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VOTO
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processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.”
8. Aponta, por fim, que o novo entendimento proferido pelo STF penaliza
especialmente a parcela mais vulnerável da população. O julgamento das instâncias ordinárias
não esgota o juízo de culpabilidade ou o exame da repercussão jurídica de fatos e provas. A
jurisprudência do STJ em matéria penal demonstra que esse tribunal pode: (i) decretar a
atipicidade dos fatos e/ou alterar sua qualificação jurídica; (ii) alterar a dosimetria da pena, o
regime prisional, a substituição de pena privativa da liberdade por restritiva de direitos; e
(iii) declarar a ilicitude das provas. Nesse sentido, registra que o índice de sucesso da
defensoria pública do Estado de São Paulo, em HCs e RHCs, tendo por objeto decisões do
Tribunal de Justiça, chega a 62%. Aponta também que a taxa média de sucesso, nos recursos
especiais, no STJ, tem variado, nos últimos anos, entre 29,30% (2015) e 49,31% (2008).
11. Requereram, ainda, ingresso no feito, como amici curiae: o Instituto Brasileiro
de Ciências Criminais – IBCRIM, a Defensoria Pública da União, o Instituto de Defesa do
Direito de Defesa Márcio Thomaz Bastos – IDD, o Instituto Íbero Americano de Direito Penal
– IADP, a Associação dos Advogados de São Paulo – AASP, o Instituto dos Advogados de
São Paulo – IASP, a Associação Brasileira dos Advogados Criminais – ABACRIM e o
Instituto da Advocacia Racial e Ambiental.
12. Já nos autos da ADC 44, afirma-se que a decisão proferida no HC 126.292, ao
permitir que os tribunais executem a pena antes do trânsito em julgado, autoriza, por via
transversa, que determinem a prisão e afastem a aplicação do art. 283 do CPP, sem submeter a
questão ao princípio da reserva de plenário. Por essa razão, a decisão do STF violaria o art. 97
da Constituição1 e a Súmula Vinculante nº 102. A OAB alega, ainda, que o dispositivo cuja
declaração de constitucionalidade se requer simplesmente reproduz o teor do art. 5º, incs.
LVII e LXI, CF/1988 3 , de forma que declará-lo inconstitucional implicaria declarar a
inconstitucionalidade de norma constitucional originária, possibilidade que o próprio
Supremo já afastou, nos autos da ADI 815 e da ADI 997. Por fim, aduz que a interpretação
conferida pelo STF aos aludidos dispositivos constitucionais fere a literalidade dos seus textos
e vale-se do “álibi” da efetividade processual, com o propósito de instituir “verdadeira
política judiciária que deverá orientar a atuação dos tribunais nos casos futuros, incluindo os
processos da operação lavajato”.
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CF/1988, art. 97: “Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos
membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou
ato normativo do Poder Público”.
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Súmula Vinculante nº 10: “Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão
fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo do Poder Público, afasta a sua incidência no todo ou em parte”.
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CF/1988, art. 5º: “LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença
penal condenatória” e “LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e
fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime
propriamente militar, definidos em lei”.
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“suspensão da execução antecipada da pena de todos os casos em que os órgãos fracionários
de Segunda Instância, com base no HC 126.292/SP, simplesmente ignoraram o disposto do
artigo 283 do Código de Processo Penal”.
14. A Defensoria Pública do Estado de São Paulo requereu seu ingresso nos autos,
como amicus curiae, salientando que atualmente 64% dos recursos especiais e agravos em
recursos especial interpostos pela instituição contra decisões do Tribunal de Justiça de São
Paulo são providos pelo STJ. Afirmou, ainda, que o percentual de deferimento de habeas
corpus pelo STJ é de 50%, ao passo que no STF a taxa de êxito em HCs variaria em torno de
10 a 20%. Requereram ingresso nos autos, também como amici curiae, as instituições que
solicitaram ingresso nos autos da ADC 43 e o Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB.
15. O voto que se segue é estruturado em três partes. Na primeira parte, procuro
contextualizar o debate, indicando exemplos emblemáticos de como o sistema punitivo
brasileiro funciona extremamente mal e qual o papel do direito penal nas circunstâncias
brasileiras. Na segunda parte, descrevo a oscilação da jurisprudência do STF na matéria até
fixar-se, no julgamento do HC 126.292 (Rel. Min. Teori Zavascki, j. em 17.02.2016), o
entendimento atual no sentido de que a Constituição Federal admite a execução da pena após
a condenação em 2o grau, e aponto, muito resumidamente, os fundamentos que me levaram a
adotar essa posição naquele julgado. Já na terceira parte, analiso os pedidos cautelares
formulados, em especial o pedido para que se reconheça a legitimidade da opção do legislador
de condicionar o início do cumprimento da pena de prisão ao trânsito em julgado da sentença
penal condenatória.
Parte I
CONTEXTUALIZANDO O DEBATE
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II.4. O caso Pedro Talvane
20. Suplente de Deputado Federal foi denunciado pela morte da titular do
cargo, para tomar-lhe a vaga. A acusação é de que havia contratado pistoleiros que
mataram a Deputada, seu marido e outras duas vítimas, no episódio que ficou
conhecido como “Chacina da Gruta”. O fato se passou em 1998. O réu aguardou em
liberdade o julgamento pelo Tribunal do Júri que, em razão de recursos protelatórios,
só ocorreu em 2012, mais de 13 anos depois. Ele foi condenado a 103 anos e 4 meses
de reclusão. Somente aí, então, se deu a prisão preventiva do réu. Ele recorreu da
decisão e o processo se encontra pendente de recurso especial interposto perante o STJ
(REsp 1449981/AL). O sistema que tínhamos não era garantista. Ele era
grosseiramente injusto e funcionava como estímulo aos comportamentos mais
bárbaros, ao primitivismo puro e simples.
21. Aliás, duas outras conclusões podem ser extraídas deste caso: (i) a
primeira: a condenação pelo Tribunal do Júri em razão de crime doloso contra a vida
deve ser executada imediatamente, como decorrência natural da competência soberana
do júri conferida pelo art. 5º, XXXVIII, d; (ii) a segunda: confirmada a decisão de
pronúncia pelo Tribunal de 2º grau, o júri pode ser realizado. Para que não haja dúvida da
origem espúria do falso garantismo nessa matéria: a regra sempre fora a prisão do acusado por
homicídio após a pronúncia. Foi a Lei nº 5.941, de 22.11.1973, que mudou a disciplina que
até então vigorava. A motivação jamais foi desconhecida: o regime militar aprovou a lei a
toque de caixa para impedir a prisão do Delegado Sérgio Paranhos Fleury, notório torturador e
protegido dos donos do poder de então, condenado por integrar um esquadrão da morte.
28. Em passagem que se tornou clássica, Cesare Beccaria assentou que é a certeza
da punição, mais do que a intensidade da pena, o grande fator de prevenção da criminalidade.
Não é necessário o excesso de tipificações nem tampouco a exacerbação desmedida da pena.
O sistema punitivo pode e deve ser moderado. Mas tem que ser sério.
V. OS NÚMEROS RELEVANTES
29. Conforme explicitado no meu voto no HC 126.292, o percentual de recursos
extraordinários providos em favor do réu é irrisório, inferior a 1,5%4. Mais relevante ainda: de
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Segundo dados oficiais da assessoria de gestão estratégica do STF, referentes ao período de 01.01.2009 até
19.04.2016, o percentual médio de recursos criminais providos (tanto em favor do réu, quanto do MP) é de
2,93%. Já a estimativa dos recursos providos apenas em favor do réu aponta um percentual menor, de 1,12%.
Como explicitado no texto, os casos de absolvição são raríssimos. No geral, as decisões favoráveis ao réu
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1.01.2009 a 19.04.2016, em 25.707 decisões de mérito proferidas em recursos criminais pelo
STF (REs e agravos), as decisões absolutórias não chegam a representar 0,1% do total de
decisões5. No Superior Tribunal de Justiça, de acordo com dados do projeto Supremo em
Números, da Fundação Getúlio Vargas, a média de provimento de recursos especiais (tanto os
admitidos na origem como os que são processados via agravo de instrumento) é de 9,1% em
favor dos réus. Não há estatística acerca de qual percentual resultou efetivamente em
absolvição, mas tal como ocorre no STF, ele deve ser bastante baixo. A maior parte dos
provimentos de recurso dizem respeito ao regime de pena e à dosimetria.
Parte II
A CONSTITUCIONALIDADE DA EXECUÇÃO DA CONDENAÇÃO PENAL
APÓS A DECISÃO DE SEGUNDO GRAU
31. A Constituição Federal proclama, em seu art. 5º, LVII, que “ninguém será
consistiram em: provimento dos recursos para remover o óbice à progressão de regime, remover o óbice à
substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, remover o óbice à concessão de regime
menos severo que o fechado no caso de tráfico, reconhecimento de prescrição e refazimento de dosimetria.
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Em verdade, foram identificadas apenas nove decisões absolutórias, representando 0,035% do total de decisões
(ARE 857130, ARE 857.130, ARE 675.223, RE 602.561, RE 583.523, RE 755.565, RE 924.885, RE 878.671,
RE 607.173, AI 580.458). Deve-se considerar a possibilidade de alguma margem de erro, por se tratar de
pesquisa artesanal. Ainda assim, não há risco de impacto relevante quer sobre os números absolutos quer sobre o
percentual de absolvições.
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considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. O
dispositivo consagra o princípio da presunção de inocência, ou – em expressão mais técnica –
o princípio da presunção de não culpabilidade6. Desde a promulgação da Carta de 1988 até
2009, vigeu nesta Corte o entendimento de que essa norma não impedia a execução da pena
após a confirmação da sentença condenatória em segundo grau de jurisdição, ainda que
pendentes de julgamento os recursos extraordinário (RE) e especial (REsp)7. Em linhas gerais,
isso se dava pelo fato de que tais recursos não desfrutam de efeito suspensivo nem se prestam
a rever condenações (a realizar a justiça do caso concreto), mas tão somente a reconhecer
eventual inconstitucionalidade ou ilegalidade dos julgados de instâncias inferiores, sem
qualquer reexame de fatos e provas.
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Sobre o tema, v. Anthair Edgard de Azevedo Valente e Gonçalvez, Inciso LVII do art. 5º da CF: uma
presunção à brasileira, mimeografado, 2009.
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Veja-se, nesse sentido, os seguintes julgados: (i) no Plenário: HC 68.726, Rel. Min. Néri da Silveira,
HC 72.061, Rel. Min. Carlos Velloso; (ii) na Primeira Turma: HC 71.723, Rel. Min. Ilmar Galvão; HC
91.675, Rel. Min. Carmen Lúcia; HC 70.662, Rel. Min. Celso de Mello; e (iii) na Segunda Turma: HC
79.814, Rel. Min. Nelson Jobim; HC 80.174, Rel. Min. Maurício Corrêa; RHC 84.846, Rel. Min. Carlos
Veloso e RHC 85.024, Rel. Min. Ellen Gracie. Confiram-se, ainda, as Súmulas 716 e 717.
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Votaram com a maioria os Ministros Eros Grau, Celso de Mello, Marco Aurélio, Cezar Peluso, Ayres
Britto, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. Votaram vencidos, pela manutenção da orientação
anterior, Menezes Direito, Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia e Ellen Gracie.
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34. Em meu voto, defendi a ocorrência de uma mutação constitucional, isto é, de
uma transformação, por mecanismo informal, do sentido e do alcance do princípio
constitucional da presunção de inocência, apesar da ausência de modificação do seu texto. Na
matéria, tinha havido uma primeira mutação constitucional em 2009, quando o STF alterou
seu entendimento original sobre o momento a partir do qual era legítimo o início da execução
da pena. Encaminhou-se, porém, para nova mudança sob o impacto traumático da própria
realidade que se criou após a primeira mudança de orientação.
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Segundo dados oficiais da assessoria de gestão estratégica do STF, referentes ao período de
01.01.2009 até 19.04.2016, o percentual médio de recursos criminais providos (tanto em favor do réu,
quanto do MP) é de 2,93%. Já a estimativa dos recursos providos apenas em favor do réu aponta um
percentual menor, de 1,12%. Como explicitado no texto, os casos de absolvição são raríssimos. No
geral, as decisões favoráveis ao réu consistiram em: provimento dos recursos para remover o óbice à
progressão de regime, remover o óbice à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de
direitos, remover o óbice à concessão de regime menos severo que o fechado no caso de tráfico,
reconhecimento de prescrição e refazimento de dosimetria.
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Em verdade, foram identificadas apenas nove decisões absolutórias, representando 0,035% do
total de decisões (ARE 857130, ARE 857.130, ARE 675.223, RE 602.561, RE 583.523, RE 755.565,
RE 924.885, RE 878.671, RE 607.173, AI 580.458). Deve-se considerar a possibilidade de alguma
margem de erro, por se tratar de pesquisa artesanal. Ainda assim, não há risco de impacto relevante
quer sobre os números absolutos quer sobre o percentual de absolvições.
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uma fraude milionária.
38. A partir desses três fatores, tornou-se evidente que não se justifica no cenário
atual a leitura mais conservadora e extremada do princípio da presunção de inocência, que
impede a execução (ainda que provisória) da pena quando já existe pronunciamento
jurisdicional de segundo grau (ou de órgão colegiado, no caso de foro por prerrogativa de
função) no sentido da culpabilidade do agente. É necessário conferir ao art. 5º, LVII a
interpretação mais condizente com as exigências da ordem constitucional no sentido de
garantir a efetividade da lei penal, em prol dos bens jurídicos que ela visa resguardar, tais
como a vida e a integridade psicofísica – todos com status constitucional. Ainda que o STF
tenha se manifestado em sentido diverso no passado, e mesmo que não tenha havido alteração
formal do texto da Constituição de 1988, o sentido que lhe deve ser atribuído
inequivocamente se alterou. Fundado nessa premissa, entendi que a Constituição Federal e o
sistema penal brasileiro admitem – e justificam – a execução da pena após a condenação em
segundo grau de jurisdição, ainda sem o trânsito em julgado, destacando múltiplos
fundamentos que legitimam esta compreensão, resumidos a seguir.
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De acordo com o CNJ, somente nos anos de 2010 e 2011, a Justiça brasileira deixou prescrever
2.918 ações envolvendo crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Disponível em:
http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/60017-justica-condena-205-por-corrupcao-lavagem-e-improbidade-
em-2012
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culpabilidade (CF/1988, art. 5º, LVII). Ao contrário, a prisão, neste caso, justifica-se pela
conjugação de três fundamentos jurídicos.
43. Por fim, apontei três fundamentos pragmáticos que reforçam a opção pela
interpretação adotada, ao demonstrar que a execução provisória de acórdão penal
condenatório proferido em 2o grau de jurisdição pode contribuir para a melhoria do sistema de
justiça criminal. Primeiro, a interpretação permite tornar o sistema de justiça criminal mais
funcional e equilibrado, na medida em que (i) coíbe a abusiva e infindável interposição de
recursos protelatórios, que impedia que condenações proferidas em grau de apelação
produzissem qualquer consequência, conferindo aos recursos aos tribunais superiores efeito
suspensivo que eles não têm por força de lei; bem como (ii) favorece a valorização e a
autoridade das instâncias ordinárias, algo que há muito se perdeu no Brasil, pelo fato de o juiz
de primeiro grau e o Tribunal de Justiça terem passado a funcionar como instâncias de
passagem até a apreciação pelos Tribunais Superiores.
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46. Em razão de todos esses motivos, concluí que o princípio da presunção de
inocência ou da não culpabilidade não impede a execução da pena após a decisão
condenatória de segundo grau de jurisdição.
Parte II
O ART. 283 DO CPP NÃO OBSTA A EXECUÇÃO
DA CONDENAÇÃO PENAL APÓS A DECISÃO DE SEGUNDO GRAU
CONSTITUIÇÃO
49. Começo por afastar a última alegação. Como demonstrei em meu voto no HC
126.292, ao contrário do que uma leitura apressada da literalidade do inc. LVII do art. 5º
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poderia sugerir, a Constituição brasileira não condiciona a prisão – mas sim a culpabilidade –
ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Tal norma define que “ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. É o inc.
LXI que trata da prisão e este, diferentemente do anterior, não exige o trânsito em julgado
para fins de privação de liberdade, mas, sim, determinação escrita e fundamentada expedida
por autoridade judiciária. Nesse sentido, prevê que “ninguém será preso senão em flagrante
delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente”. Assim,
considerando-se ambos os incisos, é evidente que a Constituição diferencia o regime da
culpabilidade e o da prisão. Não há, portanto, que se falar que o art. 283 do CPP apenas
“espelha” o disposto no texto constitucional e, por isso, não poderia ser questionado.
51. Os direitos ou garantias não são absolutos12, o que significa que não se admite
o exercício ilimitado das prerrogativas que lhes são inerentes, principalmente quando
veiculados sob a forma de princípios (e não regras), como é o caso da presunção de inocência.
Enquanto princípio, tal presunção pode ser restringida por outras normas de estatura
constitucional (desde que não se atinja o seu núcleo essencial), sendo necessário ponderá-la
com os outros objetivos e interesses em jogo.
53. Dessa ponderação decorre que, uma vez proferida a decisão condenatória de
segundo grau, deve se iniciar o cumprimento da pena. A prisão na hipótese decorre, assim, de
fundamento diretamente constitucional, limitando a esfera de liberdade do legislador. Já em
meu voto no HC 126.292 manifestei-me no sentido de que tal ponderação de bens jurídicos
não é obstaculizada pelo art. 283, CPP, nos seguintes termos: “Note-se que este dispositivo
admite a prisão temporária e a prisão preventiva, que podem ser decretadas por fundamentos
puramente infraconstitucionais (e.g., “quando imprescindível para as investigações do
inquérito policial” – Lei nº 9.760/89 – ou “por conveniência da instrução criminal” – CPP,
art. 312). Naturalmente, não serve o art. 283 do CPP para impedir a prisão após a
condenação em segundo grau – quando já há certeza acerca da materialidade e autoria – por
fundamento diretamente constitucional. Acentue-se, porque relevante: interpreta-se a
legislação ordinária à luz da Constituição, e não o contrário”.
56. Isso não significa, por óbvio, que os órgãos fracionários estejam proibidos de
interpretar a legislação ordinária, com ou sem referência expressa à Constituição. A aplicação
do direito pressupõe a definição do seu sentido e alcance. Essa é a atividade cotidiana dos
tribunais e seus órgãos fracionários. O que não se admite é o afastamento do ato, por norma
constitucional, sem observância da reserva de plenário. A diferença entre as duas hipóteses
nem sempre será clara, mas há uma zona de certeza positiva quanto à incidência do art. 97: se
o tribunal de origem esvaziar a lei ou o ato normativo – i.e. , se não restar qualquer espaço
para a aplicação do preceito legal –, não haverá dúvida de que terá ocorrido um afastamento, e
não uma simples interpretação.
59. E não é possível alegar-se que o art. 283 do CPP (com redação dada pela Lei nº
12.403/2011) é norma posterior e mais especial em relação ao art. 637 do CPP, de modo a
prevalecer em relação a este por meio do emprego dos critérios cronológico e da
especialidade. Em verdade, ao se conferir interpretação conforme a Constituição ao art. 283
do CPP para compatibilizá-lo com a Constituição de 1988, não resta conflito entre os ambos
os preceitos. Ao contrário, ambos harmonizam-se perfeitamente.
60. Além disso, seria até mesmo possível extrair a previsão legal para a prisão
após sentença condenatória de segundo grau do próprio art. 283 do CPP, na parte em que
autoriza a prisão preventiva no curso do processo. É que, ainda que não houvesse fundamento
direto na Carta de 1988, com o esgotamento das instâncias ordinárias, a execução da pena
13
STJ, Súmula 267: “a interposição de recurso, sem efeito suspensivo, contra decisão condenatória
não obsta a expedição de mandado de prisão” .
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passa a constituir exigência de ordem pública (art. 312, CPP14), necessária para assegurar a
credibilidade do Poder Judiciário e do sistema penal. Nessa hipótese, porém, dispensa-se
motivação específica pelo magistrado da necessidade de “garantia da ordem pública” e do não
cabimento de medidas cautelares alternativas, valendo, para fins dos arts. 315 e 282, § 6o,
CPP 15 , a própria condenação em segundo grau como demonstração suficiente para a
decretação da prisão.
14
CPP, Art. 312: A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem
econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal,
quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. (Redação dada pela Lei nº
12.403, de 2011).
15
CPP, art. 315: A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre
motivada. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
o
CPP, art. 282, § 6 : A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição
por outra medida cautelar (art. 319). (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
16
Dados fornecidos pela assessoria do Ministro Presidente do STJ, extraídos das seguintes fontes:
SJD, SOJ, Gabinetes de Ministros e STI. Foram computados os AREsp e REsp providos em favor do
réu e DP no período de 01/01/2009 até 20/06/2016 por classe de feito
17
Conforme dados do Depen de 2016, referentes a dezembro de 2014. Disponível em:
<http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/infopen_dez14.pdf/@@download/file>
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63. Nesse cenário, penso que, em princípio, a questão não deve se resolver com
prejuízo à funcionalidade do sistema penal (excluindo-se a possibilidade de prisão após a
condenação em segundo grau), mas com ajustes pontuais que atinjam a própria causa do
problema e que permitam maior grau de observância à jurisprudência dos tribunais superiores.
É possível, por exemplo, pensar em medidas que favoreçam o cumprimento das decisões do
STJ e do STF, como a edição de súmulas vinculantes em matéria penal nos casos em que se
verificar maior índice de descumprimento de precedentes dos tribunais. Outra opção seria
determinar ao CNJ a realização de mutirões carcerários com maior frequência nessas unidades
federativas. Assim é possível até mesmo restabelecer-se o prestígio e a autoridade das
instâncias ordinárias, algo que se perdeu no Brasil a partir do momento em que o juiz de
primeiro grau e o Tribunal de Justiça passaram a ser instâncias de passagem, aguardando-se
que os recursos subam para o Superior Tribunal de Justiça e, depois, para o Supremo Tribunal
Federal. Ainda assim, para evitar prejuízos aos réus, especialmente aqueles hipossuficientes,
recomenda-se, nos casos em que se verificar tal índice de provimento desproporcional, a
adoção, nos tribunais superiores, de jurisprudência mais permissiva quanto ao cabimento de
habeas corpus que permita a célere correção de eventual abuso ou erro das decisões de
segundo grau.
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68. Por fim, o requerente afirma que, nos autos do HC 126.292, o STF produziu
interpretação mais gravosa quanto à possibilidade de prisão antes do trânsito da decisão
condenatória penal, superando seu entendimento pretérito, proferido no HC 84.078, no
sentido da impossibilidade de execução provisória da pena. Pondera, por outro lado, que a
Constituição veda expressamente que a lei retroaja para prejudicar o réu e que, se assim se
procede com a lei penal, o mesmo preceito deve ser observado quanto a eventuais alterações
jurisprudenciais mais gravosas em matéria penal, já que essas se equiparam a uma alteração
legislativa. Por essas razões e, ainda, sob a invocação dos princípios da segurança jurídica, da
boa-fé e da confiança dos jurisdicionados, o requerente da ADC 43 defende que o novo
entendimento do STF seja aplicado tão somente a ilícitos praticados posteriormente à
decisão de mérito proferida nesta ADC 43 ou, subsidiariamente, apenas a ilícitos praticados
posteriormente à decisão do HC 126.292. Ademais, em sede cautelar, pede que “não sejam
deflagradas novas execuções provisórias de penas de prisão e sejam suspensas as que já
estiverem em curso, libertando-se, até que a presente ação seja julgada, as pessoas que ora
se encontram encarceradas, sem que a respectiva decisão condenatória tenha transitado em
julgado”.
69. Não assiste razão ao postulante. Em primeiro lugar, é preciso observar que o
art. 5º, incs. XXXIX e XL, da Constituição prevê que: “Não há crime sem lei anterior que o
defina, nem pena sem prévia cominação legal” e que “A lei penal não retroagirá, salvo para
beneficiar o réu”. Destes dispositivos resulta uma vedação constitucional à caracterização
como crime de um ato que não estava tipificado como ilícito penal, à época em que praticado,
ou à aplicação de uma pena que não estava prevista na lei quando da ocorrência do delito.
Todavia, é preciso observar, em primeiro lugar, que o novo entendimento do Supremo
Tribunal Federal não cria novo crime ou nova sanção penal.
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“(...) IV - Nos termos do art. 2º do CPP, “a lei processual aplicar-se-
á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência
da lei anterior”. Desse modo, se lei nova vier a prever recurso antes
inexistente, após o julgamento realizado, a decisão permanece irrecorrível,
mesmo que ainda não tenha decorrido o prazo para a interposição do novo
recurso; se lei nova vier a suprimir ou abolir recurso existente antes da
prolação da sentença, não há falar em direito ao exercício do recurso
revogado. Se a modificação ou alteração legislativa vier a ocorrer na data
da decisão, a recorribilidade subsiste pela lei anterior. V - Há de se ter em
conta que a matéria é regida pelo princípio fundamental de que a
recorribilidade se rege pela lei em vigor na data em que a decisão for publicada
(...). (RE 752988 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 03.02.2014,
grifou-se)
71. A aplicabilidade imediata das normas processuais é excepcionada pelo STF nos
casos de leis penais de conteúdo misto, ou seja, no caso de normas que disponham sobre
direito material e sobre direito processual, como ocorreu, por exemplo, com a nova redação
conferida pela Lei 9.271/1996 ao art. 366 do Código de Processo Penal 18 . A nova lei
estabeleceu que a revelia (instituto processual) suspenderia o curso da prescrição (instituto de
direito material). Porque a disciplina processual impactava diretamente sobre a prescrição
entendeu-se que a suspensão do prazo extintivo não poderia ser aplicada a revelias
18
CPP, art. 366, com redação conferida pela Lei 9.271/1996: “Se o acusado, citado por edital, não
comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional,
podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso,
decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312”.
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configuradas anteriormente à vigência da referida lei. Foi o que decidiu o STF no RHC
105730 (Rel. Min. Teori Zavascki, DJ 08.05.2014). Todavia, o entendimento sobre execução
provisória não configura norma de natureza mista. Ao proferi-lo, o Supremo Tribunal Federal
decidiu em que momento torna-se possível executar decisão judicial confirmada em, ao
menos, duas instâncias. Se a possibilidade de uma norma processual repercutir sobre a
liberdade implicasse sua automática configuração como norma mista ou vedasse sua
aplicação para ilícitos ocorridos anteriormente à sua vigência, a aplicabilidade imediata seria
uma exceção no processo penal e não a regra porque a privação da liberdade é o resultado
provável de inúmeros processos penais.
73. Por outro lado, a modulação dos efeitos temporais de uma decisão do STF
pressupõe a ponderação entre o dispositivo constitucional violado e os valores segurança
jurídica, proteção da confiança legítima e da boa-fé do administrado. Não há como sustentar,
contudo, que a segurança jurídica dos réus foi violada porque, se tivessem sabido que seriam
presos após decisão de segundo grau, não teriam cometido seus ilícitos ou teriam se defendido
no processo de forma diversa. Tampouco se pode afirmar que a afronta a esses princípios
estaria no fato de que o réu tinha depositado sua confiança na inefetividade do sistema penal à
época em que escolheu se apropriar do dinheiro público, matar, roubar ou e que, portanto, tem
direito a que tal sistema permaneça inefetivo.
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Nos autos da Ação Penal 606, citada pelo requerente em sua inicial, decidiu-se que o momento
para a determinação do tribunal competente para julgar autoridade com foro especial é o final da
instrução processual. Por isso, eventual renúncia ao mandato, posterior a tal momento processual,
não ensejaria a perda da competência do STF. Como a alteração do critério poderia surpreender os
réus que pretendiam renunciar aos respectivos mandatos, porque antes dessa decisão o STF não
adotava esta posição, eu considerei a atribuir efeitos prospectivos à decisão. No entanto, no referido
caso, a instrução ainda não havia sido concluída porque o réu renunciou às vésperas da prova de
defesa, portanto, antes do final da instrução. A reflexão sobre a modulação de efeitos na hipótese
figurou, portanto, como mera conjectura, como mero obiter dictum, não apreciado de forma exaustiva
nem por mim nem pela Corte.
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crédito presumido em matéria de IPI20 porque em ambos a conduta dos jurisdicionados se
pautou pela jurisprudência do STF, de forma que a mudança do critério jurisprudencial, nesses
casos, efetivamente surpreenderia tanto o deputado que esperou para renunciar ao mandato
com base no termo final estabelecido pela jurisprudência da Corte, quanto o contribuinte que
se creditou do IPI porque a jurisprudência do STF dizia que este creditamento era cabível.
Não é o que ocorre, contudo, no presente caso pelas razões já explicitadas. Portanto, entendo
que a pretendida modulação dos efeitos temporais do entendimento do Supremo Tribunal
Federal que admite a execução provisória da pena não é cabível.
V. CONCLUSÃO
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No caso tributário a que, de igual modo, se refere o requerente em sua inicial, o novo entendimento
do Supremo Tribunal Federal implicava, na prática, majoração de tributo, em decorrência de mera
alteração jurisprudencial. Havia, portanto, alteração de interpretação sobre direito material. E o novo
entendimento surpreendia ilegitimamente o contribuinte porque, de acordo com o entendimento
sufragado até então pela Corte, era válido o crédito presumido em matéria de imposto sobre produtos
industrializados e, portanto, o contribuinte abatia o valor do crédito do imposto que tinha a pagar. Uma
guinada jurisprudencial com efeitos retroativos, nessa segunda hipótese, implicava em penalizar os
contribuintes que seguiram os precedentes do STF. Isso sim violaria a segurança jurídica, a boa-fé e
a confiança legítima dos jurisdicionados nas decisões proferidas pelo Supremo.
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