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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ - UFPA

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS - IFCH


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA POLÍTICA
MESTRADO EM CIÊNCIA POLÍTICA

Stanley Botti Fernandes

RESUMO DO TEXTO “PARA AMPLIAR O CÂNONE DEMOCRÁTICO” de


Leonardo Avritzer e Boaventura de Sousa Santos

Belém – Pará
Junho de 2009
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1. Introdução
Os autores começam o texto afirmando que a democracia assumiu um lugar central no
campo político durante o século XX, seja de um ponto de vista mais otimista ou pessimista.
Segundo os autores, dois debates principais envolveram o tema da democracia. O primeiro
deles diz respeito à desejabilidade da democracia como forma de governo, pensamento este
que triunfou no Ocidente, mas que após as guerras mundiais, converteu-se numa forma
hegemônica consistente no consenso em torno de um procedimento eleitoral para a formação
de governos (Schumpeter, 1942).
Outro debate que se estabeleceu ao cabo das guerras mundiais dizia respeito às condições
estruturais da democracia, que foi também um debate sobre a compatibilidade ou
incompatibilidade entre a democracia e o capitalismo. Moore introduziu uma tipologia de
acordo com a qual se poderia indicar países com propensão democrática e países sem essa
propensão. Por outro lado, Przeworski, afirmava que na tensão entre o sistema de produção
capitalista e a democracia, resolver-se-ia em favor da democracia, colocando limites à
propriedade privada e implicando ganhos distributivos para os setores sociais desfavorecidos.
Os autores afirmam que a última década do século XX mudou os termos do debate
democrático do pós-guerra. Apresentam a crítica feita por Amartya Sem, segundo a qual a
questão não é a de saber se um dado país está preparado para a democracia, mas antes partir
da idéia de que qualquer país se prepara através da democracia. Por outro lado, a falência do
Estado-Providência e o corte nas políticas sociais parecem não confirmar as análises de
Przeworski acerca dos efeitos redistributivos irreversíveis da democracia. Assim, o debate
sobre as condições estruturais da democracia estaria em aberto novamente.
Segundo os autores uma discussão relacionada ao significado estrutural da democracia
diria respeito ao problema da forma da democracia e da sua variação. Existiria, assim, uma
concepção hegemônica de democracia, cujos principais elementos seriam: contradição entre
mobilização e institucionalização; valorização positiva da apatia política, concentração do
debate nos desenhos eleitorais, o tratamento do pluralismo como forma de incorporação
partidária e disputa entre as elites e a solução minimalista ao problema da participação pela
via da discussão das escalas e da complexidade.
Os autores afirmam que a expansão global da democracia liberal gerou uma crise nos
países onde mais se tinha consolidado, consistente em duas patologias: a patologia da
participação (aumento do abstencionismo) e a patologia da representação (os cidadãos
considerando-se cada vez menos representados).
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Os autores apontam, ainda, a variação na prática democrática, rompendo com as


adjetivações do pós-guerra. Além disso, paradoxalmente, o processo de globalização deu
ênfase nas democracias locais e nas variações da forma democrática no interior do Estado.
Deste modo, haveria uma tripla crise de explicação democrática tradicional:
1) Crise do marco estrutural de explicação da possibilidade democrática;
2) Crise da explicação homogeneizante sobre a forma democrática;
3) Nova propensão para se examinar a democracia local e a possibilidade de variação no
interior dos Estados nacionais a partir da recuperação de tradições participativas
solapadas no processo de construção de identidades nacionais homogêneas.
Considerando que o debate sobre a democracia no século XX ficou preso à duas formas
hegemônicas, a saber, a visão do abandono do papel da mobilização social e da ação coletiva
na construção democrática, bem como a sobrevalorização do papel dos mecanismos de
representação, os autores pretendem propor um itinerário contra-hegemônico para o debate
democrático, resgatando o que ficara nas entrelinhas desse debate nesse período.
2. A concepção hegemônica da democracia na segunda metade do século XX
As concepções de democracia na segunda metade do século XX estão relacionadas com a
resposta dada a três questões: a da relação entre procedimento e forma; a do papel da
burocracia na vida democrática; e a inevitabilidade da representação nas democracias de larga
escala.
2.1 Democracia como forma
A democracia como forma foi uma resposta dada às críticas feitas pela teoria marxista.
Hans Kelsen criticara a idéia de que a democracia poderia corresponder a um conjunto de
valores e uma forma única de organização política. Os autores atribuem a Bobbio e
Schumpeter o prosseguimento das idéias kelsenianas.
Schumpeter parte do questionamento da idéia de uma soberania popular forte associada a
um conteúdo de sociedade proposta pela doutrina marxista. Schumpeter toma uma
preocupação procedimental com as regras para a tomada de decisão e transforma-a num
método para a constituição de governos. Para os autores, Bobbio daria o passo seguinte ao
transformar o procedimentalismo em regras para a formação do governo representativo. O
procedimentalismo não daria conta de duas questões, a saber, se as eleições esgotam os
procedimentos de autorização por parte dos cidadãos e se os procedimentos de representação
esgotam a questão da representação da diferença.
2.2 Papel da burocracia
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Max Weber inaugurou essa linha de questionamento da teoria clássica da democracia ao


colocar a inevitabilidade da perda de controle sobre o processo de decisão política e
econômica pelos cidadãos e seu controle crescente por formas de organização burocrática.
Haveria uma tensão entre soberania crescente (controle dos governos pelos governados) e
soberania decrescente (controle dos governados pela burocracia).
Com a institucionalização do Welfare State a discussão sobre a desejabilidade do
crescimento da burocracia foi mudando de tom e adquirindo uma conotação positiva. Para
Bobbio a opção pelo Estado de bem-estar social implica em abrir mão do controle sobre as
atividades políticas e econômicas por ele exercidas em favor de burocracias privadas e
públicas. A crítica feita a essa corrente é que as formas burocráticas são monocráticas e
advogam soluções homogeneizantes para os problemas, que, na realidade atual, exigem cada
vez mais soluções plurais.
2.3 A representação como única forma possível nas democracias de grande escala
A justificação da representação assenta na questão da autorização. Dois pilares sustentam o
argumento da autorização: o primeiro deles diz respeito ao consenso como mecanismo
racional de autorização. O segundo é relativo à capacidade das formas de representação de
expressar as distribuições das opiniões na sociedade. Essa concepção da democracia fez com
que o debate tivesse sido centrado no papel dos sistemas eleitorais.
Embora a representação seja considerada pelos autores como positiva em virtude de
facilitar o exercício da democracia em escala ampliada, ressaltam que ela dificulta a resolução
de duas outras questões: a da prestação de contas e a da representação de múltiplas
identidades.
As concepções não-hegemônicas de democracia na segunda metade do século XX
Simultaneamente ao desenvolvimento da concepção hegemônica, surgiu um conjunto de
concepções que os autores chamam de contra-hegemônicas. A maioria destas concepções não
rompeu com o procedimentalismo kelseniano – mantiveram a resposta procedimental ao
problema da democracia, vinculando procedimento como forma de vida e entendendo a
democracia como forma de aperfeiçoamento da convivência humana. Negam as concepções
substantivas de razão e as formas homogeneizadoras de organização da sociedade,
reconhecendo a pluralidade humana. Esse reconhecimento, no entanto, parte de dois critérios:
a ênfase na criação de uma nova gramática social e cultural e o entendimento da inovação
social articulada com a inovação institucional, i.e., com a procura de uma nova
institucionalidade da democracia.
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Essa concepção não pensa as determinações estruturais para a constituição dessa nova
gramática, como pensava Barrington Moore. Seu propósito é perceber que a democracia é
uma forma sócio-histórica e que tais formas não são determinadas por leis naturais.
Jürgen Habermas foi o autor que abriu o espaço para que o procedimentalismo passasse a
ser pensado como prática societária e não como método de constituição de governos.
Habermas propôs dois elementos no debate democrático contemporâneo. O primeiro deles diz
respeito à uma condição de publicidade capaz de gera uma gramática societária. As normas só
seriam legítimas com o assentimento de todos os indivíduos participantes de um discurso
racional. Para os autores, ao postula um principio de deliberação amplo, Habermas recoloca
no interior da discussão democrática um procedimentalismo societário e participativo. Ex.:
orçamento participativo.
O segundo elemento proposto por Habermas é o papel de movimentos societários na
institucionalização da diversidade cultural. Partindo das idéias de diversos autores de que a
política envolve uma disputa sobre um conjunto de significações culturais, os movimentos
sociais estariam inseridos em movimentos pela transformação de práticas dominantes, pelo
aumento da cidadania e pela inserção de atores sociais excluídos no interior da política.
Nesse sentido, os autores afirmam que a redemocratização no hemisfério Sul não passou
pelo desafio de limites estruturais da democracia. O que ela fez, ao inserir novos atores na
cena política, foi instaurar uma disputa pelo significado da democracia e pela constituição de
uma nova gramática social. Assim, observou-se que a redemocratização: recolocou no debate
democrático a questão da relação entre procedimento e participação societária; redefinição
sobre a adequação da solução não-participativa e burocrática ao nível local; as formas de
relativização da representatividade ou de articulação entre democracia representativa e
democracia participativa.
Democracia participativa no Sul no século XX
Nesta seção os autores tratam de como a concepção não-hegemônica de democracia se
estabeleceu em alguns países do hemisfério Sul. Os países trabalhados pelos autores foram
Portugal, Brasil, Colômbia, Moçambique, África do Sul e Índia.
Segundo os autores, a maioria destes países passaram por processos de transição ou de
ampliação democrática a partir dos anos 70. Até 1974 Portugal estivera sob o jugo da ditadura
fascista; Moçambique viveu sob o jugo colonial até 1975 a África do Sul sob o regime do
apartheid até o final dos anos 80, mesma década em que começava terminar no Brasil a
ditadura militar. A Colômbia, desde os anos 60, experimentara sucessivos estados de
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emergência e guerra civil. A única exceção foi a Índia, que permaneceu democrática durante
todo o período, apenas interrompido pela declaração de estado de emergência em 1977.
Além disso, juntamente com a ampliação da democracia ou sua restauração, houve também
um processo de redefinição do seu significado cultural ou da gramática societária vigente, isto
é, houve uma tentativa de disputa pelo significado de determinadas práticas políticas, por uma
tentativa de ampliação da gramática social e de incorporação de novos atores ou de novos
temas na política.
Exemplos dados pelos autores nos países:
País Prática
Portugal Direito ao lugar (habitação)
Moçambique Participação feminina na política
Brasil Direito a ter direitos
Colômbia Cocaleiros – reconhecimento
África do Sul Novas formas de identidade e solidariedade depois do apartheid.
Índia Movimentos Sociais – ideais participativos e de solidariedade social

Os autores apontam um traço em comum ocorrido nestes países: os atores que implantaram
as experiências de democracias participativas colocaram em questão uma identidade que lhes
fora atribuída externamente por um Estado colonial ou por um Estado autoritário e
discriminatório.
Em síntese, os autores procuram demonstrar nessa seção que os processos de libertação e
os processos de democratização partilham um elemento em comum: a percepção da
possibilidade da inovação entendida como participação ampliada de atores sociais de diversos
tipos em processos de tomada de decisão. Em geral, estes processos implicam a inclusão de
temáticas até então ignoradas pelo sistema político, a redefinição de identidades e pertenças e
o aumento de participação, principalmente ao nível local.
As vulnerabilidades e ambigüidades da participação
Os autores abrem esta seção argumentando que as sociedades capitalistas, principalmente
dos países centrais, consolidaram a concepção hegemônica de democracia e tentaram
estabilizar as tensões entre democracia e capitalismo, através de dois meios: pela prioridade
conferida à acumulação do capital em relação à redistribuição social e pela limitação da
participação cidadã, com o objetivo de não sobrecarregar o sistema democrático com
demandas sociais que pudessem colocar em risco a acumulação do capital.
Com os processos de descolonização e redemocratização nos países do Sul o problema da
extensão da democracia se colocou a estes países, que foram confrontados com a concepção
hegemônica de que a nova gramática de inclusão social seria um excesso de demandas.
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Assim, a vulnerabilidade e ambigüidades da participação consistiriam, para os autores, no


combate aos processos de participação por via da cooptação ou da integração.
Exemplos dados pelos autores nos países:
País Prática
Portugal Planejamento urbano: os interesses de atores hegemônicos encontraram
novas formas de prevalecer.
Moçambique O aumento da participação feminina na política contribuiu para consolidar a
dominação masculina.
Brasil Filantropia: para os consumidores e empregados da própria empresa.
Colômbia Atores sociais se posicionaram contra a pacificação do espaço político e
contra a ampliação da participação e dos direitos. O desencanto pela política
levou à judicialização das demandas sociais.
África do Sul Desencorajamento: a democracia representativa garantia a representação
dos diferentes interesses sociais.
Índia Não mencionada pelos autores.

Portugal – as formas de participação são desqualificadas ao final de um processo de


disputa pela hegemonia da forma democrática no qual as forças conservadoras conseguem
impor o seu modelo.
Colômbia – as formas de participação não se deslegitimam, mas tampouco conseguem se
impor como modelo alternativo devido a reação dos setores conservadores.
Moçambique – verifica-se a necessidade de uma pluralização da própria gramática política
para que a pluralidade da sociedade possa ser assimilada pela democracia.
Brasil – as formas de participação podem fazer parte de um processo de cooptação, como
parece ser o caso da noção de público utilizada por associações de filantropia empresarial,
mas representam, fundamentalmente, uma inovação capaz de gerar modelos contra-
hegemônicos de democracia.

As potencialidades da participação
Os autores afirmam que o Brasil e a Índia são os países nos quais as potencialidades da
democracia participativa mais claramente se manifestam.
Brasil – a Constituição incorporou novos elementos culturais surgidos ao nível da
sociedade, na institucionalidade emergente, abrindo espaço para prática democrática
participativa (Ex.: participação de associações no planejamento urbano, na saúde;
instrumentos como a iniciativa popular).
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Os autores citam o caso no Brasil do Orçamento Participativo. Citando Santos, os autores


elencam 3 características do OP: 1) participação aberta a todos os cidadãos; 2) combinação de
democracia direta e representativa; 3) alocação de recursos para investimentos com base em
critérios gerais e técnicos.
Esses princípios gerais se traduzem em três formas de institucionalidade: 1) assembléias
regionais abertas a todos os cidadãos; 2) princípios de distribuição capazes de reverter
desigualdades preexistentes, que antecedem os processos de deliberação; 3) existência de um
conselho que compatibiliza o processo de participação e o poder público.
O OP permite a participação de um processo de negociação e deliberação sobre prioridades
na distribuição de bens públicos a nível local. Além disso, articula a democracia com uma
nova gramática social, que no caso do OP tem dois elementos: distribuição justa de bens
públicos e negociação democrática do acesso a esses bens entre os próprios atores sociais.
Os autores argumentam que desde que foi implantado no Brasil, o OP foi adotado por 140
gestões municipais, a grande maioria (127) em cidades com mais de 500.000 habitantes, o que
demonstraria o potencial de extensão de experiências democráticas participativas.
Índia – Sheth mostra que até os anos 60 os movimentos políticos e sociais atuaram em
espaços pequenos e estagnados na periferia da política eleitoral e partidária, mas depois
encontraram novos espaços de atuação. No entanto, as suspeitas de que esses movimentos são
portadores de valores negativos e anti-desenvolvimentistas fez com que a articulação de
democracia representativa com democracia participativa só ocorresse em determinados
contextos, como o de Kerala.
Os autores apresentam duas formas de democratização do sistema político indiano. O
primeiro deles é uma forma de democracia local baseada na ruptura ao nível da própria
sociedade com uma gramática de exclusão, pois ali a infra-estrutura associativa não reproduz
o padrão dominante de organizações religiosas e de castas que fomentam a cultura da
desigualdade.
Essa ruptura com as formas restritas de democracia a nível local ocorre primeiramente na
sociedade civil e depois é ampliada para a sociedade política através dos sistemas dos
Panchayats1. A Campanha Popular pelo Planejamento Descentralizado foi responsável pela
transferência de capacidade deliberativa aos panchayats, entre elas os poderes de decisão em
relação a 40% do orçamento do Estado. A transferência de deliberação para o nível local

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Os panchayats são conselhos eleitos localmente apoiados pelo governo da Índia e consistem, em geral, na "alta
casta" dos homens.
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implicou um processo de mudança qualitativa da participação e da deliberação e seminários


de coleta de informação e planejamento.
A segunda forma de aprofundamento da democracia indiana está relacionada também à
mobilização da população ao nível local. Segundo os autores, são movimentos para forçar os
governos a agir de forma mais honesta e eficiente, realizando-se através de audiências
públicas e tribunais populares que têm como objetivo criar constrangimentos políticos e
sociais para os governos locais.
Segundo os autores, tanto na Índia como no Brasil as experiências mais significativas de
mudança na forma da democracia têm sua origem em movimentos a nível da sociedade que
questionam as práticas sociais de exclusão através de ações que geram novas normas e novas
formas de controle do governo pelos cidadãos.
Em seguida os autores estabelecem semelhanças e diferenças entre os fenômenos de
democratização da democracia no Brasil e na Índia:
Semelhanças
Surgem de um processo de renovação ao nível da sociedade.
Foi preciso que um movimento político partidário abrisse mãos de prerrogativa de
decisão em favor das formas de participação.
A proposta de participação envolveu um processo de elaboração de regras complexas de
participação em ambos os casos.

O que os autores mais chamam atenção é: o caso brasileiro e o indiano surgem de


mudanças em práticas societárias introduzidas pelos próprios atores sociais; em segundo
lugar, eles resgatam tradições democráticas locais a princípio ignoradas pelas formas de
democracia representativa hegemônicas nesses países.

Os autores também apontam as diferenças nos dois processos:

Brasil Índia
O controle do PT sobre o OP é reduzido. O controle do Partido comunista é maior.
O OP descentraliza e democratiza apenas o Os recursos são transferidos para os próprios
processo de deliberação, mantendo nas mãos comitês dando margem a acusações de
da prefeitura o processo de implementação corrupção.
administrativa das decisões.

Assim, para os autores, os casos acima mencionados colocam para a prática democrática
contemporânea não só a inconclusividade do debate entre representação e participação da
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forma como sustentam as teorias hegemônicas da democracia, mas a necessidade de uma


nova formulação em relação a combinação entre essas diferentes formas de democracia.
Conclusão
Os autores concluem que a imaginação do possível para além do que existe só se realiza
através de horizontes emancipatórios, que se constituem em perguntas sobre a possibilidade
de ampliar o cânone democrático. Através dessa possível ampliação, o cânone hegemônico da
democracia liberal é contestado na sua pretensão de universalidade e exclusividade, abrindo-
se, assim, espaço para credibilizar concepções e práticas democráticas contra-hegemônicas.
Em seguida são apresentadas questões e respostas sobre o tema:
1. A perda da demodiversidade
Os autores entendem por demodiversidade a coexistência pacífica ou conflitual de
diferentes modelos e práticas democráticas. Nesse sentido, apontam o modelo liberal de
democracia como hegemônico, fomentado pelas exigências do Banco Mundial e do Fundo
Monetário Internacional como condição política para a concessão de empréstimos e ajuda
financeira.
Haveria dois fatores que refletem o caráter negativo da perda da demodiversidade pela
implantação hegemônica da democracia liberal. O primeiro diz respeito à justificação da
democracia. Para os autores, da feita que a democracia liberal coexiste numa sociedade global
multicultural, não pode exigir a aceitação universal de seus valores, circunscritos a uma
constelação cultural específica. Nesse sentido, os autores sugerem o diálogo intercultural que
daria legitimidade à hibridização cultural.
O segundo fator negativo da perda de demodiversidade diz respeito à distinção entre
democracia como ideal e democracia como prática. Ela foi introduzida para justificar a baixa
intensidade democrática dos regimes políticos instituídos quando comparados com os ideais
democráticos dos séculos XVIII e XIX.

2. O local e o global
Neste tópico os autores abordam as possíveis articulações transnacionais entre diferentes
experiências locais de democracia participativa ou entre essas experiências locais e
movimentos ou organizações transnacionais interessados na promoção da democracia
participativa. Para os autores, além de possibilitarem a aprendizagem contínua e recíproca,
essas articulações credibilizam e fortalecem as práticas locais pelo simples fato de
transformarem estas últimas em elos de redes e movimentos mais amplos e com maior
capacidade transformadora. Concluem que a força da globalização contra-hegemônica no
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domínio da ampliação e do aprofundamento da democracia depende em boa medida da


ampliação e aprofundamento de redes nacionais, regionais, continentais ou globais de práticas
locais.
3. Os perigos da perversão e da cooptação
Os autores afirmam neste tópico que as práticas de democracia participativa estão sujeitas
à cooptação por interesses e atores hegemônicos e, assim, serem pervertidas ao ponto de
legitimarem a exclusão social e a repressão da diferença. Sugerem que a aprendizagem e a
auto-reflexividade constantes são os remédios contra estes perigos que assaltam a democracia
participativa.
4. Democracia participativa e democracia representativa
Os autores revisam as idéias expostas de que o modelo hegemônico tem aceitado a
democracia participativa apenas na esfera local. Todavia, os autores apontam que esta solução
deixa intocado o problema das gramáticas sociais e oferece uma resposta geográfica para o
problema da combinação entre participação e representação.
Os estudos apresentados pelos autores mostram que existe um processo de pluralização
cultural e de reconhecimento de novas identidades que tem como conseqüência profundas
redefinições da prática democrática, redefinições essas que estão além do processo agregativo
próprio à democracia representativa.
Para os autores haveria duas formas de combinação entre democracia participativa e
democracia representativa: coexistência e complementaridade. A coexistência implica na
convivência em níveis diversos da democracia representativa a nível nacional e a democracia
participativa a nível local. A complementaridade pressupõe o reconhecimento pelo governo de
que o procedimentalismo participativo, as formas públicas de monitoramento dos governos e
os processos de deliberação pública podem substituir parte do processo de representação e
deliberação tais como concebidos no modelo hegemônico de democracia.
A coexistência seria um fenômeno mais ligado ao modelo hegemônico e a
complementaridade seria mais ligada ao modelo contra-hegemônico.
Teses para o aprofundamento da democracia
1. Pelo fortalecimento da demodiversidade;
2. Fortalecimento da articulação contra-hegemônica entre o local e o global;
3. Ampliação do experimentalismo democrático.

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