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2. “No hay carne y hay pastel de carne, algo hay”, dizia o velho e arguto político
gaúcho, Leonel Brizola (1922-2004). Na CEI, também ocorreu algo estranho. Entre 8
e 29 de junho foram ouvidas 44 testemunhas. A acusação se empenhou para que
houvesse um número pequeno de testemunhas de cada lado, oito para ela, oito para
a defesa. A defesa da presidente apelou a Lewandowski e conseguiu oito para cada
lado, mas para cada um dos cinco crimes de que Dilma era acusada. E assim
convocou quarenta testemunhas. A acusação ficou com as oito, no total. E nem
chamou todas, ficou em seis. A defesa chamou 38, e todas repetiram,
unanimemente, que os crimes não existiram. Por que a acusação chamou tão pouca
gente: não precisava provar que o crime existiu?
Mais curioso ainda: dos seis convocados pela acusação que falaram nas duas
primeiras sessões de oitivas, dois apresentaram argumentos pro-Dilma. E, a partir
daí, nas doze sessões da CEI da fase de depoimentos, os senadores da bancada pelo
impeachment passaram, de um modo geral, a não fazer perguntas às testemunhas
da defesa e a pressionar para que o processo acabasse o mais cedo possível. A
bancada pro-Dilma, formada por apenas cinco dos 21 titulares da comissão,
conseguiu, no Supremo, também graças ao voto de Lewandowski, aprovar a
produção de uma perícia para saber da existência ou não os tais crimes de
responsabilidade de Dilma. Queria uma junta de peritos internacionais, para fugir do
ambiente passional que domina o País. Conseguiu uma trinca de peritos locais,
escolhida pelo presidente da CEI, o senador Raimundo Lira (PMDB-PB), entre os
técnicos do Senado.
Os dilmistas tentaram, depois, impugnar um deles, Diego Prandino Alves, justamente
o coordenador da trinca escolhida. Na reunião da CEI de 15 de junho, o advogado da
presidente, José Eduardo Cardoso, com todas as muitas vênias de seu repertório,
disse ser Prandino cidadão merecedor do maior respeito, por seu currículo; mas,
pelas postagens na sua página no Facebook não seria recomendado para uma perícia
de tantas implicações políticas. Numa das postagens, Prandino dizia: “Hoje, os que
bradam pela democracia vestem vermelho na sua maioria. Querem ser levados a
sério? Tirem essa roupa vermelha. Nossa bandeira nem sequer tem vestígio dessa
cor, a não ser, é claro, que você considere que o PT seja mais importante do que
tudo...” Cardoso disse ainda que a situação tinha ficado “esquisita” pelo fato de, após
o pedido de impugnação ter vazado, não só o perito coordenador, mas também os
outros dois da junta pericial terem apagado todas as suas postagens recentes na
internet. A impugnação acabou sendo decidida na CEI pelo voto. E, como
praticamente em todas as outras votações da comissão, prevaleceu a maioria anti-
Dilma: Prandino ficou. A decisão pegou mal. Para o senador Cristovam Buarque (PPS-
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DF), suplente na CEI e um dos ainda indecisos sobre como votar, a manutenção de
Prandino fazia o jogo “dos que chamam de golpe o impeachment”. “Vai ficar esse
cheiro”, disse ele aos outros senadores. Posteriormente, o presidente da CEI, senador
Lira, embora mantivesse Prandino na junta, o afastou da função de coordenador.
Como se viu, os peritos não parecem santos. O relatório deles foi divulgado há duas
semanas e não há outro. Com base nele e nas palavras do ilustre jurista Miguel Reale
Jr, principal assinante do pedido de impeachment em tramitação, serão feitas as três
considerações grifadas a seguir.
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solicitações de órgãos de praticamente todos os outros ministérios, da Defesa – dos
comandos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica -, dos ministérios da Cultura, do
Meio Ambiente, da Ciência e Tecnologia. O Poder Judiciário, a partir do Conselho
Nacional de Justiça, pediu 183 milhões de reais. O ministério da Justiça pediu 127
milhões.
O que justifica esses pedidos? O orçamento é anual, a LOA 2015 refere-se a receitas
e despesas desse ano. Mas o orçamento de 2014, como o de todos os anos, não se
resolveu totalmente no ano. Sobraram, em órgãos nos quais ele foi executado,
superavits financeiros – por exemplo, num concurso para juiz de um tribunal federal
com muito mais gente do que o previsto, a soma das taxas de inscrição superou o
estimado. Ou ocorreu um excesso de arrecadação por doação para um hospital
federal, por exemplo. Quando o ano de 2015 começou, todos os órgãos citados há
pouco nos diversos ministérios começaram a preparar seus pedidos de crédito
suplementar, ou seja, encaminharam ao planejamento central do governo pedido
para que essas verbas – de excesso de arrecadação ou superavit financeiro – fossem
acrescentadas às dotações reservadas para elas pela LOA 2015.
Como os depoimentos na CEI das 38 testemunhas da defesa confirmaram, este é um
procedimento natural, antigo, resultante do aprimoramento do processo orçamentário
do País. É totalmente parametrizado, ou seja, o funcionário tem um formulário
eletrônico a preencher e não pode fugir das suas normas. Do nível mais baixo – por
exemplo, a partir de aprovação no departamento competente de uma universidade
federal – o pedido de suplementação por decreto presidencial vai subindo, com
supervisões técnicas e jurídicas em alguns escalões, até chegar à assinatura da
presidente da República. Como disseram vários depoentes, Dilma Rousseff não
poderia desautorizar nenhum desses pedidos, nem inventar qualquer um deles, a
menos que quisesse interferir ditatorialmente em toda a cadeia de processamento dos
créditos suplementares consagrada pelas regras da administração pública há anos.
A acusação diz que o governo tem uma meta de superavit - ou mesmo de déficit
primário - anual, aprovada na LOA no início do ano. Mas deve conter a edição de
créditos suplementares, no seu acompanhamento da execução orçamentária feito
bimestralmente, quando percebe que a meta anual pode não ser atingida. Diz ainda
que o TCU advertiu o governo, falando da necessidade de um comportamento mais
cauteloso, no início do segundo semestre de 2015, e recomendou que, no lugar de
decretos, a presidência enviasse ao Congresso para aprovação projetos de lei.
Na defesa do governo, em depoimento na CEI, no dia 17 de junho, o ex-ministro da
Fazenda de Dilma, Nelson Barbosa, apontou como prova da correção da presidente, o
fato de, na chamada PEC do gasto, a proposta de emenda constitucional para
limitação das despesas públicas apresentada pelo governo Temer ao Congresso
recentemente, o sistema de corte do gasto ser igual ao que era adotado antes, ao
que foi adotado em 2015, quando se tinha uma dotação aprovada pela LOA e o gasto
foi cortado pelo contingenciamento e na boca do caixa. A PEC de Temer diz:
“Poderíamos tanto limitar a despesa empenhada (ou seja, aquela que o Estado se
comprometeu a fazer, contratando o bem ou serviço) ou a despesa paga (aquela que
gerou efetivo desembolso financeiro) aí incluídos os restos a pagar, vindos de
orçamentos anteriores e que são efetivamente pagos no ano”. Barbosa concluiu: o
governo Temer escolheu o critério financeiro, de garantir o resultado primário pelo
regime de caixa, “não escolheu o critério [de limitar o] empenho, muito menos o
critério [de limitar a] dotação orçamentária”. O TCU aprovou essa nova regra em
dezembro de 2015. É certo que a inventou antes, em julho. Mas, na ocasião, quando
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foi apresentada ao governo, este recorreu. E obteve efeito suspensivo da medida. E
ela só começou a valer de fato, quando o pleno daquela corte o julgou
definitivamente, em dezembro. Como diz a defesa de Dilma, nem a partir daí se pode
considerar a decisão do TCU como sendo uma norma jurídica; dela ainda o governo
Dilma pode apelar ao Judiciário. E mais, a partir da decisão do pleno do TCU o
governo não editou novos decretos de créditos suplementares. E essa corte – diga-se
de passagem, órgão assessor do Congresso Nacional que sempre aprovou contas de
presidentes anteriores com decretos como os hoje considerados proibidos – não pode
aplicar suas normas com efeito retroativo, é claro.