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Saberes e Negócios:
os diamantes e o artífice da memória,
Caetano Costa Matoso.
Júnia Ferreira Furtado
Doutora em História Social I USP
Professora Atijzmta de História da UFMG
juiz Antônio Quaresma mudou a povoação para um novo sítio, onde está até
hoje, distante do arraial nove léguas, tudo "a instâncias de uma sua amiga
negra, por nome Jacinta, existente ainda hoje , que vivia naquele sítio com
lavras suas" 1•
ComoJacinta, nas Minas no século XVIII, eram muitas as negras e mu-
latas que estabeleciam relacionamentos ilícitos com o sexo oposto. Essa prática
era resultante, entre outros motivos, da conformação do povoamento, onde os
homens compunham a maioria absoluta da população, fruto das característi-
cas inerentes à atividade mineratória: seu caráter urbano, efêmero , itinerante
e de aventura, etc. o caso da região diamantina, de povoamento recente , esta
desproporção era acentuada. Ao examinar o censo de 1738, relativo à Comarca
do Serro do Frio como um todo, da qual o Distrito Diamantino fazia parte,
depreende-se que do total de 9.681 habitantes 83,5% eram homens e 16,5%
eram mulheres. Entre os escravos, este último segmento representava apenas
3, 1%, pois eram obtidos prioritariamente para o trabalho da mineração, mais
afeito aos homens 2.
Já entre os forros, as proporções se invertiam, e as mulheres passavam a
ser majoritárias. No mesmo censo, do total de 387 forros, elas constituíam 63%,
contra 37% de homens, indicativo de que eram as que mais se beneficiavam
da alforria, inclusive acumulando bens, como as lavras deJacinta. Uma vez
livres, essas mulheres oscilavam entre a desclassificação social e a inserção,
ainda que desajeitada, no universo antes restrito aos brancos livres da Capita-
nia. Esta última possibilidade, cada vez mais comum, escandalizava o Gover-
nador das Minas, o Conde das Galvêas que, em 1733, procurou reprimir "os
pecados públicos que com tanta soltura correm desenfreadamente no arraial
do T[e]juco, pelo grande número de mulheres desonestas que habitam no
mesmo arraial com vida tão dissoluta e escandalosa que, não se contentando
de andarem com cadeiras e serpentinas acompanhadas de escravos, se atre-
vem irreverentes a entrar na casa de Deus com vestidos ricos e pomposos e
totalmente alheios e impróprios de su'as condições" 3 .
A descoberta dos diamantes foi o principal tema que emergiu de sua
descrição da região e é, ainda hoje, um tema nebuloso para os historiadores.
Entre outros fatores, porque os próprios partícipes do acontecimento trataram
de cercá-lo de mistérios e mal entendidos. Distantes as datas entre a descoberta
das preciosas gemas e a sua oficialização, circularam várias versões de como a
I.
FUNDAÇÃO João Pinheiro. Códice Costa Maloso. Belo Horizo nte: Fundação João Pinheiro,
CEHC, 1999. Doc. 129, p. 845-850.
:1.
População de Minas Gerais, Rmisla do Arquivo Público 1\lineiro, Belo Horizonte, Imprensa
Oficial , anoiii, p.465-498 , 1898 .
:l.
Bando do governador de 2 de dezembro de 1933. Apud: VEIGA, Xa,·ier da. Efnnh1des
Mineiras. Introdução Edil;me ]'•daria de Almeida e 1\larta l\1elgaço Neves. Belo Horizonte:
Fundaçãojoão Pinheiro, 1998.p.l026.
297
4.
Carta ele Dom Lourenço sobrt" a (kscoberta elos diamantes, 22 ele julho ele I 729. Revista do
Arquiuo Público ,\1iueiro. Bt>lo Horizontt>, vol. VII, 1902, p.263-4 .
.l .
GODINHO. Vitorino ele 1\lagalhàt>s. Portugal , as frotas do açúcar e elo ouro. (1670-1770).
Reuista de História- USP. São Paulo, ano 15, p.69-88 , jul.-set. 1953. p.93.
( ).
BRANDÃO. Ambrósio F. Diálogo.\ daJ grrwrlt•;cas rio BrrLÜ!. ( 1618). Rio ele] ant>iro: Dois 1\lun-
clos, sei. p.40-+I.
ROSARIO , F r. António do. F111ta1do Bm.1il 1111111a num t' rLidtira 11/0iltlrlfltia. Lisboa , I 702 . p.IIl.
298
B.
HOSPITAL SÃO JOSÉ. TESTAMENT ARIA DE FRANCISCO PINHEIRO. (H~J TFP.)
Carta 166. Maço 29. f.257. In: LISANTI F. , Luís. Negócios coloniais; uma correspondência
comercial do século XVIII. Brasília: Ministério da Fazenda; São Paulo: Visão Editorial, 1973.
~).
HSJ. TFP. Carta 166. Maço 29. f.258.
111
· HSJ. TFP. Carta 166. Maço 29. f.259.
li. HSJ.TFP. Carta 166. Maço 29. f.258
I ~.
HSJ.TFP. Carta 167. Maço 29. f.271.
J:l. FURTADO,Júnia F. Ho111ens de negócio. a inlmon;:açiio danu•l!ópole t' do t'Oinháo 11(15 Jllinas
Setumtistas. São Paulo: Hucitt>c, 1998.
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ro de versões presentes na tradição oral 14 • Para ele, era apenas certo que já
tinham sido encontrados em I 729, quando começou a exploração pela Coroa.
Outros procuraram indícios de como os fatos teriam verdadeiramente se
dado. Augusto de LimaJúnior apresentou uma versão pormenorizada, mes-
clando documentos a narrações antigas e atribuiu o descoberto "em l 714, a
um certo faiscador de nome Francisco Machado Silva" L'_ Sua fonte principal
foi o relato que Martinho de Mendonça Pina e Proença, enviado para avaliar
a potencialidade da produção de diamantes na região em 1734, fez um ao
Conde de Sabugosa 11 '. Sua história, repleta de incidentes e intrigas, desenro-
lou-se até l 729 em uma trama que envolvia autoridades e particulares, na
busca de tirar o máximo proveito da extração clandestina, ocultando da Coroa
as riquezas que vertiam dos ribeiros tejucanos. Em l 721, os diamantes passaram
a ser encontrados em profusão nas lavras do Rio Morrinhos de propriedade de
Bernardo da Fonseca Lobo. Este teria avisado imediatamente o Governador
Dom Lourenço de Almeida que, juntamente com o Ouvidor do Serro do Frio,
Antônio Rodrigues Banha, trataram não de avisar o Reino, mas de se reunir
numa sociedade para extrair ilegalmente as pedras. Nessa trama associaram-se
ainda, o Frei Elói Torres, que já residira na Índia, e Felipe de Santiago, vende-
dor ambulante.
Lima.Júnior atribuiu a Bernardo da Fonseca Lobo o papel de inocente
útil, explorado pela camarilha capitaneada pelo Governador. Até que, em l 729,
impedido pela notoriedade da descoberta de continuar a negociação clandesti-
na, o governador foi obrigado a fazer a comunicação oficial, onde atribuiu a
demora da notícia pela incerteza da qualidade das pedras e declarou terem
aparecido pela primeira vez, já há algum tempo, nas lavras de Fonseca Lobo.
Na mesma época, Bernardo se dirigia ao Reino com um lote das pedras e ali
conseguiu o título de descobridor e várias mercês.
A ausência de documentos e relatos da época tornou imprecisa a ordem
dos acontecimentos.Jacob de Castro Sarmento, médico, cristão-novo, residen-
te na Inglaterra, redigiu em 1735, o primeiro relato publicado conhecido da
descoberta dos diamantes. Inserido em seu livro de medicina Matéria Médica,
Físico- Histórica, Mecânica, Reino Nfineral 17 , no verbete sobre diamantes, indicou o
I+. SANTOS , Joaquim Felício dos. '!l!rmóliar do Distrito Diamantino. Belo Horizonte: Itatiaia,
1976. p.49.
l .'l. LIMAJÚNIOR, Augusto d('. História dos Diam(llltfs nas Minas Gerais. Rio de Janeiro: Dois
Mundos, sei. p.l8.
I li. Sobre o descobrimento elos diamantes na Comarca do Serro do Frio. Primeiras administra-
ções. Revista elo Arquivo Público l\lineiro, Belo Horizonte, vol. VIII, p.25l-263, 1902.
17
· SARJ\1 ENTO,Jacob d(' Castro . .\latiria JI!Miw. Físico- Histórica, M ecânica. Reino A1ineml. Lon-
dres,] 735. p.l4 7-15 7. Esta indicação e cópia do texto foram-me gentilmente cedidas pelo
Professor Friedrich E. Re-nger..
300
2+.
Idem. lbclem. p.2.5.
~.i.
ldt>m. Ibclem.p.26.
~(i.
FUNDAÇAO J oão Pinh t>iro. Op. ut.. doc. 89, p. 6.50-6.5 7.
~7.
LISBOA. ArquiYos Nacionais ela TotTt> elo Tombo. (ANTI) . Manuscritos do Bmsil, vol 31;
.lnais da Biblioff((l. \'ariana/. Do D t>scobrimento dos diamantes e dift>rt>tllCS mrtodos que se
tem praticado na sua extração. Rio de J aneiro, ,·oi. 8, p.l4.5-152, I %0, e LISBOA. Biblio-
tt·ca Nacional. (Bl\ry. Notícias das i\li na~ dos Diamantes. Seção ck R rsen·ados. A,·ulsos.
Cóclice 7167.
302
~H. .
LISBOA. BN. Notícias das Miuas dos Diamautes. op.cit.
303
:2 ~).
LISBOA. ANTI. Dt"st"mbargo do Paço. Uh as. Maço 1342. Doc.7.
:li!. LISBOA. BN. Notícias das ... op.cit.
:l i.
Idem. lbclt"m.
304
42
· LISBOA. AHU. tllanuscritos Avulsos ck tllinas Gerais. CaixaG5. Documento 55.
+:i. LISBOA. AHU. tllanuscritos Andsos do Rio clejant>iro. o. 17.19') t> 17.488.
44
· LISBOA. ANTI. Dest'lnbargo do Paço. Ilhas. la~·o 13..J2. Doc. 7.
+.i. LISBOA. A TI. H abilitação à Ordem dt> Cristo . Lt>tra A. maço 31. Doc. 5.- Alberto Luís
Pereira.
Hi . Anais da Bibliotrca Nacional, Do Dt>srobrimento ... ,·oi. 8. p. I()3-1 72.