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Controle social
status, autonomia e segurança"." Além disso, os siste- jam percebidas em termos de padrões culturais domi-
mas de controle costumam criar expertos, em pre- nantes, que interferem, portanto, na interpretação de
juízo de outras pessoas que passam a resistir. Deve-se descobertas relativas a instituições estrangeiras e talvez
levar em conta ainda que as relações sociais são altera- na influência que tais descobertas possam vir a ter sob
das, não sendo incomum que relações de cooperação o meio nacional. Isto sugere, inclusive, a importância
se transformem em relações de competição. Natural- de uma análise interdisciplinar dessa ordem de fenô-
mente, na medida em que as pessoas valorizem essa or- menos. Certamente, antropólogos, psicólogos, cientis-
dem de satisfações, bem como as advindas da autono- tas políticos, sociólogos; economistas, lingüistas e ou-
mia, tenderão a resistir. Na realidade, são muitos os tros especialistas têm o que dizer a propósito de con-
fatores mais propriamente organizacionais que afetam trole social nas organizações.
o impacto dos sistemas de controle baseados em O que não se pode deixar de considerar é que, como
motivação extrínseca sobre os indivíduos. Entre eles lembram Barrett e Bass, a "cultura desempenha um
merece destaque o clima organizacional. papel nas habilidades desenvolvidas pelos indivíduos e
Aspecto indiscutivelmente decisivo no que tange ao o fato é mais dramaticamente ilustrado na área das di-
controle, o clima foi descrito por Ayne, em 1971, co- ferenças culturais e nos processos de percepção";" E
mo "um conceito molar que reflete o conteúdo e a for- isto por certo está presente não tanto na questão da
ça dos valores, normas, atitudes, comportamentos e existência da universalidade da utilização de testes e
sentimentos dos 'membros de um sistema social"." medidas de pesquisas em culturas diferentes, quanto
Sem dúvida esse é um conceito que, de alguma forma, em variáveis intervenientes nos processos estudados,
deve ser levado em consideração quando se analisam que precisam ser identificadas e compreendidas. Um
mecanismos de controle social em organizações es- dos aspectos essenciais dos mecanismos de controle so-
pecíficas, operando em sociedades igualmente es- cial presentes nas organizações diz respeito, como foi
pecíficas. Embora essa preocupação esteja presente em salientado anteriormente, ao treinamento, parte fun-
algumas linhas de teoria organizacional, tudo leva a damental do processo de socialização. Essa, no entan-
crer que os estudos sobre clima organizacional e sua a- to, é uma área em que autores que nela têm trabalhado
ção sobre os mecanismos controladores, assim como comprovaram ser restrito o número de pesquisas inter-
suas implicações em termos íntefculturais, precisam culturais desenvolvidas, ao mesmo tempo em que reco-
ser mais desenvolvidos. nhecem sua importância e a necessidade de aprimora-
mento dos instrumentos de pesquisa de campo.
De qualquer forma, a área de controle social nas
organizações é especialmente atraente para pesqui- O trabalho publicado no Handbook of industrial
14 sas interculturais. Nesse sentido, alguns estudos and organizational psychology por Barrett e Bass parte
tornaram-se clássicos no que diz respeito à empresa de constatações que tornam claro o que acabou de ser
japonesa e às empresas predominantes em países do afirmado. É iniciado com a seguinte colocação: "As
chamado terceiro mundo, bem como no que diz respei- pesquisas empíricas são limitadas na área de treina-
to a sistemas governamentais diversos. Nesta última mento e desenvolvimento transcultural. Poucas técni-
área, a análise comparada tem sido bastante desenvol- cas de treinamento têm sido validadas entre e intracul-
vida tanto pela literatura norte-americana, na qual turas. O principal esforço de pesquisas tem centrado
Fred Riggs teve um lugar decisivo, quanto pela litera- seu objeto .de análise de programas de treinamento re-
tura européia, especialmente a francesa, a alemã e a queridos para o aumento da eficácia gerencial de ad-
britânica. A visão comparativa também não é estranha ministradores que trabalham em uma cultura diferen-
ao meio acadêmico dos países subdesenvolvidos, cujos te. Um programa de treinamento,The Culture assimi-
membros são, por via de regra, profundamente in- lator (Fiedler, Mitchell e Triandis, 1971), tem sido vali-
fluenciados pelas teorias e modelos elaborados nos dado, tanto em estudos de laboratório, quanto em es-
países desenvolvidos. Assim, já existe alguma literatu- tudos de campo. As investigações transculturais têm
ra que compara sistemas administrativos latino- uma utilidade considerável para a psicologia industrial
americanos produzida na própria América Latina por e organizacional. A pesquisa que fica confinada a um
latino-americanos, geralmente preocupados com a va- contexto cultural é limitada, tanto em termos de
lidade das teorias e modelos que receberam. construção teórica, quanto em termos de aplicações
práticas. Uma ampla gama de variações culturais
Muitos desses estudos têm, entretanto, um viés difi-
acrescenta uma dimensão necessária e essencial a um .
cilmente contornável, relacionado com o centralismo
campo. O esforço futuro de pesquisa deve ser dirigido
cultural, isto é, com a relativa incapacidade de perce-
para o desenvolvimento de instrumento padronizado,
ber instituições dominantes em culturas diversas, a
para o refinamento das definições operacionais de
partir de valores culturais próprios e específicos. Mes-
conceitos e para a determinação de relações básicas de
mo assim, diversas pesquisas conduzidas nessa linha
causa e efeito" .12
têm-se mostrado de grande interesse e com um poten-
cial analítico considerável. Resta ainda pesquisar me- Naturalmente, as práticas de treinamento e desen-
lhor se o conhecimento de instituições administrativas volvimento e, portanto, de socialização, variam cultu-
estrangeiras contribui, e em que dimensão, para a ralmente. Isto se evidencia inclusive nas expectativas
alteração de práticas e estruturas organizacionais 10- daqueles que passam pelo processo, o que tem condu-
·cais. É de se considerar, por exemplo, a hipótese de zido a certas colocações que assumem um discutível
que, em sociedade onde prevalece um padrão auto- pressuposto de adequação, segundo o qual os padrões
ritário de relações sociais, as pesquisas e teorias desen- de supervisão devem ser autoritários onde as expectati-
volvidas na área de controle social nas organizações se- vas são de autoritarismo. Está nessa linha o trabalho
Controle social
Sem dúvida as pressões sociais são essenciais, tanto nos Estados Unidos, o grupo do desenvolvimento or-
no que diz respeito ao conflito, como no que se refere ganizacional. Michael Beer, reportando-se a Likert e
à temática mais ampla do controle social exercido pela referindo-se às intervenções intergrupais em termos
organização. É preciso lembrar que os processos orga- dessa última vertente, afirma: "O grupo primário é,
nizacionais reproduzem fortemente as necessidades do provavelmente, o mais importante subsistema do inte-
sistema social em que a organização se insere, e que rior de uma organização. Sua importância na
seus participantes são levados a agir de acordo com a configuração do comportamento organizacional faz
lógica dessa reprodução. Ideologia, recalcamento, re- recordar a visão de Likert da organização com uma
pressão, auto-estima e realização são algumas das for- série de pequenos grupos ligados por indivíduos que
mas pelas quais o comportamento organizacional se são membros em um grupo, e líderes em outro. Não é,
torna funcional para o sistema maior. Isto diz respeito portanto, surpreendente que o desenvolvimento grupal
tanto à influência grupal, extremamente importante, tenha recebido tanta atenção (ênfase)". 17
quanto à influência social propriamente dita. Nesse Naturalmente, a visibilidade do grupo é tão forte
sentido, a própria criatividade pode ser, como afirmou para o indivíduo, entre outras razões, porque define o
Hall em 1971, a partir de um trabalho de parte de seu seu "universo social". Faz sentido declarar que "um
próprio grupo de estudos sobre processo decisório, conjunto de afirmações grupais de uma pessoa pode
fruto de uma administração de conflito grupal eficaz. ser visto como definidor de sua posição, em uma
Da mesma forma Pelz, em 1956, descobriu que pes- organização, de modo análogo à forma pela qual a
quisadores que discutiam seu .trabalho com colegas de posição espacial de uma pessoa define sua posição no
orientações diferentes tendiam a apresentar melhor de- universo físico. Nos dois casos, a filiação e a posição
sempenho, e Hoffman e Maier, em 1959e 1961·,.desco- espacial afetam fortemente a quantidade e o caráter
briram que grupos compostos de membros com inte- substantivo dos estímulos aos quais as pessoas estão
resses diferentes tendiam a produzir soluções de me- expostas nas atividades cotidianas" .18 O que ocorre a
lhor qualidade para uma grande variedade de proble- nível do ambiente social é menos visível, mesmo por-
mas, do que grupos homogêneos .15 que a própria relação organização-ambiente, de que
tanto se vem falando e repetindo, por vezes com signi-
A influência macrossocial é exercida por uma infini-
ficados tão vagos a ponto de comprometer o conteúdo
dade de meios. Convém lembrar que,em uma
dos conceitos, é bem menos concreta. Sobre isto é es-
organização, todos os membros são parte de um siste- clarecedora a colocação de William Starbuck, segundo
ma social maior, e que não deixam de sê-lo quando es- a qual, "em nível não desprezível, um ambiente orga-
tão no interior das organizações. Esses indivíduos fa- nizacional é uma invenção arbitrária da própria
16 zem e refazem constantemente as transações entre a organização"!" e, prosseguindo, "o mesmo ambiente,
organização e o meio ambiente social e vice-versa.
percebido por uma organização como imprevisível,
Inúmeros autores têm chamado atenção para esse fa- complexo e evanescente, pode ser visto por outra
to, e de modo muito especial para as chamadas transa- organização como estático e facilmente com-
ções através das fronteiras permeáveis da organização,
o que tem sido sublimado pelos teóricos de sistemas preensível" .20
em geral e em particular pelos pesquisadores do Tavis- Esse é o universo do controle social nas organiza-
tock Institute de Londres." Além disso, as organiza- ções. Um universo que envolve necessariamente alguns
ções constituem nada menos que o essencial da supe- dos aspectos essenciais de qualquer organização por-
restrutura político-institucional de qualquer formação que é, ele próprio, essência de qualquer organização
social. Assim, é ao nível das organizações complexas complexa. Um universo que envolve relações de
que se realizam as relações de dominação na socieda- produção, formas de organização do trabalho,
de.iMas as organizações não são apenas isso: elas são, inculcação ideológica, repressão, dinâmica grupal e
em conjunto, o local por excelência das relações de identificação, conforme detectaram vários autores e
produção e das forças produtivas, incluídas, evidente- pesquisadores, como Lloyd Warner," antropólogo
mente, as formas de cooperação, que representam a que percebeu a importância da dimensão psicológica
base material da sociedade, além de constituírem apa- na explicação do sucesso profissional em organiza-
relhos ideológicos por excelência. Nada mais lógico do ções, e que tanta influência exerceu sobre a sociologia
que a realização e a reprodução a nível organizacional americana. Mais recentemente, Max Pages, pesquisa-
daquilo que ocorre em um plano social maior, no qual, dor de Paris-Dauphine, vem também desenvolvendo
sem dúvida, as organizações têm papel central. trabalho de enorme interesse no campo, focalizando o
papel da canalização de energia libidinal no controle
O nível da influência grupal é, todavia, mais facil- social das organizações."
mente visualizável para os indivíduos. O comporta-
mento grupal tem sido exaustivamente estudado pelos Em particular, o controle social envolve poder e au-
teóricos das organizações e pelos psicólogos sociais, toridade, pelo simples fato de constituir a própria
em especial a partir de Kurt Lewin. Modernamente, a efetivação da dominação. Por esta razão, a preocupa-
tradição psicanalítica também tem-se preocupado com ção com o controle social nas organizações é a crítica
o grupo de forma bastante significativa. O trabalho de de como a autoridade se estrutura burocraticamente
Bion sobre o comportamento grupal parece ser algo in- em organizações tradicionais. A literatura clássica so-
corporado de modo definitivo aos esforços de com- bre o tema é abundante na tradição da análise organi-
preensão dessa sorte de processos. Outras tradições zacional, tornando conveniente e urgente um esboço
bastante diversas vêm-se ocupando dos grupos de tra- de avaliação dessa produção intelectual. Tradição qua-
balho: na França, o grupo da análise institucional, e se ininterrupta na história da teoria das organizações,
Sentimento
Tal dificuldade é estimulada pela categorização, isto da necessidade
é, pela tendência ao enquadramento da grande varie- de defesa
de dificuldade
ao comportamento inovador, é estimulado à seguran- com os clientes
ça e ao conforto oferecidos pela obediência cega aos
regulamentos. Previsibilidade e rigidez de comporta-
mento caminham, portanto, de- modo paralelo, Por ." . are,h James G. & Sirnon,
. - ..das organizações.
Herbert A. Teoria ~
sua vez, ao mesmo tempo em que há uma redução das Rio de Janeiro, Fundação Getulio Vargas, 1966. p. 53.
relações personalizadas, dá-se o desenvolvimento do
esprit de corps, a auto-defesa do grupo burocrático pe- Selznick desenvolveu o seu modelo mostrando, co-
rante a sociedade e seu público. O desenvolvimento mo Merton, algumas formas pelas quais a burocracia
dessa autodefesa burocrática tende a aumentar a rigi- acaba alcançando resultados não desejados. Sua
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análise deriva do estudo da TVA, uma agência regio- portamento burocrático. Com efeito, o padrão que a
nal norte-americana algo semelhante à Sudene, cujos análise de Selznick torna transparente oculta o fato de
resultados foram publicados em 1949.3' Em trabalhos que a burocracia existe pelos burocratas e para os bu-
posteriores, o seu modelo é um marco de referência rocratas. Assim, a multiplicação de tarefas especializa-
subjacente." De modo diferente, porém, de Merton, das, cargos e departamentos são a própria raison
que salientou o papel das decisões derivadas da exigên- d'être dos burocratas. Em última instância, quanto
cia de controle, Selznick salienta o papel da delegação mais cargos, melhores as condições de aumento do po-
de autoridade. der burocrático, o que, a nível de sociedade global, sig-
Seu pressuposto é que as burocracias se caracteri- nificaria que, quanto mais organizações burocráticas,
zam pela busca constante da integração de objetivos de mais satisfeitos os burocratas. Isto é evidente e
subgrupos à doutrina oficial da organização. É, por- relaciona-se com a própria carreira burocrática, sua
tanto, o reino do conflito, o reino da tentativa de mobilidade vertical e horizontal.
legitimação de interesses parciais e, com freqüência, Na verdade, já em Selznick, tanto quanto em Mer-
divergentes. Partindo do principio da especialização, a ton, vamos encontrar a contradição fundamental
hierarquia delega autoridade, estabelecendo departa- que permeia a teoria da organização funcionalista-
mentos diversos para assuntos diversos. Com isto, é sistêmica: a mediação entre teoria e realidade feita
verdade, os funcionários ganham experiência em por modelos que, quanto mais claros, menor valor ex-
domínios restritos, reduzem os problemas nos quais plicativo apresentam, e quanto mais ricos, mais per-
concentram sua atenção e aperfeiçoam a forma de dem esse valor. Isto ocorre porque o modelo é seletivo;
tratá-los. Assim, a prática da delegação de autoridade, parte de hipóteses preferenciais, sem estar inserido em
que não deve ser vista estritamente como delegação de uma teoria histórica. Assim, o valor dos critérios que
controle, mas como delegação de funções, é ampla- presidem a escolha das variáveis em jogo é que dá o
mente estimulada. Selznick observa, porém, que al- fundamento do modelo. Selznick não consegue esca-
guns problemas decorrem dessa prática. par ao aspecto central da crítica administrativa da bu-
Em primeiro lugar, deve-se lembrar que não só o rocracia: a expressão da razão do poder, muito mais
teor das decisões organizacionais tende a se modificar, do que do poder da razão;" Tal conceito nos faz.pen-
como a produção de ideologias de subgrupos tende a sar duplamente em Veblen. Primeiramente, porque ele
se desenvolver. Assim, sob a pressão de seus ruralistas, foi um dos inspiradores de Merton, com seu conceito
a TVA alterou, gradualmente, um aspecto significati- de "incapacidade treinada", e em segundo lugar, por-
vo de seu caráter de agência conservadora, contradi- que é dele a afirmação: "A autenticidade e a dignidade
18 zendo seus objetivos estabelecidos. Com efeito, refle- sacramentais não pertencem â tecnologia, à ciência
tindo atitudes e interesses próprios, o grupo rural da moderna, nem às atividades mercantis" ... 35
TVA lutou contra a política de utilização de terras de De qualquer forma, porém, para perceber bem o
propriedade pública, contribuindo de forma efetiva modelo de Selznick, nada mais nítido que o gráfico 2
para a alteração da política original da TVA a esse res- a seguir.
peito. Aliás, a busca inflexível de interesses próprios, Gráfico 2
por parte do grupo rural da agência, acabou por Modelo simplificado de Selznick*
envolvê-la em um conflito com o Departamento do In-
terior, a nível da alta administração central federal."
Em termos simples, a análise de Selznick indica que +-------,
a delegação de autoridade, bifurcando interesses me-
diante a especialização, e propiciando o desenvolvi-
mento de ideologias grupais ou subgrupais, acaba por
aumentar, no interior dos próprios membros dos sub- Grau
Bifurcação
de interesses
grupos, a internalização de subobjetivos, processo em de treinamento
que desempenham um papel básico as decisões de roti- em assuntos
especializados
na.
Como estas dependem, em primeira instância, dos
critérios estabelecidos pela organização, a própria IntemaJização
de sub-objetivos
operação das tarefas especializadas será responsável pelos participantes
pela criação de precedentes, que acabarão por consti-
tuir a reação comum a determinadas situações,
transformando-se, portanto, em padrões repetitivos de
conduta e internalizando cada vez mais os objetivos
dos subgrupos e não os da alta cúpula hierárquica ou
da burocracia, como prefere Selznick. A busca de
objetivos desejados pode, portanto, transformar-se fa- Intemalização Operacionalidade
cilmente na realização de objetivos inesperados e inde- dos objetivos dos objetivos
da organização
da OIglIÚzaçãO
sejados pela burocracia, entendida em termos das dire- pelos participantes
trizes estabelecidas pelo comando monocrático.
Embora a análise de Selznick seja interessante e rea-
lista, escapa-lhe a verdadeira percepção da burocracia • March, James G. & Simon, Herbert A, Teoria das organizações,
enquanto poder e de sua decorrência: a lógica do com- p,73. .
Controle social
Para ele, sensatamente, não se pode compreender o necessário que não se fizesse uma crítica burocrática
funcionamento de uma organização, sem levar em da burocracia.
conta os problemas da administração. E os problemas
da administração são vistos como problemas de ação 3. O GRUPO DE ASTON
cooperativa, muito mais do que como problemas de
dominação. Por esse motivo, tem como ponto de par- Em termos bastante gerais, podemos afirmar que o
tida o pressuposto de que "toda ação cooperativa trabalho do Grupo de Aston, na Grã-Bretanha, pre-
coordenada exige que cada participante possa contar tendeu demonstrar, de modo empírico, que burocracia
com um grau suficiente de regularidade por parte dos constitui um conceito pluridimensional, ao contrário
outros participantes, ou seja, que toda organização, do que o "tipo ideal" de Max Weber sugere. Escolhe-
qualquer que seja sua estrutura, quaisquer que sejam ram para tanto um caminho ingrato, o teste empírico
seus objetivos e sua importância, requer de seus mem- de uma construção teórica que, por sua própria natu-
bros uma quantidade variável, mas Sempre importan- reza, não é empiricamente testável. Ainda assim, de
te, de conformidade" .42 posse de um instrumento analítico relativamente sofis-
ticado, pretenderam invalidar o "tipo ideal" weberia-
Até o início do século XX, a conformidade foi obti-
no, com base na descoberta de uma correlação negati-
da por meio da violência, e as empresas do século XIX
va entre estruturação de atividade e centralização na
adotaram o velho modelo burocrático militar. Com to-
tomada de decisões. Mesmo deixando de lado a inge-
da razão, Crozier salienta que é um erro negligenciar,
nuidade da proposta metodológica, resta ainda um
em sociologia história, a documentação disponível so-
problema, que consiste no fato de que Weber parece
bre os fundamentos das primeiras grandes organiza-
ter relacionado concentração de poder no topo da hie-
ções comerciais, dos primeiros exércitos permanentes e
rarquia e atividades altamente estruturadas, o que na-
das ordens religiosas.v.Todavia, Crozier não faz uma
sociologia histórica. Apresenta maisum modelo, dota- da tem a ver com centralização ou descentralização na
tomada de decisões."
do de quatro traços essenciais que caracterizam a bu-
rocracia moderna. Como os demais modelos já men- O trabalho do Grupo de Aston levou ao estabeleci-
cionados, peca pela falta de colocação da burocracia mento de uma taxonomia empiricamente derivada,
numa perspectiva hístórica." que não pretende ser exaustiva, incluindo sete tipos di-
Os quatro traços que Crozier apresenta, de forma versos de burocracia: a) plena; b) plena nascente; c) de
crítica, são: fluxo de trabalho; d) nascente de fluxo de trabalho; e)
- a extensão do desenvolvimento das regras impes- de pré-fluxo de trabalho; f) burocracia de pessoal; g)
20 soais, que vê a burocracia como um freio ao arbítrio e organização implicitamente estruturada.
ao favoritismo, mas, ao mesmo tempo, também a vê Estes tipos refletem o que o Grupo convencionou
como um freio ao desenvolvimento da personalidade e chamar três "dimensões" burocráticas, operacional-
da criatividade; mente definidas: a) estruturação de atividade; b)
- a centralização de decisões, levando à rigidez orga- concentração de autoridade; c) controle de linha de
nizacional; fluxo de trabalho." Além dos problemas que, já de
- o isolamento dos níveis ou categorias hierárquicas, início, comprometem sua pesquisa, o Grupo de Aston
levando ao deslocamento de objetivos; incorreu ainda em numerosos problemas de natureza
- o desenvolvimento de relações de poder paralelas. conceitual, metodológica e operacional. Houve falha
O conjunto dessas quatro características tende a na definição das variáveis e chegou-se a resultados tau-
constituir uma série de círculos viciosos, reforçadores tológicos, uma vez que formalização e padronização
da impessoalidade e da centralização. Mais uma vez, a mediram quase a mesma coisa. Além disso, como foi
camisa de força do método funcionalista não permite amplamente reconhecido, existindo vinte empresas fi-
perceber o real espírito da burocracia. Volta-se a um liais em sua amostra, teria sido surpreendente encon-
idealismo quase hegeliano, mas pobremente hegeliano; trar baixa correlação entre centralização na tomada de
ressalte-se que a crítica do jovem Marx, desvendando a decisões e perda de autonomia, e não o contrário, co-
mistificação do interesse geral, é ignorada, e a leitura mo concluíram os pesquisadores. Na verdade, o ba-
de Weber é feita fora da história. Afora isto, ao fazer lanço do trabalho do Grupo de Aston aponta um em-
uma crítica humanista da sociedade francesa, coloca a preendimento intelectual infeliz, apesar da grande di-
participação como um mito." Toda participação será vulgação que alcançou. De resto, todos os problemas
um mito? Há muitos exemplos históricos de participa- encontrados na crítica administrativa da burocracia ali
ção. Se ela tende a ser uma forma de manipulação ou estão presentes.
uma concessão secundária das elites dominantes,
trata-se de um outro problema, que merece um estudo 4. OUTROS CRÍTICOS
mais acurado. A solução é colocada na constituição de E OS LIMITES DA CRÍTICA
sistemas mais abertos de regulação, mediante o que
chama de investimento institucional, e tal investimen- Há ainda muitos críticos que poderiam ser incluídos na
to, "política e economicamente doloroso, começa por vertente da crítica administrativa da burocracia. Entre
tornar os dirigentes políticos mais racionais" .-1" Assim, eles estão, sem dúvida, W. W. White, Chris Argyris,
mudar-se-á a França e, talvez, o mundo ... A que outra Maslow, Warren Bynnis, McGregor, Presthus, Likert,
conclusão se poderia chegar, a partir da douta Mouten e Blakee Herbert Shepard, que demonstram a
constatação da burocracia como sistema incapaz de obsolescência da organização burocrática, do ponto de
autocorreção? Para qualquer outra conclusão, seria vista das necessidades humanas. Alguns desses autores
Controle social
ponsável por sua demissão em 1890, a partir de desa- mediante uma constelação de interesses, ou como
cordos manifestos com Guilherme 11. O que o primei- dominação em função do poder de mando e subordi-
ro temia acaba por ocorrer: a Tríplice Entente, entre nação. De qualquer forma, porém, uma pode facil-
Grã-Bretanha, Rússia e França. A Triplice Entente mente transformar-se na outra.
surge como uma frente, em face da Tríplice Aliança da
qual a Alemanha fazia parte. Esta é a situação às A dominação deve ser entendida como um estado de
vésperas da I Guerra Mundial. A Alemanha é palco de coisas no qual as ações dos dominados aparecem como
uma situação interna na qual a hegemonia do Estado se estes houvessem adotado como seu o conteúdo da
sobre a sociedade civil é incontestável. A situação eco- vontade manifesta do dominante. Assim, embora a
nômica é de instabilidade, e a social e política, de crise dominação seja uma forma de poder, ela não é idênti-
e fraqueza. A elite burocrática estatal é forte, na medi- ca ao poder. Poder é a possibilidade que alguém ou al-
da em que a burguesia e o proletariado não conseguem gum grupo tem de realizar sua vontade, inclusive
se impor nem juntos, nem isoladamente. O Parlamen- quando esta vai 'contra a dos demais agentes da ação
to não tinha qualquer poder efetivo sobre a burocra- comunitária.
cia, o que equivale a dizer que esta absolutamente não A manifestação de qualquer dominação dá-se sob a
era controlada de forma adequada aos padrões de uma forma de governo.> Isto ocorre porque as tarefas a se-
democracia liberal. rem realizadas exigem um aumento crescente de treina-
No plano econômico, a Alemanha não consegue tro- mento e experiência. Assim, a necessidade técnica fa-
car seus produtos em posição competitiva, devido à vorece a continuidade dos funcionários, levando ao
Tríplice Entente. No plano social, o clima é de temor. que Weber chama de dominação mediante organiza-
As classes médias obtêm pouco proveito de uma eco- ção. A dominação organizada confere uma vantagem
nomia dominada por trustes e cartéis. Os grandes pro- aos funcionários, em face da massa dominada. 55 Tal
prietários temem os perigos que vêm do exterior, o vantagem decorre de seu número relativamente peque-
proletariado proeura se proteger no Partido Social De- no, que possibilita o acordo rápido no sentido da
mocrata e nos sindicatos. Os pequenos burgueses te- conservação de suas posições, na criação e direção de
mem as reivindicações trabalhistas. O Parlamento, uma ação racional. Embora tal vantagem se vá tornan-
sem poder efetivo, está muito longe de poder ser visto do menos provável, na medida em que aumenta o
como representante real do povo. O delírio coletivo número de funcionários, as disposições que regem a
exacerbado do pan-germanismo é dominante no come- socialização garantem aos chefes terem à sua disposi-
ço do século." ção, de modo constante, um círculo de pessoas interes-
sadas em participar no mando e em suas vantagens.
22 Nesse contexto, Weber estuda a burocracia, e sua
erudição o leva à elaboração de uma sociologia, nem O Círculo de funcionários potenciais, próximos aos
positivista nem marxista, onde a teorização sobre a chefes, permite o exercício do poder de coação e a
dominação constitui elemento central. A obra monu- manutenção da dominação, configurando aquilo que
mental de Weber não recusa as determinações históri- Weber chama de estrutura de uma forma de domina-
cas. Ao contrário, as instituições administrativas são ção: o relacionamento entre o chefe e seu aparato ad-
estudadas em épocas muito diversas, e o estudo da ra- ministrativo, e entre ambos e os dominados. Essa es-
cionalidade burocrática, que lhe é contemporânea, é trutura aparecerá nas diversas formas que pode assu-
paralelo ao da racionalidade capitalista. Na Alema- mir a dominação, fundamentalmente tradicional,
nha, onde Weber produz teoricamente, ele é um profe- racional-legal e carismática. Tais tipos constituem uma
ta desarmado. Percebe o poder da burocracia e perce- resposta à questão da legitimidade da dominação, isto
be o seu perigo. No plano político, propugna seu con- é, dos princípios em que se apóia a exigência de obe-
trole pelo Parlamento. diência dos funcionários ao senhor, e dos dominados,
a ambos,
Todavia, a teorização de Weber foi por demais em-
pobrecida pela reinterpretação cultural feita pela teo- Como sabemos, a dominação legal fundamenta-se
ria administrativa. Todo o esforço foi dirigido no sen- no primado da regra racional estabelecida, ma-
tido de concentrar a atenção no "tipo ideal" de orga- nifestando-se em sua forma mais pura na burocra-
nização burocrática, de perceber se as organizações cia, tipo específico de sua estrutura. É sempre bom
reais se adaptavam a ele ou não. Com isto, perde-se de lembrar que Weber tratou a burocracia como "tipo
vista a problemática central, ou seja, a dominação bu- ideal", ou seja, como uma construção conceitual a
rocrática. Assim, a crítica administrativa, ao afirmar partir de certos elementos empíricos que se agrupam,
que estamos passando para uma fase de organizações logicamente, em uma forma precisa e consistente, mas
pós-burocráticas, na verdade legitima ideologicamente que, em sua pureza, nunca se encontram na
a burocracia enquanto poder e dominação que é. Por realidade." De qualquer modo, porém, o formalismo,
esta razão, é preciso enfatizar o que é mais rico na so- a impessoalidade e o profissionalismo burocrático
ciologia política de Weber: a teoria da dominação. traduzem-se em uma administração heterônoma, onde
a autoridade flui de cima para baixo, assumindo uma
Max Weber preocupa-se com a forma 'pela qual uma forma piramidal, e evidenciando seu caráter mo-
comunidade social aparentemente amorfa chega a se nocrático, isto é, a obediência ao princípio da unidade
transformar em uma sociedade dotada de racionalida- de comando.
de. Tal passagem dar-se-ia por meio do que chama de
ação comunitária, cujo aspecto fundamental é a A heteronomia burocrática significa a ausência de
dominação. Esta pode manifestar-se como dominação qualquer autonomia indiv'dual ou social, no que diz
Entretanto, mesmo assim, ele via o político adotan- 14 Thomas, Kenneth. Conflict and conflict management. In: Dun- 23
do cada vez mais a ética do burocrata, com a nette, Marvin D .• ed. op. cito p. 930.
burocratização dos partidos políticos. O pessimismo 15 Thomas, Kenneth. Conflict ... op. cito p. 891.
weberiano, longe de ser para nós motivo de desilusão,
16 Veja Miller, E. J. & Rice, A. K. Systems of organization. Lon-
deve ser um alerta. Mais do que isto, deve-se perceber don, Tavistock, 1967.
nele o seu desagrado para com a burocracia. Referin-
I7 Beer, Michel. Technology of organization development. In: Dun-
do-se a um debate do qual Weber tomou parte, War-
nette, Marvin O., ed. op. cito p. 955.
ren Bennis faz uma tradução, aparentemente um pou-
co livre, das palavras de Weber, mas que, de qualquer 18 Hackman, J. Richard. Group influentes on individuais. In: Dun-
forma, dá uma idéia bastante forte de suas preocupa- nette, Marvin O., ed. op. cito p. 1.459.
ções nesse sentido: "É horrível pensar que o mundo 19 Starbuck, William H. Organizations and their environments.
possa vir a ser um dia dominado por nada mais que In: Dunnette, Marvin O., ed. op. cito p. f.078 e 1.080.
homenzinhos, colados a pequenos cargos, lutando por 20 ido ibid
outros maiores; situação que será vista dominando
parte sempre crescente do espírito do nosso sistema ad- 21 Wamer, 'w. Lloyd. Big business leaders in America. New York,
ministrativo atual e, especialmente, de seu produto: os Atheneum, 1963; __ o Industrial men, business men and business
organizations. New York, Harper, 1960; __ The American fede-
estudantes (... ) A paixão pela burocracia é suficiente o
Controle social
2~Lefort, Claude. Qué es la burocracia? Paris, Ruedo Ibérico, 1970. 60Veja Weber, Max. In: Bennis, Warren G. Organizações em
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31 Selznick, Philip. TVE and the grass roots. Berkeley, 1949.
32 Selznick, Philip. Leadership in Administration. lllinois, Evans-
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33 Selznick, Philip. Cooptação: um mecanismo para a estabilidade
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34 Tragtenberg, Mauricio. Burocracia e ideologia. São Paulo, Áti-
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40Weber, Max. In: Mills, C. W. & Gerth, H. From Max Weber. Hartcourt, Brace & World, 1964.
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41 March, J. G. & Simon, H. A. op. cit. 1970. p. 74. ris, Seuil, 1963.
42Crozier, Michel. Le phénomêne bureaucratique. Paris, Seuil, __ o La Société bloquée. Paris, Seuil, 1970.
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51Gouldner, Alvin. The Coming crisis of Western Sociology, New Hackman, J. Richard, Group influences on indivi-
York/London, Basic Books, 1970. p. 410. duais. In: Dunnette, Marvin O., ed. op. cito
52 Crozier, Michel & Friedberg, Erhard. L 'Acteur et le systême. Pa-
ris, Seuil, 1977. p. 22 e 24. Lapassade, Georges. Grupos, organizações e institui-
ções. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1977.
53 Veja Vermeil, Edmond. The German scene: social, political, cul-
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54Weber, Max. Economia y sociedad. México, Fondo de Cultura tions. In: Dunnette, Marvin O., ed. op. cito
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Lefort, Claude. iQué es la burocracia? Paris, Ruedo
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57 Tragtenberg, Mauricio. op. cit. p. 139. gas, 1966.
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