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O INSTANTE

CAPÍTULO 1

O instante
O virgíneo, o vivaz e o belo hoje.
MALLARMÉ
Teremos perdido até a memória de nosso encontro...
Mas nos reencontraremos,
para nos separarmos e nos encontrarmos de novo,
Ali onde os mortos se reencontram: nos lábios dos vivos.
SAMUEL BUTLER
I
A idéia metafísica decisiva do livro de Roupnel é esta: O tempo
só tem uma realidade, a do Instante. Noutras palavras, o tempo é
uma realidade encerrada no instante e suspensa entre dois nadas.
O tempo poderá sem dúvida renascer, mas primeiro terá
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de morrer. Não poderá transportar seu ser de um instante para
outro, a fim de fazer dele uma duração. O instante é já a solidão...
É a solidão em seu valor metafísico mais despojado. Mas
uma solidão de ordem mais sentimental confirma o trágico
isolamento do instante: por uma espécie de violência criadora,
o tempo limitado ao instante nos isola não apenas dos outros,
mas também de nós mesmos, já que rompe nosso passado mais
dileto.
Já no limiar de sua meditação – e a meditação do tempo
é a tarefa preliminar a qualquer metafísica –, eis, portanto, o
filósofo diante da afirmação de que o tempo se apresenta como
o instante solitário, como a consciência de uma solidão.
Veremos mais adiante como se reformarão o fantasma do passado
ou a ilusão do futuro; mas, antes de tudo, para bem compreender
a obra que vamos explicar, será necessário penetrarse
da total igualdade do instante presente e do real. Como poderia
o que é real escapar à marca do instante presente? Mas,
reciprocamente, como o instante presente deixaria de imprimir-
se no real? Se meu ser só toma consciência de si mesmo
no instante presente, como não ver que o instante presente
é o único domínio no qual se vivencia a realidade? Se tivéssemos
de eliminar nosso ser em seguida, seria necessário partir
de nós mesmos para provar o ser. Tomemos, pois, de início,
nosso pensamento e o sentiremos apagar-se incessantemente
contra o instante que passa, sem lembrança do que acaba de
nos deixar, sem esperar tampouco, porque sem consciência,
pelo que o instante subseqüente nos entregará. “É do presente,
e só do presente, que temos consciência”, diz-nos Roupnel.
“O instante que acaba de nos escapar é a mesma morte imensa
a que pertencem os mundos abolidos e os firmamentos extintos.
E o mesmo desconhecido temível contém, nas mes-
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mas trevas do futuro, tanto o instante que se aproxima de nós
como os Mundos e os Céus que ainda se ignoram.”1
E Roupnel acrescenta um argumento que vamos contestar
com o único intuito de acentuar ainda mais seu pensamento:
“Não há grau nessa morte que é tanto o futuro quanto o
passado”. Para reforçar o isolamento do instante, quase diríamos
que há graus na morte e que o que está mais morto que
a morte é o que acaba de desaparecer... De fato, a meditação
do instante nos convence de que o esquecimento é ainda mais
nítido porque destrói um passado mais próximo, da mesma
sorte que a incerteza é ainda mais emocionante porque colocada
no eixo do pensamento que vai vir, no sonho que solicitamos,
mas que sentimos já ser enganador. Do passado mais
distante, por efeito de uma permanência totalmente formal
que teremos de estudar, um fantasma algo coerente e sólido
poderá talvez retornar e viver, mas o instante que acaba de soar,
não o poderemos conservar com sua individualidade, como
um ser completo. É necessária a memória de muitos instantes
para fazer uma lembrança completa. Como o luto mais cruel
é a consciência do futuro traído e, quando sobrevém o instante
lancinante em que um ente querido fecha os olhos, imediatamente
se sente com que novidade hostil o instante seguinte
“assalta” nosso coração.
Esse caráter dramático do instante é talvez suscetível de
fazer pressentir sua realidade. O que gostaríamos de sublinhar
é que, nessa ruptura do ser, a idéia do descontínuo se impõe
de forma inconteste. Objetar-se-á talvez que esses instantes
dramáticos separam duas durações mais monótonas. Mas chamamos
de monótona e regular toda evolução que não exa-
1 Siloë, p. 108.
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minamos com atenção apaixonada. Se nosso coração fosse amplo
o bastante para amar a vida em seus pormenores, veríamos
que todos os instantes são a um tempo doadores e espoliadores
e que uma novidade recente ou trágica, sempre repentina,
não cessa de ilustrar a descontinuidade essencial do
Tempo.
II
Porém essa consagração do instante como elemento temporal
primordial só pode, evidentemente, ser definitiva se for
primeiro confrontada com as noções de instante e de duração.
Desde logo, apesar de Siloë não apresentar nenhum traço
polêmico, o leitor não pode deixar de evocar as teses bergsonianas.
Visto que neste trabalho nos propomos a tarefa de
confiar todos os pensamentos de um leitor atento, cumprenos
enunciar todas as objeções que nascem de nossas lembranças
dos temas bergsonianos. Aliás, é talvez opondo a tese de
Roupnel à de Bergson que compreenderemos melhor a intuição
que apresentamos aqui.
Eis, então, o plano que vamos cumprir nas páginas que se
seguem.
Lembraremos a essência da teoria da duração e desenvolveremos
o mais claramente possível os dois termos da oposição:
1) A filosofia de Bergson é uma filosofia da duração.
2) A filosofia de Roupnel é uma filosofia do instante.
Em seguida, buscaremos indicar os esforços de conciliação
que tentamos operar pessoalmente, mas não daremos nos-
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sa adesão à doutrina intermediária que nos reteve por um
momento. Se a delineamos, é porque ela acode muito naturalmente,
segundo parece, ao espírito de um leitor eclético e
porque pode retardar sua decisão.
Enfim, após uma exposição de nossos próprios debates,
veremos que, a nosso ver, a posição mais clara, mais prudente,
aquela que corresponde à consciência mais direta do tempo,
é ainda a teoria roupneliana.
Examinemos, pois, para começar, a posição bergsoniana.
De acordo com Bergson, temos uma experiência íntima
e direta da duração. Essa duração é mesmo um dado imediato
da consciência. Decerto ela pode ser subseqüentemente elaborada,
objetivada, deformada. Os físicos, por exemplo, com
todas as suas abstrações, fazem dela um tempo uniforme e sem
vida, sem termo nem descontinuidade. Entregam, então, o
tempo inteiramente desumanizado aos matemáticos. Penetrando
no pensamento desses profetas do abstrato, o tempo
reduz-se a uma simples variável geométrica, a variável por excelência,
doravante mais apropriada para a análise do possível
que para o exame do real. De fato, a continuidade é, para o
matemático, mais o esquema da possibilidade pura que o caráter
de uma realidade.
Então, para Bergson, o que é o instante? Nada mais que
um corte artificial que ajuda o pensamento esquemático do
geômetra. A inteligência, em sua inaptidão para seguir o vital,
imobiliza o tempo num presente sempre factício. Esse presente
é um mero nada que não consegue sequer separar realmente
o passado e o futuro. Parece, com efeito, que o passado
leva suas forças para o futuro, e parece também que o futuro
é necessário para dar passagem às forças do passado e que
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um único e mesmo impulso vital solidariza a duração. O pensamento,
fragmento da vida, não deve ditar suas regras à vida.
Totalmente imersa em sua contemplação do ser estático, do
ser espacial, a inteligência deve empenhar-se em não desconhecer
a realidade do futuro. Finalmente, a filosofia bergsoniana
reúne de forma indissolúvel o passado e o futuro. Assim,
é preciso tomar o tempo em seu bloco para tomá-lo em
sua realidade. O tempo está na própria fonte do impulso vital.
A vida pode receber ilustrações instantâneas, mas é a duração
que explica verdadeiramente a vida.
Evocada a intuição bergsoniana, vejamos de que lado, contra
ela, as dificuldades vão se acumular.
Eis, em primeiro lugar, uma repercussão da crítica bergsoniana
à realidade do instante.
Com efeito, se o instante é uma falsa cesura, o passado e
o futuro hão de ser bem difíceis de distinguir, porque são sempre
artificialmente separados. Cumpre, então, tomar a duração
como uma unidade indestrutível. Daí todas as conseqüências
da filosofia bergsoniana: em cada um de nossos atos, no
menor de nossos gestos, poder-se-ia apreender o caráter acabado
do que se esboça, o fim no começo, o ser e todo o seu
devir no impulso do germe.
Mas admitamos que se possa misturar definitivamente passado
e futuro. Nessa hipótese, uma dificuldade nos parece apresentar-
se para quem quer levar até o fim o emprego da intuição
bergsoniana. Tendo triunfado ao provar a irrealidade do
instante, como falaremos do começo de um ato? Que potência
sobrenatural, situada fora da duração, fará então o favor de
marcar com um signo decisivo uma hora fecunda que, para
durar, deve, apesar de tudo, começar? Como essa doutrina dos
começos, cuja importância veremos na filosofia roupneliana,
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há de permanecer obscura numa filosofia oposta que nega o
valor do instantâneo? Sem dúvida, para tomar a vida por seu
meio, em seu crescimento, em sua ascensão, tem-se toda a possibilidade,
com Bergson, de mostrar que as palavras antes e
depois encerram apenas um sentido de ponto de referência, já
que entre o passado e o futuro se segue uma evolução que em
seu sucesso geral se afigura contínua. Mas, se passarmos ao domínio
das mutações bruscas, em que o ato criador se inscreve
abruptamente, como não compreender que uma nova era
se abre sempre por um absoluto? Ora, toda evolução, na medida
em que é decisiva, é pontuada por instantes criadores.
Esse conhecimento do instante criador, onde o encontraremos
mais seguramente que no fluxo de nossa consciência?
Não é aí que o impulso vital se mostra mais ativo? Por que
tentar remontar a alguma potência surda e escondida que falhou
mais ou menos em seu próprio impulso, que não o concluiu,
que nem sequer o continuou, enquanto se desenrolam
sob nossos olhos, no presente ativo, os mil acidentes de nossa
própria cultura, as mil tentativas de nos renovar e de nos criar?
Voltemos, pois, ao ponto de partida idealista, concordemos
em tomar como campo de experiência nosso próprio espírito
em seu esforço de conhecimento. O conhecimento é, por
excelência, uma obra temporal. Tentemos, então, apartar nosso
espírito dos laços da carne, das prisões materiais. Tão logo o
liberamos, e na proporção em que o liberamos, percebemos
que ele recebe mil incidentes, que a linha de seu sonho se
quebra em mil segmentos suspensos a mil picos. O espírito,
em sua obra de conhecimento, apresenta-se como uma fila de
instantes nitidamente separados. É escrevendo a história que
o psicólogo, artificialmente, como todo historiador, coloca nela
o vínculo da duração. No fundo de nós mesmos, ali onde
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a gratuidade tem um sentido tão claro, não percebemos a causalidade
que daria força à duração, e é um problema complicado
e indireto procurar as causas em um espírito no qual só
nascem idéias.
Em suma, não importa o que se pense da duração em si,
apreendida na intuição bergsoniana, a qual não temos a pretensão
de haver examinado por inteiro numas poucas páginas
– é necessário pelo menos, ao lado da duração, conceder
uma realidade decisiva ao instante.
Teremos, aliás, a oportunidade de retomar o debate contra
a teoria de uma duração tomada como dado imediato da
consciência. Para isso mostraremos, utilizando as intuições de
Roupnel, como se pode construir a duração com instantes sem
duração, o que dará a prova – de um modo inteiramente positivo,
queremos crer – do caráter metafísico primordial do
instante e, por conseguinte, do caráter indireto e mediato da
duração.
Mas retomemos desde logo uma exposição positiva. Aliás,
o método bergsoniano nos autoriza doravante a lançar mão
do exame psicológico. Devemos então concluir com Roupnel:
“A Idéia que temos do presente é de uma plenitude e de uma
evidência positiva singulares. Instalamo-nos nele com nossa
personalidade completa. Somente ali, por ele e nele, é que temos
a sensação de existência. E há uma identidade absoluta
entre o sentimento do presente e o sentimento da vida”.2
Será necessário, por conseguinte, do ponto de vista da
própria vida, buscar compreender o passado pelo presente,
longe de um empenho incessante de explicar o presente pelo
2 Ibidem.
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passado. Por certo, depois disso a sensação da duração deverá
ser esclarecida. Vamos tomá-la, por ora, como um fato: a duração
é uma sensação como as outras, tão complexa quanto
as outras. E não façamos nenhuma cerimônia ao sublinhar seu
caráter aparentemente contraditório: a duração é feita de instantes
sem duração, como a reta é feita de pontos sem dimensão.
No fundo, para se contradizerem, é preciso que as entidades
atuem na mesma zona do ser. Se estabelecermos que a duração
é um dado relativo e secundário, sempre mais ou menos
factício, como poderia a ilusão que temos sobre ela contradizer
nossa experiência imediata do instante? Todas essas
ressalvas são feitas aqui para que não nos acusem de círculo
vicioso formal quando tomamos as palavras no sentido vago,
sem nos atermos ao sentido técnico. Tomadas essas precauções,
podemos dizer com Roupnel:
Nossos atos de atenção são episódios sensoriais extraídos daquela
continuidade denominada duração. Mas a trama contínua,
ali onde nosso espírito borda desenhos descontínuos de
atos, não passa da construção laboriosa e artificial de nosso espírito.
Nada nos autoriza a afirmar a duração. Tudo em nós lhe
contradiz o sentido e lhe arruína a lógica. E, aliás, nosso instinto
é mais bem esclarecido sobre isso do que nossa razão. O sentimento
que temos do passado é o de uma negação e de uma
destruição. O crédito que nosso espírito concede a uma
pretensa duração que já não seria, e na qual ele já não seria, é
um crédito sem provisão.3
Convém sublinhar, de passagem, o lugar do ato de atenção
na experiência do instante. É que, de fato, não existe ver-
3 Op. cit., p. 109.
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dadeiramente evidência senão na vontade, na consciência que
se empenha em decidir um ato.
A ação que se desenvolve por trás do ato entra já no domínio
das conseqüências lógica ou fisicamente passivas. E há
aí um matiz importante que distingue a filosofia de Roupnel
da de Bergson: a filosofia bergsoniana é uma filosofia da ação; a filosofia
roupneliana é uma filosofia do ato. Para Bergson, uma ação
é sempre um desenrolar contínuo que se situa entre a decisão
e o objetivo – ambos mais ou menos esquemáticos –, uma duração
sempre original e real. Para um partidário de Roupnel,
um ato é antes de tudo uma decisão instantânea, e é essa decisão
que encerra toda a carga de originalidade. Falando mais
fisicamente, o fato de a impulsão em mecânica apresentar-se
sempre como a composição de duas ordens infinitesimais diferentes
leva-nos a comprimir até o limite puntiforme o instante
que decide e abala. Uma percussão, por exemplo, explica-
se por uma força infinitamente grande que se desenvolve
num tempo infinitamente curto. Seria possível, aliás, analisar
o desenrolar consecutivo a uma decisão em termos de decisões
subalternas. Ver-se-ia que um movimento variado – o único
que, com toda razão, Bergson considera real – continua seguindo
os mesmos princípios que o fazem começar. Mas a
observação das descontinuidades do desenrolar torna-se cada
vez mais difícil, à medida que a ação que segue o ato é confiada
a automatismos orgânicos menos conscientes. Eis por
que nos cabe remontar, para sentir o instante, aos atos claros
da consciência.
Quando chegarmos às últimas páginas deste ensaio, teremos
necessidade, para entender as relações do tempo e do progresso,
de voltar a essa concepção atual e ativa da experiência
do instante. Veremos então que a vida não pode ser com-
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preendida numa contemplação passiva; compreendê-la é mais
que vivê-la, é efetivamente impulsioná-la. Ela não corre ao
longo de uma encosta, no eixo de um tempo objetivo que a
receberia como um canal. É uma forma imposta à fila dos instantes
do tempo, mas é sempre num instante que ela encontra
sua realidade primeira. Assim, se nos voltarmos para o núcleo
da evidência psicológica, em que a sensação já não é senão
o reflexo ou a resposta sempre complexa do ato voluntário
sempre simples, quando a atenção reduz a vida a um único
elemento, a um elemento isolado, perceberemos que o instante
é o caráter verdadeiramente específico do tempo. Quanto
mais profundamente penetra nossa meditação do tempo,
mais ela se reduz. Só a preguiça é duradoura – o ato é instantâneo.
Como não dizer então que, reciprocamente, o instantâneo
é o ato? Tomemos uma idéia pobre, reduzamo-la a um
instante – ela ilumina o espírito. Ao contrário, o repouso do
ser é já o nada.
Como, pois, não ver que a natureza do ato, por um singular
encontro verbal, é ser atual? E como não ver, em seguida, que
a vida é o descontínuo dos atos? É essa intuição que Roupnel
nos apresenta em termos particularmente claros:
Pode-se dizer que a duração é a vida. Sem dúvida. Mas é preciso
ao menos situar a vida no âmbito do descontínuo que a contém
e na forma agressiva que a manifesta. Ela já não é aquela
continuidade fluida de fenômenos orgânicos que se escoavam
uns nos outros, confundindo-se na unidade funcional. O ser, estranho
lugar de lembranças materiais, não passa de um hábito
em si mesmo. O que pode haver de permanente no ser é a expressão
não de uma causa imóvel e constante, mas de uma justaposição
de resultados fugidios e incessantes, cada um dos quais
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com sua base solitária e cuja ligadura, que nada mais é que um
hábito, compõe um indivíduo.4
Sem dúvida, ao escrever a epopéia da evolução, Bergson
devia negligenciar os acidentes. Roupnel, como historiador
minucioso, não podia ignorar que cada ação, por simples que
seja, rompe necessariamente a continuidade do devir vital. Se
observarmos a história da vida em seus pormenores, veremos
que ela é uma história como as outras, cheia de repetições desnecessárias,
anacronismos, esboços, fracassos e recomeços. Entre
os acidentes, Bergson reteve apenas os atos revolucionários
nos quais o impulso vital se cindia, nos quais a árvore genealógica
se partia em ramos divergentes. Para traçar tal afresco, não
havia necessidade de desenhar os detalhes – vale dizer, não havia
necessidade de desenhar os objetos. Ele devia resultar, portanto,
nessa tela impressionante que é o livro L’évolution créatrice [ed.
bras.: A evolução criadora, Martins Fontes, 2005]. Essa intuição
ilustrada é mais a imagem de uma alma que o retrato das coisas.
Porém o filósofo que pretende descrever a história das coisas,
dos seres vivos e do espírito, átomo por átomo, célula por
célula, pensamento por pensamento, deve conseguir separar
os fatos uns dos outros, porque fatos são fatos, porque fatos
são atos, porque os atos, se não terminam, se terminam mal,
devem contudo, necessariamente, começar no absoluto do nascimento.
É preciso, pois, descrever a história eficaz com os começos;
é preciso, seguindo Roupnel, instaurar uma doutrina
do acidente como princípio.
Numa evolução verdadeiramente criadora, existe apenas
uma lei geral, segundo a qual um acidente está na raiz de qualquer
tentativa de evolução.
4 Ibidem.
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Assim, nessas conseqüências relativas à evolução da vida,
como em sua primeira forma intuitiva, vemos que a intuição
temporal de Roupnel é exatamente o inverso da intuição bergsoniana.
Antes de ir mais longe, resumamos com um duplo esquema
a oposição das duas doutrinas:
. Para Bergson, a verdadeira realidade do tempo é sua duração;
o instante é apenas uma abstração, desprovida de
realidade. Ele é imposto do exterior pela inteligência, que
só compreende o devir demarcando estados imóveis. Representaríamos,
então, bastante bem o tempo bergsoniano
por uma reta preta sobre a qual tivéssemos colocado, para
simbolizar o instante como um nada, como um vazio fic-

. tício, um ponto branco. Para Roupnel, a verdadeira realidade do tempo é o instante;


a duração é apenas uma construção, desprovida de
realidade absoluta. Ela é feita do exterior, pela memória,
potência de imaginação por excelência, que quer sonhar
e reviver, mas não compreender. Representaríamos, então,
bastante bem o tempo roupneliano por uma reta branca,
inteiramente em potência, em possibilidade, na qual de
repente, como um acidente imprevisível, viesse inscreverse
um ponto preto, símbolo de uma realidade opaca.
Note-se, aliás, que essa disposição linear dos instantes continua
sendo, tanto para Roupnel como para Bergson, um artifício
da imaginação. Bergson vê, nessa duração que se desenrola
no espaço, um meio indireto para medir o tempo. Mas
o comprimento de um tempo não representa o valor de uma
duração, e seria necessário remontar do tempo extensível à duração
intensiva. Ainda aqui, a tese descontínua adapta-se sem
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dificuldade: analisa-se a intensidade pelo número de instantes
em que a vontade se aclara e se retesa, tão facilmente quanto
o enriquecimento gradual e fluente do eu.5
Abramos agora um parêntese antes de esclarecer um pouco
mais o ponto de vista de Siloë.
III
Dizíamos mais acima que, entre as duas intuições precedentes,
havíamos hesitado longamente, buscando mesmo, nas vias
da conciliação, reunir sob um mesmo esquema as vantagens
de ambas as doutrinas. Esse ideal eclético acabou por revelarse
insatisfatório. Entretanto, como nos propusemos estudar em
nós mesmos as reações intuitivas emanadas das intuições mestras,
devemos ao leitor a confidência pormenorizada de nosso
fracasso.
Queríamos inicialmente conferir uma dimensão ao instante,
fazer dele uma espécie de átomo temporal que conservasse
em si mesmo certa duração. Dizíamos que um acontecimento
isolado devia ter uma breve história lógica com referência
a si mesmo, no absoluto de sua evolução interna. Compreendíamos
que seu começo podia ser relativo a um acidente
de origem externa, mas para brilhar, e depois para declinar e
morrer, pedíamos que se atribuísse ao ser, por isolado que fosse,
sua parcela de tempo. Admitíamos que o ideal da vida fosse
a vida ardente do efêmero, mas reivindicávamos para o efêmero,
da aurora ao vôo nupcial, seu tesouro de vida íntima.
Queríamos sempre, portanto, que a duração fosse uma riqueza
5 Cf.
Bergson, Essai sur les données immédiates de la conscience, p. 82 [ed. port.:
Ensaio sobre os dados imediatos da consciência, Edições 70, 1988].
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profunda e imediata do ser. Essa foi nossa primeira posição no
que concerne ao instante, que seria então um pequeno fragmento
do contínuo bergsoniano.
Eis o que apreendíamos, em seguida, do tempo roupneliano.
Imaginávamos que os átomos temporais não podiam tocar-
se, ou, antes, que não podiam fundir-se um no outro. O
que impediria sempre essa fusão seria a imprescritível novidade
dos instantes, da qual a doutrina do acidente colhida em
Siloë nos convencera. Numa doutrina da substância, que aliás
não está longe de ser tautológica, transferir-se-ão sem dificuldade,
de um instante para outro, as qualidades e as lembranças;
o permanente nunca há de explicar o devir. Se, pois, a novidade
é essencial ao devir, tem-se tudo a ganhar atribuindo-se
essa novidade ao próprio Tempo: não é o ser que é novo num
tempo uniforme, é o instante que, renovando-se, remete o ser
à liberdade ou à oportunidade inicial do devir. Aliás, por seu
ataque, o instante impõe-se prontamente, inteiramente; ele é
o fator da síntese do ser. Nessa teoria, o instante salvaguarda
necessariamente, portanto, sua individualidade. O problema
de saber se os átomos temporais se tocavam ou se eram separados
por um nada parecia-nos secundário. Ou melhor, dado
que aceitávamos a constituição dos átomos temporais, éramos
levados a pensá-los isoladamente e, para a clareza metafísica
da intuição, nos dávamos conta de que um vazio era necessário
– quer ele exista de fato, quer não – para imaginar corretamente
o átomo temporal. Parecia-nos, então, vantajoso condensar
o tempo ao redor de núcleos de ação nos quais o ser se
reencontrava em parte, colhendo do mistério de Siloé o que
se requer de invenção e de energia para tornar-se e progredir.
Enfim, aproximando as duas doutrinas, chegávamos a um
bergsonismo fragmentado, a um impulso vital que se fracio-
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nava em impulsões, a um pluralismo temporal que, aceitando
durações diversas, tempos individuais, nos parecia apresentar
meios de análise tão flexíveis quanto ricos.
Porém é muito raro que as intuições metafísicas construídas
num ideal eclético tenham força duradoura. Uma intuição
fecunda deve dar primeiro a prova de sua unidade. Não tardamos
a nos aperceber de que, por nossa conciliação, havíamos
reunido as dificuldades das duas doutrinas. Era preciso escolher,
não ao cabo de nossos desenvolvimentos, mas na base
mesma das intuições.
Agora, portanto, vamos dizer como passamos da atomização
do tempo, em que nos detivéramos, à aritmetização temporal absoluta,
tal qual Roupnel a afirma peremptoriamente.
Primeiro, o que nos havia seduzido, o que nos levara ao
impasse em que acabamos de entrar, fora uma falsa concepção
da ordem das entidades metafísicas: sem perder o contato
com a tese bergsoniana, gostaríamos de colocar a duração
no próprio espaço do tempo. Tomávamos essa duração, sem
discussão, como a única qualidade do tempo, como um sinônimo
do tempo. Reconheçamos: isso não passa de um postulado.
Não precisamos ajuizar seu valor senão em função da
clareza e do alcance da construção que esse postulado favorece.
Mas sempre temos o direito, a priori, de partir de um postulado
diferente e tentar uma construção nova na qual a duração
seja deduzida, e não postulada.
Porém essa consideração a priori não bastaria, naturalmente,
para nos reconduzir à intuição de Roupnel. A favor da concepção
da duração bergsoniana, com efeito, havia ainda todas
as provas que Bergson reuniu sobre a objetividade da duração.
Sem dúvida, Bergson instava-nos a sentir a duração em nós,
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numa experiência íntima e pessoal. Mas não parava aí. Ele nos
mostrava objetivamente que éramos solidários de um único
impulso, arrastados todos por uma mesma vaga. Se nosso tédio
ou nossa impaciência alongava a hora, se a alegria abreviava
o dia, a vida impessoal, a vida dos outros nos reconduzia
à justa apreciação da Duração. Bastava colocarmo-nos diante
de uma experiência simples – um torrão de açúcar que se
dissolve num copo de água – para compreendermos que, a
nosso sentimento da duração, correspondia uma duração objetiva
e absoluta. O bergsonismo pretendia aqui, portanto, alcançar
o domínio da medida, sempre conservando a evidência
da intuição íntima. Tínhamos em nossa alma uma comunicação
imediata com a qualidade temporal do ser, com a essência
de seu devir, mas o reino da quantidade do tempo, por indiretos
que sejam nossos meios de estudá-lo, era a salvaguarda
da objetividade do devir. Tudo, portanto, parecia salvaguardar
a primitividade da Duração: a evidência intuitiva e as provas
discursivas.
Eis, agora, como nossa própria confiança na tese bergsoniana
se abalou.
Despertamos de nossos sonhos dogmáticos pela crítica
einsteiniana da duração objetiva.
Bem depressa nos pareceu evidente que essa crítica destruiu
o absoluto daquilo que dura, ao mesmo tempo em que
conservava, como veremos, o absoluto daquilo que é – vale
dizer, o absoluto do instante.
O que o pensamento de Einstein chama de relatividade
é o lapso de tempo, é o “comprimento” do tempo. Esse comprimento
se revela relativo a seu método de medição. Diz-se
que, fazendo uma viagem de ida e volta no espaço a uma ve-
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locidade alta o bastante, reencontraríamos a Terra envelhecida
alguns séculos, ao passo que teríamos marcado apenas algumas
horas no relógio que levamos na viagem. Bem menos
longa seria a viagem necessária para ajustar à nossa impaciência
o tempo que Bergson postula como fixo e necessário para
dissolver o torrão de açúcar no copo de água.
Aliás, cabe sublinhar desde logo que não se trata aqui de
jogos vãos de cálculo. A relatividade do lapso de tempo para
sistemas em movimento é, doravante, um dado científico. Se
pensássemos ter o direito de recusar a esse respeito a lição da
ciência, teríamos de permitir-nos duvidar da intervenção das
condições físicas na experiência da dissolução do açúcar e da
interferência efetiva do tempo nas variáveis experimentais.
Por exemplo, todos concordam que essa experiência de dissolução
põe em jogo a temperatura? Pois bem, para a ciência
moderna, ela põe igualmente em jogo a relatividade do tempo.
Não se leva a ciência parcialmente em conta, é preciso tomá-
la por inteiro.
Assim, pois, subitamente, com a relatividade, tudo que dizia
respeito às provas externas de uma Duração única, princípio
claro de ordenação dos acontecimentos, se via arruinado.
O Metafísico devia debruçar-se sobre seu tempo local, fecharse
em sua própria duração íntima. O mundo não oferecia – ao
menos imediatamente – garantia de convergência para nossas
durações individuais, vividas na intimidade da consciência.
Eis, porém, o que merece agora ser observado: o instante,
estabelecido com bastante precisão, permanece, na doutrina de Einstein,
um absoluto. Para conferir-lhe esse valor de absoluto, basta considerar
o instante em seu estado sintético, como um ponto do
espaço-tempo. Noutras palavras, é preciso tomar o ser como
uma síntese apoiada simultaneamente no espaço e no tem-
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35
O INSTANTE
po. Ele é o ponto de encontro do lugar e do presente: hic et
nunc, não aqui e amanhã nem ali e hoje. Nessas duas últimas
fórmulas, o ponto se dilataria num eixo das durações ou num
eixo do espaço; essas fórmulas, subtraindo-se por um lado a
uma síntese precisa, ensejariam um estudo inteiramente relativo
da duração e do espaço. Mas, desde que se concorde em
soldar e fundir os dois advérbios, eis que o verbo ser recebe
enfim sua potência de absoluto.
Neste exato lugar e neste exato momento, eis onde a simultaneidade
é clara, evidente, precisa; eis onde a sucessão se
ordena sem esmorecimento e sem obscuridade. A pretensão
de tomar como clara em si a simultaneidade de dois acontecimentos
localizados em pontos diferentes do espaço é refutada
pela doutrina de Einstein. Seria necessária, para estabelecer
essa simultaneidade, uma experiência na qual pudéssemos
fundar-nos sobre o éter fixo. O fracasso de Michelson
proíbe-nos a esperança de realizar essa experiência. Cumpre,
pois, definir indiretamente a simultaneidade em dois lugares diversos
e, por conseqüência, ajustar a medida da duração que
separa instantes diferentes a essa definição sempre relativa da
simultaneidade. Não há concomitância assegurada que não se
acompanhe de uma coincidência.
Voltamos, assim, à nossa incursão no domínio do fenômeno
com essa convicção de que a duração só se aglomera de
modo artificial, numa atmosfera de convenções e definições
prévias, e de que sua unidade vem somente da generalidade
e da preguiça de nosso exame. Ao contrário, o instante revela-
se suscetível de precisão e objetividade; sentimos nele a
marca da fixidez e do absoluto.
Vamos, então, fazer do instante o centro de condensação
ao redor do qual colocaríamos uma duração evanescente, exa-
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A INTUIÇÃO DO INSTANTE
tamente o que falta de contínuo para pôr um átomo de tempo
isolado em relevo sobre o nada e para dar à cavidade do Nada
suas duas figuras falazes, conforme se olhe em direção ao passado
ou se volte na direção do futuro?
Essa foi – antes de adotar enfim, sem compromisso algum,
o ponto de vista claramente distinto de Roupnel – nossa última
tentativa.
Digamos, pois, a razão que consumou nossa conversão.
Quando ainda tínhamos fé na duração bergsoniana e, para
estudá-la, nos empenhávamos em depurá-la e, por conseguinte,
em despojá-la do dado, nossos esforços deparavam sempre
com o mesmo obstáculo: nunca conseguíamos vencer o caráter
de pródiga heterogeneidade da duração. Naturalmente,
acusávamos apenas nossa inaptidão para meditar, para nos desprender
do acidental e da novidade que nos assaltavam. Nunca
conseguíamos perder-nos o suficiente para tornar a nos achar,
nunca lográvamos alcançar e seguir esse fluxo uniforme no
qual a duração desenrolava uma história sem histórias, uma incidência
sem incidentes. Teríamos preferido um devir que fosse
um vôo num céu límpido, vôo que não deslocasse nada, ao
qual nada se opusesse, o impulso no vazio – em suma, o devir
em sua pureza e simplicidade, o devir em sua solidão. Quantas
vezes procuramos no devir elementos tão claros e tão coerentes
quanto aqueles que Spinoza colhia na meditação do ser!
Mas, ante nossa impotência para encontrar em nós mesmos
essas grandes linhas uniformes, esses grandes traços simples
pelos quais o impulso vital deve desenhar o devir, éramos
levados, naturalmente, a buscar a homogeneidade da duração
limitando-nos a fragmentos cada vez menos extensos. Mas era
sempre o mesmo fracasso: a duração não se limitava a durar,
A intuição do instante.pmd 36 26/2/2007, 11:49

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O INSTANTE
ela vivia! Por pequeno que fosse o fragmento considerado, um
exame microscópico bastava para ler nele uma multiplicidade
de acontecimentos: sempre os bordados, jamais o pano; sempre
as sombras e reflexos no espelho movediço do rio, jamais
o fluxo límpido. A duração, como a substância, só nos envia
fantasmas. Duração e substância desempenham mesmo, uma
em relação à outra, numa recíproca desesperadora, a fábula do
enganador enganado: o devir é o fenômeno da substância, a
substância é o fenômeno do devir.
Por que, então, não aceitar, como metafisicamente mais
prudente, igualar o tempo ao acidente, o que equivale a igualar
o tempo a seu fenômeno? O tempo só se observa pelos instantes;
a duração – veremos como – só é sentida pelos instantes.
Ela é uma poeira de instantes, ou melhor, um grupo de
pontos que um fenômeno de perspectiva solidariza de forma
mais ou menos estreita.6
Porque se percebe bem que agora é preciso descer até os
pontos temporais sem nenhuma dimensão individual. A linha
que reúne os pontos e esquematiza a duração não passa de uma
função panorâmica e retrospectiva, cujo caráter subjetivo indireto
e secundário mostraremos a seguir.
Sem querer desenvolver longamente provas psicológicas,
indiquemos simplesmente o caráter psicológico do problema.
Apercebamo-nos, pois, de que a experiência imediata do tempo
não é a experiência tão fugaz, tão difícil, tão complexa da
duração, mas a experiência displicente do instante, apreendido
sempre como imóvel. Tudo quanto é simples, tudo quanto é
6 Guyau já dizia, de um ponto de vista, é verdade, mais psicológico que o nosso:
“A idéia do tempo [...] se reduz a um efeito de perspectiva” (La genèse
de l’idée du temps, Prefácio).
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A INTUIÇÃO DO INSTANTE
forte em nós, tudo quanto é duradouro mesmo, é o dom de
um instante.
Para combater desde já no terreno mais difícil, sublinhemos,
por exemplo, que a lembrança da duração está entre as
lembranças menos duradouras. Lembramo-nos de ter sido –
não, porém, de ter durado. A distância no tempo deforma a
perspectiva do comprimento, porque a duração depende sempre
de um ponto de vista. Aliás, o que é a lembrança pura da
filosofia bergsoniana senão uma imagem tomada em seu isolamento?
Se tivéssemos tempo, numa obra mais longa, para
estudar o problema da localização temporal das lembranças,
não teríamos dificuldade em mostrar como elas se situam mal,
como encontram artificialmente uma ordem em nossa história
íntima. Todo o excelente livro de Halbwachs sobre “os
quadros sociais da memória” nos provaria que nossa meditação
não dispõe de uma trama psicológica sólida, esqueleto da
duração morta, em que pudéssemos, naturalmente, psicologicamente,
na solidão de nossa própria consciência, fixar o
lugar da lembrança evocada. No fundo, temos necessidade de
aprender e reaprender nossa própria cronologia, e para este
estudo recorremos aos quadros sinóticos, verdadeiros resumos
das coincidências mais acidentais. É assim que, no mais humilde
dos corações, vem inscrever-se a história dos reis. Conheceríamos
mal nossa própria história, ou pelo menos nossa
própria história estaria cheia de anacronismos, se fôssemos
menos atentos à História contemporânea. É pela eleição tão
insignificante quanto a de um presidente da República que
localizamos com rapidez e precisão uma dada lembrança íntima
– não será isso a prova de que não conservamos o menor
vestígio das durações defuntas? A memória, guardiã do tempo,
guarda apenas o instante; ela não conserva nada, absolu-
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O INSTANTE
tamente nada, de nossa sensação complicada e factícia que é
a duração.
A psicologia da vontade e da atenção – essa vontade da
inteligência – prepara-nos igualmente para admitir como hipótese
de trabalho a concepção roupneliana do instante sem
duração. Nessa psicologia, é já bem certo que a duração só pode
intervir indiretamente; vê-se com toda facilidade que ela
não é uma condição primordial: com a duração, pode-se talvez
medir a espera, mas não a própria atenção, que recebe todo
seu valor de intensidade num único instante.
Esse problema da atenção apresentou-se naturalmente no
mesmo nível das meditações que desenvolvemos a propósito
da duração. De fato, visto que pessoalmente não podíamos
fixar por muito tempo nossa atenção nesse nada ideal que representa
o eu despojado, devíamos ser tentados a fragmentar
a duração ao ritmo de nossos atos de atenção. Ainda aqui,
diante do mínimo de imprevisto, tentando reencontrar o reino
da intimidade nua e crua, perceberíamos de repente que
essa atenção em nós mesmos trazia, por seu próprio funcionamento,
aquelas deliciosas e frágeis novidades de um pensamento
sem história, de um pensamento sem pensamentos. Esse
pensamento inteiramente encerrado no cogito cartesiano não
dura. Ele só tem a evidência de seu caráter instantâneo; só toma
uma consciência clara de si mesmo porque é vazio e solitário.
Então ele aguarda, numa duração que é apenas um nada
de pensamento e, por conseguinte, um nada efetivo, o ataque
do mundo. O mundo lhe traz um conhecimento, e é ainda
num instante fecundo que a consciência atenta será enriquecida
por um conhecimento objetivo.
Aliás, como a atenção tem a necessidade e o poder de se
retomar, ela está, em essência, inteiramente em suas retoma-
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A INTUIÇÃO DO INSTANTE
das. A atenção é também uma série de começos, é feita dos
renascimentos do espírito que regressa à consciência quando
o tempo marca instantes. Além disso, se levássemos nosso exame
àquele estreito domínio em que a atenção se torna decisão,
veríamos o que há de fulgurante numa vontade em que
vêm convergir a evidência dos motivos e a alegria do ato. Seria
então que poderíamos falar de condições propriamente
instantâneas. Essas condições são rigorosamente preliminares,
ou melhor, pré-iniciais, por serem anteriores ao que os geômetras
chamam de condições iniciais do movimento. E é nisso
que elas são metafisicamente, e não abstratamente, instantâneas.
Contemplando o gato de tocaia, vereis o instante do mal
inscrever-se no real, ao passo que um bergsoniano sempre vem
a considerar a trajetória do mal, por estrito que seja o exame
que ele faz da duração. Sem dúvida, o salto, ao se desencadear,
desenrola uma duração de acordo com as leis físicas e fisiológicas,
leis que regulam conjuntos complexos. Houve porém,
antes do processo complicado do impulso, o instante simples
e criminoso da decisão.
De resto, se voltarmos essa atenção para o espetáculo que
nos cerca, se, em vez de atenção ao pensamento íntimo, nós
a tomarmos como atenção à vida, perceberemos imediatamente
que ela nasce sempre de uma coincidência. A coincidência
é o mínimo de novidade necessário para fixar nosso
espírito. Não poderíamos dar atenção a um processo de desenvolvimento
no qual a duração fosse o único princípio de
ordenação e diferenciação dos acontecimentos. Requer-se o
novo para que o pensamento intervenha, requer-se o novo para
que a consciência se afirme e a vida progrida. Ora, em princípio
a novidade é, evidentemente, sempre instantânea.
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41
O INSTANTE
Por fim, o que permitiria analisar melhor a psicologia da
vontade, da evidência, da atenção, é o ponto do espaço-tempo.
Infelizmente, para que essa análise se tornasse clara e comprobatória,
seria preciso que a linguagem filosófica, ou mesmo
a linguagem comum, tivesse assimilado as doutrinas da Relatividade.
Sente-se desde logo que essa assimilação começou,
mas está longe de ter acabado. Acreditamos, contudo, que é
nesse caminho que se poderá realizar a fusão do atomismo espacial
com o atomismo temporal. Quanto mais íntima for essa
fusão, tanto mais se compreenderá o mérito da tese de Roupnel.
É assim que se apreenderá melhor seu caráter concreto.
O complexo espaço-tempo-consciência é o atomismo de tripla
essência, é a mônada afirmada em sua tripla solidão, sem
comunicação com as coisas, sem comunicação com o passado,
sem comunicação com as almas alheias.
Mas todos esses pressupostos vão parecer tanto mais frágeis
quanto têm contra si muitos dos hábitos de pensamento
e expressão. Percebemos muito bem, aliás, que a convicção
não será suplantada repentinamente e que o terreno psicológico
pode afigurar-se, para muitos leitores, pouco propício
a essas investigações metafísicas.
Que é que esperávamos ao acumular todas essas razões?
Simplesmente mostrar que, se necessário, aceitaríamos o combate
nos terrenos mais desfavoráveis. Mas a posição metafísica
do problema é, no fim das contas, mais forte. É para lá que
vamos agora dirigir nossos esforços. Tomemos, pois, a tese em
toda sua nitidez. A intuição temporal de Roupnel afirma:
1) o caráter absolutamente descontínuo do tempo;
2) o caráter absolutamente puntiforme do instante.
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A INTUIÇÃO DO INSTANTE
A tese de Roupnel realiza, portanto, a aritmetização mais
completa e mais franca do tempo. A duração não passa de um
número cuja unidade é o instante.
Para mais clareza, enunciemos de novo, como corolário,
a negação do caráter realmente temporal e imediato da duração.
Roupnel diz que “o Espaço e o Tempo só nos parecem
infinitos quando não existem”.7 Bacon já observara que “nada
é mais vasto que as coisas vazias”. Inspirando-nos nessas fórmulas,
podemos dizer – sem deformar, queremos crer, o pensamento
de Roupnel – que somente o nada é realmente contínuo.
IV
Ao escrever essa fórmula, bem sabemos que réplica vamos suscitar.
Dir-nos-ão que o nada do tempo é precisamente o intervalo
que separa os instantes verdadeiramente marcados por
acontecimentos. Se necessário admitirão, para melhor nos derrotar,
que os acontecimentos têm nascimento instantâneo, que
são mesmo, se necessário, instantâneos, mas reivindicarão um
intervalo dotado de existência real para distinguir os instantes.
Quererão fazer-nos dizer que esse intervalo é verdadeiramente
o tempo, o tempo vazio, o tempo sem acontecimentos,
o tempo que dura, a duração que se prolonga, que se mede.
Nós, porém, nos obstinaremos em afirmar que o tempo nada
é se nada acontece, que a Eternidade antes da criação não tem
sentido; que o nada não se mede, que ele não pode ter uma
grandeza.
Sem dúvida, nossa intuição do tempo totalmente aritmetizado
opõe-se a uma tese comum, e por isso pode chocar-
7 Siloë, p. 126.
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43
O INSTANTE
se com as idéias comuns, mas convém que nossa intuição seja
julgada em si mesma. Ela pode parecer pobre, mas convém reconhecer
que até aqui, em seus desenvolvimentos, ela é coerente
consigo mesma.
Aliás, se introduzirmos um princípio que estabeleça um
sucedâneo da medição do tempo, teremos, quero crer, virado
uma curva – a última, sem dúvida, onde a crítica nos espera.
Formulemos essa crítica tão brutalmente quanto possível.
Em sua tese, dir-nos-ão, você não pode aceitar uma medida
do tempo, tampouco uma divisão do tempo em partes
alíquotas; no entanto você diz, como todo mundo, que a hora
dura sessenta minutos, que o minuto vale sessenta segundos.
Acredita, pois, na duração. Não pode falar sem empregar todos
os advérbios, todas as palavras que evocam o que dura, o
que passa, o que espera. Em sua discussão, você é forçado mesmo
a dizer: muito tempo, durante, enquanto. A duração está
na gramática, na morfologia, tanto quanto na sintaxe.
Sim, as palavras estão aí, antes do pensamento, antes de
nosso esforço para renovar um pensamento. Temos de nos servir
delas como são. Mas a função do filósofo não será a de deformar
o sentido das palavras o suficiente para extrair o abstrato
do concreto, para permitir ao pensamento evadir-se das
coisas? Não deve ele, como o poeta, “dar um sentido mais puro
às palavras da tribo” (Mallarmé)? E, se quiserem refletir no
fato de que todas as palavras que traduzem os caracteres temporais
estão implicadas em metáforas, já que tomam uma parte
de seu radical em aspectos espaciais, perceberão que no terreno
polêmico não estaríamos desarmados e nos isentarão, sem
dúvida, dessa acusação de círculo vicioso verbal.
Mas o problema da medida permanece, e é evidentemente
aí que a crítica deve parecer decisiva; uma vez que se mede a
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44
A INTUIÇÃO DO INSTANTE
duração, é porque ela tem uma grandeza. Traz, portanto, o
signo claro de sua realidade.
Vejamos, então, se esse signo é realmente imediato. Tentemos
mostrar como, a nosso ver, deveria colocar-se, na intuição
roupneliana, a apreciação da duração.
Que é, pois, que confere ao tempo sua aparência de continuidade?
É o fato de podermos, segundo parece, impondo
um corte onde quisermos, designar um fenômeno que ilustra
o instante arbitrariamente designado. Teríamos assim a certeza
de que nosso ato de conhecimento está entregue a uma plena
liberdade de exame. Noutras palavras, pretendemos colocar
nossos atos de liberdade numa linha contínua, pois a qualquer
momento podemos experimentar a eficácia de nossos atos. De
tudo isso temos certeza, mas de nada mais que isso.
Vamos exprimir o mesmo pensamento numa linguagem
algo diferente, que à primeira vista, aliás, deve parecer sinônima
da primeira expressão. Diremos assim: todas as vezes que
quisermos, poderemos experimentar a eficácia de nossos atos.
Eis, agora, uma objeção. Será que o primeiro modo de nos
exprimir não supõe tacitamente a continuidade de nosso ser,
e não será essa continuidade suposta como evidente que transportamos
para a conta da duração? Mas que garantia temos,
então, da continuidade assim atribuída a nós mesmos? Bastaria
que o ritmo de nosso ser desconexo correspondesse a um ritmo
do Cosmos para que nosso exame tivesse êxito a cada passo;
ou, mais simplesmente, para provar a arbitrariedade de nosso
corte, bastaria que nossa ocasião de ação íntima correspondesse
a uma ocasião do universo, em suma, que uma coincidência
se afirmasse num ponto do espaço-tempo-consciência. Assim,
e tal é nosso argumento maior, todas as vezes nos parece, pois,
A intuição do instante.pmd 44 26/2/2007, 11:49

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O INSTANTE
na tese do tempo descontínuo, o sinônimo exato da palavra
sempre tomada na tese do tempo contínuo. Se nos permitirem
essa tradução, toda a linguagem do contínuo nos será entregue
pelo uso dessa chave.
A vida, aliás, coloca à nossa disposição uma riqueza tão
prodigiosa de instantes que, em face da percepção que temos
deles, ela parece bem indefinida. Apercebemo-nos de que poderíamos
gastar muito mais, donde a crença de que poderíamos
gastar sem contar. É aí que reside nossa impressão de continuidade
íntima.
Quando compreendemos a importância de uma concomitância
que se exprime por um acordo de instantes, a interpretação
do sincronismo torna-se evidente na hipótese do descontínuo
roupneliano, e também aqui se deve traçar um paralelo
entre as intuições de Bergson e as de Roupnel:
Dois fenômenos serão sincrônicos, dirá o filósofo bergsoniano,
se estiverem sempre de acordo. Trata-se de ajustar os devires
e as ações.
Dois fenômenos serão sincrônicos, dirá o filósofo roupneliano,
se, todas as vezes em que o primeiro estiver presente, o
segundo estiver igualmente. Trata-se de ajustar as retomadas
e os atos.
Qual é a fórmula mais prudente?
Dizer, com Bergson, que o sincronismo corresponde a dois
desenvolvimentos paralelos é ultrapassar um pouco as provas
objetivas, é estender o domínio de nossa verificação. Recusamos
essa extrapolação metafísica que afirma um contínuo em si,
embora estejamos, sempre, somente diante do descontínuo de
nossa experiência. O sincronismo aparece, então, sempre numa
numeração concordante dos instantes eficazes, jamais como
medida, de algum tipo geométrico, de uma duração contínua.
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A INTUIÇÃO DO INSTANTE
Neste ponto, é provável que nos interrompam com outra
objeção: mesmo admitindo que o fenômeno de conjunto seja
suscetível de exame sobre o exato esquema temporal da tomada
cinematográfica, você não pode ignorar, dir-nos-ão, que
na realidade uma divisão do tempo permanece sempre possível,
ou mesmo desejável, se quisermos seguir o desenvolvimento
do fenômeno em todas as suas sinuosidades; e citarnos-
ão um ultracinematógrafo que descreve o devir por dez
milésimos de segundo. Por que, então, seríamos interrompidos
na divisão do tempo?
A razão pela qual nossos adversários postulam uma divisão
sem termo é que eles sempre colocam seu exame no nível
de uma vida de conjunto, resumida na curva do impulso vital.
Como vivemos uma duração que parece contínua a um
exame macroscópico, somos levados, pelo exame dos detalhes,
a considerar a duração em frações sempre menores das unidades
que escolhemos.
Mas o problema mudaria de sentido se considerássemos
a construção real do tempo a partir dos instantes, em vez da
divisão do tempo, sempre factícia, a partir da duração. Veríamos
então que o tempo, longe de dividir-se no esquema do
fracionamento de um contínuo, se multiplica no esquema das
correspondências numéricas.
Aliás, a palavra fração já é ambígua. A nosso ver, seria preciso
evocar aqui a teoria da fração tal como Couturat a resumiu.
Uma fração é o agrupamento de dois números inteiros
no qual o denominador não divide verdadeiramente o numerador.
Entre os partidários do contínuo temporal e nós, sob
esse aspecto aritmético do problema, a diferença é a seguinte:
nossos adversários partem do numerador, que tomam como
uma quantidade homogênea e contínua – e sobretudo
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O INSTANTE
como uma quantidade dada imediatamente – para as necessidades
da análise; dividem esse “dado” pelo denominador, que
desse modo é entregue à arbitrariedade do exame, arbitrariedade
tanto maior quanto mais fino é o exame; eles poderiam
mesmo recear “dissolver” a duração se levassem longe
demais a análise infinitesimal.
Nós, ao contrário, partimos do denominador, que é a marca
da riqueza de instantes do fenômeno, base da comparação;
ele é conhecido naturalmente com mais finura – sustentamos,
com efeito, que seria absurdo ter menos finura no aparelho
de medição que no fenômeno a medir. Com base nisso, perguntamos
então quantas vezes, a esse fenômeno finamente escandido,
corresponde uma atualização de um fenômeno mais
indolente; os êxitos do sincronismo nos dão, enfim, o numerador
da fração.
As duas frações assim constituídas podem ter o mesmo valor.
Mas não são construídas da mesma maneira.
Entendemos decerto a objeção tácita: para fixar a conta
dos êxitos, não será necessário que um misterioso maestro
marque o compasso fora e acima dos dois ritmos comparados?
Noutras palavras, não é de temer, dir-nos-ão, que sua
análise utilize tacitamente a palavra enquanto, que você não
pronunciou? Toda a dificuldade da tese roupneliana está, com
efeito, em evitar as palavras tiradas da psicologia usual da duração.
Mas, ainda uma vez, se quisermos exercitar-nos em meditação
indo do fenômeno rico em instantes para o fenômeno
pobre em instantes – do denominador para o numerador –,
e não o inverso, perceberemos que se pode prescindir não só
das palavras que suscitam a idéia de duração, o que seria apenas
um sucesso verbal, mas, enfim, da idéia da própria duração, o
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A INTUIÇÃO DO INSTANTE
que prova que nesse domínio, no qual reinava como senhora,
ela só pode ser empregada como serva.
Mas, para maior clareza, tracemos um esquema da correspondência;
depois, sobre esse esquema, façamos as duas leituras,
aquela em linguagem de duração e aquela em linguagem
de instantes, sempre permanecendo, para essa dupla leitura, na
tese roupneliana.
Suponhamos que o fenômeno macroscópico seja representado
pela primeira linha de pontos:
1) . . . . .
Colocamos esses pontos sem nos preocuparmos com o
intervalo porque, para nós, não é aí que a duração assume seu
sentido, ou seu esquema, visto que para nós o intervalo contínuo
é o nada, e o nada, naturalmente, não tem mais “comprimento”
que duração.
Suponhamos que o fenômeno mais finamente escandido
seja representado, sempre com as mesmas ressalvas, pela segunda
linha de pontos:
2) ... ... ... ... ...
Comparemos os dois esquemas.
Se lermos, à maneira dos partidários do contínuo, de cima
para baixo – leitura roupneliana, porém –, diremos que, enquanto
o fenômeno 1 se produz uma vez, o fenômeno 2 se
produz três vezes. Apelaremos para uma duração que domina
as séries, duração na qual nossa palavra enquanto assume sentido,
o qual se esclarecerá em domínios cada vez mais grosseiros,
como aqueles do minuto, da hora, do dia...
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O INSTANTE
Se, ao contrário, lermos o sincronismo à maneira dos partidários
absolutos do descontínuo, de baixo para cima, diremos
que, uma vez em cada três, aos fenômenos de aparições
numerosas (fenômenos que são os mais próximos do tempo
real) corresponde um fenômeno de tempo macroscópico.
As duas leituras são no fundo equivalentes, mas a primeira
é um pouco figurada demais, e a segunda está mais próxima
do texto primitivo.
Esclareçamos nosso pensamento por uma metáfora. Na
orquestra do mundo, há instrumentos que se calam com freqüência,
mas é falso dizer que sempre há um instrumento tocando.
O mundo é regulado por um compasso musical imposto
pela cadência dos instantes. Se pudéssemos ouvir todos
os instantes da realidade, compreenderíamos que não é a colcheia
que é feita com fragmentos da mínima, mas é a mínima
que repete a colcheia. É dessa repetição que nasce a impressão
de continuidade.
Compreende-se, pois, que a riqueza relativa em instantes
nos prepara uma espécie de medida relativa do tempo. Para
poder fazer a conta exata de nossa fortuna temporal, medir,
em suma, tudo que se repete em nós mesmos, seria preciso
viver efetivamente todos os instantes do Tempo. É nessa totalidade
que se obteria o verdadeiro desdobramento do tempo
descontínuo, e é na monotonia da repetição que se reencontraria
a impressão da duração vazia e, por conseguinte, pura.
Fundado numa comparação numérica com a totalidade dos
instantes, o conceito de riqueza temporal de uma vida ou de
um fenômeno particulares assumiria, então, sentido absoluto,
segundo a maneira pela qual essa riqueza é utilizada, ou, antes,
segundo a maneira pela qual ela não alcança sua realiza-
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A INTUIÇÃO DO INSTANTE
ção. Mas, como essa base absoluta nos é recusada, devemos
contentar-nos com balanços relativos.
Eis, portanto, que se prepara uma concepção da duraçãoriqueza
que deve prestar os mesmos serviços que a duração-extensão.
Pode-se ver que ela leva em conta não apenas os fatos,
mas também, e sobretudo, as ilusões – o que, psicologicamente
falando, é de uma importância decisiva, porque a vida do
espírito é ilusão antes de ser pensamento. Compreendemos
também que nossas ilusões constantes, incessantemente reencontradas,
já não são ilusão pura e que, ao meditar em nosso
erro, nos aproximamos da verdade. La Fontaine tem razão
quando nos fala das ilusões “que nunca nos enganam ao nos
mentirem sempre”.
O duro rigor das metafísicas científicas pode então se descontrair,
e podemos retornar às margens de Siloé, onde se reconciliam,
completando-se, o espírito e o coração. O que faz
o caráter afetivo da duração, a alegria ou a dor de ser, é a proporção
ou a desproporção das horas de vida utilizadas como
hora de pensamento ou como hora de simpatia. A matéria descura
de ser, a vida descura de viver, o coração descura de amar.
É dormindo que perdemos o paraíso. Sigamos agora a perspectiva
de nossa indolência: o átomo irradia e existe com freqüência,
utiliza um grande número de instantes, porém não
utiliza todos os instantes. Já a célula viva é mais avara de seus
esforços, utiliza somente uma fração das possibilidades temporais
que lhe são entregues pelos átomos que a constituem.
Quanto ao pensamento, é por lampejos irregulares que ele
utiliza a vida. Três filtragens através das quais muito poucos
instantes vêm à consciência! Sentimos então um surdo sofrimento
quando saímos em busca dos instantes perdidos. Lembramo-
nos daquelas horas ricas que se marcam ao compasso dos
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O INSTANTE
mil sons dos sinos de Páscoa, desses sinos da ressurreição cujas
batidas não se contam porque todas elas contam, porque cada
qual tem um eco em nossa alma desperta. E essa lembrança
de alegria é já um remorso quando comparamos, a essas horas
de vida total, as horas intelectualmente lentas porque relativamente
pobres, as horas mortas porque vazias – vazias de
desígnio, como dizia Carlyle do fundo de sua tristeza –, as horas
hostis intermináveis porque nada dão.
E sonhamos com uma hora divina que daria tudo. Não a
hora plena, mas a hora completa. A hora em que todos os instantes
do tempo seriam utilizados pela matéria, a hora em que todos
os instantes realizados na matéria seriam utilizados pela
vida, a hora em que todos os instantes vividos seriam sentidos,
amados, pensados. A hora, por conseguinte, em que a relatividade
da consciência seria apagada, porque a consciência seria
a exata medida do tempo completo.
Finalmente, o tempo objetivo é o tempo máximo; é aquele que
contém todos os instantes. Ele é feito do conjunto denso dos
atos do Criador.
V
Restaria agora explicar o caráter vetorial da duração, indicar
o que faz a direção do tempo, em quê uma perspectiva de instantes
desaparecidos pode chamar-se passado, em quê uma
perspectiva de espera pode chamar-se futuro.
Se pudemos compreender a significação primordial da intuição
proposta por Roupnel, devemos estar prontos para admitir
que o passado e o futuro – como a duração – correspondem
a impressões essencialmente segundas e indiretas. Passado
e futuro não tocam a essência do ser, e muito menos a essência
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A INTUIÇÃO DO INSTANTE
primeira do Tempo. Para Roupnel, convém repetir, o Tempo
é o instante, e é o instante presente que tem toda a carga
temporal. O passado é tão vazio quanto o futuro. O futuro está
tão morto quanto o passado. O instante não contém uma duração
em seu seio, não impele uma força num sentido ou noutro.
Ele não tem duas faces, é inteiro e único. Por mais que lhe
meditemos a essência, não encontraremos nele a raiz de uma
dualidade suficiente e necessária para pensar uma direção.
Aliás, quando se quer, sob a inspiração de Roupnel, exercitar-
se na meditação do Instante, percebe-se que o presente
não passa, porque só se sai de um instante para reencontrar outro;
a consciência é consciência do instante, e a consciência
do instante é consciência – duas fórmulas tão vizinhas que nos
colocam na mais próxima das recíprocas e afirmam uma assimilação
da consciência pura e da realidade temporal. Uma vez
encerrada numa meditação solitária, a consciência tem a imobilidade
do instante isolado.
É encerrado no isolamento do instante que o tempo pode
receber uma homogeneidade pobre, mas pura. Essa homogeneidade
do instante, de resto, nada prova contra a anisotropia
que resulta dos agrupamentos que permitem reencontrar a
individualidade das durações, tão bem assinalada por Bergson.
Noutras palavras, como no próprio instante nada há que nos
permita postular uma duração, pois já não há nada que possa
explicar imediatamente a razão de nossa experiência – que,
no entanto, é real – daquilo que chamamos de passado e futuro,
cumpre-nos tentar construir a perspectiva dos instantes que
designa apenas o passado e o futuro.
Ora, quando se escuta a sinfonia dos instantes, sentem-se
as frases que morrem, as frases que tombam e são arrastadas
em direção ao passado. Mas essa fuga para o passado, pelo fato
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O INSTANTE
mesmo de ser uma aparência segunda, é toda relativa. Um ritmo
extingue-se relativamente a outra partitura da sinfonia que
continua. Poderíamos representar bastante bem esse decréscimo
relativo pelo seguinte esquema:
... . . .
..... ..... ..... .....
Três por cinco torna-se dois por cinco, depois um por cinco,
depois é o silêncio de um ente que nos deixa, enquanto
em derredor o mundo continua a ressoar.
Com esse esquema, compreende-se o que existe de potencial
e ao mesmo tempo relativo no que chamamos, sem lhe
especificar os limites, de hora presente. Um ritmo que continua
inalterado é um presente que tem uma duração; esse presente
que dura compõe-se de múltiplos instantes que, de um
ponto de vista particular, apresentam perfeita monotonia. É de
tais monotonias que são feitos os sentimentos duradouros que
determinam a individualidade de uma alma particular. A unificação
pode estabelecer-se em meio a circunstâncias bem diversas.
Para quem continua a amar, um amor defunto é ao mesmo
tempo presente e passado; é presente para o coração fiel, é
passado para o coração sofrido. É, pois, sofrimento e reconforto
para o coração que aceita ao mesmo tempo o sofrimento e a
recordação. Chega-se mesmo a dizer que um amor permanente,
signo de uma alma duradoura, é algo diverso de sofrimento
e felicidade e que, transcendendo a contradição afetiva, um
sentimento que dura assume um sentido metafísico. Uma alma
amante experimenta efetivamente a solidariedade dos instantes
repetidos com regularidade. Reciprocamente, um ritmo
uniforme de instantes é uma forma a priori de simpatia.
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A INTUIÇÃO DO INSTANTE
Um esquema inverso ao primeiro esquema nos representaria
um ritmo que nasce e nos daria os elementos da medida
relativa de seu progresso. O ouvido musical escuta o destino
da melodia, sabe como terminará a frase começada. Nós
pré-ouvimos o futuro do som como prevemos o futuro de
uma trajetória. Voltamos todas as nossas forças para o futuro
imediato, e é essa tensão que faz nossa duração atual. Como
diz Guyau, é nossa intenção que ordena verdadeiramente o
futuro como uma perspectiva da qual somos o centro de projeção.
“É preciso desejar, é preciso querer, é preciso estender
a mão e caminhar para criar o futuro. O futuro não é aquilo
que vem em nossa direção, mas aquilo em direção ao qual nos dirigimos.”
8 O sentido e o alcance do futuro estão inscritos no
próprio presente.
Assim, construímos tanto no tempo como no espaço. Há
aqui uma persistência metafórica que teremos de esclarecer.
Reconheceremos então que a lembrança do passado e a previsão
do futuro se fundam em hábitos. E, como o passado não
passa de uma lembrança e o futuro nada mais é que uma previsão,
afirmaremos que passado e futuro são apenas, no fundo,
hábitos. Esses hábitos estão longe de ser imediatos e precoces.
Enfim, os caracteres que fazem com que o Tempo nos
pareça durar, como aqueles que fazem com que o Tempo se
delineie segundo as perspectivas do passado e do futuro, não
são, a nosso ver, propriedades de primeiro aspecto. O filósofo
deve reconstruí-los apoiando-se unicamente na realidade
temporal dada imediatamente ao Pensamento, na realidade do
Instante.
8 Guyau, op. cit., p. 33.
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O INSTANTE
Veremos que é nesse ponto que se condensam todas as dificuldades
de Siloë. Mas essas dificuldades podem provir das
idéias preconcebidas do leitor. Se segurarmos fortemente as
duas pontas da corrente que vamos fixar, compreenderemos
melhor, em seguida, o encadeamento dos argumentos. Eis, portanto,
nossas duas conclusões, aparentemente contrárias, que
teremos de conciliar:
1) A duração não tem força direta; o tempo real só existe
verdadeiramente pelo instante isolado, está inteiramente
no atual, no ato, no presente.
2) Entretanto, o ser é um lugar de ressonância para os ritmos
dos instantes e, como tal, poder-se-ia dizer que ele tem um
passado como se diz que um eco tem uma voz. Mas esse passado
não passa de um hábito presente, e esse estado presente
do passado é ainda uma metáfora. Com efeito, para nós
o hábito não está inscrito numa matéria, num espaço. Só
pode tratar-se de um hábito todo sonoro que permanece,
queremos crer, essencialmente relativo. O hábito que,
para nós, é pensamento é demasiado aéreo para ser registrado,
demasiado imaterial para dormir na matéria. É um
jogo que continua, uma frase musical que deve recomeçar
porque faz parte de uma sinfonia na qual desempenha
um papel. Pelo menos é assim que tentaremos solidarizar,
pelo hábito, o passado e o futuro. Naturalmente, do lado
do futuro, o ritmo é menos sólido. Entre os dois nadas, ontem
e amanhã, não há simetria. O futuro não passa de um
prelúdio, de uma frase musical que avança e é ensaiada.
Uma única frase. O Mundo só se prolonga por uma curtíssima
preparação. Na sinfonia que se cria, o futuro só é
assegurado por uns poucos compassos. Humanamente, a
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A INTUIÇÃO DO INSTANTE
dissimetria do passado e do futuro é radical. Em nós, o
passado é uma voz que encontrou um eco. Damos assim
uma força ao que já não passa de uma forma, ou melhor,
damos uma forma única à pluralidade de formas. Por essa
síntese, o passado assume então o peso da realidade. Porém
o futuro, por tenso que seja nosso desejo, é uma perspectiva
sem profundidade. Não tem verdadeiramente nenhum
vínculo sólido com o real. Daí dizermos que ele está
no seio de Deus.
Tudo isso se esclarecerá, talvez, se pudermos resumir o segundo
tema da filosofia roupneliana. Falamos do hábito. Roupnel
o estuda em primeiro lugar. Se subvertemos a ordem de
nosso exame, foi porque a negação absoluta da realidade do
passado é o postulado temível que cumpre admitir a princípio
para bem avaliar a dificuldade que há em assimilar as idéias
correntes sobre o hábito. Em suma, no capítulo seguinte nos
perguntaremos como se pode conciliar a psicologia usual do
hábito com uma tese que não reconhece no passado uma ação
direta e imediata sobre o instante presente.
VI
Todavia, antes de iniciar esse capítulo, poderíamos, se tal fosse
nosso objeto, procurar no domínio da ciência contemporânea
razões para fortalecer a intuição do tempo descontínuo.
Roupnel não deixou de traçar um paralelo entre sua tese e a
descrição moderna dos fenômenos de radiação na hipótese
dos quanta.9 No fundo, a contabilidade da energia atômica é
9 Cf. Siloë, p. 121.
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O INSTANTE
feita empregando-se mais a aritmética que a geometria. Essa
contabilidade se exprime mais com freqüências que com durações,
e a linguagem em quantas vezes suplanta pouco a pouco
a linguagem em quanto tempo.
Aliás, no momento em que escrevia, Roupnel não podia
prever toda a extensão que assumiriam as teses da descontinuidade
temporal, tais como foram apresentadas no Congresso
do Instituto Solvay, em 1927. Se lermos também os trabalhos
modernos sobre as estatísticas atômicas, veremos que
há hesitação em fixar o elemento fundamental dessas estatísticas.
Que é que se deve recensear: elétrons, quanta, grupos de
energia? Onde colocar a raiz da individualidade? Não é absurdo
remontar a uma realidade temporal em si mesma para
encontrar o elemento mobilizado pelo acaso. Assim, um conceito
estatístico dos instantes fecundos, tomados cada qual em
seu isolamento e em sua independência, é concebível.
Haveria igualmente interessantes paralelos a traçar entre
o problema da existência positiva do átomo e sua manifestação
sempre instantânea. Em certos aspectos, interpretaríamos
bastante bem os fenômenos de radiação dizendo que o átomo
só existe no momento em que muda. Se acrescentarmos
que essa mudança se dá de maneira brusca, tenderemos a admitir
que todo o real se condensa no instante; deveríamos medir
sua energia utilizando não velocidades, mas impulsões.
Por outro lado, mostrando-se a importância do instante
no acontecimento, far-se-ia ver tudo quanto há de frágil na
objeção, sempre evocada, do caráter dito real do “intervalo”
que separa dois instantes. Para as concepções estatísticas do
tempo, o intervalo entre dois instantes é apenas um intervalo
de probabilidade; quanto mais seu nada se alonga, maior é
a chance de que um instante venha terminá-lo. É essa acen-
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A INTUIÇÃO DO INSTANTE
tuação da chance que lhe mede a grandeza. A duração vazia,
a duração pura tem somente, então, uma grandeza de probabilidade.
O átomo, quando deixa de irradiar, passa a uma existência
energética de todo em todo virtual; não despende mais
nada, a velocidade de seus elétrons não usa nenhuma energia;
não economiza tampouco, nesse estado virtual, um potencial
que ele poderia liberar após um longo repouso. Na verdade,
ele é apenas um brinquedo abandonado; menos ainda, é apenas
uma regra de jogo inteiramente formal que organiza meras
possibilidades. A existência retornará ao átomo com a chance;
noutras palavras, o átomo receberá o dom de um instante
fecundo, mas o receberá por acaso, como uma novidade essencial,
de acordo com as leis do cálculo das probabilidades,
porque é preciso que cedo ou tarde o Universo tenha, em todas
as suas partes, a partilha da realidade temporal, porque o
possível é uma tentação que o real sempre acaba por aceitar.
Aliás, o acaso obriga sem vincular a uma necessidade absoluta.
Compreende-se, então, que o tempo que não tem efetivamente
uma ação real possa causar a ilusão de uma ação fatal.
Se muitas vezes um átomo permanece inativo enquanto
os átomos vizinhos irradiam, a vez de agir torna-se cada vez
mais provável para esse átomo há tempos adormecido e isolado.
O repouso aumenta a probabilidade da ação, ele não prepara
realmente a ação. A duração não age “à maneira de uma
causa”,10 mas à maneira de um acaso. Aqui, ainda, o princípio de
causalidade exprime-se melhor na linguagem da numeração dos atos
que na linguagem da geometria das ações que duram.
Mas todas essas provas científicas estão fora da presente
investigação. Se fôssemos desenvolvê-las, desviaríamos o lei-
10 Bergson, op. cit., p. 117.
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O INSTANTE
tor do objetivo visado. O que queremos empreender aqui,
com efeito, é apenas uma tarefa de libertação pela intuição.
Como a intuição do contínuo nos oprime com freqüência,
é indubitavelmente útil interpretar as coisas com a intuição
inversa. Não importa o que se pense da força de nossas demonstrações,
é inegável o interesse que existe em multiplicar
as intuições diferentes na base da filosofia e da ciência. Nós
mesmos ficamos surpresos, lendo o livro de Roupnel, com a
lição de independência intuitiva que se recebia ao se desenvolver
uma intuição difícil. É pela dialética das intuições que
se pode lançar mão das intuições sem risco de ser por elas
ofuscado. A intuição do tempo descontínuo, tomada no aspecto
filosófico, ajuda o leitor que quer seguir, nos mais variados
domínios das ciências físicas, a introdução das teses da descontinuidade.
É o tempo que é mais difícil de pensar sob forma
descontínua. É, pois, a meditação dessa descontinuidade
temporal realizada pelo Instante isolado que nos abrirá os caminhos
mais diretos para uma pedagogia do descontínuo.
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