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Posso dizer “eu creio que há uma banana em cima da mesa” e, então, entender
perfeitamente que a proposição p “há uma banana em cima da mesa” é objetiva,
pois ela só possui dois valores de verdade: falsa ou verdadeira. Ou há uma banana
em cima da mesa ou não há uma banana em cima da mesa. Assim, não é sobre o
enunciado que cabe uma discussão, digamos, subjetiva. Uma vez que este
enunciado é pronunciado, e ele é uma proposição – no caso, a proposição p –, ele
escapa da boca de quem o pronunciou para ganhar vida objetiva, e tal “vida”
funciona no âmbito da lógica; isto é, neste nível, p está desligada da questão da
percepção (da banana) e da prova (de que banana esta em cima da mesa ou não).
Então, o enunciado p “há uma banana em cima da mesa” é objetivo neste exato
sentido – ele ou é falso ou é verdadeiro. Sobre ele, nenhum cético respeitável tem
o que dizer. O cético que em geral consideramos, quando diz duvidar, duvida não
da verdade, mas do conhecimento. O que nos conta é que a justificação da
proposição p “há uma banana em cima da mesa” é que não irá nos satisfazer.
Afirma que desconfia que jamais teremos conhecimento, pois podemos ter a crença
na proposição p “há uma banana em cima da mesa” e brigar com qualquer um
assumindo que p é verdadeira (ou falsa), mas quando viermos a dar justificativas
para a manutenção (ou não) dessa nossa crença, iremos nos complicar – sempre.
Todavia, isso valeu até 1963. Ou, ao menos, em boa medida tomávamos a
definição neoplatônica sem grandes problemas até 1963. Pois nos Estados Unidos,
exatamente naquele ano, o que Gettier fez foi propor o seguinte exemplo. Suponha
Smith e Jones se inscrevendo para uma entrevista de emprego. Suponha também
que Smith fique sabendo, diretamente pelo empregador, que não é ele que os
proprietários têm em vista, e sim Jones. Este, por sua vez, aparece na entrevista e,
na conversa com Smith, deixa transparecer que tem dez moedas no bolso da
camisa. O que temos? Temos o seguinte:
Bem, a entrevista ocorre, e eis que há uma surpresa. Sai o resultado da entrevista
e Smith vê que é ele o escolhido, e não Jones (por alguma razão, na decisão, os
patrões acharam um problema com Jones – isso não importa). Ora, Smith havia
chegado à conclusão, e de modo correto, que o enunciado “o homem escolhido tem
dez moedas no bolso” é verdadeiro. Pensa que errou, então. Todavia, se enfiasse a
mão no bolso perceberia que também tem dez moedas (havia tirado uma camisa
do guarda roupa e nesta camisa já estava o dinheiro, e jamais notou – isso não
importa). Eis que sua conclusão é verdadeira: “o homem escolhido tem dez moedas
no bolso”. E é uma conclusão justificada, pois a inferência é correta: de duas
crenças verdadeiras e justificadas ele tirou uma terceira, verdadeira e justificada. A
lógica não foi maculada. No entanto, não podemos dizer que essa crença de Smith,
embora verdadeira e justificada, seja conhecimento, algo que indique que ele
“sabe”. A conclusão pode ser chamada de crença verdadeira e justificada, mas as
razões da justificação que poderiam nos levar a dizer que ele “tem conhecimento”
não são as razões apontadas por ele, Smith. Ele tem crença verdadeira justificada,
mas não tem conhecimento. Seria um erro usar o verbo saber, no caso.
Essa virada de Gettier na filosofia, que poderia ter alimentado o cético, acabou não
alimentando tanto quanto à primeira vista poderia parecer. Pois o que ocorreu foi
que os filósofos começaram a deixar de lado a definição que apela para
justificações, e passaram a buscar definições de conhecimento a partir de causas.
Em vez de ter o enunciado, e então buscar justificações, agora, para se ver se há
ou não conhecimento, toma-se o enunciado em questão para investigar o que o
produziu. Estamos hoje no meio de investigações no campo da teoria do
conhecimento que nos levam a causas – são as teorias causais do conhecimento
que ganham espaço hoje em dia. E esse campo só se abriu para tais perspectivas,
ao menos com tal clareza filosófica, há poucas décadas.
Resumindo ao máximo, digo que uma teoria do conhecimento é causal quando ela
pretende explicar o conhecimento única e exclusivamente com o apelo a causas.
Por exemplo, você sabe do que ocorre ao seu redor na medida em que o que ocorre
atinge sua vista e causa o impulso elétrico que lhe chega ao cérebro e que é
devolvido ao nervo ótico de determinada maneira etc. E você sabe que Colombo
aportou no continente que hoje denominamos de América de um modo também
causal: um historiador escreveu isso em um livro e este livro foi entregue para você
na escola, e as letras impressas no livro causaram em você essa condição de quem
sabe que Colombo descobriu a América.
É claro que, neste caso, há uma nova discussão a ser feita, que a da distinção entre
“fatos” e “valores”. Há os que dizem que o que você vê é fato, o que é você leu
está crivado por valor, e isso faria grande diferença etc. – em geram, chamamos de
positivistas os que pensam assim. Mas, para filósofos como John Dewey, Hilary
Putnam, Richard Rorty, Donald Davidson e vários outros (pragmatistas, de um
modo geral), a distinção fato-valor não se sustenta, então, para eles, uma teoria
causal do conhecimento deve receber boas vindas.
O problema, então, se existe, é ver como que a distinção fato-valor pode ser
colocada de lado e, em seguida, como que colocando de lado tal distinção, podemos
evitar o chamado reducionismo fisicalista, o que no passado chamávamos de a
“desconsideração materialista” pela consciência ou alma, uma desconsideração que
estaria no sentido de negar a liberdade como condição humana, etc. Há uma
plêiade de outras discussões envolvidas aqui. Todavia, é difícil voltar para antes de
1963. Portanto, há de se admitir que também na filosofia, e não só nas ciências, há
progresso.