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HERMENÊUTICA

APRESENTAÇÃO

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“E tende por salvação a longanimidade de nosso Senhor; como também o nosso
amado irmão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada; Falando
disto, como em todas as suas epístolas, entre as quais há pontos difíceis de
entender, que os indoutos e inconstantes torcem, e igualmente as outras
Escrituras, para sua própria perdição.” (2 Pedro 3:15-16)

Há algum tempo tinha se popularizado a ideia errônea de que não precisamos


interpretar a Bíblia, mas apenas lê-la e fazer o que ela diz. Nesse contexto
percebe-se que essa ideia não deixa de ser também um protesto contra aqueles
que fazem mais do que ler a Bíblia, mas que buscam nela encontrar a mente
divina, e a interpretam ao alcance da mente do homem comum.

Concordamos que os cristãos devem aprender a ler a Bíblia, crer nela, e


obedecê-la. E concordamos especialmente que a Bíblia não precisa ser um livro
obscuro, se for corretamente estudada e lida. Na realidade estamos convictos
que o problema individual mais sério que as pessoas têm com a Bíblia não é
uma falta de entendimento, mas, sim o fato de que entendem bem demais a
maior parte das coisas! O problema de um texto como: 'Fazei tudo sem
murmuração nem contendas' (Fp 2.14), por exemplo, não ê compreende-lo, mas,
sim, obedece-lo, colocá-lo em prática.

Objetivo quanto ao estudo da Bíblia – Não basta “ter” uma Bíblia; é necessário
“lê-la”. Não basta lê-la. É necessário “crer” e “entende-la”. E poderíamos
continuar dizendo que não basta entender a Bíblia. É preciso “obedecê-la”.

TER e LER + ENTENDER e CRER = OBEDECER

Concordamos, também, que o pregador ou professor estão por demais


inclinados a escavar primeiro, e a olhar depois, e assim encobrir o significado
claro do texto, que frequentemente está na superfície. Para melhor
aproveitamento seu, ao longo do estudo desta matéria, há pelo menos duas
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coisas, as quais você deve ter em mente: (i) A Bíblia e um livro singular,
especial, que se distingue dos demais valiosos compêndios de literatura já
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produzidos até hoje; (ii) Não podemos compreender as Escrituras por meio da
inteligência humana, a menos que contemos com a ajuda da ação iluminadora
do Espírito Santo que sonda as profundezas de Deus e esclarece os mistérios da
Sua Palavra. Nessa busca há primeiramente o auxílio interno do Espírito Santo,
e depois o auxílio externo da hermenêutica.

Pela sua singularidade, a Bíblia não pode nem deve ser interpretada ao bel-
prazer do leitor. Tenha ele a cultura que tiver, para captar a mente de Deus e o
que o Espírito Santo ensina na Bíblia, necessitamos estudá-la seguindo alguns
princípios. Dentre o grande número desses princípios universalmente aceitos ao
longo deste estudo, destacamos os seguintes:

1. Estude a Bíblia Sagrada partindo do pressuposto de que ela e a autoridade


suprema em questão de religião, fé e doutrina.
2. Não se esqueça que a Bíblia e o melhor interprete de si mesma; isto é, a
Bíblia interpreta a Bíblia.
3. Dependa primeiramente da fé salvadora e do Espírito Santo para a
compreensão e interpretação da Escritura.
4. Interprete a experiência pessoal a luz da Escritura, e não a Escritura à luz da
experiência pessoal.
5. Os exemplos bíblicos só têm autoridade prática quando amparados por uma
ordem que os faça mandamento geral.
6. O principal propósito da Escritura é mudar as nossas vidas, não multiplicar
os nossos conhecimentos.
7. Todo cristão tem o direito e a responsabilidade de interpretar pessoalmente a
Escritura, seguindo princípios universalmente aceitos pela ortodoxia cristã.
8. Apesar da importância da História da Igreja, ela não chega a ser decisiva na
fiel interpretação da Escritura.
9. O Espírito Santo quer aplicar as promessas divinas, exaradas na Escritura, a
vida do crente em todos os tempos.
HERMENÊUTICA

INTRODUÇÃO

Este manual foi elaborado a partir de um contexto específico procurando tratar


de forma concisa o tempo destinado para o nosso estudo.
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1) Inicialmente definimos o termo teologia e seus principais conceitos e ramos,


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uma vez que muitos alunos em nossas aulas não conhecem os fundamentos
básicos da teologia, sua história, ênfase e divisões.

2) O assunto de revelação, inspiração e iluminação não se objetiva a discorrer


sobre as teorias a respeito do tema, mas apenas recapitular aquilo que o aluno
já conhece.

3) Na hermenêutica não discutiremos as escolas tendenciosas de interpretação,


estamos cônscios de que deveríamos incluir outras correntes; porém, a análise
apenas da alegórica e literal justifica-se pelo fato de serem as mais usadas em
nossas comunidades.

4) No capítulo de hermenêutica contextual procuramos fornecer ao estudante


bases contextuais para uma interpretação séria da Bíblia, tratando dos
principais tipos de contextos e de suas regras principais.

5) Os hebraísmos são tratados neste estudo por serem necessários ao


conhecimento de todos aqueles que lidam com a exegese do texto bíblico.

6) Na poética hebraica procuramos destacar os aspectos estruturais da poesia e


as formas básicas de interpretação dos livros poéticos.

7) Na sequência, ao tratar-se das figuras de linguagem, consideramos apenas as


mais comuns.

Precisamos aqui ressaltar que não tratamos neste manual sobre os aspectos
teóricos da hermenêutica. A razão disto é que esta parte da disciplina é
estudada em Hermenêutica Filosófica, onde são considerados os aspectos acima
referenciados (os aspectos teóricos), entretanto será importante mencionar
como, onde e o porquê da hermenêutica nas ciências humanas.
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Almejamos, neste estudo ajudar todos a compreenderem e aplicarem melhor os
ensinos da Bíblia Sagrada. Estes princípios hermenêuticos são baseados nas
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"normas de linguagem" que governaram a comunicação por escrita nos tempos
bíblicos.

Nossa intenção é de conhecer melhor o vocabulário, a gramática e os princípios


da hermenêutica bíblica que governaram os autores das Sagradas Escrituras.
Alcançando este objetivo, vamos compreender e saber viver cada vez melhor a
vontade de Deus.

Palavras do Pastor Esdras Costa Bentho (Hermenêutica Fácil e Descomplicada,


CPAD 2003, p. 14) – “Que o divino Espírito, em sua santa providência, dirija seu
coração e mente no aprendizado da Palavra de Deus. Minha oração é que você
seja ricamente abençoado através deste estudo” (itálico nosso).

CAPÍTULO 1
A TEOLOGIA E A HERMENÊUTICA

1.1 A TEOLOGIA

O termo teologia, tal qual conhecemos na língua portuguesa, não se encontra


nas Escrituras. Procede originalmente de dois substantivos gregos, o genitivo
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θεοί (theou = Deus) e do acusativo λόγια (logia), que significa “tratado, fala”1 (1
Pe 4.11). Em Lucas 4.32 λόγος é traduzido como “palavra” 2, “ensino”3 (Jo 4.41).
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Assim, Θεολογία (teologia) é “o ensino, discurso, tratado ou ciência sobre Deus e
dos assuntos relacionados com a divindade”.

A Teologia pode ser comparada a um edifício de cinco andares, cada um desses


com suas respectivas salas e funções. Entendamos que a forma mais comum à
Igreja e aos estudos iniciais de Θεολογία (teologia) é o uso pelo qual se
empregam: a) Teologia Exegética; b) Teologia Histórica; c) Teologia Bíblica; d)
Teologia Sistemática; e) Teologia Prática. Quando se deseja diferençar a
Θεολογία (teologia) dos conteúdos da Antiga e Nova Aliança, chama-se de
Teologia do Antigo Testamento e Teologia do Novo Testamento.

1.1.1 Teologia Exegética

A Teologia Exegética enfatiza o emprego dos métodos hermenêuticos a fim de


poder auscultar corretamente a mensagem dos textos sacros. Preocupa-se com
o sentido primário e literal do texto sagrado. Inclui os seguintes estudos:

1.1.1.1 Filologia Sacra

(i) o Hebraico é a língua em que Deus falou! Quase todos os textos do Antigo
Testamento foram redigidos em hebraico; (ii) o Aramaico era uma língua
dotada de semelhanças e distinções do hebraico (2 Rs 18.26) 4. Entre os
descendentes de Sem, conta-se ainda Arão ou Aram, do qual tomou nome a
nação araméia (no hebraico) ou Síria (no grego), residente na Síria e na
Mesopotamia. O aramaico influenciou profundamente o hebraico por causa do
cativeiro do reino de Israel em 722 a.C. na Assíria, e 587 a.C. em Babilônia; (iii)

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1 Pedro 4:11 - Se alguém falar, fale segundo as palavras de Deus; se alguém administrar,
administre segundo o poder que Deus dá; para que em tudo Deus seja glorificado por Jesus
Cristo, a quem pertence a glória e poder para todo o sempre. Amém.
2
Lucas 4:32 - E admiravam a sua doutrina porque a sua palavra era com autoridade.
3
João 4:41 - E muitos mais creram nele, por causa da sua palavra.
4
2 Reis 18:26 - Então disse Eliaquim, filho de Hilquias, e Sebna e Joá, a Rabsaqué: Rogamos-
te que fales aos teus servos em siríaco; porque bem o entendemos; e não nos fales em judaico,
aos ouvidos do povo que está em cima do muro.
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A terceira língua que compõe as Escrituras Sagradas é o grego. O Novo
Testamento foi todo escrito na língua grega, com exceção do original do
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Evangelho de Mateus, escrito em aramaico que, por sua vez, foi traduzido para o
grego coinê.

1.1.1.2 Isagoge Bíblica ou Introdução Bíblica

A Teologia Exegética alcança também os assuntos que preparam os estudantes


para melhor compreenderem as Escrituras. Isagoge é a designação técnica para
descrever os estudos que fornecem informações gerais e preliminares sobre os
assuntos cujo conhecimento seja necessário a uma melhor compreensão das
Escrituras. Isagoge é derivado do grego εϊσ + άγωγή (eis + agõgê)5, que significa
“conduzir para dentro, introdução, introduzir”. Para fins didáticos designa-se
como Introdução Bíblica.

Visa também determinar a extensão e o caráter original dos autógrafos


sagrados, bem como conhecer as vicissitudes (mudança, variação) que eles
enfrentaram para atingir sua presente forma, unidade e valor. A Isagoge
prepara o estudante para compreender melhor a Exegese, a Hermenêutica e a
Teologia Bíblica. Tornando-se então não o edifício, mas o conjunto dos cálculos
e estimativas necessárias à construção.

A Isagoge Bíblica divide-se em dois pólos principais: (i) Isagoge Especial ou


Restrita, e (ii) Isagoge Geral ou Ampla.

A Isagoge Especial ou Restrita estuda as questões que dizem respeito aos


livros que compõem as Sagradas Escrituras, tais como: sua origem divina,
transmissão do texto e interpretação. Divide-se em cinco partes:

a) O Tratado da Inspiração: Discute os critérios pelos quais se distinguem os


livros inspirados dos que não o são;

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Gr. Iso = igual; gr. Agogé = conduzir / Isagoge = conduzir para dentro. Introdução, introduzir.
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b) O Tratado do Canon: Discute as questões relacionadas com a formação dos
escritos sacros, quais são concretamente esses livros inspirados e como
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distingui-los dos não inspirados;

c) Critica Textual: Também chamada de Baixa Crítica, estuda o texto dos


manuscritos com o fim de descobrir e corrigir possíveis erros que neles podem
ocorrer e restaurá-los, até onde possível, às condições originais, procurando
determinar os textos originais mais exatos;

d) Crítica Histórica: Também chamada de Alta Crítica. Interessa-se por


problemas relacionados a idade, autoria, fontes, valor histórico, composição,
publicação de cada livro, circunstâncias (de tempo e lugar) em que foi escrito,
conteúdo da obra, os textos mais significativos e os dados característicos de sua
mensagem divina, verificando os relacionamentos históricos e a validade das
asserções feita pelos documentos;

e) O Tratado da Hermenêutica: Utiliza-se dos resultados dos assuntos tratados


nas disciplinas anteriores, a fim de mostrar o melhor caminho a ser percorrido
pelo exegeta na sua extração da verdade.

A Isagoge Geral ou Ampla, além de incluir as matérias da Especial, inclui:


Arqueologia, História Natural e Geografia da Palestina.
1.1.2 Teologia Histórica

A Teologia Histórica é o segundo andar do “edifício teológico”. Trata do


desenvolvimento histórico da doutrina e se preocupa com as variações sectárias
e afastamentos heréticos da verdade bíblica que apareceram durante a era
cristã. Destaca a importância da história secular, bíblica e eclesiástica devido à
contribuição que podem oferecer à compreensão do desenvolvimento
doutrinário. Abrange: (i) História da Igreja; (ii) História das Missões; (iii)
História dos Credos e Confissões; (iv) História das Doutrinas.

1.1.3 Teologia Bíblica


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O objetivo da Teologia Bíblica é traçar o progresso da verdade nos diversos livros


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da Bíblia, e descrever a forma de cada escritor apresentar as doutrinas
fundamentais. A Teologia Bíblica, então, preocupa-se com a doutrina em um
livro, quer no Antigo Testamento, quer nas páginas do Novo Testamento em
particular. Seguindo este método teológico, o biblista, por exemplo, pode
ocupar-se do estudo da doutrina de Deus apenas em Gênesis, ou da cristologia
na epístola de Paulo aos Romanos, e assim sucessivamente. As duas principais
divisões da Teologia Bíblica são: (i) A Teologia do Antigo Testamento é a
ciência que trata da natureza de Deus e da sua relação com o universo; o
propósito das atividades de Deus na história e na vida do povo de Israel, de
acordo com a dou- trina da revelação divina nos livros sagrados deste povo. (ii)
A Teologia do Novo Testamento é o ramo da Teologia Bíblica que segue
determinados temas através de todos os autores do NT. Estuda a revelação
progressiva de Deus; objetiva-se a auscultar os temas teológicos que são
necessários para a compreensão do NT, levando em consideração a diversidade
dos testemunhos dos escritores (teologia paulina, joanina, etc.) e da Igreja em
geral no período do NT.

1.1.4 Teologia Sistemática

A Teologia Sistemática é uma ciência teológica que se encarrega do material das


disciplinas anteriores com o fim de arranjá-los de forma lógica e metódica, para
facilitar a compreensão e promover aplicação prática do mesmo. Por isso, tem
sido considerada como uma disciplina que segue um esquema ou uma ordem
humana de desenvolvimento doutrinário e que tem o propósito de incorporar no
seu sistema toda a verdade sobre Deus e o seu universo, a partir de toda e
qualquer fonte: Teologia Natural, Bíblica, Histórica, etc.

1.1.4.1 Divisões da Teologia Sistemática

(i) Teologia Dogmática ou Confessional: Estuda os ensinos contidos nos


credos e confissões expressos nos símbolos da Igreja. E estritamente a
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sistematização e defesa das doutrinas como nos apresentam os credos e
confissões eclesiásticas.
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(ii) Teologia Apologética: Como subdivisão da Teologia Sistemática, a Teologia


Apologética é tanto bíblica quanto filosófica. E um discurso sistemático e
argumentativa na defesa da origem divina e da autoridade da fé cristã.
Desenvolve uma defesa das pressuposições básicas dos cristãos a respeito de
Deus, de Cristo e da Bíblia contra as pressuposições conflitantes.

1.1.5 Teologia Prática

A Teologia Prática relaciona-se com a aplicação prática dos resultados da


investigação teológica, particularmente no que concerne à obra do ministério
cristão, procurando aplicar à vida prática aquilo que outros departamentos da
teologia contribuíram. É uma disciplina terminantemente prática, pois viabiliza
a capacitação ministerial e eclesiológica da liderança e da igreja, a fim de que
todos sejam perfeitamente habilitados para a obra do ministério. Abrange: (i)
Homilética; (ii) Organização e Administração Eclesiástica; (iii) Liturgia; (iv)
Educação Cristã; (v) outros.

2 A HERMENÊUTICA

A Hermenêutica é a ciência tanto bíblica quanto secular, que se ocupa dos


métodos e técnicas da interpretação. E, basicamente, o estudo da compreensão
de textos.

A Hermenêutica tem sido considerada por muitos estudantes sérios da Bíblia


uma ciência tanto necessária quanto emblemática (hermética; fechada).

Uns conferem às regras uma autonomia, e chegam a separar o texto e o


contexto do pensamento do seu autor, como se o texto tivesse vida
independente de quem o produziu. Por outro lado, há quem não creia na
existência de qualquer regra válida de interpretação, ou que “interpretação boa
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é aquela que o Espírito revela no púlpito”; “a letra mata, mas o Espírito vivifica”,
dizem eles. Acreditamos que o Espírito Santo é o agente funcional de toda
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interpretação bíblica genuína. Entretanto, não aceitamos o argumento de que se
o Espírito revela o que está no texto, não é necessária uma metodologia para a
interpretação e compreensão das Escrituras.

Encerrando, apresentamos aqui uma breve introdução à nossa pesquisa.


Buscou-se situar o estudante quanto aos métodos de estudo utilizados (os cinco
andares) para melhor se compreender as Sagradas Escrituras, sem a qual,
sabe-se, não poderá se realizar uma perfeita hermenêutica bíblica. Contudo,
vale esclarecer que os métodos ora suscintamente analisados estão aliados ao
estudo em apreço. Dessa forma, destaca-se que as minucias sobre o tema serão
discutidos ao longo do nosso curso. Portanto:

A hermenêutica e a teologia são uma para a outra,


O que o ouro é para o ourives, e o sol para o dia.
Inexistem separadas.

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