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Sumi-ê [墨絵]: a arte do essencial

Bruno Kaneoya

Derivado da caligrafia chinesa e originário dos templos budistas chineses durante a


dinastia Sung (960 – 1274), o suiboku-ga chegou ao Japão no século XIV. Sob forte influência
zen-budista evoluiu em território japonês para o sumi-ê. Assim como no zen-budismo, o
momento da concepção é único, assim, não há dois desenhos iguais. E estes, por retratarem o
vivo instante da alma naquele momento único, não comportam correção nem hesitação para
não se ferir a pureza e a fidedignidade do estado de espírito revelado nos traços. Os traços
devem revelar o wabi – pobreza pura que basta-se a si mesma – a mais perfeita imperfeição.
Abandona-se a inteligência intelectual: só a devoção interna é essencial para a criação do natural
e do belo. O espaço em branco, chamado “yohaku”, assinala o que não foi expresso. A perfeição
completa-se, como no haicai, o que o pincel não delineou.

Diz Masao Okinaka:

“Os elementos básicos do sumi-ê são três: simplicidade, simbolização e naturalidade. O


sumi-ê é uma arte subjetiva. A expressão livre que brota por meio da cor sumi e dos movimentos
do pincel reflete com serenidade o caráter e a personalidade do autor, induzindo-o ao prazer das
descobertas”.

Munidos do suzuri (recipiente para a preparação da tinta), fude (pincel feito com pêlo
de ovelha ou texugo), kami (papel de arroz) e do sumi (tinta fabricada a partir da fuligem de
plantas e cola), os artistas do sumi-ê pintam, especialmente o shikunshi (os 4 nobres), o que
deixa bem claro a profunda ligação desta arte com a natureza. São eles:

 A orquídea selvagem representa o verão, espírito jovem e é símbolo da graça e


virtudes femininas. Esta flor cresce no local mais inspirador de todos, onde a
montanha encontra a água.
 O bambu representa o inverno e significa a simplicidade da vida e a humildade.
O tronco simboliza a força e as virtudes do sexo masculino. As sub-divisões do
tronco representam as etapas da vida. O centro oco remete ao vazio interior
pregado no zen-budismo e por fim, a resistência do bambu representa a
estabilidade e caráter inabalável.
 A ameixeira é o símbolo da esperança e da tolerância. O tronco retorcido inspira
dureza e ainda assim carrega consigo a promessa da primavera, que se confirma
com o aparecimento dos primeiros delicados brotos em janeiro.
 O crisântemo por antecipar o inverno desafiando o frio do outono, representa a
perseverança, a lealdade e a modéstia. Também simboliza a vida familiar devido
ao seu formato circular. É a flor-símbolo da Casa Imperial.

Enquanto o ocidente viu diversos estilos de pintura especializados na realidade,


utilizando muitas técnicas de sombras, cores, tons, espaço etc, o oriente focou sua arte no
significado.

Uma obra do sumi-ê, assim como toda arte japonesa, carrega o espírito do artista. Fruto
da inspiração artística do momento, todo traço é, assim como um golpe de espada, único e cheio
de vitalidade, razão porque muitos samurais praticaram o sumi-ê.

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