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o inventário de ajustamento de bel'l *

MARCIONILLA COSTA DE AZEVEDO *

I. OBJETIVOS Dí:STE ESTUDO

O objetivo principal dê.ste estudo é chamar a atenção para


um inventário de ajustamento, o de Hugh M. Bell, muito utili-
zado em diversos países, não só por Orientadores educacionais, como
por especialistas em Psicologia Aplicada, como ponto de partida para
certas investigações.
Outro objetivo é contribuir para a análise de alguns têrmos
usuais em Psicologia, e cujo sentido, a nosso ver, deveria tornar-se
mais preciso. Nossas observações têm por base a utilização do inven-
tário de Bell, em trabalhos do ISOP, ainda que essa prova não es-
teja nesse centro de estudos utilizada sistemàticamente.

lI. NOTíCIA HISTÓRICA

A organização de listas de perguntas, em forma de inven-


tário, para a sondagem de traços característicos da personalidade,
visando o estudo de atitudes, do comportamento humano perante
certas situações vitais, data do início dêste século.
A primeira destas listas, para conhecer o ajustamento
extra ou intra-individual, foi organizada, por Heymans e Wersman,
* P,dc61oga do ISOP.
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em 1905, usada entre um grande número de médicos holandêses que


determinaram o desajustamento de milhares de pacientes.
Logo depois, nova lista, dando relêvo especial ao fator
sexual, foi elaborada por Hoch e Amsden.
Em 1914, baseado nas listas precedentes e na de "Traços
Pessoais", de Cattel e Davenport, Wells elaborou outra, de maior
extensão.
Finalmente, Woodworth intentou um trabalho denomin::l-
do "Fôlha de Traços Pessoais", que sofreu várias revisões, e que é
considerado por alguns autores como o protótipo das escalas de ajus-
tamento ora existentes, inclusive a de Bell, que teve como inter-
mediária, a Escala de Personalidade de Thurstone.

Em 1930, Hugh M. Bell aplicou a Escala de Personalidade,


de Thurstone, a vários grupos de estudantes da Califórnia. Entrevis-
tou-os e concluiu que o teste não era tão marcante, em certas áreas,
como a princípio acreditara. Começou então a revisão dessa escala,
fazendo em primeiro lugar a classificação dos diferentes itens, em
10 grupos:
a) Vida do lar;
b) Saúde;
c) Uso do tempo;
d) Contrôle emocional;
e) Sentimentos próprios;
f) Atitude para com os outros;
g) Reação social;
h) Atitude frente à vida;
i) Atitude perante o sexo;
j) Tendências patológicas.

Construiu o escore padrão diferencial e aplicou, então, a


nova escala aos alunos universitários da classe de 1931.
Elaborou, depois, 188 novas questões e acrescentou-as às
223 já existentes na escala de Thurstone. Preparou a priori, nova
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chave de escore de ajustamento das 411 questões já organizadas.


Essa chave foi avaliada através uso e estudo subseqüentes.
Efetuou ainda a análise de cada item, separadamente, sub-
metendo-os a tratamento estatístico. Selecionou aquêles que, segun-
do os graus, se diferenciavam claramente entre os 15% da zona infe-
rior e 15% da zona superior, na distribuição; separou também os que
poderiam se inter-relacionar em zonas diferentes, confundindo-as, c
ainda os que envolvessem conflitos, especificamente individuais co-
nhecidos através das entrevistas pessoais, durante o período escolar.
Em conclusão, retirou da lista 271 questões, reduzindo a
prova a 140 itens, devidamente estalonados e eqüitativamente distri-
buídos por quatro categorias:

a) Ajustamento ao Lar;
b) Ajustamento Social;
c) Ajustamento Emocional;
d) Ajustamento à Saúde.

A primeira forma apareceu em 1934. Em 1938, Bell orga-


nizou novas questões, adaptando o teste para adultos que exerces-
sem qualquer profissão e estivessem sujeitos a patrões, numa área
do ajustamento profissional, o que revelaria as tendências de ajus-
tamento do indivíduo ao trabalho exercido.
A forma para adolescentes, ginasianos ou do curso colegial,
consta de 35 perguntas para cada área, e a forma para adultos, de
32 questões, num total de 160.
Essa prova tem sido largamente usada não só na Améri-
ca do Norte, como na Espanha, na França, no Peru e no Brasil, sob
estudos que deram normas padronizadas para a classificação do ajus-
tamento específico e geral de adolescentes e adultos. Apresentare-
mos algumas tabelas adiante.
Em tôdas as áreas de ajustamento, as tabelas indicam:
pontuações altas, as que exprimem desajustes; pontuações baixas,
as que mostram um bom ajuste, de acôrdo com a classificação de-
terminada pela M. -+- 1V2 8 da distribuição de pontos.
A classificação tem sido a seguinte: Excelente - Bom
- Médio ou normal - Insatisfatóno - Muito insatisfatório.
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o grau de confiabilidade, que indica o grau de precisão


do instrumento para diagnosticar resultados similares aos obtidos
na primeira aplicação, foi obtido mediante o cálculo do coeficiente
de consistência interna.
o grau de validez, obtido por diversos modos, inclui:

a) verificação dos resultados obtidos na prova e que


coincidiam com a classificação dada pelos conselheiros;
b) estudo de intercorrelação com as escalas de outros
testes.

IH. CONCEITOS BÁSICOS

O Inventário de Bell é uma prova que não pode ser clas-


sificada como projetiva, associativa, de interêsse ou mesmo de per-
sonalidade. É antes autodescritiva, limitada a perguntas que eviden-
ciam condições de ajustamento a certas áreas da vida, admitindo ape-
nas a influência de características pessoais de adequação à vida int('-
rior, e à vida de inter-relação externa.
Alguns autores empregam, nessa prova, indistintamente, os
têrmos adaptação ou ajustamento, considerando-os como sinônimos.
Realmente o são, mas, a nosso ver, não perfeitos. Sem os conside-
rarmos do ponto de vista lingüístico, mas sim psicológico, parece-nos
que poderemos dar-lhes uma conceituação diferente, uma vez que
não aceitamos a denominação unilateral de Personalidade sob a
acepção darwinista.
Adaptação e ajustamento implicam a presença de estímu-
los, sejam externos ou internos. No entanto, adaptação a um estímu-
lo é geralmente considerada num sentido neurofisiológico e se dá
quando há uma redução progressiva da excitação engendrada no
neurônio sensitivo até que se estabeleça o equilíbrio, persistindo igual
o estímulo perturbador. Ao estabelecer-se equilíbrio, há adaptação.
Exemplo: quando a visão se adapta à luz, ou à obscuridade, ou à
distância.
Podemos ainda empregar o têrmo adaptação em outro sen-
tido, como fundamento de caráter pedagógico. Exemplo: adaptar um
programa ou uma disciplina a determinado currículo escolar ou aos
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interêsses do aluno. Modifica-se um programa ou disciplina para


adaptá-los às necessidades do ensino, ou às do estudante.
Na adaptação, como vemos, há sempre uma transforma-
ção na estrutura de um valor orgânico ou' organizado, geral ou e~­
pecífico, para que êle sobreviva ou se atualize, ante um outro valor-
estímulo.
Do ponto de vista do ser vivo, diremos que há uma "auto-
regulação do organismo" perante o meio físico que o cerca.
Assim, compreendem-se as conhecidas experiências feitas
com animais ou plantas que, embora se transformem ou tenha mo-
dificada a sua estrutura, a sua forma primitiva, conseguem adaptar-
se a novas situações ambientais, sobrevivendo. Os que se não
adaptam, por lhes faltarem determinadas condições, estiolam-se e
morrem.
A adaptação, é pois um sinal de sobrevivência que implica,
na maioria dos casos, um conceito biológico ou particularmente
neurofísico .
Nos processos de ajustamento há uma pessoa que se çolo-
ca em harmonia com o ambiente físico e social e com as exigê~çias
da sua própria natureza.
O indivíduo reaciona e resolve os problemas principais ;da
vida, sem modificar, de modo profundo, a sua estrutura básica. Como
o meio em que se realizam as ações humanas não é simplesmente um
meio físico, mas especialmente social, é nestes sobretudo, que sê' b'H-
gínam os dois processos de ajuste: o exterior e o de adequação con-
sigo mesmo embora saibamos que há sempre uma interdependência
entre ambos.
Nos processos de ajustamento, consideramos sempre três
elementos:
- o motivo, ou estímulo que provoca a ação;
- o fim, meta ou incentivo externo, ou a direção ou ati-
tude individual;
- os obstáculos, fatos e circunstâncias que surgem do meio
ou da própria pessoa, que impeçam a satisfação imediata do
fim proposto.
São êsses obstáculos que geram os estados de adequação ou
inadequação pessoal, perante os quais a personalidade se ajusta, aco-
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moda-se ou se desajusta, desequilibrando-se a ponto de se desor-


ganizar.
Pode acontecer que os obstáculos não sejam superados, ori-
ginando traumas e conflitos, mas também podem ocasionar reações
de autodefesa, derivando em mecanismos de ajustamento.

Sendo, pois, o ajustamento um ato dinâmico revelador de


características individuais perante certas situações da vida, a Psi-
cologia aplicada tem se interessado muito pela sondagem dêsse di-
namismo humano.
Dificilmente, porém, os psicólogos que se não dedicam à
Psicologia chamada aplicada ou científica admitem comparações, sob
números, entre os indivíduos.
Nós também admitimos a idéia de que não existem doi"
sêres humanos inteiramente semelhantes e que a variedade de tipo
de personalidade é tão grande quanto o número de criaturas que
habitam o Universo, e isso porque, se o contingente hereditário varia
de indivíduo para indivíduo, as influências externas inter agem sôbre
cada um, especificamente, de acôrdo com êsse equipamento geno e
fenotípico. Isso não é novidade, mas, sabemos que a identificação
dos sêres humanos é tão infinita e variável quanto a figuração de
impressões digitais.

Denominamos de "traços" ou características pessoais a


marca que distingue cada indivíduo.
Sabemos que essas características têm inúmeras variantes,
embora os denominemos com um têrmo genérico, como agressividade,
submissão, passividade etc. Mas ao dizermos que alguém é agres-
sivo ou submisso, a magnitude e o estilo dessas características variam
tanto quanto o número de pessoas que os representam. Dentro dessa
variedade de traços marcantes, considerados ou como um sistema
neuro-psíquico ou como atitudes correlacionadas a disposições vin-
culadas a um valor ou objeto-estímulo, podemos obter, aproximada-
mente, valôres mensuráveis e comparáveis. É disso que trata a Psi-
cologia aplicada.
Ao ser aplicada uma prova a certo grupo de indivíduos que
apresentam atitudes normais perante vários setores da vida, pode-
mos distinguir os que se situam numa zona média, na zona infra
ou supranormal daquele grupo.
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As tabelas que apresentaremos é o resultado dos pontos


obtidos entre grupos de adolescentes, de várias culturas, donde pode-
mos justificar o limite flexível das várias zonas.
Como já dissemos antes, o Inventário de Bell nos fornece
dados relativamente simples a respeito do ajustamento individual e
que deverão ser complementados- e comparados com os de outras
técnicas individuais, para um diagnóstico definitivo. As áreas ou
campos são 4 ou 5, dependendo da forma aplicada, ou repetindo:
a) ajustamento ao lar; b) ajustamento social; c) ajus-
tamento profissional; d) ajustamento emocional; e) ajustamento
à saúde.
Os três primeiros fornecem dados sôbre a vida de ihter-
relação (pessoa-meio) e os dois últimos, os de adequação interpesso~11.
O ajustamento ao lar consigna a apreciação dos filhos
sôbre os traços caracterológicos dos pais, as relações paterno-filiais
e fraternais; sentimentos ambivalentes (amor-ódio); os oriundos do
status sócio-econômico da família, desejos de fuga ao lar; estados de-
pressivos derivados da pressão ambiental etc.
No ajustamento social, podemos inferir como o indivíduo se
comporta na integração do grupo a que pertence, as suas atitudes
perante várias situações; as tendências fortemente inibitórias, de rf.-
traimento, submissão ou fuga às relações humanas; esforços em-
pregados para sua auto-afirmação, incluindo agressividade, competi-
ção; as atitudes espontâneas ou solícitas perante seus concidadãos etc.
O ajuste profissional demonstra: a boa compreensão entre
empregado e empregador; as relações amistosas para com seus com-
panheiros de trabalho; a satisfação com que desempenha as tarefas
que lhe confiem.
O ajustamento emocional está particularmente ligado aos
processos de excitação e inibição das fibras nervosas e às funçõe::;
glandulares; portanto, a perda do equilíbrio emocional poderá se ma-
nifestar por meio de uma excitação de prazer ou por uma frustra-
ção. A resposta a determinados itens pode nos esclarecer se o inJi-
víduo está sujeito aos estados de excitabilidade, de depressão, an-
gústia, situação conflitiva, temores, tendência à fantasia, sentimentos
de culpa ou de autodestruição etc.
O ajustamento à saúde revela se o examinando padece de
certas enfermidades, se tem facilidade em adoecer, se há transtornos
de saúde que evidenciem a conveniência de uma opinião do médico.
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IV. APRESENTAÇAO DE NORMAS

Damos a seguir as normas apuradas em investigações rea-


lizadas em cinco países: (*)

Americana Brasileira Espanhola Francesa Peruana

N.O de alunos 171 123 126 247 251

Clasdficação: AJUSTAMENTO AO LAR

Excelente 0-1 0-1 O O o


Bom ........ . 2-4 2-3 1-2 1-2 1-4
Médio 5-9 4-11 3-6 3-6 5-11
Insatisf. . ..... 10-16 12-24 7-12 7-13 12-17
Muito Insatisf. 17 + 1,5 + 13 + 14 + 18 +

AJUSTAMENTO À SAÚDE

Excele'lte 0-1 0-1 O O 0-1


Bom ........ . 2-4 2-4 1-2 1-2 2-5
Médio 5-11 5-9 3-5 3-5 6-11
Insatisf. . ..... 11.-16 10-17 6-10 6-11 12-15
Muito Insatisf. 17 + 18 + 11+ 12 + 16 +

AJUSTAMENTO SOCIAL

Excelente '0-3 0-4 0-2 0-2 0-2


Bom ........ . 4-7 !;-10 3-5 3-5 3-10
Médio ~-17 11-21 6-11 6-11 11-18
In~atisf. . ..... 18-25 22-26 12-19 13-20 19-26
Muito Insati,,f. 2õ + 27 + 20 + 21 + 27 -I-

AJUSTAMENTO EMOCIONAL

Excelente 0-1 0-1 O O 0-2


Bom ........ . 2-4 '2-7 1-3 1-2 3-8
Médio 5-11 8-16 4-10 j-7 9-16
Insatisf. . ..... 12-16 17-25 11-15 1:!-14 12-22
Muito Insatisf. 17 + 26 + 15 + 15 + 23 +

(*) Fontes de onde foram extraídas as normas:


Americana: Manual for the adjustment inventory (Bell)
Brasileira: Arquivos Brasileiros de Psicotécnica. ano 12, nO 2, fls. 49
Espanhola e Francesa: Revista de Psicologia general y aplicada, nO 57 - Ano 1961
- Madrid. - Pg. 111
Peruana: Boletim deI Instituto Psicopedagógico Nacional - Lima - Ano 1962 --
NO 5 - Fls. 19 e 20.
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V. ANALISE E CONCLUSÕES

As normas antes apresentadas oferecem uma estimativa de


pontos, e a classificação de zonas de ajustamento (interior e exte-
rior) de grupos de adolescentes de alguns países, do sexo masculino,
de curso colegial, aos quais fôra aplicada a prova Inventário de Ajus-
tamento de Bell.
A tabela que denominamos brasileira dá normas provlso-
rias, para uso interno do ISOP, visto ser amostra de orientandos que
nos procuraram, muitos dêles com problemas de desajustamento.
Ao compararmos as tabelas ou normas em uso, verificamos:

a) As normas francesa e espanhola mostram-se quase


idênticas, em tôdas as áreas, com ligeira distinção no setor
emocional;
b) Há variantes pouco significativas nos limites de
pontos que determinam as classificações das zonas de ajusta-
mento ao lar, à saúde, emocional, especialmente nas três pri-
meiras denominações: excelente, bom e médio ou normal;
c) A tabela do ISOP, provisória, aplicada a estudantes
brasileiros, aproxima-se bastante da americana, apresentando
maior flexibilidade no setor emocional e na zona infranormal
do ajustamento ao lar;
d) Na área do ajustamento emocional, as normas brasi-
leiras e peruanas apresentam entre si, maior número de con-
tato que as demais;
e) O ajustamento social nos mostra os limites de por,-
tuações mais variáveis que os demais setores, em tôdas as
tabelas.

Embora não possamos tirar conclusões definitivas, pode-


mos dizer que o ajustamento, como qualquer atitude do ser humano,
é variável, de acôrdo com o tipo de Personalidade que o representa,
e que também poderá ser numericamente comparado, quando se
tratar de culturas semelhantes, em determinada época.
As variantes forçosamente são notórias, dentro, porém, de
limites razoáveis.
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Essas atitudes humanas poderão ser classificadas relativa-


mente a um grupo considerado normal ante situações idênticas, como
idade, nível mental, cultura geral, e cujas respostas identifiquem
autoconhecimento e sinceridade.
Os dados apresentados parecem satisfazer a essas exigên-
cias, apuradas, como foram, após investigações, nos respectivos países
de origem sob a responsabilidade de técnicos em Psicologia.

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