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sustentabilidade | pesquisa

Margens do Rio Negro, no


Amazonas: a região despertou o
interesse de pesquisadores
americanos nos anos 70

o que É o imazon
Data de fundação Julho de 1990

os olhos
sede Belém, Pará

Fundador
O americano Christopher Uhl

que vigiam
o que faz
A ong realiza pesquisas sobre
conservação e desenvolvimento
sustentável na região amazônica

a amazOnia
Frentes de atuação
Diagnósticos socioeconômicos,
avaliação e monitoramento
dos tipos de uso do território
amazônico, análise de políticas
públicas, formação de
pesquisadores

O Imazon, ONG pioneira em pesquisas na Publicações científicas 800

região, se aproxima dos 30 anos com novos Projetos realizados 200

Timothy Allen/GETTY IMAGES


desafios, mas com a mesma premissa: usar a orçamento 14 milhões de reais(1)
ciência para preservar a riqueza florestal equipe 35 pessoas
renata vieira (1) Dado referente a 2018 Fonte: Imazon

u
m relatório divulgado no início órgãos ambientais, abre caminho para a suas áreas de produção e de vegetação madeira valiosa numa área, como o ipê, o ecólogo e pesquisador americano Chris­ em 1972, durante a ditadura militar. Ra­
de abril pela ong imazon mostra destruição completa de porções de flores­ preservada. Isso porque, há quatro anos, também é uma prática recorrente. Dessa topher Uhl, da Universidade da Pensilvâ­ pidamente, Uhl se deu conta de que não
que, de julho de 2016 a agosto de ta, além de inundar o mercado com ma­ o governo do estado do Pará não oferece maneira, é possível extrair árvores raras nia, chegou guiado por uma questão tão seria possível compreender o fenômeno
2017, cerca de 60% da extração deira ilegal, mais barata e ambientalmen­ informações sobre as áreas concedidas à fora da área previamente autorizada. profunda quanto abrangente: como seres somente da perspectiva de sua conse­
madeireira no estado do Pará ocorreu sem te irresponsável. Os dados são do Sistema atividade madeireira. A despeito da difi­ “Diante de brechas nos sistemas de con­ humanos podem viver em harmonia uns quên­cia mais visível: a do dano ambien­
autorização do governo. Isso corresponde de Monitoramento da Exploração Madei­ culdade de acesso a dados públicos, o trole e madeireiros mal-intencionados, com os outros e, sobretudo, com o planeta, tal. Segundo o pesquisador, era necessá­
a cerca de 54 000 hectares, uma área reira (Simex), desenvolvido pelo Imazon Imazon consegue detectar uma série de uma análise independente permite que e de maneira sustentável? “Aquele cenário rio entender os aspectos econômicos que
maior do que a da cidade de Porto Alegre. em 2008 e que, há dez anos, fornece diag­ inconsistências nesse processo. Entre as os erros sejam apontados”, afirma Dalton de destruição me fez ter certeza de que era moviam aquela engrenagem. Para isso,
A chamada extração seletiva de madeira nósticos anuais do setor no norte do país. mais comuns está o conhecido esquema Cardoso, pesquisador do Imazon. para o Brasil que eu deveria ir e tentar res­ seria preciso ciência — e uma boa dose de
— ou manejo florestal — é uma atividade Para chegar aos números mais recentes, de “esquentar a madeira”: obtém-se au­ O monitoramento e a análise da dinâ­ ponder a essa pergunta”, diz Uhl (leia en- pé na lama. Na época, em 1982, munido
permitida por lei, desde que sejam respei­ os pesquisadores cruzaram as autoriza­ torização para extrair a matéria-prima de mica de extração de madeira na Amazônia trevista na página seguinte). de um exíguo vocabulário em português,
tadas as regras sobre a quantidade e a ida­ ções de extração emitidas pela Secretaria determinado lugar, mas as árvores são são uma das mais importantes frentes de O pesquisador refere-se a um dos perío­ Uhl se pôs a convencer os jovens progres­
de das árvores que podem ser derrubadas, Estadual de Meio Ambiente com imagens retiradas ilegalmente de outras áreas — trabalho do Imazon. E foi justamente esse dos de desmatamento mais intensos da sistas que encontrou no Pará a apoiar o
de modo que a floresta tenha condições de satélite e dados públicos do Cadastro que podem incluir unidades de conserva­ o ponto de partida do instituto, que come­ Floresta Amazônica, na esteira de aber­ que, como cientista que era, tencionava
de se regenerar melhor. Mas, quando pra­ Ambiental Rural (CAR), que registra o ção, como terras indígenas. Superestimar çou a se delinear na década de 80 em Be­ tura da Transamazônica (BR-230), rodo­ fazer: um centro de produção de conhe­
ticada sem o devido consentimento dos perímetro das propriedades, bem como a quantidade disponível de árvores de lém, no Pará. Ali, na foz do Rio Amazonas, via federal que começou a ser construída cimento, fonte de dados empíricos e rigo­

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rosamente verificados sobre a exploração


da floresta. “A ideia era ir além do ativismo
Christopher Uhl (à dir.)
e produzir informação para orientar as mais concentração de dinheiro em

entre a ciência e a floresta


em Paragominas, no Pará:
tomadas de decisão sobre o uso dos recur­ pesquisa de campo e rigor poucas mãos e o enfraquecimento da
sos naturais da Amazônia”, afirma Adal­ científico para enfrentar o democracia. Em tempos difíceis como
problema do desmatamento estes, em que as autoridades nem
berto Veríssimo, pesquisador do Imazon.
Então recém-saído de uma faculdade de
Para Christopher Uhl, fundador do Imazon, sequer acreditam na informação que
agronomia na Bahia, Veríssimo foi o pri­ informação é fundamental para a conservação vem da ciência, tenho tentado pensar
meiro a atender ao chamado de Uhl. do meio ambiente — mas não adianta buscar que algo maior vai emergir. Só preci-
Em vez de se entrincheirar no lado sustentabilidade sem mudar modelos mentais samos continuar fazendo o que esta-
oposto aos madeireiros, o americano pre­ mos fazendo: ciência e trabalho.
feriu convencê-los de que havia uma ma­
neira menos predatória de rentabilizar a Os Estados Unidos e o Brasil têm
floresta. Uma série de trabalhos sobre os Aos 70 anos, o americano Christo- e intocada, mas as áreas gigantes- líderes que não acreditam em
impactos ecológicos da extração de ma­ pher Uhl continua a dar aulas para o cas sendo destruídas, queimadas mudança climática. Como
deira nos trópicos foi publicada por Uhl e que ele chama de “cabeças frescas” dia após dia. Elas teriam capacidade avançar sem apoio de governos?
seu grupo até fundarem oficialmente o na Universidade da Pensilvânia, nos de se regenerar? Decidi ir para Be- Não estou exatamente esperançoso
Instituto do Homem e Meio Ambiente da Estados Unidos. Também está ter- lém e estudar a dinâmica de extra- sobre isso agora. Como eu disse, estou
Amazônia (Imazon), em julho de 1990. minando um livro sobre o conceito ção de madeira na Amazônia. Era triste pelo que está acontecendo aqui
Nos anos que se seguiram, o instituto pôs de propósito nas universidades. De 1981 e eu mal falava português. Pre- e no Brasil. Mas creio que esse pro-
em prática o primeiro projeto de manejo seu escritório no distrito de State cisava de ajuda para começar. Foi cesso de enfraquecimento das ideias
florestal em escala comercial do país. Em College, ele falou a EXAME sobre quando encontrei o Beto [Adalberto vai nos levar a algum lugar. No caso da

Bernardo Esteves/DIVULGAÇÃO
250 hectares cedidos por uma serraria em sua trajetória na Amazônia há quase Veríssimo, que se tornaria pesquisa- Amazônia, esse tipo de visão é incri-
Paragominas, município paraense que 40 anos e analisou o que considera dor do Imazon]. Ele tinha 20 e pou- velmente perigoso. Estamos falando
concentrava boa parte do mercado de ma­ retrocesso no entendimento da cos anos, era um garoto recém-for- de um dos mais extraordinários esto-
deira da região, o grupo de Uhl tocou dois questão ambiental no mundo. mado e com interesse no que eu ques de carbono do mundo. Mas acre-
projetos: um sob as regras do manejo sus­ queria fazer. Em 1988, recebi de dito no movimento da história — e que
tentável, que limita a quantidade de árvo­ De onde veio seu interesse pela uma fundação americana 200 000 as pessoas vão acordar e tomar cons-
res retiradas por hectare, privilegia o cor­ Amazônia e pelo Brasil? dólares para promover, de alguma ciência efetiva disso.
te de árvores menores e abundantes e Cresci na Pensilvânia nos anos 50 forma, a conservação da Amazônia.
conserva espécies mais raras; e outro de e costumava acampar nos bosques. Não era muito dinheiro, mas preci- -graduação. Ainda estávamos defi- dois anos comigo [risadas]. E o que Sua maneira de entender o tema
extração tradicional, sem considerar cri­ Anos depois, ganhei de uma namo- sávamos usá-lo. O Beto me ajudou nindo o que o Imazon seria. A estra- eles se tornaram foi extraordinário. da sustentabilidade mudou nestas
térios de conservação. “Medimos o tempo rada um livro sobre plantas comes- a recrutar pessoas interessadas e tégia foi ganhar o respeito das pes- quatro décadas?
de derrubada das árvores, o gasto de com­ tíveis. E isso deixou de ser só uma começamos o trabalho. soas fazendo, e não só falando. Desde 1997, o senhor não voltou A sustentabilidade surgiu como um
bustível, o uso de máquinas, a produtivi­ curiosidade para se tornar um inte- ao Brasil. O que o fez ir embora? jargão nos anos 90 e ainda tem uma
dade e a segurança”, afirma Veríssimo. resse profundo pelo mundo das O senhor era um cientista com Houve críticas ao que estavam Diante de tudo que eles tinham sido interpretação rasa. Não adianta con-
“Provamos que seria economicamente plantas. Nos anos 60, o movimento dinheiro para montar uma ONG. tentando fazer? capazes de fazer, eu percebi que tinuarmos a fazer o que fazemos, con-
viável e vantajoso fazer dessa forma.” ambientalista tomou força por aqui, Como conciliou as duas coisas? Fomos a primeira ONG desse tipo na ­podia ir embora. A sensação era de tinuarmos a consumir da maneira que
Hoje, 6 milhões de hectares de floresta principalmente por causa da polui- Eu era muito orientado pela pesqui- Amazônia. Não havia precedente de ­dever cumprido. Não queria que o consumimos, crescer sob esse mode-
estão sob manejo sustentável no Brasil. ção do ar. A sociedade começou a sa. E me perguntava se os gestores gente com essa expertise lá. E as pes- Imazon fosse uma ONG que depen- lo e fazer alguns ajustes no meio do
De lá para cá, o Imazon ajudou a definir e juntar os pontos: nosso bem-estar públicos e privados tinham acesso soas de outras partes do país olha- desse de uma só pessoa para existir. caminho para ser “sustentável”. Isso
a colocar em prática importantes blocos dependia do modelo de exploração a informação de alta qualidade, ri- vam para nós e diziam: “O que vocês Eu sabia que eles poderiam fazer é fazer negócios do mesmo jeito. Essa
de unidades de conservação, barreiras ao ambiental. Já nos anos 70, ouvi fa- gorosa e verificável sobre o uso dos pensam que estão fazendo? Ciência mais e voltei para a Pensilvânia. é a razão máxima para estarmos no
desmatamento de áreas de alto valor eco­ lar da abertura da Transamazônica recursos naturais ali. Era o momen- fora da universidade?”. Eu dizia aos meio da bagunça em que estamos:
nômico e ecológico. O instituto também e pensei: esse lugar é gigantesco! to certo para trazer isso à tona. Ha- garotos: “Vamos mostrar às pessoas O ritmo de destruição da fazer pequenos ajustes. É preciso mu-
desenvolveu um sistema de alerta de des­ E  eu quis ir para lá. via muito ativismo, mas quase nin- o que podemos fazer”. Eu tinha o res- Amazônia diminuiu, mas voltou dar a maneira como pensamos, como
matamento mensal — hoje, a principal guém fazendo ciência, indo a campo peito deles, eles acreditavam em a aumentar nos últimos anos. O nos relacionamos uns com os outros
fonte alternativa aos dados divulgados Como foi chegar à Amazônia medir o que estava ocorrendo — era mim, estavam fascinados pela pers- senhor tem acompanhado isso? e com o meio ambiente. Natureza é
anualmente pelo governo federal. Quase numa época tão conturbada? um espaço imenso a ocupar. Juntei pectiva de aprender e foi assim que Tenho acompanhado, e é muito triste fonte de saúde e de afeto. Enquanto
30 anos depois, o Imazon ainda é o bastião Eu estava no meio de minha pesqui- todas as pessoas dedicadas e bri- nos firmamos. Fomos a campo jun- ver que isso está acontecendo. Não acharmos que a banana vem da pra-
de um raro modelo de ONG no Brasil: ba­ sa de doutorado, sobre o Rio Negro lhantes que encontrei, dei a elas a tos, levantamos dados juntos, fize- só no Brasil mas ao redor de todo o teleira do supermercado ou da empre-
seado na pesquisa que não se limita aos [afluente do Rio Amazonas]. E o que noção de mensuração e criamos mos e refizemos artigos mil vezes. mundo — e também aqui nos Esta- sa que a vendeu ao supermercado,
muros da academia — e consegue chegar me atraiu ali não foi a floresta virgem uma espécie de programa de pós- Todo ano eu os convencia a ficar mais dos Unidos — temos visto cada dia não avançaremos mais.
a quem pode garantir a perpetuidade da
maior floresta tropical do mundo. n

80 | www.exame.com 17 de abril de 2019 | 81

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