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CadCRH 2010 726 PDF
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A PRODUÇÃO DE SUBJETIVIDADE E A RECONFIGURAÇÃO DO TRABALHO NA TRANSIÇÃO DAS SOCIEDADES DISCIPLINARES PARA AS SOCIEDADES DE CONTROLE View
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All content following this page was uploaded by Bruno Stramandinoli Moreno on 09 October 2014.
RESENHA
150p.
cesso de forja de extensão do trabalho. Os relatos
apresentados consubstanciam essa ideia, pois se
mostra recorrente nos discursos o ideário organi-
Bruno Stramandinoli Moreno zacional permeando objetivos, vida pessoal, famili-
ar e social.
Num primeiro momento do livro, tem-se
a elucidação da tarefa a que a autora se propõe:
O feitiço das organizações é uma obra que construir o arcabouço teórico e metodológico para
contempla o entendimento de sistemas imagi- buscar entender e analisar o fenômeno, dispon-
nários no âmbito das relações de trabalho den- do-se a discutir as organizações, o imaginário e as
tro do contexto organizacional de uma grande relações engendradas nesse cenário. Inicialmen-
corporação. A presente discussão é fruto de um te, ela recorre à perspectiva antropológica de
estudo realizado no ano de 1995 junto a trabalha- Mounier para fundamentar suas discussões e se
dores demitidos de uma grande fabricante de avi- munir de instrumentos para avaliar o impacto
ões, de capital nacional, mas de âmbito global. das políticas praticadas pelas organizações.
Articulando análises teóricas e relatos dos Essa construção teórica perpassa o esta-
próprios demitidos ou de terceiros, a pesquisa- belecimento dos níveis de análise em que a pes-
dora vai tecendo o sustentáculo de suas concep- quisa se foca. Foi na literatura de Enriques que a
ções sobre a relação desses profissionais e a autora elencou as seguintes instâncias de análi-
corporação – até então amparo de suas subjeti- se: mítica, sócio-histórica, institucional, organi-
vidades –, tendo como pano de fundo as pre- zacional, grupal, individual e pulsional. Esse pas-
missas do professor Eugène Enriquez acerca do so lhe possibilitou alçar um próximo degrau, o
feitiço que as organizações estabelecem por meio do estabelecimento do espaço dos sistemas ima-
de suas relações com os funcionários. ginários de Enriquez e seu impacto nas relações.
A partir de uma análise mais acurada e Partindo da fundamentação conceitual e de sua
tendo como referência o trabalho de Enquiez, a interpretação de análise sobre organizações, a
autora apresenta suas constatações sobre a pre- autora se baseia na compreensão das situações-
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RESENHA
Num segundo momento da obra, susten- pessoal. Os relatos apresentados mostram indi-
tada por uma gama de pensadores, Schirato es- víduos infantilizados, inseguros, numa relação
tabelece um percurso que contempla instantes de dependência limitante no tocante à perspec-
da vida dos sujeitos pesquisados, ainda dentro tiva de mundo que constroem.
da organização (abarcando desde o ingresso até Os efeitos apontados pela autora, oriun-
o desligamento). A partir desse ponto do livro, é dos da consubstanciação da relação entre orga-
possível dimensionar o impacto que as políticas nização e trabalhador, mostram-se nefastos para
de Recursos Humanos – expressões materializa- esse último. Schirato entende que ele perde a
das do inefável envolvimento dos indivíduos capacidade de direcionar a própria vida, de cons-
pelas organizações – têm, por meio de processos truir sua identidade para além sua condição de
de integração ao cotidiano da corporação, o que trabalhador da organização. À medida que essa
imbrica o imaginário do profissional, transcen- relação se torna “pseudofamiliar” e as situações,
de as paredes da organização e alcança o cotidia- os eventos e os indivíduos assumem um ar “do-
no pessoal e íntimo desses trabalhadores. méstico”, “de casa”, a preocupação com a quali-
A autora, com intuito de dimensionar dade do trabalho e a reciclagem profissional as-
para o leitor o drama do processo de desliga- sumem uma importância secundária. É nesse
mento junto aos sujeitos- alvo da pesquisa e o momento que a autora preconiza a discussão so-
seu impacto no cotidiano desses indivíduos, in- bre os valores praticados, bem como o código de
sere vários relatos das experiências coletadas. Ao ética vigente, aludindo ao nível de análise
invés de estabelecer relação concreta entre o seg- organizacional em si.
mento teórico-reflexivo e o concreto-real, têm- Schirato encerra o livro alinhando os ele-
se, ao longo dessa segunda parte, a proposição mentos apresentados até então num tom de de-
de o próprio leitor buscar as aproximações que núncia e aponta a para um horizonte caracteri-
julgar adequadas. O que torna a proposta inte- zado pela necessidade de se perpetuar tal refle-
ressante é o fato de os casos serem relatados exa- xão, de modo a transformá-la em ação efetiva de
tamente como foram descritos. intervenção junto à equivocada relação entre or-
No decorrer dessas descrições, tem-se a ganização e trabalhador, no que se entende como
percepção de que as intenções e promessas o modelo tradicional de gestão.
concernentes à política de pessoal estabelecem Em síntese, a presente obra consegue al-
CADERNO CRH, Salvador, v. 23, n. 60, p. 655-656, Set./Dez. 2010
uma relação de perversidade, pois tais intenções cançar o objetivo a que se propôs: desvelar o
e promessas se efetivam nas vivências cotidia- “feitiço” que os sistemas imaginários erigidos
nas. Essa perversão é demonstrada na apresen- pelas organizações, por meio das Políticas de
tação das falas dos sujeitos, na medida em que Recursos Humanos, praticam nos seus corredo-
eles relatam a desapropriação de suas vidas pes- res e destacar a necessidade de se resgatar a pri-
soais e demonstram como são explorados para mazia do reconhecimento em prol do humano,
muito além de sua força de trabalho, sendo atin- nessa relação.
gidos, em termos afetivos, até em sua agenda
Bruno Stramandinoli Moreno - Mestre em Ciências da Motricidade pela Unesp. Especialista em Psicologia
Organizacional e do Trabalho pela UEL. Psicólogo pela UEL. Professor Assistente II da Faculdade Integrado
de Campo Mourão para cursos de graduação e pós-graduação. bstram@gmail.com
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