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Universidade de Brasília

Instituto de Ciências Humanas


Departamento de História
Tópico Especial em História Medieval II
Professor: Dr. Celso Silva Fonseca
Turma: A
2º/2018

O matrimônio no medievo à luz de Jean Gaudemet e Las leyes de todos los


reynos de Castilla (1540)

Juliana Silva Santos (14/0147489)

Brasília, Dezembro de 2018


Este ensaio tem como objetivo expor alguns extratos de Las leyes de todos los
reynos de Castilla (1540), que de certo modo se relacionam aos argumentos apresentados
por Jean Gaudemet, em seu capítulo que serviu de bibliografia para o módulo 1 deste curso. A
análise se estabelece a partir da apresentação de fragmentos da fonte, cujos princípios se
encontram, do mesmo modo, nos argumentos trabalhados por Gaudemet.
Em um primeiro momento, brevemente se apresenta a questão do casamento como
sendo um ordenamento da sociedade medieval. Em seguida, são apresentados os tres bienes
del matrimonio presentes nos escritos do século XVI, juntamente com as finalidades de la
unión apresentadas por Jean. Logo após, é abordada a temática do consentimento. E por final,
são expostas questões referentes às práticas condenadas, que estão relacionadas a idade dos
noivos, poligamia e matrimônios contraídos por medo ou força.

Em seu capítulo intitulado La doctrina clásica del vínculo matrimonial, o historiador


francês Jean Gaudemet (1908-2001), busca expor a forma que a doutrina clássica, em um
diálogo entre os canonistas e os teólogos, tratou a temática do matrimônio. Ao longo de seu
capítulo ele procura apresentar os caminhos e debates que levaram à formação das doutrinas
e práticas do matrimônio na idade média.
Gaudemet explica que a doutrina medieval reconhece os textos patrísticos sobre a
instituição divina do matrimônio, ou seja: que o matrimônio, instituído por Deus, é desde de
suas origens “direito natural”. E discorre:
Así establecido, el matrimonio era creador de un “orden”. En sus
clasificaciones sociales, los autores dos siglos XII y XIII asentaron a los
casados como uno de los “estamentos” de la sociedad. junto a los clérigos y
a los que habían hecho voto de castidad. (GAUDEMET, 1987. p.180)

Esta denotação do matrimônio também está presente em Las leyes de todos los
reynos de Castilla, onde lê-se: porende deve ser honrrado y guardado ansi por razon del que
el establescio como por que fue el primero establescido y por que es mantenimiento del
mundo: y baze a los hombres bivir vida ordenada y sin peccado 1. Assim, é possível encontrar
na fonte paridade ao argumento de Jean, onde o autor compreende o matrimônio como sendo
o criador de uma “ordem” social. Sendo os casados, deste modo, como um dos estamentos da
sociedade medieval.
Las leyes listam os três bens do matrimônio, que seriam: fe, linage, y sacramento.
Logo, em La doctrina clásica del vínculo matrimonial, Gaudemet discorre sobre a triple
1 Las leyes de todos los reynos de Castilla, abreuiadas y reduzidas en forma de Repertorio decisiuo
por la orden del A. B. C., por Celse-Hughes Descousu (1540). [página 5 do pdf que disponibilizado para a
turma, com as fontes]

1
instituición. Que seriam as 3 principais razões das uniões matrimoniais: a ajuda
recíproca(onde homens de certa idade se casariam para que suas mulheres os servissem de
amparo), o remédio à concupiscência e, for fim, a procriação.
Para ratificar seu argumento o autor afirma, ainda, que teólogos e canonistas tinham a
procriação, ou seja, a ânsia por uma descendência, como a principal razão para os casamentos.
Isso por que a descendência era tida como o primeiro bem do matrimônio. O testemunho
óbvio disso, segundo o autor, seria o repúdio que sofriam as mulheres estéreis ou a existência
da possibilidade de rompimento da aliança matrimonial por impotência do homem.2
Partindo à temática do consentimento, ela aparece em ambos escritos. No documento
do século XVI lê-se:
El verdadero matrimonio contraese por solo el consentimiento de presente
simple/ y puro/ y sin condicion alguna quando las palabras se dizem con
intencion de contraer matrimonio: la qual intencion si no ouvier en los que
dizen las tales palabras no seria matrimonio/ en quanto a Dios/ a un que la
yglesia que juzga por la aparente constando que las palabras que bazem
cosentimiento de presente fuessen dichas as juzgaria en favor del
matrimonio (p. 6)

Em seu capítulo, Jean aponta que as doutrinas antagônicas, dos canonistas e teólogos,
entram em consenso a respeito desta temática e reconhecem que “o matrimônio se formava
mediante o intercâmbio de consentimento”.
O autor destaca, ainda, o consentimento por parte da família. E afirma que “as fortes
estruturas da família patriarcal, o uso do casamento para fins familiares, políticos ou
econômicos eram deixados a decisão do pai, de parentes ou da linhagem. Exemplos são
abundantes em todos os meios sociais.” 3
Quanto às práticas que eram condenadas, Gaudemet aponta algumas, como o
matrimônio mediante a compra ou o rapto da mulher, e o exercício da poligamia. 4 Las leyes
trazem passagens a respeito da invalidade de matrimônios contraídos por medo ou por força.
E ainda, fazem alusão a questão da poligamia, onde lê-se que: “matrimonio es ayuntamiento
de marido y muger hecho con intencion de bivir siempre en uno y de no se apartar del
guardando lealtad el uno al otro no se ayuntando el varon con otra muger”5.
Ainda sobre a triple instituición, Gaudemet discorre sobre o conceito de ajuda

2 GAUDEMET, Jean. La doctrina clásica del vínculo matrimonial. In: El matrimonio en Occidente. Madri:
Taurus Humanidades, 1987. p.184 e 185
3 Ob. cit. p. 207 e 208
4 Ob. cit. p. 201 e 202
5 Las leyes de todos los reynos de Castilla, abreuiadas y reduzidas en forma de Repertorio decisiuo
por la orden del A. B. C., por Celse-Hughes Descousu (1540). [páginas 6 e 7 do pdf com as fontes que
disponibilizado para a turma]

2
recíproca. E explica que “esa consideración se aplicaba sobre todo a los casos de hombres de
cierta edad que, privados de ayuda, se casaban y se hacían servir por su esposa” 6. Contudo, na
fonte do século XVI quando a questão da idade dos noivos é levantada, verifica-se uma
determinação diferente. Onde não se recomenda o casamento entre pessoas como a diferença
de idade muito acentuada.
los que casaren deven ser/ ni muy moços/ ni muy viejos: por que los
primeros embargaria mengua de edad/ y los otros enflaquezcimiento de dias:
y que no sean muy desiguales siendo el uno muy moço y el otro muy viejo
(p. 5 e 6)

Jean Gaudemet discorre sobre a importância de se ter em mente a maneira que se


viviam os “tratados” nos meios sociais tão diversos na sociedade medieval. De se enxergar as
condutas sociais em contraste com a doutrina7.
Paolo Grossi em A Ordem Jurídica Medieval aponta a pluralidade jurídica do período.
Ele aponta a influência do que é costumeiro e habitual na dimensão política. Destaca, o
particularismo jurídico da sociedade medieval, e a dimensão consuetudinária do direito. Onde
“a extrema fragmentação até mesmo espacial do direito, justifica-se nessa incontrolada
exuberância consuetudinária”. Em Figuras da experiência, Paolo trabalha com a concepção do
costume na Idade Média como “constituição”, e entende que a ordem jurídica medieval é
constituída de “uma harmonia de relações baseada na própria natureza das coisas, que o
costume parecia imitar fielmente”.8
Em suma, este ensaio apresentou determinadas normas contidas no compilado Las
leyes de todos los reynos de Castilla (1540), relacionando-as a alguns dos argumentos
apresentados por Jean Gaudemet, em La doctrina clásica del vínculo matrimonial, abordando
as questões centrais a respeito do matrimônio na Idade Média.

6 GAUDEMET, Jean. 1987. p.185


7 Ob. cit. p. 201
8 GROSSI, Paolo. Figuras da experiência. A Ordem Jurídica Medieval. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 107
- 114.

3
Referências bibliográficas

GAUDEMET, Jean. La doctrina clásica del vínculo matrimonial. In: El matrimonio en


Occidente. Madri: Taurus Humanidades, 1987. p. 177 - 225
GROSSI, Paolo. Figuras da experiência. A Ordem Jurídica Medieval. São Paulo: Martins
Fontes, 2014. p.107-134.

Las leyes de todos los reynos de Castilla, abreuiadas y reduzidas en forma de


Repertorio decisiuo por la orden del A. B. C., por Celse-Hughes Descousu (1540)

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