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Resumo:
A pesquisa que segue é uma tentativa de reflexão acerca da importância dos direitos humanos
nas sociedades indígenas da América latina a partir da leitura da obra Brevísima relación de la
destrucción de las índias (1552) de Bartolomé de Las Casas, que traduz a forma de tratamento
conferida aos nativos do novo mundo no início da colonização espanhola do século XVI. Os
castigos físicos e as formas de submissão dos nativos aos costumes europeus, que eram uma
constante no movimento colonizador, se mostram ainda presentes em várias comunidades
contemporâneas, o que caracteriza uma imposição cultural sem a mínima observância ou
consideração dos valores étnicos. O desrespeito aos seus Direitos e garantias é um dos muitos
problemas enfrentados por esses povos, desrespeito esse que, a nosso ver não apresenta
questões meramente retóricas.
Palavras-Chave: Direitos Humanos. Sociedades Indígenas. Bartolomé de Las Casas.
Abstract:
The research that follows is an attempt to reflect on the importance of human rights in the
indigenous societies of Latin America from the reading of the work Brevísima Relación de la
destrucción de las Indies (1552) Bartolomé de Las Casas, which translates to a treatment
given to natives of the new world in the early sixteenth-century Spanish colonization.
Corporal punishment and submission forms to the customs of the native Europeans, who were
a constant in the settler movement, show even present in various contemporary communities,
which features a cultural imposition without the slightest respect or regard for the ethnic
values. The disrespect of their rights and guarantees is one of the many problems faced by
these people who disregard this, in our view has not merely rhetorical questions.
Keywords: Human Rights. Indigenous Societies. Bartolomé de Las Casas.
1
Graduando do curso de Direito da Faculdade de Integração do Sertão – FIS. E-mail:
guga.megadeth@gmail.com
2
Graduando do curso de Direito da Faculdade de Integração do Sertão – FIS. E-mail:
luan_diogenes@hotmail.com
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Para efeitos didáticos, quando nos referirmos à obra de Bartolomé de Las Casas Brevísima Relacion de la
destruccion de las índias (1552) será utilizada a abreviação Brevísima.
parte dos dominadores, seus esforços eram vãos e sucumbiam perante o forte arsenal bélico
espanhol, composto por armas de fogo e materiais de combate corpo a corpo muito mais
avançados que os dos indígenas4.
Os dominadores espanhóis não visavam somente o controle dos índios, mas também
que eles aceitassem a forma de tratamento que estava sendo imposta. Diante disso, o repúdio
sentido pelos índios para com os europeus tornava-se cada vez maior. Os invasores tentavam
fazer com que os nativos passassem de uma rejeição à invasão espanhola para uma aceitação
da presença dos espanhóis em suas terras, uma tentativa de produção de subjetividade.
Os índios eram extremamente ligados às suas crenças e aos seus deuses, e isso fez com
que os espanhóis – que já haviam saído da Espanha conhecendo a força que o cristianismo
possuía – tentassem impor uma forma de dominação pautada na prática religiosa. Nesse
sentido, os colonizadores promoveram um movimento de evangelização, que teve início na
Europa, conhecido como Catequese5 na figura dos padres jesuítas – Inclusive alguns foram
mandados ao Brasil colônia como o Padre Jesuíta Manuel de Nóbrega – As crenças dos
dominadores eram passadas aos dominados através de conversões coletivas. 6
Bartolomé de Las Casas utiliza da obra Brevísima (1552) como argumento para pedir
ao senhor príncipe do reino da Espanha – Don Felipe - que dominadores, como os que foram
a América e praticaram todos os atos maldosos e cruéis contra os índios, não tornassem a
fazer algo semelhante em outras expedições. Las Casas enxerga a necessidade de relatar sobre
os fatos ocorridos nas índias, desde seu descobrimento até a conclusão de seu escrito – em
4
Os dominadores possuíam aptidão para confecção de armas de metal como escudos, espadas, facões, além de
armaduras para resistir mais tempo em combate. Os espanhóis eram também treinados e preparados para
batalhas. Em contrapartida, os nativos contavam apenas com seus arcos e flechas, lanças, além de outras
pequenas armas manuais que eram utilizadas para realização de suas atividades diárias, isso na tentativa de se
defender.
5
Para Luitgarde Oliveira Cavalcanti Barros (1997): [...] Em termos antropológicos, se estabelece, sem
conhecimento dos índios, a "missão" dos europeus de proceder à sua "civilização" [...] Para fazer essa
transformação, o mundo católico e protestante organizou a catequese - empresa colonial com métodos,
sacerdotes e pastores, regras e procedimentos para a práxis cristianizadora, além da ação dos catequistas. Como a
finalidade alegada era a transformação de "seres brutos, de mentalidade infantil", em cristãos conscientes [...]
(grifos nossos).
6
Conversões coletivas no sentido de que uma grande quantidade de índios era reunida para ser evangelizada de
uma só vez, e assim os espanhóis aceleravam o processo de dominação.
1542 – de maneira que o príncipe denegasse qualquer pedido dos “colonizadores’’ para
realizar novas explorações. A narração de Las Casas aponta a situação dos Reinos, ilhas e
províncias invadidas e a conduta dos dominadores perante cada uma.
Por volta do ano de 1509 os espanhóis passaram a exploração das ilhas de San Juan e
também da Jamaica. Os dominadores tinham como principais objetivos a exploração de ouro
e demais riquezas desses locais – prata, minério de ferro, etc. – e também o abastecimento das
tropas7. Essas ilhas eram bem localizadas e davam amplo acesso aos demais reinos e
províncias que estavam nos planos dos invasores.
A forma como os índios que habitavam esses locais foram tratados pelos invasores,
englobava as mais diversas formas de injustiça e violência. Os dominadores cometeram
grandes atrocidades contra os índios – matavam a golpes de espada, queimavam vivos,
assavam e atiravam a cães ferozes, e depois ainda atormentavam e oprimiam os sobreviventes
nas minas e em outros trabalhos, até consumir e acabar todos os infelizes inocentes. (LAS
CASAS, 1986. Tradução nossa).
No ano de 1511 estes invasores passam a dominação da ilha de Cuba, e temos um
episódio semelhante ao que aconteceu nas ilhas de San Juan e Jamaica, ou seja, o uso da
violência na tentativa de dominar. Alguns dos habitantes dessa ilha já receberam notícias
sobre o comportamento do homem branco e também sobre o que faziam com os povos aos
quais invadiam. Nesse sentido, buscavam alertar aos integrantes de suas comunidades - que
ainda não conheciam os dominadores - sobre as práticas cruéis dos invasores.
Cabe reforçar aqui que todo o processo compreendido nessa invasão, e aqui descrito, é
a forma como os espanhóis impunham sua cultura européia aos nativos, que, segundo eles,
eram seres aculturados. Não é demais acrescentar que situações como essa,
contemporaneamente, seriam fortemente combatidas, sendo que o grande cerne da presente
pesquisa é a valoração e necessidade de respeito ás diversas etnias presentes em nossa
sociedade.
Hatuey, cacique e principal senhor da ilha de cuba, juntou seu povo e disse-lhes – Já
sabem como dizem que os cristãos passam aqui, e tens experiência de como estão tratando
também os senhores, dessa e daquela forma. Vocês sabem por acaso por que o fazem? – e
aqueles de seu povo disseram – Não, mas deve ser porque são, em sua natureza, cruéis e maus
7
Esse abastecimento das tropas diz respeito às necessidades básicas dos homens, como comida, descanso, água e
reposição da energia após uma longa viagem.
– e então o cacique Hatuey disse a todos – Não o fazem somente por isso, mas sim porque
tem um Deus a quem eles adoram e querem muito... - (LAS CASAS, 1986, p.30. Tradução
Nossa).
Bartolomé de Las Casas aponta de forma crítica que o entendimento dos indígenas
acerca da fé e do Deus no qual os espanhóis acreditavam, ganhava status de fundamento para
o massacre cometido pelos invasores. Diz Las Casas: “Ésta es la fama y honra que Dios e
nuestra fee há ganado com los cristianos que han ido a las índias.” (LAS CASAS, 1986,
p.30). Sendo que, com isso, a crença dos invasores contraía uma espécie de “má fama” 8 entre
os índios, pois seria “a motivação” de todos os atos ocorridos. É neste sentido que caminha a
invasão, a destruição das etnias de cada localidade por onde passavam os invasores.
8
Como visto na primeira parte da pesquisa, o fato dos índios não aceitarem sua presença era extremamente
preocupante para os invasores. A má fama que a crença espanhola ganhou, como sendo o fundamento para todas
as atrocidades cometidas, de certo modo, afastava os espanhóis de seus objetivos.
Casas (1986, p. 35) “E cuando algunos cansaban y se despeaban de las grandes cargas y
enfermaban de hambre e trabajo y flaqueza, por no desensartarlos de las cadenas les
cortaban por la collera la cabeza”. Por todas as formas, os dominadores tentavam fazer com
os índios se submetessem ao às suas pretensões, quando isso não acontecia, a vida dos nativos
era tirada.
Cerca de 3 (três) anos depois do ocorrido em Nicarágua, no ano de 1526, a busca pelo
ouro continua e agora o local escolhido para essa exploração é o Reino da Venezuela.
Bartolomé de Las Casas descreve o reino da Venezuela como sendo um grande reino, o qual
apresentava indícios de que guardava grandes riquezas em suas terras. Diz Las Casas (1986,
p. 59. Tradução nossa) “[...] Mais de quatrocentas léguas de terras afortunadas, e nelas,
grandes e admiráveis províncias, vales de quarenta léguas, regiões amenas, populações
grandes, riquíssimas de gente e ouro [...]”. E nesse mesmo ritmo é que o reino da Venezuela é
destruído pelos invasores.
Por volta de 1531 os reinos que compunham o Perú foram atingidos pela invasão
espanhola. A grande quantidade de reinos e províncias que integravam o Perú chamou a
atenção dos dominadores, notadamente a ilha de Pugna. Os invasores avistaram, de imediato,
o grande potencial das novas terras com relação a pedras preciosas e riquezas naturais que
poderiam servir de sustento para a tropa – mais uma vez, não houve a mínima atenção com a
riqueza cultural do local nem com a diversidade étnica.
Nessas terras, o extermínio foi novamente uma constante. As mais diversas formas de
injustiça dentre elas - roubos às reservas feitas pelos nativos, destruição dos povos, exploração
destrutiva (e não sustentável) das terras, etc. – além de uma imposição valorativa, que já vinha
sendo uma prática comum em todos os locais por onde os invasores passavam.
Todas as ilhas que se localizavam próximas ao reino do Perú também sofreram com a
invasão. Conforme mencionado no início desse tópico, a ilha de Pugna que era muito povoada
e cheia de recursos passou pelo processo de dominação. Nessa ilha, os espanhóis saquearam
colheitas e também os recursos que os nativos haviam juntado para conseguir suportar os
tempos de seca e de infertilidade das terras.
Por nossa parte, há a observação de que o problema do desrespeito aos valores
culturais e étnicos das sociedades indígenas dessa época ainda são extremamente presentes
nos dias de hoje.
Os índios eram dotados de boa-fé, no sentido de confiar no que lhes fosse prometido –
isso em um primeiro momento. No entanto, os índios aos poucos perceberiam que os
espanhóis somente prometiam a liberdade e a vida das famílias do seu povo, mas não tinham a
mínima intenção de cumprir suas promessas. Os Nativos, na busca de conservar sua vida e
principalmente a de suas mulheres e crianças, cumpriam “a risca” as determinações dos
dominadores.
É então que surge a figura de Atabaliba, rei e imperador dos reinos do peru, que foi
acometido com as mesmas mentiras com as quais os espanhóis enganavam o seu povo.
Atabaliba foi preso pelo exercito dos invasores, sendo exigida uma quantia de 4(quatro)
milhões de Castelhanos para que o rei fosse novamente posto em liberdade (LAS CASAS,
1986). Ao passo que o imperador entregou a quantia exigida para que pudessem “libertá-lo”
os espanhóis condenaram-no a queimar vivo.
O rei/imperador do Perú não entendia a situação pois, como combinado, pagou o preço
pelo seu “resgate” e mesmo assim não foi libertado. Por isso, era tão condenável a forma de
trato que os dominadores conferiam aos índios, uma quebra de confiança, um desrespeito e
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Do Espanhol original: […] y de nuevo descubriéndoles los trojes del trigo que tenían para sí e sus mujeres y
hijos los tiempos de seca y estériles, e ofreciéndoselas con muchas lágrimas que las gastasen e comiesen a su
voluntad, el pago que les dieron a la fin fue que los metieron a espada y alancearon mucha cantidad de gentes
dellas y los que pudieron tomar a vida hicieron esclavos con grandes y señaladas crueldades otras que en ellas
hicieron, dejando casi despoblada la dicha isla.
aproveitamento da inocência dos índios com relação a muitos dos interesses do Reino
Espanhol. Las Casas expõe a fala de Atabaliba:
[…] Quando ele soube, disse: <<Por que irás me queimar, o que vos fiz?
Não prometestes me soltar quando te desse o ouro? Não dei mais do que eu
prometi? Pois que assim o queres, envía-me a vosso rei da Espanha>>, e
outras muitas coisas que disse para grande confusão e detestável grande
injustiça dos espanhóis; e em fim o queimaram. (LAS CASAS, 1986, p. 65 –
66. Tradução nossa.). 10
DA ATUAL RELAÇÃO ENTRE OS ÍNDIOS E OS NÃO-ÍNDIOS NA AMÉRICA
LATINA
10
Do Espanhol original: […] Sabido por él, dijo: « ¿Por qué me quemáis, qué os he hecho? ¿No me prometiste
de soltar dándoos el oro? ¿No os di más de lo que os prometí? Pues que así lo queréis, enviadme a vuestro rey de
España», e otras muchas cosas que dijo para gran confusión y detestación de la gran injusticia de los españoles; y
en fin lo quemaron.
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A Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em 1948, norteia as relações entre os homens sob
um ponto de vista que ultrapassa o direito positivo. Isso significa dizer que, existe uma valoração de cunho
étnico e moral que ultrapassa as normas jurídicas. A ciência do Direito dentro das suas limitações necessita da
axiologia para auxiliá-la, e isso é o que justifica a afirmação acima exposta de que o cunho valorativo da
muitos, qual seja, os índios como seres aculturados e brutos. A busca da efetiva igualdade
entre índios e não-índios tem sido um desafio dos defensores dos Direitos humanos, tendo em
vista que muitas são as privações que esses povos sofrem. Faz-se necessária uma breve nota
acerca de uma tribo indígena que teve seus direitos desrespeitados nos mesmos moldes da
invasão espanhola do século XVI tratada por Las Casas.
Como os povos tinham todos uma graciosa horta, como se disse, apossaram-
se delas os cristãos, cada um em um povo, e as repartiam (como dizem, a
Declaração aqui estudada, pois os direitos humanos quando instrumentos de defesa a opressão étnica ultrapassam
o prisma retórico do mero legalismo jurídico. Dessa forma, os Direitos Humanos buscam alcançar de forma
efetiva a igualdade entre todos em uma coletividade, bem como assegurar os direitos e garantias dos indivíduos
também como no âmbito individual.
Acçolini (2010) destaca a tribo dos índios Ñambiquara, que durante a ditadura militar
teve suas terras atacadas e quase foram destituídas da propriedade dos terrenos que ocupavam.
Diz Acçolini (2010, p. 97) “Os índios Ñambiquara são conhecidos desde o século XVIII
quando da ocupação predatória dos seus territórios, atual Mato Grosso, em virtude da
descoberta de ouro na região, como na chapada de São Francisco Xavier.”. Além dessa
invasão com cunho de exploração percebe-se outro fator que também assolou essa
comunidade, o da demarcação de terras, passemos a sua análise.
Muitas dessas demarcações ficavam a cargo da ambição estatal, ou seja, de interesses
do estado que sempre justificam suas ações no tão falado interesse público. No entanto, é
possível perceber que o respeito aos Direitos Humanos e aos Direitos dos povos indígenas não
é mero interesse individual, mas também público. Acçolini (2010) cita o caso da construção
da BR 364, que liga Cuiabá a porto velho no estado de Rondônia, tendo como resultados a
grande perda de territórios por parte da Ñambiquara.
Falando ainda nas várias outras tentativas de tomar as terras dessa tribo, Acçolini
atenta a época ditatorial quando “foi criada pelo governo militar de Costa e Silva, reserva
Ñambiquara, na região entre os rios Juina e Camararé, região cujo solo é extremamente
pobre e árido” (ACÇOLINI, 2010, p. 97 – 98). Essa medida tinha por principal objetivo
colocar todos os índios em um único local para que as terras férteis ficassem a disposição dos
grandes agro-negócios.
O breve relato sobre essa tribo, permite a afirmação de que muitos dos problemas
enfrentados pelas sociedades indígenas persistem desde o período da invasão espanhola
narrada por Bartolomé de Las Casas até os dias atuais. Mesmo após a Declaração Universal
dos Direitos Humanos existem pessoas que tem seus direitos respeitados. Os não-índios, em
muitos dos casos, deixam transparecer a mesma intolerância étnica posta pelos invasores
Espanhóis.
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Do original: [...]Como los pueblos que tenían eran todos uma muy graciosa huerta cada uno, como se dijo,
aposentáronse em ellos los cristianos, cada uno en El pueblo que Le repartían (como dicen solls, Le
encomendaban), y hacía em él sus labranzas, manteniéndose de las comidas pobres de los índios, e así les
tomaron sus particulares tierras y heredades de que se mantenían [...] no teniendo ni dejándoles tener casa ni cosa
propia;
REFERÊNCIAS
Disponível em
http://es.wikipedia.org/wiki/Brev%C3%ADsima_relaci%C3%B3n_de_la_destrucci%C3%B3
n_de_las_Indias. 26/11/2010 às 16h35min.
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Apresentação de
Celso Lafer. Nova Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.