a concretização dos objetivos da política

1998 (Brasil):Decreto n°2741 Tema principal: promulga a Convenção Internacional de


Combate à Desertificação e à Seca

2008 (Brasil):Decreto Presidencial Tema principal: Cria a Comissão Nacional de


Combate à Desertificação -CNCD
Instrumentos Legais de Políticas de Combate à Desertificação em Outros Estados:
–Paraíba: Lei Estadual n°7.414/2003
–Ceará: Lei Estadual n°14.198/2008
–Goiás: Lei Estadual n°16.316/2008
–Espírito Santo: Projeto de Lei nº51/2008
74
Eduardo A. C. Garcia

Muitos países em desenvolvimento continuam lutando com problemas básicos para


aumentar a produtividade dos insumos usados na agricultura. Boa parte da pesquisa
em países em desenvolvimento concentra-se em aumentar a produtividade da terra. A
maioria dos sistemas de pesquisa dos países em desenvolvimento dedica-se à
aplicação de testes experimentais básicos, para adaptação local de variedades, testes
com fertilizantes e pesticidas, ou à comparação de processos simples de produção.
Muitas instituições de pesquisa agropecuária não dominam a disciplina de
delineamento experimental, impedindo que seus experimentos permitam análises
econômicas rigorosas. Dessa forma, raramente são avaliados os impactos econômicos
dos resultados experimentais. O que a sociedade mais cobra dessas instituições são
respostas para lidar com problemas relacionados à sustentabilidade da capacidade de
produção e à conservação do meio ambiente. São instigados, também, a estudar
problemas de redução da pobreza rural, da segurança alimentar e assuntos
congêneres. Pede-se que eles avancem em uma espiral científica ascendente, quando
não foram capazes nem mesmo de fechar o elo do primeiro círculo na base da espiral.
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas
75

Há ainda outro desafio a ser enfrentado, qual seja, eles têm de aprender a atuar em
parceria com outros atores, os políticos, que são as pessoas que tomam decisões.
A questão aqui é saber como se poderia ajudar
pesquisadores e políticos a se comunicarem.
O problema tradicional da pesquisa, que é o
de encontrar formas de aumentar a produtividade agrícola, é simples se comparado
com os desafios
de manter e melhorar o potencial produtivo para as
gerações futuras e conservar a qualidade do meio
ambiente, além de aliviar a pobreza e melhorar
a segurança alimentar. É muito grande a complexidade
dos dados e das análises necessárias para
gerar as informações que embasarão decisões de
políticas sobre manejo de recursos naturais.
Há dois obstáculos para desenvolver um
mecanismo autorregulável de comunicação entre
pesquisa e política. O primeiro é que os tomadores
de decisões políticas e os pesquisadores precisam
aprender a se comunicar, evitando incompreensões
de lado a lado. O segundo é que mudanças
de políticas tomam tempo, e muitas das variáveis
envolvidas na decisão são incertas. Esta nota discutirá
os dois obstáculos resumidamente.
Aprendendo a trabalhar juntos
A capacidade de tomadores de decisões
políticas e de pesquisadores de se comunicarem
pode explicar, em parte, porque alguns sistemas
nacionais de pesquisa agropecuária têm sido
bem-sucedidos e outros não. Quando os tomadores
de decisões políticas têm interesse genuíno
no sistema de pesquisa de seus países, o sistema
provavelmente atende melhor às necessidades de
todos os interessados na pesquisa. Nesse caso, a
pesquisa agropecuária passa a ser um instrumento
útil e confiável para o avanço da sociedade.
Várias questões contribuem para o problema de
comunicação, a saber:
Diferença de foco – Políticos e pesquisadores
necessitam de respostas diferentes a um mesmo
problema. Se a natureza analítica da pesquisa leva
os pesquisadores a focar em aspectos muito específicos
e a produzir, consequentemente, respostas
76
Eduardo A. C. Garcia

igualmente específicas, os tomadores de decisões


políticas, em contrapartida, optam por soluções
amplas no ato da tomada de decisão. Um grande
problema para o pesquisador é que questões de
ordem política têm dimensão muito ampla para
a pesquisa manejar. Para que o trabalho de um
possa complementar o do outro, é preciso que
pesquisadores e tomadores de decisões reduzam a
brecha que os separam no momento de identificar
problemas e identificar soluções.
Diferença de objetivos – Pesquisadores e
políticos buscam diferentes tipos de informações.
Pesquisadores querem soluções técnicas ótimas,
enquanto políticos procuram soluções factíveis,
social e politicamente. Cientistas querem o reconhecimento
da parte de seus pares; políticos
precisam de legitimação por parte de seus eleitores.
Este fato pode ser uma barreira importante
à comunicação. Apenas a prática paciente do
diálogo pode reduzir essa diferença.
Diferentes graus de urgência – Pesquisadores
encontram respostas a um problema
repetindo testes de hipóteses. Isso, normalmente,
toma tempo. Políticos são freqüentemente
obrigados a dar respostas imediatas a questões
urgentes. Assim, os tempos de um e de outro só
por acaso coincidirão. Por exemplo, quando um
problema é encaminhado a um pesquisador que
já possui conhecimento suficiente do assunto
e pode oferecer uma reposta, de imediato, ao
político, habilitando-o à tomada de decisão. A
questão aqui é que, enquanto os políticos julgam
que os pesquisadores têm informação suficiente
– ou, então, dominam mais informações do que
o indivíduo comum –, os pesquisadores, por
sua vez, acham que os políticos não conhecem
plenamente os problemas e, por isso, requerem
mito tempo para analisar todos os aspectos relacionados
a eles.
Distância entre a estação experimental e o
ministério – Pesquisadores e políticos costumam viver em “mundos” diferentes; por
esse motivo,
têm poucas oportunidades de convivência. Para
alguns pesquisadores, os cientistas não devem
se envolver com política, sob a alegação de
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas
77

que os cientistas aceitam apenas a “verdade”,


contrapondo-se aos políticos, que teriam, segundo
julgamento do cientista, visão diferente sobre
a “verdade”. Políticos, por seu turno, pensam
que os pesquisadores são pessoas desligadas da
realidade e, nessa condição, tratam os assuntos
de pesquisa com enfoque demasiadamente acadêmico
e de maneira pouco prática. Essa visão
distorcida que fazem uns dos outros prejudica
enormemente a cooperação entre eles. Ainda assim,
acredito que há esperança. Se pesquisadores
e tomadores de decisão aprenderem a trabalhar
juntos, eles descobrirão o quanto precisam e dependem
um do outro. Eles verão como a ciência
pode enriquecer a formulação de políticas, como
a ciência pode ser apoiada por uma boa política.
Essa cooperação levará tempo para se efetivar e
envolverá custos, mas os custos para aprender a
se comunicar e a colaborar – a assim chamada
curva de aprendizagem – são uma função decrescente
do tempo gasto trabalhando juntos.
Quando os resultados, em termos de melhores
decisões de política e maior reconhecimento do
trabalho dos pesquisadores, tornarem-se visíveis,
os custos da colaboração cairão rapidamente.
Aprendendo a lidar com a incerteza
Embora, na vida diária, as pessoas tomem
muitas decisões em situações de risco ou de incerteza,
a maioria delas sequer se dá conta disso,
ou então as consequências dos seus atos não são
bastante importantes para elas se preocuparem
com risco ou incerteza. As decisões tomadas sob
o efeito de risco ou de incerteza em geral não são
baseadas na análise cuidadosa do problema, isto
é, que envolva uma análise de ações alternativas
e de situações passíveis de ocorrer no futuro, ou
uma avaliação de ganhos e perdas associados a
cada curso de ação para cada situação futura.
Mesmo em uma situação de risco e incerteza, as
pessoas não costumam especificar os problemas considerando, claramente, essas
possibilidades.
É importante, entretanto, que pesquisadores e tomadores de decisão aprendam a
analisar problemas dessa maneira, de modo que possam fazer o melhor uso de
qualquer informação, mesmo incompleta, evitando, assim, uma quebra improdutiva
78
Eduardo A. C. Garcia

de comunicação decorrente das diferenças de perspectiva, da quantidade de


informação e do grau de urgência.
Pesquisadores podem, mas com algum constrangimento, fazer recomendações sobre
políticas, porque sabem não estar lidando com dados precisos sobre o futuro. Eles se
sentiriam mais confiantes se instados a descrever um problema em termos de um
continuum de risco e incerteza, e se os políticos entendessem que as
informações que lhe são dadas são, no mínimo, baseadas em probabilidades.
Economistas costumam analisar problemas utilizando um modelo chamado teoria dos
jogos, que é um modelo de cooperação ou conflito sob incerteza. Políticos
e pesquisadores terão de aprender a usar a teoria dos jogos, e a institucionalização
desse enfoque pode ajudá-los a melhorar o ambiente e a sustentabilidade para a
formulação de políticas.
Identificar os meios de melhorar a colaboração entre pesquisadores e tomadores de
decisões é tarefa espinhosa. Como já foi dito, são muitos os problemas implicados
nessa colaboração, como dificuldades de comunicação, necessidade de prontidão de
soluções e as diferentes formas de exposição de problemas e decisões. É claro que,
para cada área de conhecimento e para cada país, com seu povo e sua cultura, haverá
uma solução específica.
Durante esta semana de consultas, vamos examinar esse assunto com mais
profundidade.
Reunimos um grupo de praticantes de ciência e de política, a quem pedimos que
examinem a interface entre pesquisa agrícola e mudanças de política orientadas para a
gestão dos recursos naturais. Em nome do Serviço Internacional para
a Pesquisa Agrícola Nacional, tenho o prazer de dar as boas-vindas aos senhores, na
expectativa de assistir a uma série de apresentações e discussões muito interessantes
e produtivas.
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas
79
80
Eduardo A. C. Garcia

NOTAS

1
Os recursos naturais podem ser conceituados como os elementos naturais bióticos e abióticos de que
dispõe o homem para satisfazer suas necessidades econômicas, sociais e culturais.

2
Consumismo é o ato de consumir bens e serviços, muitas vezes de forma irracional e sem consciência,
sem responsabilidade social, induzido por meios como os da propaganda e publicidade, orientando-o
para um consumo desnecessário (esse ato, quando racional no consumo indispensável, é para aquilo
que seja necessário para a sobrevivência) e supérfluo.

3
Economicismo no sentido de reducionismo de fatos como os sociais à dimensão econômica ou como uma
ideologia que coloca a oferta e demanda como únicos fatores na tomada de decisões. Em ambos os
casos, pressupõe ou implica a sobrevalorização dos aspectos econômicos, relegando a planos inferiores
outros aspectos ou dimensões como a social e ambiental. Tal viés, em certo sentido, nega a essência da
própria economia como ciência de escolhas, sem excluir análises (p.ex., de custos e benefícios de
diferentes opções que possam melhorar políticas públicas e o bem-estar social) e impactos de quem
ganha e perde; de explicar (economia positiva) e justificar (economia normativa) mudanças: a
economia ensina: mudança por mudar é irrelevante ou nada representa.

4
Tecnicismo, entendido como a supervalorização e crença da autossuficiência da tecnologia em sua
capacidade de mudanças, negligenciado, em parte, o ator que passa a ser um simples aplicador de
procedimentos, técnicas e tecnologias. A criatividade, experiência e saber do agente (cliente que não é
alvo), no processo tecnicista, ficar restrito aos limites, - condições e exigências, do que se pretende
impor, invertendo-se a lógica do processo: atendimento ao alvo, com a tecnologia que possa interpretar
e se adaptar às condições e exigências desse cliente, com opções a serem complementas por outras. No
tecnicismo, é uma e necessária. Afastar-se do outro extremo, a tecnofobia.

5
Em outras oportunidades, tais respostas, inseguranças e instabilidades em relação ao meio ambiente e
seus recursos naturais não foram (até o início do novo milênio) tão imprevisíveis nem desprovidas de
intencionalidades danosas, como se verifica com a concentração de riquezas naturais por poucos, com
exclusão de benefícios de muitos e a socialização de custos de externalidades do crescimento
econômico, com a inclusão do passivo ambiental, no social. Um passivo de desmatamentos –
queimadas indiscriminadas, de erosões induzidas, tanto dos solos como as biológicas, de poluições, de
perdas de atributos dos recursos hídricos (...). São custos não-internalizados em sistemas contáveis das
fontes que o geraram e continuam gerando-o. A própria relação (real ou pretendida, causal ou não)
entre pobreza e degradação ambiental é intensificada pelo contínuo domínio de riqueza, de poder, de
privilégios de setores, de legislações omissas e tendenciosas carregadas dessas intencionalidades,
explícitas ou não. Até relações aceitas e círculos viciosos como os de pobreza-degradação são, em
parte, intencionais. Se o pobre agride-degrada o meio ambiente porque não tem acesso a outras terras
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas
81

limitadas por instrumentos legais, entre outros, os de posse; à água em condições de uso ou excluído
pela localização da fonte em terra particular; à tecnologia viável e operacional ou da tecnologia que o
marginaliza da competitividade por questões de escalas como as de produção e consumo; à informação
que valorize – potencialize seus saberes tradicionais; ao crédito oportuno e acessível, entre outras, o
faz pressionado por circunstâncias, para “assegurar” a sua sobrevivência. As forças externas dessa
pressão são, em parte, intencionadas. No texto se enfatiza a necessidade de buscar e entender as causas
do problema para não pretender, supor ou esperar, por exemplo, formar uma consciência social de
proteção, valorização e conservação em comunidades que lutam pela sobrevivência, sem considerá-las
em suas reais e efetivas necessidades, possibilidades e perspectivas. Nesse ambiente, tal formação é
utópica ou muito limitada porque não se pode supor e esperar a conscientização em alicerces de
escombros de pobreza e miséria, de desertificações socioculturais e econômicas que precisam de
soluções antes de reflexões filosóficas: conscientização. Parte dessa conscientização está na
informação para a educação e na responsabilidade social do empresário, do tomador de decisão, do
legislador, do político.

6
Contudo, é oportuno citar algumas ações, tal vez inadvertidas ou omissas em descrições históricas, que, a
pesar de terem motivações diferentes como as de proteção do comércio, resultaram benéficas para a
mata nativa. Assim, a proteção do meio ambiente, que para a maioria dos países é relativamente
recente, no Brasil é de longa data, com origem no período colonial. As Ordenações Manuelinas,
durante no reinado de D. Manuel I, o Venturoso (1495 – 1521), estabeleceram o escambo do “pau-
brasil” (Caesalpinia achinata, Lma.; Leguminosae), com penas de degredos aos contraventores, em
cerca de 200 delitos, entre eles cortar árvores de fruto. Essas Ordenações, junto com as Ordenações
Filipinas estabeleceram regras e limites para exploração e usos de terras, águas e vegetação com listas
de árvores reais, protegidas por lei, o que deu origem à expressão “madeira de lei”. As Ordenações
Filipinas são precursoras de princípios como o de proteção das águas ao fornecer o conceito de
poluição (GARCIA, 2009; em elaboração).

7
Planejamento como a aplicação sistemática de informações e conhecimentos para conceber, com a
necessária antecipação, o que deve ser feito, e para avaliar, ex –antes, cursos de ações alternativas de
um processo racional pelo qual se decide antecipadamente, o que deve ser feito, pela conveniência e
necessidade; quando fazer, pela oportunidade; como será feito, pela exequibilidade e efetividade
esperada de resultados; e qem o fará, pela habilidade e competrência, constituindo-se um elemento
crucial da teoria e da prática da administração. Em termos formais, compreende: a) uma reflexão sobre
eventos prováveis ou possíveis e cenários alternativos, de natureza econômica, social, ambiental,
institucional e política; b) uma base informacional “robusta” para sustentar essa reflexão e a definição
de objetivos e meios; c) a tomada de decisãoes que possam viabilizar a obtenção desses objetivos de
forma mais eficiente e rápida. Em sua forma reduzida, o planejamento é um instrumeno de gestão e
abordagem racional para a solução de problemas (dimensão ciêntifica, metodológica: analítico-
82
Eduardo A. C. Garcia

racional). Problemas complexos como o da luta contra a desertificação, mitigação de efeitos e convívio
com a seca não podem ser resolvidos com decisões simplistas, improvisadas ou aleatórias, a partir de
comportamentos reativos e intuitivos – empíricos, mas exigem detalhados desdobramentos do
problema em suas causas, interações e efeitos ordenados e hierarquizados; identificação de relações
funcionais, igualmente ordenadas; e remontagens de partes com o auxílio de técnicas de simulação,
dinâmica e riscos. Ainda com todos esses cuidados no desdobramento e remontagens, o planejamento,
com seus planos que refletem estágios de um processo, não garante o sucesso em alcançar os objetivos
com as ações preestabelecidas para criar um futuro desejado.

8
A gestão ambiental pode ser definida como intervenções que incorporam medidas necessárias à
otimização de benefícios econômicos e sociais e garantem a manutenção da qualidade e da
sustentabilidade de um ecossistema. Com frequência, as intervenções tem-se dados em ausência de um
plano integrado de gestão e a implementação de instrumentos como os de licenciamento e avaliação de
impactos (reativa), ocorrem sem essa necessária integração.

9
O declínio em longo prazo, na função e na produtividade de um ecossistema, ocorre quando se
modificam as características físicas, químicas e biológicas do solo por causa do esgotamento; quando
se dá a degradação da terra: do solo (por erosão, compactação e salinização); dos recursos hídricos
(perda da água de chuva, pouca ou nenhuma água na estiagem e perdas de quantidade e qualidade da
água); da vegetação (rala, menor porte e mais demorado crescimento); da biodiversidades (perdas de
atributos e menor capacidade de regeneração) por múltiplas e complexas causas, naturais e antrópicas
como a sobre-exploração e sobrepastoreio.

10
Essa Convenção é um instrumento de acordo internacional ratificado por países que estabelece diretrizes
para o combate à desertificação em escala global, constituindo-se uma referência importante para o
Brasil, conforme se constata no PAN-Brasil.

11
A Constituição Federal do Brasil de 1988 tratou o termo meio ambiente, no caput do artigo 225,
considerando que é dever do Poder Público e da coletividade preservar e conservar o meio ambiente,
pois ele é de uso e bem comum de todos os povos, essencial para qualidade de vida. Define-o como um
bem de uso comum do povo e determina ao Poder Público, bem como a toda a população, o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Na Lei no. 9.795, de 27 de abr. de 1999,
ao estabelecer a Política Nacional de Educação Ambiental, define o meio ambiente como o conjunto
de processos abióticos e bióticos existentes na terra passíveis da influência das ações humanas. Na
Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental, organizada pelas Nações Unidas e
UNESCO, em Tbilisi, Geórgia, em 1977, assinala que o conceito de meio ambiente compreende
elementos naturais e sociais criados pelo homem como os valores culturais, morais e individuais, além
de relações interpessoais no trabalho e em atividades de tempo livre.
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas
83

12
Tais como os de ordem física-natural: mudanças climáticas e perdas da diversidade biológica; e de
ordem humana: insensibilidade para considerá-lo, interesses econômicos imediatistas; pouca ou falta
de decisão e vontade política etc.

13
A Lei no. 9.433, de 8 de jan. de 1997, ao instituir a Política Nacional de Recursos Hídricos e criar o
Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, considera, entre outros instrumentos, a
cobrança do uso de recursos hídricos (art. 19), com os objetivos de “reconhecer a água como bem
econômico e dar ao usuário uma indicação de seu valor” e “incentivar a racionalização do uso da
água”. Define, na fixação do valor a ser cobrado, o volume retirado em derivações, captações e
extrações e o regime de variação da disponibilidade de água na fonte. Considera, também, o
lançamento de esgoto e demais resíduos líquidos ou gasosos, o volume lançado, seu regime de
variação, as características físicas, químicas e biológicas e a toxicidade do efluente.

14
Há proposições, critérios e conceitos, quanto à avaliação ambiental, que é preciso considerar, tanto na
perspectiva técnica e tecnológica – científica, quanto prática – operacional. A relação que segue
sintetiza alguns deles: a) considerar todos os possíveis impactos de intervenções: além da
impossibilidade de previsão, colocam-se questões como as de incertezas e racionalidade na tomada de
decisão; os impactos podem ser diferentes em suas causas e efeitos e devem ser ordenados,
classificados e hierarquizados conforme determinadas referência; b) cada avaliação é distinta em
função de especificidades de fatores e condições; há, contudo, fatores comuns de pressão e lições de
um local que podem testadas e adequadas para outros, evitando-se redundâncias, possibilitando fazer
previsões com níveis de confiabilidade razoável; c) a necessidade de elaboração de diagnósticos em
cada caso, com poucas contribuições quando entendidos e elaborados como inventários; a questão é de
qualidade e capacidade desses estudos fornecerem dados consistidos de estados e evoluções possíveis
de serem sintetizados em indicadores abióticos, bióticos e socioeconômicos, de acompanharem
dinâmicas e tendências; d) estudos descritivos a serem integrados mediante abordagens sistêmicas para
o entendimento de processos; a questão se coloca na qualidade do fator que se analisa e no ajuste do
sistema que está operando para se ter uma indicação consistente de como ele operaria sob outras
circunstâncias: fatores de risco e simulação de estudos prospectivos que possam ampliar ou flexibilizar
a capacidade de “modelos” complexos de sistemas para situações nem sempre bem definidas e
comportadas; e) qualquer “bom” estudo técnico-científico é suficiente para o suporte à tomada de
decisões; no texto se coloca a contribuição da pesquisa e ciência – tecnologia como instrumento
importante, porém não suficiente; é preciso que esse instrumento considere a diversidade de interesses
e objetivos de diferentes segmentos sociais, a vontade e decisão política, as escalas e níveis de
abordagens transdisciplinares; f) a divisão e estruturação geopolítica e institucional não são
norteadores suficientes, apesar de seus domínios na conformação de planos e recursos; a natureza e
seus domínios obedece a outros critérios, com frequência não-compatíveis com divisões geoplíticas; g)
as avaliações eliminam incertezas; é preciso entender que a incerteza é um fator dominante e que as
84
Eduardo A. C. Garcia

avaliações poderão reduzi-las a fatores de riscos com possibilidades de se ter um melhor controle e
suporte à tomada de decisões; h) a análise com abordagens sistêmicas assegura a seleção de melhores
alternativas de ações em planos; no campo tecnológico – científico e nas abordagens sistêmicas, de
simulação, dinâmica e risco apenas se tem aproximações tanto mais confiáveis quanto sejam as
representações de atributos e componentes; daí a necessidade e destaque do dado e do indicador na
gestão integrada.

15
A falta de um plano de desenvolvimento sustentável para a região não significa desconsiderar outras
referências por vezes limitadas a programas, setores ou atividades, porém importantes. É possível
encontrar em áreas como as de saúde pública, segurança alimentar, agricultura familiar e educação,
diretrizes e instrumentos que podem auxiliar as diretrizes e instrumentos de planos de combate à
desertificação e convívio com a seca. Troca de informações e, em especial, lições e experiências de
comunidades podem ser importantes referências para melhorias.

16
Entenda-se por transparência a adoção de preceitos básicos do direito administrativo, adotados na
administração pública, direta e indireta, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, relativos aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade, proporcionalidade e eficiência. São princípios relevantes [e com efetividade quando
sustentados em critérios de exequibilidade técnico-científica e operacional] para alcançar uma clara
definição de interesse público e, em especial (para o caso considerado nesta publicação), para buscar e
assegurar a participação da comunidade [condição: informação e educação] na tomada de decisões em
aspectos como são os de convivência com a seca, possibilitando um maior grau de correspondência
entre as demandas sociais [ordenadas e hierarquizadas] e as estratégias e ações que se definem em
instrumentos como os de políticas públicas, leis e planos: uma questão de legitimidade do uso do
poder. A utilização dos princípios da publicidade, motivação e participação popular apontam para a
transparência a orientar todas as atividades.

17
A relação homem – natureza, com pontos críticos, conflitosa em alguns casos e complexa em geral,
compreende sucessivos aportes de culturas, organizações sociais e saberes, influenciado e sendo
influenciados pela natureza. A lógica e entendimento contextualizado dessas interações são
importantes na formulação de planos para a convivência som a seca em zonas semiáridas. Os san do
Kalahari e aborigens autralianos, os tuaregs e beduínos do norte da África, os semíticos e camíticos do
Oriente Médio, os mongóis da estepa, os watussi da savana, os chihuahuas e apaches do México, os
chimus paracas e moches do Peru, etc., são, entre outras civilizações que nasceram, adaptaram-se e se
desenvolveram em meios caracterizados pela escassez de água, exemplos de povos que adaptaram seus
estilos de vida às condições do ambiente, demonstrando grande capacidade inventiva de resolverem
seus problemas. Recentemente, comunidades como as israelitas em condições próximas as do deserto,
mediante mudanças tecnológicas adequadas às condições, adaptam-se e utilizam os recursos da terra.
O processo de desertificação é o resultado do empobrecimento de uma cultura material, do afastamento
Desertificação no Nordeste: subsídios para a formulação de políticas públicas
85

de leis naturais e da alienação de comunidades que perdem a capacidade de conhecimento e controle


do meio ambiente. Como corolário dessa definição se tem: a solução ao problema da degradação dos
recursos da terra que leva à desertificação passa necessariamente pelo enriquecimento da cultura
material, pelo conhecimento e observância de leis naturais e pela reorientação para fundamentar as
atividades na capacidade de suporte ambiental e na proteção e recuperação de ambientes. Essa
passagem destaca a recuperação, avaliação e potencialização de saberes tradicionais, incorporando-os
em planos e políticas de prevenção e controle da degradação. Ao longo dessa passagem se rompem
círculos viciosos como o de pobreza – degradação e seu efeito de exclusão social, pressupondo-se que
a solução seja a de melhorar, para esses pobres e excluídos, as condições de integração no sistema
socioeconômico dominante; os pobres, sem recursos nem capacidades, sem conhecimentos nem
habilidades (...) precisariam ser integrados. Trata-se de uma visão parcial que precisa compreender
outros elementos, outras referências quando se valorizam experiências, saberes e convivências.

18
Um dos índices mais utilizados e reconhecidos para a qualificação da seca é o Índice de Severidade de
Seca de Palmer (PALMER, 1965), que tem como argumentos, em sua definição, o total de precipitação
requerida para manter uma área em um determinado período sob condições estável da economia. Esse
total depende da média de ocorrência de fatores meteorológicos e das condições meteorologias dos
meses precedentes. Tem como base as estimativas de médias históricas de evapotranspiração, recarga
de água no solo, escoamento superficial e umidade do solo.

19
No contexto da Política Nacional da Biodiversidade, o conceito de conservação se define em
consonância com a Convenção sobre Diversidade Biológica, com um sentido próximo ao do conceito
de preservação, de proteção. Assim, na forma in situ significa conservação de ecossistemas e habitats,
bem como a manutenção e recuperação de populações viáveis de espécies em seus meios; no caso de
espécies domesticadas ou cultivadas, nos meios onde tenham desenvolvido suas propriedades
características: o sentido de racionalidade de uso. Em outro contexto como os de unidades de
conservação, o conceito tem o sentido de manejo de recursos naturais.

20
Segundo a Lei 6.938, de 31 de ago. de 1981, os recursos ambientais compreendem a atmosfera, as águas
interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da
biosfera, a fauna e a floras.

21
Essa nova agenda da terra a ser acordada na 15ª. Conferência das Partes da Convenção das Nações
Unidas de Combate à Desertificação, em Copenhague, em dez. 2009, deverá enfatizar, conforme se
indica neste documento, a compreensão do problema e o tratamento e procura de soluções com ações e
estratégias para melhorar a subsistência de mais de dois bilhões de pessoas que vivem em zonas áridas,
semiáridas e subúmidas secas do mundo; considerar o problema da degradação dos recursos da terra e
seus nexos com outros problemas que levam à desertificação. Parte do desafio para o entendimento da
86
Eduardo A. C. Garcia

crise ambiental, nessa melhoria, está na mensurabilidade de causas (e efeitos) e interações da


desertificação e na síntese do processo, mediante indicadores. Outra parte está na abordagem da
mudança climática e seus efeitos, especialmente notáveis em zonas vulneráveis como são as de terras
secas; para alguns, as mudanças climáticas e a degradação do solo, são dois lados de uma mesma
moeda e, portanto, aspectos que devem ser considerados conjuntamente em políticas públicas. Há
outra parte, nessa nova agenda da terra, que se refere às parcerias e empenhos institucionais de
combate à desertificação pelo tratamento de fatores causais da degradação de ambientes e recursos da
terra e pela procura de ações que possam mitigar efeitos de impactos das secas e .

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