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SOCIOLOGIA - PROBLEMAS E PRATICAS No, 198 pp.107-120 Identidade social Um conceito chave ou uma panaceia universal?* Maria Benedicta Monteiro** Maria Luisa Lima*** Jorge Vala’ wR Resumo: O coneeito de identidade social tem. nos tiltimos anos. sido progressi- vamente mais utilizado na descrigio e explicacéo do comportamento social. No contexto da psicologia social. este conecito € apresentado por Henri Tajfel na leoria das relagdcs intergrupos. como a causa dos comportamentos de discrimi- nagao entre grupos sociais. nvas esta relac&o ndo se tem conseguido demonstrar empiricamente. Neste artigo. a par da apresentagio de uma nova metodologia de avaliacao da identidade social. pretendeu-se verificar a existéncia da relagio proposta na teoria. utilizando os esterestipos que os estudantes de OGE do ISCTE tém acerca do seu proprio grupo e do grupo dos estudantes de Sociologia, Os resultados mosiram que: 1) oestereétipo do seu grupo é mais positivo do que 0 do outro grupo: 2) 0 esteredtipo do seu grupo contem as caracteristicas a que atribuem maior valor. deivando preferencialmente para os estudantes de Socio logia as caracteristicas que menos valorizam: 3) a identidade social elevada extrema deste padrao de discriminagdo, Fste contributo para a confirmagao da hipstese de Tajfel ¢ discurido no contesto da sua teoria sobre a identidade social € as relagdes intergrupos. Ao ensaiar uma sintese sobre o estado da investigago no dominio das rclagbes intergrupais, Turner afirmava, recentementc, em resposta a uma critica de Rabbie! & tcoria da Identidade Social "Nao é dificil encontrar varidveis que afectem o comportamento intergrupal - o que é dificil (¢ penso que a tcoria da Identidade Social conseguiu precisamente fazer), € produzir uma explicagao simples ¢ heuristica para esses cfeitos Espanhy ***tnves Comunicagdo apresentada no Ht Encontro Iso: ‘spanhol de Psicologia Social, Escorial. 7-21 de Setembro de 1989. Docenie do ISCTE, investigadora no CHES. *** Docente do ISCTE ES. investigadora no Wor do ICS, daceme do IS 108 M. Benedicta Montciro/M. Luisa Lima/J. Vala Turner referia-se aqui ao proprio constructo, que a teoria da Identidade Social apresenta como ponto de partida ¢ de chegada dos comportamentos de favorilismo grupal no contexto de relagdes entre grupos: a identidade social. De facto, de acordo com esta teoria, os individuos que, em dado momento, se percebem como membros de um grupo, sendo essa pertenca importante no contexto da relagdo com outro grupo, serao levados a favorecer os membros. do scu grupo, a fim de manter ou reforgar a sua identidade social. No Ambito deste modelo teérico mulliplicaram-se, nas tiltimas duas déca- das, os estudos. quer utilizando 0 paradigma dos grupos minimos’, caractcri- zado pela categorizagéo “minima” dos sujeitos © pela auséncia de qualquer conflito entre os grupos, quer utilizando desenhos com categorizagées realistas ¢ conflitos implicitos ou explicitos que opdem os grupos. Esses estudos tm confirmado sistematicamente o cfcito basico da categorizagao sobre 0 compor- tamento de favoritismo grupal, continuando, cniretanto, a exploragao das varidveis que 0 modulam: a assimetria de estatuto dos grupos! a saliéncia de calegorizagées cru adas’, a percepgio da existéncia de conilito®, a hist6ria do conflito’, 0 grau de interdependéneid 1 percebida entre os grupo: 8, a homoge- neidade intragrupal’, cte. Uma questdo mais central subsiste, no cntanto, justificando a acesa discussao a que assistimos entre Turner ¢ Rabbic et al! © que reside no impossibilidade, alé av presente, de demonstrar a articulagao causal que a teoria da Identidade Social afirma existir entre a manutengio ou reforgo desse identidade ¢ 0 comportamento de favoritismo grupal. jo efectuada neste capitulo, nomeadamente pela equipa da Universidade de Kent, U.K.'!, mostra, concretamente, 0 seguinte: a percepgao da intensidade do conflito, ¢ nao a identidade social dos individuos em relagao a pertenga grupal cm estudo, é determinante do comportamento de favoritismo grupal,.o que confirma a pertinéncia do modelo dos “conflitos realistas’ de Sherif, Nos dois estudos de Brown ef. al. a que nos referimos!, os autores utilizaram uma medida de “identificagéo grupal’ composta por 10 items trataram-na como variavel independente, a par com a percepgao de conflito, em relacao ao favoritismo grupal cm 6 arupos profissionais de uma empresa. A identilicagao com 0 grupo nao revelou qualquer capacidade para explicar aquele comportamento. Também noutros estudos. como os de Brown ¢ Wil- liams!* ¢ 9 de Oaker ¢ Brown!®, ambos realizados em contexto organizacional, a equipa de Kent nao conscguiu senio apurar covariagdes alfpicas, ou mesmo negativas, cntre a identidade social dos membros dos grupos ¢ o comportamen- to sistemitico do favoritismo grupal. Num estudo por nés efectuado numa empresa publica de servigos, utilizan- do dois grupos profissionais em conilito!®, idéntico fenémeno se verificou: © estaluto dos grupos ¢ a histéria do conflito, mas nao a identificagao grupal dos seus membros, foram explicativos das estratégias de favoritismo grupal. Ainda mais reeentemente, Speaes ¢ Manstead, da Universidade de Man- chester, U.K."”, ao estudarem em duas universidades inglcsas a importancia do contexto social na construgao de auto € heteroesterc6tipos grupais e no com- Identidade Social 109 portamento de diferenciagdo grupal, trataram os dados da identificagéo com 0 grupo por covariagdo com os dados da diferenciagéo, ¢ nao cncontraram qualquer relagao sistematica entre ambos. Em resumo, no se encontra na investigag’o cmpirica neste dominio qualquer confirmacdo da suposta ligacao cnire a identidade social dos indivi- duos (em relagao a determinada pertenga erupal relevante) € as suas estralégias ou enviczamentos de favoritismo grupal. Este insucesso remete para uma lacuna mais grave ne (e quadro da investigagao: a reduzida claboragdo do constricto de identidade social, 9 insuficiéncia de clareza e de rigor na sua operacionalizagao. Rabbie ef al.! 8 por exempl jo, critica a confusao, nos traba- Ihos da equipa de Kent, entre 0 conccito de identidade social ¢ 0 de identifica gdo grupal - bem como a auséncia de articulagao teérica entre as nogdes de identidade pessoal e de identidade social, levando certos autores a utilizarem medidas de auto-cstima e¢’a tirar conclus6cs como se da identidade social se tratasse!?, O estudo que aqui se apresenta tem, assim, os seguintes objectivos: 1) ensaiar a utilizagao de uma nova medida da identidade social, mais consentinea com a definigdo do conceito proposto pelos scus autores”’; 2) verificar a exist€ncia da relagao causal prevista pela tcoria de Identidade Social entre a identidade social ¢ a distintividade grupal no contexto da relagdo entre dois grupos sociais; 3) clarificar a utilizacdo cstratégica que os individuos, enquanto membros de um grupo, fazem dos esteredtipos em relagio ao scu ¢ a0 outro grupo, a fim de garantir a diferenciagéo grupal ¢ a manutengao da sua identi- dade social. Esta tltima questao insere-se na prohl ematica presente, HOmead amet nos trabalhos de Mummenday e Schreiber”!, por um lado, ¢ de Skevington”” van Knippenberg e van Oers”, por outro. Enquanto os ailtimos verificaram a Ulitizaciio de dimensdes consensualmentc favoraveis ao seu grupo como instru- mento de diferenciacdo grupal positiva, os primeiros acrescentaram a veritica- ao deste fenémeno o da simultanca utilizagao de dois niveis de dimensdes de comparagao: as de menor importincia para favorecer 0 outro grupo, € as de maior importancia para favorecer 0 scu préprio grupo. Tendo como pano de [undo esta problematica tentamos, neste estudo, verificar se a identidade social dos sujcitos, enquanto percepgao ¢ avaliag itiva da sua pertenga ao grupo, esta na base da estratég a de distintividade (0 selectiva c estratificada pos grupal, tal como cla se deverd manifestar na utiliza de auto e hetero esteredtipos sociais relevantes, Método Sujeitos: foi aplicado coleetivamente um questionario a 103 alunos do 2° arto do curso de Organizagao ¢ Gestdo de Empresas do ISCTE. 0 conilito inter-

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