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Envelhecimento e qualidade de vida: o desafio actual Joao Barreto! Resumo O presente artigo comega por passar em revista as principais teorias biolégicas sobre o fenémeno do envelhecimento. Considerando que a perspectiva biolégica é em certa medida limitada, alarga-se 0 horizonte aos factores culturais e ao papel que eles podem ter na satisfagdo e na qualidade de vida. Esta resulta do sucesso de um proces- 80 continuo de adaptagao as situagdes com que 0 idoso vai deparando. Mas esse sucesso nao depende apenas de factores individuais ou internos. Depende, e muito, das condigées externas que Ihe sio proporcionadas. Analisam-se algumas caréncias sociais no que se refere aos cuidados dispensados aos idosos. Entre as lacunas a que urge acudir, refere-se o apoio as fmilias que tém a seu cargo idosos dependentes. Salienta-se que os prdprios prestadores de cuidados esto também em risco de ver a sua sade psiquica afectada, o que pode perturbar o bem-estar de toda a familia, incluindo os idosos. Para os ajudar é necessério nao s6 suporte material e téc- nico, como também atengio as dificuldades proprias de cada caso, e naturalmente disponibilidade e bom relacionamento humano Palavras-chave: Envelhecimento, qualidade de vida, prestadores de cuidados. Introdugio Hoje jé nao é raro chegar-se a velhice, como o foi durante milénios. Os Progressos da medicina curativa e preventiva, bem como a melhoria das condigdes de vida da populagao em geral, tornaram possivel o prolongamen- to da esperanga de vida da maior parte dos individuos, €, consequentemente, levaram ao aumento absoluto ¢ relativo do ntimero de idosos na populagao. A velhice, perdida a aura que tinha, e que fazia dos ancidos seres alvo de admiragao € respeito, e naturalmente acarinhados e Protegidos, tornou-se ' Professor Associado de Psiquiatria da Faculdade de Medicina do Porto, Chefe de Servigo do Hospital de S. Joao. Av. Sidénio Pais, 116 - 1° Esq. - 4100-465 Porto 289 Joao Barreto banal. E uma realidade que pesa a todos, aos préprios e aos que com eles con- vivem, e também a sociedade em geral que os tem a seu cargo. A primeira Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, que teve lugar em Viena em 1982, foi talvez a primeira manifestagao global de uma tomada de consciéncia, por parte dos estados, dos riscos para o bem-estar da humanidade que podem resultar do alongamento da longevidade. Ai foi pos- sivel elaborar principios orientadores de uma politica a nivel mundial para a idade avangada, e formular recomendagées sobre medidas a serem tomadas. Por duas vezes se reuniram novas assembleias mundiais, ¢ novas recomen- dagées foram emitidas. Como, naturalmente, no dispdem as assembleias internacionais de meios para implementar tais medidas, cabe aos estados membros adaptar essas disposi¢des aos contextos proprios, ¢ pé-las em mar- cha com 0s seus recursos. Ora esses recursos so limitados, e podemos dizer mesmo escassos, na generalidade dos paises, e o nosso nao faz infelizmente excepgao. Temos mais de um milhdo e meio de idosos, e cada vez menos jovens e adultos activos. As necessidades de apoio médico e social desses idosos nao parario de crescer nos proximos anos, € no entanto os recursos financeiros da seguranga social parecem cada vez mais ameagados. As familias tradicionais parecem estar em crise e ja ndo podem assegurar, muitas delas, os cuidados de que os seus membros de mais idade necessitam. Dai uma atitude de rejeigao do idoso, estranha talvez a nossa tradigao cultural, mas infelizmente bem real € fonte de negligéncias e mesmo de maus-tratos. Face a esta realidade, somos levados a interrogar-nos sobre 0 que sera possivel fazer para melhorar a condig4o dos idosos. No presente Encontro Internacional varios oradores iro examinar as incidéncias que decorrem das suas diferentes perspectivas, principalmente no 4mbito social e politico. Cabe-me, enquanto médico, especialista em Psiquiatria e particularmente dedicado aos problemas do doente idoso, reflectir ainda que brevemente sobre aspectos da biologia e satide mental na idade avangada. 1. A biologia do envelhecimento O envelhecimento pode definir-se como conjunto das modificagdes que decorrem do avangar na idade para além da fase da maturidade. E, de certa maneira, um processo inverso do desenvolvimento: neste ocorre 0 crescimen- to do ser vivo, com apari¢do progressiva de caracteristicas de base genética 290 Envelhecimento e qualidade de vida: o desafio actual proprias de cada individuo. Apés um ponto em que o desenvolvimento atinge © seu maximo, comega a observar-se a diminuic¢do progressiva das aptiddes e capacidades, tanto fisicas como mentais: 6 a involucdo, em contraponto com a evolugdo que a precedeu. A senescéncia é a fase de envelhecimento mais acelerado que se observa geralmente apés os 65 anos, idade que na realidade varia de individuo para individuo, pois o ritmo de envelhecimento é manifes- tamente diferente de caso para caso. Nao se deve confundir esse conceito com 0 de senilidade, que designa um estado de extrema fragilidade fisica e men- tal, ocorrendo frequentemente em fases terminais. A deterioracdo de capacidades e aptiddes que se pode verificar em qual- quer época da vida adulta pode ter por causa esse processo involutivo, em principio normal, ou outra causa anormal superveniente, como traumatismos ou doengas especificas. Deve pois distinguir-se um envelhecimento primario ou fisiolégico do secundario ou patoldgico. O envelhecimento secundario resultara da ac¢ao de causas diversas e as suas manifestagées irao variar consideravelmente de individuo para indivi- duo. Ele vai derivar na maioria dos casos de alteragdes do ambiente, e é por- tanto em grande parte imprevisivel. Jao envelhecimento primario pode ser considerado um processo normal, mais ou menos semelhante em todos os individuos da mesma espécie, grad- ual e previsivel, e considera-se geralmente que esta na dependéncia de fac- tores genéticos. Cabe aqui perguntar porque se envelhece, e se é ou sera um dia possivel suster esse processo e sobreviver indefinidamente. Esta eventualidade, diga- se de passagem, ja aflorada em algumas obras literarias do passado e do pre- sente (Vide Swift nas célebres “Viagens de Gulliver”, e Saramago em romance recente), nao parece estar arredada da mente de alguns investi- gadores e até da industria farmacéutica, que a mencionam uma ou outra vez. Nao € facil imaginar os problemas sociais e até juridicos que tal situacdo nova € estranha poderia acarretar, se alguma vez se pudesse realizar. Nenhuma teoria do envelhecimento biolégico foi cabalmente comprova- da pelos factos, mas elas sdo uteis para nos ajudarem a perspectivar a com- plexidade dos fenémenos. Para as teorias estocasticas o envelhecimento é consequéncia de uma acumulagao de danos nos tecidos e nas células, tanto como resultado de agressées do ambiente como ocorrendo aleatoriamente. Os Sactores ambien- tais contribuem para todas as doengas ¢ acidentes que determinam o ja referi- do envelhecimento secunddrio. Temos assim 0s efeitos da ma alimentagao, 291

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