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FERNANDES, Florestan.

A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação


sociológica. Globo Livros, 2006.
Laila Borges da Silva

O autor argumenta a incompatibilidade do termo “burguesia” com a elite


brasileira. Cita que alguns tratam como burguesia a camada fruto da grande lavoura
exportadora, como se esta tivesse o mesmo poderio e controle sobre os processos que os
agentes da metrópole por exemplo. Na visão do autor o senhor de engenho ocupava uma
posição marginal no processo de mercantilização da terra, que tinha por função gerar
riqueza para a apropriação colonial e o que tirava financeiramente disso não pode ser
tratado como “lucro”, assim não podendo ser posto como o antecessor do empresário
moderno (p. 16). Ou a afirmação de que “burguesia” ou “burguês” são categorias
absolutamente impróprias para serem empregadas no país devido a terem surgido em
outro contexto, ambas perspectivas errôneas para o autor, como se a história fosse apenas
feita de singularidades em que processos e fatos não se ligam a outros.

O autor fala de um padrão de civilização que se tentou assimilar aqui, com ideia
muito bem definidos e reinantes no mundo moderno ocidental, com entidades que aqui
surgiram análogas em função e destino ao que sucedeu na Europa, mesmo que
marcadamente diferente, logo o esforço interpretativo deveria ir atrás dos requisitos
funcionais e estruturais.

Aqui não existiram burgos e nem a figura do burguês nas mesmas medidas que
o burguês europeu em sua origem, o que houve aqui foi o negociante e o “agente artesanal
inserido na rede de mercantilização da produção interna” (p. 18). A Independência trouxe
a valorização do alto comércio enquanto o agente artesanal ia aos poucos desaparecendo.
O autor defende que mesmo assim o que se tem antes do fim do escravismo é mais de
alguma forma uma aglutinação social de algum perfil do que uma classe propriamente
dita e que nas dinâmicas ainda imperava uma lógica estamental. Este “burguês” brasileiro
“nunca seria, no cenário do Império, uma figura dominante ou pura, com força
socialmente organizada, consciente e autônoma” (p. 19)

Dois tipos clássicos de burguês, um que “combina poupança e avidez de lucro a


propensão de converter a acumulação de riqueza em fonte de independência e de poder;
e o que encarna a “capacidade de inovação”, o “gênio empresaria e o “talento
organizador”, requeridos pelos grandes empreendimentos econômicos moderno” (p. 19)

Desse modo Florestan defende o uso dos termos “burguês” e “burguesia” como
uma categoria legítima para análise macrossociológica do capitalismo no país. O passado
recente da Europa foi aqui reproduzido, foram absorvidas estruturas sociais, econômicas
e culturais. Abordar uma revolução burguesa no Brasil vem desse entendimento, uma
busca pelos agentes e investigação desse processo de rompimento com a ordem
tradicionalista, que levou ao sucesso da implantação de uma civilização moderna
ocidental no país.

Segundo o autor, o espírito capitalismo, a nível de pensamento e consciência,


antecede o capitalismo, ou seja, o sistema, a estrutura, que por sua vez ao ser formado
entra numa relação reflexivo com aquilo tangente ao “espírito”. “’Lucro’, ‘ganho’ e ‘risco
calculado’, nada disso exprime o que ele [o senhor de engenho] perseguia (e se sentia no
direito de perseguir) ” (p. 24). Além de que, por sua condição de colônia, não havia tanta
margem para um fluxo de renda.

O autor afirma que na perspectiva cultural fruto da condição colonial “iniciativas


econômicas arrojadas, de teor capitalista mais puro, suscitavam desconfiança, temor e
desaprovação” entre aqueles senhores de engenho e outros agentes. O autor defende que
com a criação do Estado nacional as potencialidades capitalistas da grande lavoura
começaram a não apenas se manifestar como a serem canalizadas para o crescimento
econômico interno, permitindo processos de desenvolvimento urbano e exploração de
outras fontes econômicas.

Florestan pontua a consolidação do capitalismo no Brasil com o processo de


ruptura da homogeneidade da “aristocracia agrária” e o surgimento de outros tipos de
agentes econômicos a partir da divisão do trabalho em diferentes níveis (p. 27), processos
que deram origem a era da “sociedade nacional”. Processos que levaram os senhores de
engenho às cidades, as ideias não patrimonialistas, a um ambiente propício a
secularização das aspirações políticas e sociais desse grupo e urbanização.

Ao final do texto o autor elenca quatro fatores para a solidificação de uma


situação de mercado no país: o lado econômico; um outro processo socioeconômico,
relacionado ao padrão competitivo; a existência de dois tipos humanos, o imigrante e o
fazendeiro de café; e o próprio processo de Independência

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