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principais diferenças que separam os dois tipos de organização se situam no nível social, mais
do que no económico ou no cultural, será também esse o nível privilegiado na exposição que
se segue.
O espaço
143 a erosão não escalvou as zonas superiores do monte e as tornou incapazes, mesmo, de
alimentar o gado miúdo. Porque até aí chegou muitas vezes o aproveitamento agrícola,
desbastando a vegetação natural, mas entregando as terras altas à erosão e a uma
consequente esterilidade. Nos lameiros dos lugares baixos pode pastar tranquilamente o
gado bovino. Em alguns vales encontram-se, mesmo, férteis e largos alvéolos, planos e bem
irrigados, e numerosas agras, que se prestam à divisão em campos abertos e ao cultivo
comunitário de cereais de regadio. Protegido a leste pelas altitudes das serras da Peneda,
Laboreiro, Gerês, Cabreira, Marão, Montemuro e Gralheira, o Entre Douro e Minho é, pois,
recortado em compartimentos naturais pelos vales dos rios, que correm no sentido leste-
oeste e que possuem caudais abundantes, e pelos numerosos rios e ribeiros que neles
confluem. Enquanto alguns deles abrem largos vales na massa granítica e se espraiam em
planícies, sobretudo mais perto do litoral, outros correm apertados entre fundas escarpas. Em
alguns casos, os rios associam-se com os seus afluentes principais para formarem zonas
«mesopotâmicas» perto das suas confluências, como acontece naquelas que a própria
nomenclatura medieval recorda, como em Entre Homem e Cávado e em Entre Ambal as Aves
(entre Ave e Vizela). Assim, a região minhota dos vales, planícies e colinas, extremamente
recortada e compartimentada, contrasta com a das montanhas que a circundam e penetram,
permitindo que possam viver perto umas das outras comunidades bastante diferentes entre si:
de um lado, as que praticam uma agricultura intensiva e formam zonas demográficas
extremamente densas, embora a maioria dos seus componentes se distribua por pequenas
unidades de exploração familiares e autónomas, elas próprias compostas por retalhos
dispersos
de campos muito divididos; do outro, as que vivem em boa parte do pastoreio de gado miúdo,
em terras pobres e inóspitas, onde se juntam em aldeias, praticam uma agricultura
intermitente apenas em algumas épocas do ano, necessitam de manter laços de forte
solidariedade colectiva para organizarem o trabalho e preservarem os mais caros instrumentos
de produção, como o forno, a eira, o moinho e o lagar. A solidariedade das comunidades de
montanha, que ao mesmo tempo lhes confere a resistência e a estabilidade, ainda há poucos
anos mantinha, nas regiões mais altas e acidentadas de Entre Douro e Minho, vestígios claros
de usos comunitários, como o moinho e o forno do povo, a levada comum e a vezeira do gado,
e dava grande importância à caça em grandes grupos, organizada colectivamente pelos
homens de várias aldeias vizinhas (como no Soajo). No Entre Douro e Minho senhorial,
porém, as primeiras são as predominantes. As segundas situam-se sobretudo na periferia, isto
é, mais perto das serras, que rodeiam toda a região a leste. Aparentemente, é naquelas e não
nestas que mais cedo se implanta o regime senhorial. Dir-se-ia que a densidade demográfica e
a fertilidade do solo permitiram desde cedo a criação de excedentes de produção e a sua
apropriação por uma minoria e, consequentemente, uma hierarquização social, que não seria
possível nascer espontaneamente nas regiões onde o rigor das condições naturais obrigava a
maiores nivelamentos. A dispersão dos cultivadores nos campos, organizados em explorações
familiares autónomas, não é propícia à criação de laços comunitários nem à resistência a
formas de apropriação de uma porção do produto por parte de quem exerce alguma forma de
autoridade.
A circulação
foz do Mondego, do Tejo ou do Sado, e para norte com as terras da Galiza, em muito parecidas
com as do Entre Douro
144 e Minho. As velhas vias romanas que saíam de Braga em direcção a Astorga parece não
terem sido muito frequentadas durante a Idade Média, pelo menos até ao fim do século XII. As
montanhas a leste formavam, de facto, uma barreira natural, que não facilitava os contactos
com o interior da Península. Os camponeses e senhores da região puderam assim
desenvolver com uma certa autonomia as relações sociais que os uniam entre si, sem grandes
interferências de poderes externos, nem da parte dos chefes árabes ou moçárabes do Sul, nem
da parte dos soberanos asturianos e leoneses, os quais se contentaram, no primeiro caso, com
incursões esporádicas e, no segundo, com a colocação na zona de delegados seus, que sobre
ela exerciam uma vigilância superficial. Os maiores contactos estabeleceram-se com os
senhores galegos, ora em relações de pacífica vizinhança, ora com larga abertura à
implantação aqui de excedentes populacionais vindos do Norte. Assim o impuseram as
condições em que se fazia a comunicação com o exterior. No interior, porém, a circulação
parece ter sido sempre intensa. É o que se depreende, desde logo, pela densidade da rede
viária e fluvial, atestada já no século XII. Ela orienta, como é óbvio, a organização do espaço,
canaliza ou condiciona os vectores da dominação senhorial, é utilizada estrategicamente pelos
diversos poderes regionais em presença para manterem as posições adquiridas ou
conquistarem posições novas. Mas a própria densidade humana e a extrema fragmentação da
propriedade fundiária permitem associações e oposições de tal modo complexas e variadas
que a história das famílias desta região está em constante mutação e em recomposições
incessantes. A multiplicação de ramos colaterais é fácil: verifica-se o aparecimento de uma
variada gama de níveis de fortunas, desde aquilo a que poderíamos chamar um proletariado
nobre de pequenos cavaleiros quase miseráveis, até às famílias mais poderosas e respeitadas.
Mas o excesso de gente é também uma característica dominante e permanente. Por isso é
necessário desenvolver estratégias sucessórias que rejeitam para o exterior uma parte dos
membros da comunidade ou das famílias nobres e os obrigam a procurar fora da terra a
subsistência ou o sucesso. As diferenças de fortuna e de hierarquia facilitam as solidariedades
e os compromissos pessoais, os serviços vassálicos e as protecções senhoriais, a constituição
de séquitos formados por parentes pobres, mas também a emigração, para longe, daqueles
que não se querem sujeitar a uma dependência doméstica sem futuro nem glória, ou,
entre os camponeses, os que a terra estreita já não pode sustentar. Neste espaço fervilhante
de gente e de vida estabelecem-se alguns pólos de dominação. A sua supremacia traduz-se no
poder sobre áreas especialmente férteis ou mais densamente habitadas e no controlo das vias
de comunicação que unem essas áreas entre si. Os seus detentores extraem o Poder da
abundância de bens ou de homens concentrados nos lugares que dominam ou que circulam
pelos caminhos mais frequentados. Num nível superior, já próximo do poder régio, podem-se
também considerar os pólos que dominam as vias de comunicação, por assegurarem o
exercício de um poder supra-regional, isto é, por permitirem exercer o Poder a maiores
distâncias, por intermédio de uma rede de pólos que transmitem ao longe as ordens do
senhor. É, pois, necessário apresentar concretamente as vias de comunicação, os castelos e os
solares e verificar como sé conjugam entre si os fulcros e segmentos deste conjunto. A
observação da realidade depressa mostra, no entanto, que os pólos de dominação não se
situam apenas nos solares e castelos, mas também nas cidades e povoações mais importantes,
apesar de o Entre Douro e Minho desta época ter uma componente urbana reduzida. Nestas
povoações prevalecem então os bispos com o seu cabido e os mercadores. Estes pertencem
àquele pequeno grupo de homens que não se integram nas estruturas feudais, mas o seu
domínio sobre a circulação de bens e os instrumentos de troca torna a sua existência
necessária. Os senhores aceitam as suas organizações e liberdades; eles adaptam-se às
estruturas feudais. Mais adaptados a estas, formando mesmo uma das suas componentes
mais importantes, são os mosteiros, não menos detentores do poder regional do que os
castelos e solares, apesar da sua natureza diferente, uma vez que se baseia na sua função
religiosa e simbólica e não na força bruta dos seus ocupantes. O mapa da página 142 é, sem
dúvida, mais eloquente do que qualquer explicação. Nele se pode ver como se conjugam a
rede dos castelos com a dos caminhos, a das torres e solares com a dos mosteiros e
povoações, e de tudo isto com as condições físicas e climáticas que o espaço
145 minhoto lhes impõe. Sublinhemos apenas a importância dos principais pólos que
orientam a circulação, procedendo a uma contagem do número de vias que se cruzam nas
principais povoações, usando, para isso, os dados recolhidos em 1978 por C. A. Ferreira de
Almeida. Pode mesmo proceder-se a uma hierarquização de povoações, em função do número
total de vias que as servem (cf. o quadro abaixo).
Observe-se também neste mapa a posição dos solares e castelos e a sua relação, por um
lado, com os caminhos e, por outro, com o relevo. Depressa se notará que os castelos se
situam geralmente nos montes e colinas que dominam os vales e os caminhos. Os seus
detentores aproveitam as ruínas dos antigos castros da Idade do Ferro para construírem os
seus lugares-fortes, vigiarem as estradas, se defenderem de ataques inimigos. A constelação
das torres e castelos não coincide, portanto, com a das encruzilhadas. Muitos deles
permanecem ainda em meados do século XIII como centros administrativos ou militares das
circunscrições medievais e dão-lhes os respectivos nomes. Mas os senhores não os habitam
permanentemente. Em alguns casos, sabemos concretamente que se fixaram e tomaram o
nome de «honras», situadas em lugares mais amenos e acessíveis. É provável que se deva
distinguir uma fase primitiva, em que ocupavam os castros, outra, posterior, em que aí
deixavam as suas guarnições e iam viver para paços e quintãs ou centros dominiais. A primeira
metade do século XIII parece ser a época de transição. Durante a segunda metade deste
século, os castelos isolados devem ter sido completamente abandonados. A partir daí, o
domínio de cada circunscrição territorial faz-se a partir de centros urbanos e não das fartalezas
roqueiras. Mas já nos séculos XI e XII há precedentes desta organização do espaço, não em
torno de castros, mas de povoações que dominam o território circundante, então chamado
«termo». Olhando para o mapa das terras e julgados traçado a partir das inquirições de 1220,
nota-se o curioso fenómeno de encontrar os termos concentrados numa mancha que abrange
São João de Rei, Lanhoso, Braga, Guimarães, Refojos de Riba de Ave, Ferreira de Aves, Aguiar
de Sousa, Felgueiras e Lousada. Pelo contrário, em torno desta mancha, para o litoral, a norte
do Cávado, e no vale do Tâmega, os inquiridores usam o nome «terra». Os julgados são ainda
raros, apenas dois, mas situam-se junto à referida mancha. Verificando, por outro lado, que os
termos se associam menos frequentemente a castelos do que as terras, pode-se perguntar se
não designam preferentemente circunscrições dependentes de povoações do que de castelos,
apesar de encontrarmos algumas excepções significativas a esta regra.
146 Por outro lado, nem sempre os castelos dão o nome à terra. Assim acontece, por
exemplo, com Aboim, centro da terra da Nóbrega, com Arnóia, centro da de Celorico, com
Aguiar, centro da de Sousa, com Aradros, centro da de Benviver, com Monte Córdova, centro
da de Refojos da Riba de Ave, com Monte Castro, centro da de Gondomar, etc.