Você está na página 1de 3

Não sei quantas almas tenho

Presságio

O amor, quando se revela, Não sei quantas almas tenho.


Não se sabe revelar. Cada momento mudei.
Sabe bem olhar pra ela, Continuamente me estranho.
Mas não lhe sabe falar. Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem quer dizer o que sente Quem tem alma não tem calma.
Não sabe o que há de dizer. Quem vê é só o que vê,
Fala: parece que mente… Quem sente não é quem é,
Cala: parece esquecer…
Atento ao que sou e vejo,
Ah, mas se ela adivinhasse, Torno-me eles e não eu.
Se pudesse ouvir o olhar, Cada meu sonho ou desejo
E se um olhar lhe bastasse É do que nasce e não meu.
Pra saber que a estão a amar! Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Mas quem sente muito, cala; Diverso, móbil e só,
Quem quer dizer quanto sente Não sei sentir-me onde estou.
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente! Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
Mas se isto puder contar-lhe O que segue não prevendo,
O que não lhe ouso contar, O que passou a esquecer.
Já não terei que falar-lhe Noto à margem do que li
Porque lhe estou a falar… O que julguei que senti.
Releio e digo: “Fui eu?”
O que Me Dói não É Deus sabe, porque o escreveu.

O que me dói não é


O que há no coração
Mas essas coisas lindas
Que nunca existirão...
Quando ela passa
São as formas sem forma
Que passam sem que a dor
As possa conhecer Quando eu me sento à janela
Ou as sonhar o amor. P'los vidros que a neve embaça
Vejo a doce imagem dela
São como se a tristeza
Fosse árvore e, uma a uma, Quando passa... passa... passa...
Caíssem suas folhas
Entre o vestígio e a bruma Lançou­me a mágoa seu véu: ­
Menos um ser neste mundo
E mais um anjo no céu.

Quando eu me sento à janela,
P'los vidros que a neve embaça
Julgo ver a imagem dela
Que já não passa... não passa...

Foi um Momento

Foi um momento Isto


O em que pousaste
Sobre o meu braço, Dizem que finjo ou minto
Num movimento Tudo o que escrevo. Não.
Mais de cansaço Eu simplesmente sinto
Que pensamento, Com a imaginação.
A tua mão
E a retiraste. Não uso o coração.
Senti ou não ?
Tudo o que sonho ou passo,
Não sei. Mas lembro O que me falha ou finda,
E sinto ainda É como que um terraço
Qualquer memória
Fixa e corpórea Sobre outra coisa ainda.
Onde pousaste Essa coisa é que é linda.
A mão que teve
Qualquer sentido Por isso escrevo em meio
Incompreendido. Do que não está ao pé,
Mas tão de leve!...
Livre do meu enleio,
Tudo isto é nada, Sério do que não é.
Mas numa estrada
Como é a vida Sentir? Sinta quem lê!
Há muita coisa Incompreendida...

Sei eu se quando
A tua mão
Senti pousando
‘Sobre o meu braço,
E um pouco, um pouco,
No coração,
Não houve um ritmo
Novo no espaço?
Como se tu,
Sem o querer,
Em mim tocasses
Para dizer
Qualquer mistério,
Súbito e etéreo,
Que nem soubesses
Que tinha ser.

Assim a brisa
Nos ramos diz
Sem o saber
Uma imprecisa
Coisa feliz.

Você também pode gostar