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A RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO DURANTE E APÓS O

CUMPRIMENTO DA PENA

Ramon Barbosa Tristão R.A: 122811


Prof. Orientadora Patrícia Gorisch
Resumo: este artigo tem como tema a ressocialização da pessoa que cometeu um ilícito penal
e, por isso, cumpre ou cumpriu pena em um estabelecimento carcerário. O principal objetivo é abordar
a forma com que o instituto da ressocialização é efetivado- ou não. O ordenamento jurídico brasileiro
estabelece que a pena privativa de liberdade seja cumprida em regime fechado, semiaberto ou aberto, o
que significa que o condenado ficará em cárcere e privado de sua liberdade. Contudo, também são
assegurados alguns direitos, entre eles os classificados como “fundamentais” pela doutrina. A
Constituição Federal prevê a garantia de alguns direitos básicos e invioláveis, tais como a dignidade da
pessoa humana e o contraditório. Esses temas também serão envolvidos no presente artigo.
Com as penitenciárias superlotadas, buscam-se as respostas que esclareçam os motivos e
consequências das milhares de pessoas presas. A ressocialização é assegurada ao preso, que tem
garantido o direito de ser reinserido na sociedade, mesmo depois de ter praticado uma conduta
reprovada pela sociedade. Não se trata apenas de uma nova oportunidade dada ao preso, mas de uma
efetivação da justiça brasileira, que não admite prisão perpétua ou qualquer penalidade infinita.
Questionar-se-á se há efetividade na ressocialização, que é de responsabilidade do Estado. Há
eficácia na forma de ressocialização promovida pelo Estado? O Poder Judiciário é ativo na promoção
da ressocialização?
Portanto, visando aproximar pesquisas e dados acerca da ressocialização da sociedade e trazer
ao conhecimento de acadêmicos, este artigo abordará tema correlacionados ao cumprimento da pena
em estabelecimento prisional e o pós prisão.

Palavras-Chave: ressocialização; progressão de regime; preso; egresso.

Abstract: this article has as its theme the resocialization of the person who committed a
criminal offense and, therefore, fulfills or has served a sentence in a prison establishment. The main
objective is to address the way in which the institute of resocialization is implemented - or not. The
Brazilian legal system establishes that the custodial sentence should be served in a closed, semi-open
or open regime, which means that the convicted person will be incarcerated and deprived of his
freedom. However, some rights are also assured, including those classified as "fundamental" by
doctrine. The Federal Constitution provides for the guarantee of some basic and inviolable rights, such
as the dignity of the human person and the contradictory one. These themes will also be involved in
this article. With overcrowded penitentiaries, answers are sought to clarify the motives and
consequences of thousands of prisoners. Re-socialization is guaranteed to the prisoner, who has
guaranteed the right to be reinserted in society, even after having carried out a conduct that is
disapproved by society. It is not only a new opportunity given to the prisoner, but an effective
Brazilian justice, which does not admit of life imprisonment or any infinite penalty. Therefore, aiming
to bring research and data about the resocialization of society and bring to the knowledge of
academics, this article will address the issue related to the fulfillment of the sentence in prison and
post-prison.

Keywords: re-socialization; regime progression; stuck; egress.


Introdução
Sair da cadeia e não voltar pra lá é um desafio a ser enfrentado pelo preso. Existe um
período de transição no “pos cárcere”: a reinserção no meio social, mercado de trabalho e seio
familiar.
Não se trata apenas da adaptação do preso, mas da sociedade também. Existe muita
resistência em aceitar numa empresa, por exemplo, uma pessoa que esteve presa por um
crime.
Alguns classificam como “precaução”; outros, como
“preconceito”. Independentemente disso, a problemática enfrentada pelo sentenciado que
acabara de ser agraciado com a liberdade deve ser discutida e compreendida.
Saliente-se, ainda, a importância de se reconhecer a parcela de culpa do estado. Para
que se chegue a uma solução é necessário identificar os motivos pelos quais pessoas que já
foram encarceradas ficam, muitas vezes, à margem da sociedade.
Buscar respostas que justifiquem o cometimento de um crime pode servir como
resposta para inúmeras perguntas. Os motivos que ocasionam a reincidência vão muito além
da vontade cometer crimes novamente.
Atualmente, as penitenciarias brasileiras estão superlotadas e a segurança pública é
incapaz de chegar a um denominador comum entre a necessidade a demanda.

1. Conceito de ressocialização:

Pode ser conceituada como a recolocação de alguém que sofreu uma punição ao meio
social. Isto é, o retorno do indivíduo à sociedade de forma ampla, passando a gozar de todos
direitos e obrigações que as demais pessoas. Após o castigo, o “castigado” é reinserido à sua
rotina normal, a mesma que tinha antes da punição (CNJ, 2018).

Recuperação, ressocialização, readaptação, reinserção, reeducação social, reabilitação


de modo geral são sinônimos que dizem respeito ao conjunto de atributos que permitem ao
indivíduo tornar-se útil a si mesmo, à sua família e a sociedade.

Portanto, no âmbito jurídico, a ressocialização é a efetiva liberação do preso para


gozar de sua plena ou quase plena liberdade, em razão de um alvará de soltura, uma
progressão de regime ou livramento condicional.
2. As penas de reclusão e detenção:

O ordenamento jurídico brasileiro penaliza condutas ilícitas com algumas modalidades


de pena, entre elas a privativa de liberdade. Sendo esta um gênero de pena, a reclusão e a
detenção são espécies de prisão. De acordo com o código penal, a pena de detenção será
cumprida em regime semiaberto ou aberto; e a de reclusão em regime fechado, semiaberto e
aberto.
A Constituição Federal assegura o direito de cumprimento de pena de acordo com a
natureza do delito e sexo do apenado, a saber :

“Artigo 5º, XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos


distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do
apenado”

No Brasil, só é possível a prisão civil em caso de inadimplemento de pensão


alimentícia. Portanto, a maior parte dos presos no sistema penitenciário é por ilícitos penais.

2.1 A progressão de regime


Ferramenta para a reinserção do preso na sociedade, a progressão de regime é direito
do sentenciado.
Preenchidos os requisitos objetivo é subjetivo, pode o preso obter a progressão.
Como a própria nomenclatura permite presumir, o requisito objetivo não é passível de
interpretação por parte do juízo, pois trata-se do preenchimento do lapso temporal, que é o
tempo de cumprimento no atual regime para se pleitear a progressão. Previstos em lei, tais
lapsos variam de 1/6 a 3/5, a depender da natureza do delito e a eventual reincidência. 1
Via de regra, o condenado a pena privativa de liberdade e iniciada em regime fechado
será progredido ao regime semiaberto e, depois, ao regime aberto.
Caso seja condenado a pena privativa a ser cumprida inicialmente em regime
semiaberto, será progredido, após preenchidos os requisitos, ao regime aberto.

1
Artigo 112 da Lei de Execução Penal.
A súmula 491 do STJ2 veda a progressão por saltos, que é progressão do regime
fechado diretamente ao aberto.
Portanto, o processo de ressocialização é utilizado como base também na progressão
de regime, de modo que o sentenciado seja gradativamente reinserido na sociedade.

2.2 Livramento condicional

O livramento condicional é um benefício com previsão no artigo 83 do código Penal,


além de ter parte regulamentada pela Lei de Execução Penal. Vale destacar que é reconhecido
como direito desde o Código Criminal de 1890.

Por se tratar de um beneficio concedido desde que preenchidos os requisitos objetivo e


subjetivo, o juiz, ao apreciar o pedido, pode utilizar os meios necessários para aferir a
capacidade psicológica e o potencial criminógeno do sentenciado para voltar a conviver em
sociedade (GOMES E DONATI, 2009).

Assim, conclui-se que a natureza do delito, o histórico do sentenciado e seu


comportamento carcerário são ferramentas fundamentais para a apreciação minuciosa de cada
caso. A seguir, o Tribunal de Justiça, em decisão recente, entendeu temerária a concessão do
livramento condicional:

“Ementa: Agravo em execução. Livramento condicional. Benefício


indeferido. Rejeição da preliminar de inidoneidade de
fundamentação. Recorrente que cumpre pena por roubo majorado e
três furtos e que registra a prática de faltas disciplinares graves em
seu prontuário. Circunstâncias que, em princípio, evidenciam ser
temerária a concessão do benefício pleiteado pelo agravante. Exame
criminológico favorável que não vincula o Magistrado. Precedente
do STF. Sentenciado, ademais, que foi progredido ao regime
intermediário na mesma ocasião em que indeferido o livramento
condicional. Necessidade de passar um período nesse regime para
melhor absorção da terapia penal. Recurso não provido.”3

2
Súmula 491 - É inadmissível a chamada progressão per saltum de regime prisional. (Súmula 491, TERCEIRA
SEÇÃO, julgado em 08/08/2012, DJe 13/08/2012)
Contudo, em determinadas situações, entende-se que não pode o Magistrado ater-se a
outros tipos de requisitos que não estejam previstos em lei, como no seguinte julgado:

“PENAL. AGRAVO EM EXECUÇÃO. LIVRAMENTO


CONDICIONAL. DECISÃO CONCESSIVA. RECURSO DO
MINISTÉRIO PÚBLICO. Pretendida cassação da concessão do
benefício. Impertinência. Sentenciada colocada em liberdade
condicional há aproximadamente sete meses, com regular gozo do
benefício, sem a anotação de qualquer intercorrência no interregno.
Última falta disciplinar (leve) cometida em 2.014; grave em 2.013.
Histórico recente no cárcere sem notícia de incidentes e com registro
de exercício de atividade laboral e de estudo durante a expiação da
pena nos regimes fechado e semiaberto, o último, por onde se
encontrava antes da prolação da r. decisão, tendo, inclusive,
usufruído, regularmente, de três saídas temporárias. Exame
criminológico favorável à concessão do benefício. Comportamento
atual, somado ao tempo de gozo do benefício que afastou qualquer
dúvida sobre falta de mérito. Demonstração, na prática, de aparente
aptidão para cumprimento da pena em livramento, evolução no
processo de ressocialização, desenvolvimento de freios inibitórios e
TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo Agravo
de Execução Penal nº 9000144-35.2018.8.26.0050 - São Paulo -
VOTO Nº 12.461 3/7 capacidade de se reinserir no mercado de
trabalho. Negado provimento.”

Note-se, portanto, que após a condenação definitiva, o preso tem seu processo de
execução de pena e, posteriormente, de ressocialização, conduzido, basicamente pelo Poder
Judiciário por meio do juízo da Vara de Execuções Penais.
3. A dignidade da pessoa humana nos presídios

Estampado nos jornais e manchetes dos programas de TV, o estado em que os presos
vivem no presídio é um assunto que costuma despertar curiosidade entre as pessoas.

Cadeias lotadas, maus tratos, locais sujos e sem condições de habitação são comuns
nas penitenciarias do país.

Tratar um criminoso como se ele não fosse um ser humano é, no mínimo, um


desrespeito à constituição. A Carta Magna assegura o direito à dignidade da pessoa humana a
todos. Para Cleber Francisco/2001:

“é a dignidade que lhe é própria - vem sendo colocada como pedra


angular, vértice e ponto e ponto de referência do ordenamento
jurídico, quer seja no âmbito dos diversos Estados nacionais
contemporâneos, quer no âmbito supranacional, devendo, em
qualquer hipótese, ser respeitada”.

Alexandre de Moraes/2002, conceitua dignidade da pessoa humana da seguinte forma:

“A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se


manifesta singularmente na autodeterminação consciente e
responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao
respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo
invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que,
somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício
dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária
estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos”.
(MORAES, Alexandre de, 2002)

Independentemente de qualquer definição jurisprudencial, sabe-se que a dignidade da


pessoa humana é um direito garantido constitucionalmente e que deve ser respeitado, devendo
o poder público atuar de forma a resguardas a integridade física e moral do preso.

A Lei de execução penal em seu artigo 1º dispõe:


“A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de
sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a
harmônica integração social do condenado e do internado”.

As celas dos presídios, em sua maioria, não oferecem o mínimo existencial e nem
garantem a saúde física e mental dos presos, o que contraria, inclusive, o artigo art. 12 da LEP
que prevê:

“A assistência material ao preso e ao internado consistirá no


fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas”

Segundo Bitencourt/2011:

“Nas prisões clássicas existem condições que podem exercer efeitos


nefastos sobre a saúde dos internos. As deficiências de alojamentos e
de alimentação facilitam o desenvolvimento da tuberculose,
enfermidade por excelência das prisões. Contribuem igualmente para
deteriorar a saúde dos reclusos as más condições de higiene dos
locais, originadas na falta de ar, na umidade e nos odores
nauseabundos.” (BITENCOURT, Cezar Roberto, 2011).

A pena imposta ao sentenciado deve obedecer estritamente os limites delineadores


previstos na legislação penal: pena privativa de liberdade, restritiva de direitos, prestação
pecuniária, etc. Não podendo, contudo, derivar consequência cruéis causadas pelos maus
tratos por parte do poder público. Nesse sentido, conforme os dizeres de Cezar Roberto
Bitencourt:

“A crise da pena de morte deu origem a uma nova modalidade de


sanção penal: a pena privativa de liberdade, uma grande invenção
que demonstrava ser meio mais eficaz de controle social”.

Nota-se, assim, que as situações precárias presentes nos presídios brasileiros exercem
um papel de “pena extra” que o preso está, mesmo sem determinação judicial a cumprir.
3.1 A importância do Poder Judiciário enquanto ressocializador

Jurisdição ou “dizer o direito”, sem sombra de dúvidas, é a principal atividade do


judiciário, que o exerce por meio de seus juízes de direito. Contudo, existem atividades
atípicas no poder público, reconhecidas, inclusive, pelos direitos administrativo e
constitucional.

O CNJ conta atualmente com um programa chamado “Começar de Novo”. De nível


nacional, o programa objetiva conscientizar os órgãos públicos e empresas oferendo vagas de
capacitação profissional e oportunidade estudos, o que visa a diminuição da reincidência em
crimes.

A busca pela conscientização da sociedade é um dos objetivos do programa


implementado pelo Conselho Nacional de Justiça. Com o logo inicial “Quem já pagou pelo
que fez merece começar de novo”, o programa busca oportunidades para que o egresso,
outrora preso, possa ser reinserido no mercado de trabalho, na sociedade e na vida civil como
um todo.

Além disso, o CNJ também atua na seara presidiaria por meio do programa
“Cidadania nos Presídios”, ferramenta útil para levantamento de processos e delitos que
ocasionam o encarceramento. A ação supervisiona a atuação das varas de execução penal e a
superlotação nos presídios. Embora o programa sustente que existem relatórios que
comprovam as condições dignas nas unidades prisionais, a prática mostra o contrário.

3.2 A ressocialização dentro dos presídios

A partir da prisão, a unidade prisional custodiante passa a ser o endereço do preso, que
se vê limitado às grades, muros e cercas. A fim de se promover o inicio do ciclo de
ressocialização do apenado, o judiciário passou por grande evolução social e humanitária que
visa a ressocialização do preso.

A lei 12.433/2011 ampliou a possiblidade de remição de pena e passou a permitir que,


além do trabalho, o estudo contribua para a diminuição da pena.

Assim, a cada 3 dias trabalhados é descontado 1 dia da pena do preso; e a cada 12


horas estudadas, é descontado 1 dia da pena.
A evolução não parou por ai: Em maio de 2015, a 3ª Seção do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) pacificou o entendimento de que o trabalho externo pode ser contado para remir
a pena de condenados à prisão, e não apenas o trabalho exercido dentro do ambiente
carcerário.

A recomendação nº 44 do CNJ ainda estabeleceu a remição por leitura e por meio da


aprovação no Exame Nacional do Ensino Médio e Exame Nacional para Certificação de
Competências de Jovens e Adultos.

Verifica-se, então, que o poder judiciário, embora esteja longe de assegurar o respeito
ás garantias fundamentais a promover a efetiva ressocialização, avançou de forma
significativa nos últimos anos.

3.4 A ressocialização pós cárcere

A reinserção efetiva do preso na sociedade ocorre quando obtém a liberdade. O


reencontro com as ruas, família e coisas do cotidiano indicam um recomeço em sua vida.
Entretanto, as dificuldades mostram-se quase insuperáveis em certas situações; o preconceito
da sociedade e a dificuldade em recepcionar uma pessoa que já foi condenada por um crime é
latente.

O primeiro indicativo do preconceito é o retorno à sociedade, que, ao saber que se


trata de um ex detento, esboça reações das mais preconceituosas. Não demora muito para que
seja percebido que o mercado de trabalho também não tem capacidade de recepcionar um
condenado penalmente; empresas se negam a contratar pessoas com “ficha suja” e, ao
verificarem os antecedentes criminais do preso, ora apenas mais um candidato a uma vaga de
emprego, negam-se a contratá-lo, ainda que seja dotado qualificação.

Uma matéria divulgada pelo canal de noticias G1 mostrou que, embora o governo
exija e estimule a contratação de ex detentos a fim de inseri-los no mercado de trabalho, existe
uma resistência muito grande das empresas em contratar quem já esteve preso. A pesquisa
mostrou que não há interesse por parte das empresas em contratar o ex egresso porque existe
muito preconceito e, mesmo com vantagens tributarias e diminuição de impostos, as empresas
não dão o braço a torcer.
“A liberdade que eu sonhava e almejava passou a ser uma tormenta”, disse um ex
detento de 31 anos, após procurar emprego em várias empresas e ser rejeitado em razão de seu
passado, quando entrevistado.

3.5 A reincidência penal e o preconceito com ex detentos

No Brasil, o índice de reincidência chega a 70%, de acordo com estudos realizados


pelo IPEA4. Os números chocam, mas o estudos a fim de se entender os motivos pelo quais
se volta delinquir andam a passos lentos.

O maior número de processos criminais no Brasil é pelos crimes de tráfico e roubo.


Alguns atribuem isso ao “dinheiro fácil”; outros, a indisposição para trabalhar honestamente.
Ressalvadas e respeitadas todas as opiniões, sabe-se que tais reações são superficiais para se
chegar a uma conclusão lógica e explicativa.

Na elaboração do presente artigo, foram realizados estudos na cidade de São Vicente,


local que conta com 4 penitenciárias. Dos processos que tramitam na Vara de Execuções
Penais, 35% dos condenados são reincidentes; 67% não tem o nome do pai e 91% não tem
nível superior.

Após ser liberado em razão de um alvará de soltura, progressão de regime ou obtenção


de livramento condicional, o condenado é encaminhado ao CAEF (Centro de Atenção ao
Egresso e Família) a fim de conseguir uma vaga de emprego ou curso profissionalizante.

A escrivã responsável pelo encaminhamento, Cristina da Silva, admite que muitos não
têm interesse. Contudo, afirma que os que têm raramente conseguem ser inserido no mercado
de trabalho.

Acredita-se, portanto, que o índice de reincidência está diretamente relacionado ao


preconceito sofrido pelos ex detentos e à dificuldade em ser, efetivamente, reinserido no
mercado de trabalho, o que ocasiona, por vezes, o retorno à atividade de traficância ou
roubadora.

4
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
4.Como ressocializar quem nunca foi socializado: a culpa do Estado.

Exigir de alguém algo que ele não pode te oferecer é uma missão previamente
fracassada; Cobrar conhecimento de quem não teve acesso a ele é, no mínimo, irracional;
Assim como tentar ressocializar alguém que nunca foi socializado é o mesmo que esperar a
água se transformar em vinho.

O Estado tem culpa sim! Essa afirmação parece tão paternalista que há quem diga: “Tá
com dó? Leva pra casa”. Não se trata de dó e nem de qualquer outro sentimento capaz de
colocar em jogo a racionalidade. É apenas o reconhecimento de uma ineficiência estatal que
vem perpetuando na vida dos menos favorecidos desde os primórdios.

Uma pesquisa feita no estado de Minas Gerais mostrou que a maior parte dos presos é
pobre e negro. De acordo com a pesquisa, quase 60% da população carcerária não concluíram
os nível fundamental- um exemplo de ineficiência do poder público em garantir o direito a
educação, bem como de fiscalizar a frequência da criança na escola (EM/2015).

Portanto, possível concluir que a maioria dos detentos sequer foram socializados se
considerarmos que a Constituição Federal define o que são direitos sociais:

“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a


alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer,
a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados”.

4.1 O efeito colateral da pena de multa como sanção educativa

A pena de multa é uma espécie de pena prevista em alguns crimes.

Considerada pela doutrina como uma medida educativa, o pagamento em dinheiro,


segundo entendimento majoritário serve para fazer com que o criminoso repense sobre sua
conduta, uma vez que, se cometê-la, terá diminuído seu patrimônio.

Alberto Silva Franco conceitua a finalidade de referida sanção como:

“inquestionável primazia como tipo de sanção punitiva, adequada em


relação à criminalidade de mínimo relevo e preferível no que tange à
criminalidade de média importância” (FRANCO, 1986).
Luiz Regis Prado, por sua vez, atesta que entre as várias medidas de política criminal
alternativa, a sanção pecuniária se destaca não só como a mais importante, mas também como
a de utilização cada vez mais frequente. Ressalta suas vantagens, ao afirmar que tem caráter
aflitivo; que é divisível e flexível e se adapta às condições pessoais do condenado; que não
degrada, não corrompe e não desonra a família do agente, ao contrário do presídio; que é
econômica, porque evita gastos do Estado e se destina à manutenção dos estabelecimentos
carcerários; e que é a mais reparável, pois pode ser devolvida em caso de erro judiciário
(PRADO, 2011).

Seguindo outro entendimento, levantam-se críticas à pena de multa. Basileu Garcia


sustenta o fato de que a multa abastece “as arcas do tesouro nacional” às expensas do crime,
que compete ao Estado prevenir, denotando-lhe certo cunho de “imoralidade”. Pontua que
esse mesmo Estado se locupleta invocando a sua própria ineficiência (PRADO, 2011).

De toda sorte, respeitados todos os posicionamentos acerca do assunto, conclui-se que,


em determinadas situações, especialmente nos casos de crime de roubo e tráfico, a pena de
multa pode surtir efeitos contrários ao esperado. Explico:

Durante estudo feito no Cartório da Vara de Execuções Criminais, albergados


alegaram que para pagar a multa teriam que voltar a roubar ou traficar.

Sabe-se que os valores das penas de multa, principalmente quando o crime cometido é
trafico, são altíssimos, somada a situação financeira do réu, que na maioria das vezes é pobre,
resulta numa possível reincidência.

Roubar para pagar multa ao Estado não é contraditório?

Destaque-se que o sentenciado que não pagar a multa tem seu titulo de eleitor e, em
determinadas situações o CPF, suspensos; não tem credito na praça e a cereja do bolo: conta
com uma condenação penal.

Tudo isso implica significativamente na reinserção do ex detento na sociedade. Sem


dinheiro, sem emprego e com documentos bloqueados. A única alternativa que enxerga é
voltar a delinquir...

Em 2016, o STF firmou o entendimento, após muita divergência, de que a cobrança de


pena de multa é de competência da fazenda. Assim, a cobrança sai da esfera judiciaria e passa
a ser executada pela autoridade fazendária, cabendo, ainda assim, no estado de São Paulo, ao
juiz das execuções penais julgar extinta a punibilidade, exemplo:
“(...) JULGO EXTINTO O PROCESSO DE EXECUÇÃO em nome do reeducando
>>>>>>>>>><<<<<<<<<<<, no(s) processo(s) nº ........ da 3ª Vara Criminal da
Comarca de São Vicente/SP, pelo efetivo cumprimento.
No tocante à pena de multa cumulativamente aplicada, novo regramento
foi estabelecido pela Corregedoria do E. TJSP no Provimento CG 11/2015
que deu nova redação ao artigo 482, § 3º, das N.S.C.G.J, como a seguir:
“Art. 482, § 3º. O Juízo das Execuções Criminais competente, quando julgar
extinto o processo de execução do sentenciado, poderá declarar extinta a
punibilidade da pena de multa, ainda que pendente a sua cobrança,
hipótese em que determinará as comunicações de praxe, inclusive para o
Tribunal Regional Eleitoral.”
Diante da orientação firmada pela Corregedoria Geral de Justiça, JULGO
EXTINTA A PUNIBILIDADE da(s) PENA(S) DE MULTA(S) imposta ao
reeducando >>>>>>>>><<<<<<<<< da 3ª Vara Criminal da Comarca de São
Vicente/SP (execução 001), pelo efetivo cumprimento, sem prejuízo do
prosseguimento da cobrança do quantum debeatur na esfera fazendária“5

5
Sentença retirada dos autos n° 610.297 da Vara de Execução Penal da Comarca de São Vicente/SP. Acesso aos
autos em 26/07/2018.
Conclusão

A partir do estudo do presente tema, pode-se concluir que existe uma omissão latente
por parte do poder público em promover a ressocialização. Direitos fundamentais, em especial
a dignidade da pessoa humana, devem ser respeitados de forma absoluta, pois, além de
figurarem na Carta Magna Brasileira, são clausulas pétreas.

Notável o avanço no tocante a implementação de programas que visam a reinserção do


preso no meio social, continuando, contudo, distante de seus direitos. O mercado de trabalho é
a maior dificuldade do egresso: empresas não o contratam mesmo diante de vantagens
econômicas; são considerados pessoas incapazes de terem uma vida honesta e digna, motivos
pelos quais se entregam integramente à criminalidade.

Possível observar, diante dos estudos, que a legislação não consegue alcançar seus fins
quando aplica uma pena de multa estratosférica a um pobre que, por sua vez, cometerá um
crime para pagar. Notável também a ineficiência do estado quando superlota penitenciarias
sem capacidade de fornecer segurança aos seus próprios servidores.

Portanto, atualmente vive-se em um ordenamento jurídico em que, embora não exista


pena de morte, por vezes, a sentença se torna perpétua e jamais extinta, fadando o condenado
a eterna figura de criminoso.
REFERÊNCIAS

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PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral, v.1.São Paulo: RT.

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DELMANTO, Celso; DELMANTO, Roberto; DELMANTO JÚNIOR, Roberto;


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verdade, à teoria da multa, mas antes à sua organização defeituosa”, o que carece de
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