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Resumo:
Summary:
This article will use the articulation Literature - Phenomenology for a broader
understanding of the human condition in its process of being on the way. In order to do
so, the Heideggerian concept of the man on the way will be used, which will be
described through a phenomenological view of Homer's Odyssey. In this direction, the
purpose of the article is to deconstruct a positivist psychological conception of man and
to return it to the ontology of the Being through the understanding of how it is put in its
way.
O homem, por sua constituição ontológica é ser. Entretanto, por seus próprios modos de
ser e se relacionar com e no mundo, o ser homem cuida, pela presença, pela linguagem
e temporalidade histórica, antropológica e cultural, de suas transformações em um
sempre “novo homem”.
Para esse diálogo busco a compreensão da condição humana baseada nos fundamentos
de Heidegger, quando o mesmo diz que o homem está sempre a caminho e não no
caminho. Podemos nos perguntar: para que a caminho? A caminho para onde?
Certamente, o “onde” não deve ser entendido em sentido locativo apenas, mas enquanto
se relaciona a um modo peculiar de colocar-se a caminho. Podemos continuar nos
perguntando: o que está implicado na preposição “a” da expressão “a caminho” e para
onde nos conduz? Conduz-nos ao pensamento de Martin Heidegger.
Assim, segundo Heidegger, a caminho, o homem não deve nem pode abdicar da tarefa
primeira que é vir a ser quem ele propriamente é a cada nova possibilidade, isto é, a
todo novo instante que se apresenta gratuitamente em sua existência. Exemplificando,
podemos perceber tal condição em composições poéticas como nas de Fernando Pessoa.
Do poema de Alberto Caeiro, “O guardador de rebanhos” (1911-1912), o poeta lusitano
compôs:
Seguindo a vertente de Fernando Pessoa, nesse constante nascer para a eterna novidade
do mundo, refletirei sobre um escritor que também se ocupou em des-velar os modos de
ser do homem e suas condições de possibilidades nessa incessante tarefa de ser presença
e desvelar-se, a qual nem sempre é fácil, mas fundante da condição de ser-no-mundo.
Ele é: Homero em sua Odisséia. Homero apresenta vicissitudes da existência que levam
o homem a se colocar no tempo espaço pela condição de ser um viator, aquele que
experiência estar a caminho.
Enquanto presentação da condição humana, a literatura e seu desvelar fenomenológico
do humano é uma aventura que nasce de um sentimento de inconformismo e que
responde ao desejo de conquista. O pensamento é seduzido pela colonização de
territórios, a superação de obstáculos, a conquista de certas planícies. Por isso, não é
estranho que a atividade reflexiva do ser humano se descreva muitas vezes através de
uma série de metáforas que remetem ao tema da viagem e à figura do viajante.
O homem pode encetar sua busca, ainda que nada garanta a chegada, o importante é o
próprio viajar, o por-se a caminho. A viagem, embora sempre possível não é necessária,
nem todos a realizam. A busca é pessoal, cada um realiza à sua maneira, dentro de seus
próprios limites, através de seus próprios caminhos e sempre dentro de seu próprio
mundo particular, no seu aí. (BARROS, 1996, p. 61-62)
Assim, à medida que se faz, através dos acontecimentos aparentemente comuns da vida,
o homem busca seu próprio poder-ser que o leva a questionar o mundo, a vida e a si
mesmo, como possibilidade de compreensão que ele existencialmente é.
Segundo Junito Souza Brandão (1987) na Odisséia de Homero, Ulisses é um herói que
nasceu na ilha de Ítaca, filho do rei Laerte, que lhe legou o reino, e Anticléia. O jovem
foi educado, como outros nobres, pelo Centauro Quíron e passou pelas provas
iniciáticas para tornar-se rei. Depois de pretender sem sucesso a mão de Helena, cujo
posterior rapto pelo tebano Páris desencadeou a guerra de Tróia, Ulisses casou-se com
Penélope. A princípio resistiu a participar da expedição dos aqueus contra Tróia, mas
acabou por empreender a viagem e se distinguiu no desenrolar da contenda pela valentia
e prudência.
A ele deveu-se, segundo relatos posteriores à Ilíada, o ardil do cavalo de madeira que
permitiu aos gregos penetrar em Tróia e obter a vitória. Terminado o conflito, Ulisses
iniciou o regresso a Ítaca, mas um temporal afastou-o com suas naves da frota.
Começaram assim os vinte anos de aventuras pelo Mediterrâneo que constitui o
argumento da Odisséia.
Durante esse tempo, protegido por Atena e perseguido por Posêidon, cujo filho, o
Ciclope Polifemo, o herói havia cegado, conheceu incontáveis lugares e personagens: a
terra dos lotófagos, na África setentrional, e a dos lestrigões, no sul da Itália; as ilhas de
Éolo; a feiticeira Circe; e o próprio Hades ou reino dos mortos.
As experiências que realiza nessas provas são momentos onde ele sai de um estado
indiferenciado para continuar a viagem para a subjetividade humana. Isso pelo simples
fato de recusar a situação de puro prazer idílico, que é a situação de indiferenciação, do
mítico não separado da natureza, e ter aceitado o processo de sofrimento ao recusar a
fusão em um estado de felicidade inorgânico. Ele renuncia uma escravização ao deleite
da indiferenciada alienação para transcender-se pela linguagem e significação de ser-
no-mundo.
Essa desconstrução acontece com o desvelar do ser do ente e não tem nada a ver com a
perda do estado de inocência, com o pecado original, com o paraíso. Pensar assim
significaria pressupor que exista uma verdade e uma origem que se situam no exterior
da temporalidade e do mundo, nos quais o ente é lançado. Na concepção da condição
humana de ser-no-mundo, a verdade não é procurada, porque a verdade não é
representável. Só se pode experimentá-la na claridade quando ela nos vem ao encontro,
tal como aconteceu a Ulisses quando ele não encontra mais sossego e repouso.
Com toda sua estratégia e astucia da razão, Ulisses não pode proteger-se do
experimentar na corporeidade, espacialidade, temporalidade, a claridade de ser e
desvelar-se em um outro Ulisses, que conheceu a angústia, o ser-para-a-morte, a
finitude de toda condição humana.
Melhor muitos anos levares de jornada e fundares na ilha velho enfim, rico de quanto
ganhaste no caminho,
Na leitura do poema, percebemos que o autor dirige-se ao leitor para falar de uma
viagem simbólica. Esta viagem pode ser compreendida como passagem de um estado a
outro. Parte-se de um dado estado de espírito e vivência existencial em que os desafios,
aventuras e aprendizagens múltiplas ocorrem ao longo desta estrada para se chegar a um
outro nível de vivência profunda e de significados redimensionados. É a questão do
sentido da vida. A vida que se questiona, procurando ultrapassar, transcender as
aparências imediatas e buscar a dimensão marcante do ser humano.
BLOOM, Harold. Como e por que ler. São Paulo: Objetiva, 2000
BRANDÃO, Junito Souza . Mitologia Grega III, São Paulo: Vozes, 1987