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FACULDADE DE ARQUITETURA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
ARQUITETURA E URBANISMO
A ARQUITETURA NEOCOLONIAL:
A Arquitetura como afirmação de nacionalidade
SALVADOR
2002
A ARQUITETURA NEOCOLONIAL:
A Arquitetura como afirmação de nacionalidade
Salvador
2007
A ARQUITETURA NEOCOLONIAL:
A Arquitetura como afirmação de nacionalidade
Ao Professor Altino Caldeira, por aceitar o convite e proporcionar o meu reencontro com o
antigo professor.
À Jandira Assis Borges, Elisabeth e Solange, pelas informações precisas, pela paciência e
pelo incentivo.
Às professoras Estherzilda Azevedo e Elyana Barbosa, por indicarem um caminho viável para
a realização do trabalho e pela cobrança.
Aos amigos Cláudia Prates Publio e Jonas Abreu Schettino por se disporem a ajudar no
levantamento fotográfico, pelos livros e pela troca de idéias.
Aos colegas e amigos, pelo apoio, pelos livros emprestados durante anos, pelas dicas, críticas
e observações, ou simplesmente por uma palavra amiga; e em especial agradeço a Daniela
Da Biblioteca Raffaello Berti, agradeço a Juliana, Moema, Vânia e todos os outros dos quais
não me lembro o nome, mas que sempre estão dispostos a informar e atender bem.
The research looked for to show that the architecture could serve as an element of cultural
manifestation and artistic resultant of the search for a nationality affirmation. The result of
this process is evident in the Neocolonial Architecture. The analysis of the sources consulted,
showed that the subject was relegated to a second plain in function of the traditional concepts
that refuses in accepting the values of other Brazilian architectures that are not the colonial
and the modern.
This dissertation indicated relations between the Neocolonial Architecture found in diverse
parts of the country, demonstrating its territorial and secular reach, and its ideological and
artistic values.
1 INTRODUÇÃO 13
REFERÊNCIAS 171
ANEXO A 181
ANEXO B 200
ANEXO C 201
A Arquitetura Neocolonial surge como uma proposta num ambiente onde a discussão de
idéias estava ligada à negação de um passado que não tinha mais valor de historicidade e em
um momento presente que buscava, numa tradição carente de memória, recursos para o
cenário arquitetônico nacional que surgiria a partir de meados da segunda década do século
XX.
Uma das justificativas para o seu estudo está em sua aceitação como um elemento central do
seu momento cultural, estabelecendo-se como possuidor de uma natureza especial em termos
de continuidade de uma tradição ou, pelo contrário, de sua ruptura, portanto sua valorização
se torna vital no conjunto do patrimônio cultural e consequentemente faz-se merecedor de
estudo. A Arquitetura Neocolonial será vista como essencial ao desenvolvimento da
maturidade artística e da cultura nacional e, como uma parte integradora na descrição e
O Segundo Capítulo tenta esclarecer uma dificuldade, a de terminar com precisão, um corte
temporal; o tema se mostrou passível de inúmeras interpretações e de até algumas definições,
que, porém não esgotam e em nada contribuem para que a Arquitetura Neocolonial torne-se
compreensível e visível aos arquitetos cujos olhos se mantêm embaçados pelo manto de uma
história da arquitetura brasileira anti-historicista, e ainda presente nos meios acadêmicos.
Outra dificuldade, para o corte, foi o fato de alguns autores, como Edson da Cunha Mahfuz,
incluírem a Arquitetura Neocolonial, dentro dos revivalismos estilísticos produzidos ainda na
década de 1970, caracterizados “pela intenção de reviver en bloc [sic] um discurso
iconográfico específico, talvez para a fé contemporânea nos valores e códigos formalizados
de um período passado” (Mahfuz, 1995: 87); e Lucio Costa, em esclarecimento a respeito de
projeto seu, do ano de 1982, definido por ele como “contemporâneo”, ainda buscar no
“neo-colonial [sic]” justificativas para o que ele caracteriza como “casa brasileira”(Costa,
1997:226).
Em texto escrito em 1951, Lucio Costa (1997:160) caracteriza os primeiros 50 anos do século
XX como um período onde os fatos relacionados com a arquitetura brasileira não estão
estabelecidos “num processo lógico de sentido evolutivo”, sendo um período marcado por
episódios contraditórios e desconexos, destituídos de maior significação e, portanto, sem
interesse para esclarecer o que aconteceria com a arquitetura no Brasil a partir de meados do
século XX. Essa caracterização levanta maiores interesses na pesquisa sobre o Neocolonial,
pois, foi na época assinalada por Costa que o mesmo iniciou sua carreira praticando a
arquitetura Neocolonial e em que esta encetou seu desenvolvimento.
Expressa tal situação, percebe-se que o tema não abrange uma homogeneidade de
condicionantes sócio-político-econômicos constituintes de estudos históricos, o que, entre
outras coisas, bastaria para levar adiante um estudo esclarecedor desta arquitetura. Coerente
com uma idéia onde os aspectos históricos e culturais não constituem camadas impermeáveis
Como se verá ao longo dos outros Capítulos, a arquitetura Neocolonial está presente em
inúmeros países e em todo o Brasil; e no sentido de determinar algumas de suas características
comuns, exemplares foram levantados em Belo Horizonte e Salvador.
Veremos que, se não é possível afirmar que o Neocolonial serviu como catalisador na busca
de uma arquitetura moderna brasileira, também não é possível incluí-lo dentro do Ecletismo
arquitetônico — banalizando-o apenas como mais um dos estilos “neo” —, sendo, portanto,
inevitável esclarecer o que se entende por Ecletismo além de alguns aspectos da moderna
arquitetura brasileira.
Outro fator interessante, que levou ao estudo da arquitetura Neocolonial, apontado por Miguel
Alves Pereira (1997), é a inexistência da crítica arquitetônica no Brasil que inibe, segundo o
autor, o crescimento do conhecimento arquitetônico e atrapalha o posicionamento em relação
ao debate arquitetônico atual.
Pesquisar a arquitetura Neocolonial significou pesquisar também, mesmo que apenas num
caráter explicativo, a arquitetura Eclética e a arquitetura Moderna; mostrando que todas essas
arquiteturas não podem ser vistas de maneira isolada e independente; e inevitavelmente estar-
se-á falando e tratando de cultura. Para isso é aceita a idéia de cultura exposta por Maria
Manuela Tavares Ribeiro (In: Analecto, 1994:15), a de que: “cultura engloba, na sua
significação, o que encarna nas obras, nos utensílios, isto é, nos objetos materiais
socializados, mas também o que se encarna nos mitos, nos esquemas de comportamento, nas
mentalidades”. Dessa forma, como aponta Ribeiro, as instituições, as ideologias, as técnicas,
as crenças, os costumes, a criação artística e a criação literária também são vistas como
formas de cultura, portanto, cabendo, ao tratar da arquitetura Neocolonial, tratar também de
ideologia, de costumes, enfim, de aspectos que estão relacionados ao que é considerado como
Neocolonial, entendendo que se refere sim a um período arquitetônico, mas que sua pesquisa
não poderia se restringir a enumerar seus detalhes artísticos ou apenas a apontar suas
características plásticas.
A arquitetura Neocolonial nasce em meio a uma fase marcada por uma forte expressão
européia e num momento de transição para a arquitetura moderna brasileira. Essa expressão
européia inicia-se no século XIX, em 1808, ano em que a Corte Portuguesa se transferiu para
o Brasil e houve abertura dos Portos. Começou-se, a partir daí, a constituição de um novo
Estado, alterando-se tanto a situação administrativa e burocrática, quanto a situação cultural;
fazendo-se necessária a transferência e a adaptação de uma maneira de viver e agir européia.
Isto se refletiu na arquitetura alguns anos mais tarde, em 1816, quando a convite de Dom
João VI, a Missão Artística Francesa chega ao país, e introduz o Neoclássico pelas mãos do
arquiteto Grandjean de Montigny .
1
Vale um esclarecimento: apesar de o referido autor sustentar a idéia e mais de uma década; durante o
levantamento bibliográfico verificou-se que as dúvidas e questões levantadas por ele continuam atuais e
merecedoras de esclarecimentos.
Oliveira Lima (Martins; 1978: 365, v.5), reabilitando a figura de Dom João VI, chama a
atenção para a influência seminal que sua presença e o fato da transferência da Família Real
para ao Brasil exerceram no desenvolvimento da vida intelectual brasileira, bastando lembrar,
de acordo com o mesmo autor, os centenários que se completaram em 1908, como o da
introdução da imprensa no país e o da criação dos estudos médicos, além da importante
comemoração da Abertura dos Portos.
O que aconteceu na arquitetura brasileira, de 1816 até o início do século XX, foi a importação
de estilos estrangeiros. Primeiro o Neoclássico, puro e bem acadêmico. Depois, a partir de
1860, com a chegada de outros estilos historicistas, o Neoclássico começou a perder espaço e
predominou o Ecletismo. Quando se iniciou a República, o apego às formas tradicionais já
havia se perdido, bem como as feições Neoclássicas adotadas a partir da Missão Francesa.
Apesar das plantas das casas preservarem a antiga disposição tradicional da época do Império,
as fachadas passaram a receber ornamentações rebuscadas e detalhes de feição eclética.
O fim do século XIX começa a mostrar um avanço técnico e até meados da década de 1910,
apesar de algumas manifestações pessoais de gosto brasileiro, não se encontra qualquer
referência ao passado nacional; a arquitetura erudita continuou a ser ditada pelos padrões
acadêmicos da Escola de Belas Artes e os arquitetos, em sua grande maioria estrangeiros,
produziram ou reproduziram modelos baseados nesses padrões.
O passado colonial da América Latina delineou semelhanças em todos os seus países, pelas
trajetórias paralelas: colonização ibérica, população formada pela miscigenação de povos,
proximidade dos períodos de independências, forte ingerência inglesa e posteriormente
norte-americana nos caminhos político, econômicos e culturais.
De acordo com Carlos Almeida Cerqueira Lemos (1987: 91-2), foi a partir dos anos seguintes
à Primeira Guerra de 1914-1918 — anos que o autor caracteriza como de estagnação total e
que serviram como divisor de águas no estudo do Ecletismo — que “(...) surge triunfante o
Neocolonial. E aparece também um comportamento popular de apropriação e interpretação
da arquitetura erudita numa produção homogeneizada”. No Brasil, em meio aos estilos
“Neo” do Ecletismo e ao Art Nouveau, já é possível perceber, a partir desses anos, alguns
projetos com inspiração no passado colonial: era o Neocolonial, que nascia como reação a
uma fase de estilos importados (reação contra o academismo e contra o Ecletismo, visto
somente enquanto fachadismo), marcados por uma forte expressão européia.
A partir de 1914, ano do Manifesto Neocolonial de Ricardo Severo, aparecem tanto no Rio de
Janeiro quanto em São Paulo, projetos de feições neocoloniais, e ainda que não apresentassem
origem comum, é sabido que José Mariano, no Rio de Janeiro, conhecia as idéias colocadas
Variando seu alcance, a intenção dos que defendiam o Neocolonial era de resgatar, no
passado, os ideais, a prática, a sensibilidade, a forma, os códigos, que conjuntamente
formassem um “estilo”, entendido em todo este trabalho de maneira mais abrangente, que
ultrapassa o simples conceito estético-estilístico, um movimento que se tornasse expressão
daquela época e que justificasse o uso da Arquitetura Neocolonial como modo de sustentar os
conceitos estabelecidos por essa mesma arquitetura. De acordo com Lucio Costa, podemos
ter, como estilo em arquitetura, toda a materialidade que revela as experiências, conscientes
ou inconscientes, através de determinados preceitos de gosto ou preferências formais, que na
prática se traduzem por um determinado modo de fazer as coisas (Costa, 1997: 455). Dessa
maneira, estilo é “considerado como a própria essência de uma manifestação arquitetônica”
(Almeida, 1997: 9).
Em Belo Horizonte, o estilo demoraria alguns anos para se apresentar 2, só em meados dos
anos de 1920 é que aparecem os primeiros projetos neocoloniais, muitos sem observar uma
linha rígida, com sobreposição de formas, apresentando elementos do estilo Missões e do
Neocolonial americano.
2
Até onde foi pesquisado o Neocolonial em Belo Horizonte, não há fatos que permitam esclarecer com certeza o
porque dessa demora.
(...) uma História da Arquitetura Brasileira que trate de nossa produção tendo em
vista, sobretudo, as circunstâncias típicas de um país do Novo Mundo, que recebeu
dos países ibéricos soluções a serem adaptadas ao meio colonial com os recursos
locais; soluções surgidas na Europa dentro de cronologia muito bem definida e aqui
arribadas de cambulhada, demonstrando que, para nós brasileiros, nenhum
interesse direto [sic] possuem os estudos sobre a evolução dos estilos até os dias da
descoberta da América. (Lemos, 1995: 35).
De acordo com Augusto da Silva Telles, o Neocolonial foi um movimento “que pretendeu
recriar as artes da época barroca” (Telles, 1975: 306). Sendo assim, como pode estar
Essa aparente contradição fica clara quando se percebe que o processo artístico, mesmo que
importado, fez dos cânones barrocos o instrumento indireto de ideologias internacionalistas,
evidenciando a contradição entre seus princípios e a fonte de suas idéias estéticas; a idéia se
tornará mais clara no capítulo que trata da Segunda Fase do Neocolonial.
O Neocolonial seria uma mera importação de estilos estrangeiros ou seria a busca de uma
identidade para a arquitetura nacional ligada ao resgate de formas do período colonial?
Raul Lino, em seu Livro Auriverde Jornada (1937: 158), faz algumas perguntas que bem
poderiam ser utilizadas para responder a que veio o Neocolonial: “Terá a arquitetura
brasileira de se fundamentar na tradição dos tempos coloniais? Deverá ela deixar-se influir
pelas correntes da estreita atualidade?”. E responde:
Certamente que uma coisa e outra, — e mais ainda. A arquitetura do Brasil deve
recusar, sem pejo nem desonra, as origens da sua História, mas não se deixará
envencilhar no meandro arqueológico, nem prender no formalismo escolar sem
vitalidade; a arquitetura do Brasil sofrerá a influência dos tempos correntes,
refletindo, porém as próprias reações nacionais, nunca se limitando a adotar
fórmulas importadas do estrangeiro. Na arquitetura brasileira hão de transparecer
ainda as condições mesológicas, climáticas do país. (Lino, 1937: 158)
O trabalho vem revestido de uma investigação histórica que tem como objeto a arquitetura
Neocolonial, considerando o que Carlos Alerto F. Martins chama de “entrecruzamento” das
abordagens metodológicas específicas para trabalhar os níveis documentais da arquitetura —
“os arquitetos afirmam seu projeto através de textos, teóricos ou doutrinários; de desenhos e
de obras” —; e, reconhecendo que a crítica e a história têm um papel importante na
arquitetura, onde permitem verificar mais do que uma contribuição prático-projetual, “uma
leitura crítica e histórica como elementos que se agregam à obra” (Martins, 1987: 5).
(...) não há razão para pôr mais uma vez em discussão a velha questão da unidade ou
diversidade de crítica e historiografia da arte. Não se faz história sem crítica, e o
julgamento crítico não estabelece a ‘qualidade’ artística de uma obra a não ser na
medida em que reconhece que ela se situa, através de um conjunto de relações, numa
determinada situação histórica e, em última análise, no contexto da história da arte
em geral. (Argan, 1995: 15)
O levantamento dos exemplares neocoloniais não foi aleatório, apesar de fotos e projetos
constituírem uma prova empírica da arquitetura Neocolonial e de qualquer outra, este
levantamento vem acompanhado de descrições e interpretações que permitiram reconhecer as
características do Neocolonial. Foi trabalhada a lógica da diferença, de acordo com o que
Deleuze coloca quando discute Foucault, a idéia de que é a “ínfima diferença que,
paradoxalmente, leva à identidade” (Deleuze, 1988: 23).
Ideologia, neste trabalho, não é tomada como sendo a “falsa consciência” das referências
utilizadas na filosofia. Em arquitetura, ideologia pode ser vista como a relação entre cultura e
as condições materiais do local de onde surge a arquitetura em questão, no caso específico, da
arquitetura Neocolonial.
No caso do Neocolonial, a relação entre ideologia e arquitetura pode ser entendida como
mecanismo de reprodução das relações entre a classe intelectual e as ânsias da sociedade da
época, numa representação material dos aspectos surgidos nessas relações. O Neocolonial,
analisando apenas um dos seus aspectos, foi ideológico no sentido de ser professado pelas
elites intelectuais, olhando para o passado e procurando justificar a realidade arquitetônica
que produziam na atual condição de sua época.
Se Paul Ricouer (1990) apresenta ideologia como paradoxo e ambigüidade, entre outras
características, é possível afirmar, com alguma certeza, que o Neocolonial em suas
ambigüidades e desencontros tinha um caráter ideológico significativo que se procurou
esclarecer no decorrer deste estudo. E ainda, como Paul Ricouer assume a tese de Habermas
“segundo a qual todo ser está baseado num interesse” (Ricouer, 1990: 94), concordando com
o primeiro que se o Neocolonial é tratado como um movimento ideológico e passando a
discutir esse seu aspecto, assume-se também uma postura ideológica e um “interesse pela
comunicação histórica, fundado pela compreensão das heranças culturais” (Ricouer,
Foram definidos conceitos do que é entendido como história, como cultura, como ideologia,
como estilo, faltado definir o que será tomado, neste trabalho, como tradição. Será adotada a
definição de João Rodolfo Stroeter (1986: 111):
(...)
A tradição em arquitetura é feita de formas, mas de formas que têm uma identidade
e muitos pontos de referência. As formas novas nascem de formas existentes que,
sem que se saiba como, pertencem à memória do arquiteto. Muitas vezes surgem
formas claramente reconhecíveis, mas, talvez com a mesma assiduidade, encontram
suas origens na pré-consciência da nossa existência passada (...). A memória registra
muito mais do que nos damos conta. Memória e tradição estão sempre juntas (...).
Alguns relatos foram colhidos durante visitas em campo, sendo apenas aproveitados os dados
com a intenção de esclarecer ou contextualizar informações obscuras. Não foi possível, e nem
era objeto do trabalho, entrevistas com os arquitetos ainda vivos e que tenham praticado o
Neocolonial, mesmo por que ao final da pesquisa, poderá ser verificado que a questão da
autoria aparece com importância relativa se levarmos em consideração o alcance do
Neocolonial.
Deve ser ressaltada a diferença entre Modelo e tipo e para isso seguiremos Aldo Rossi, que
baseado em Quatremère de Quincy (In: Rossi, 1982: 78) coloca:
A palavra ‘tipo’ não representa tanto a imagem de uma coisa a ser copiada ou
imitada perfeitamente quanto à idéia de um elemento que deve, ele mesmo, servir de
regra ao modelo.
É justamente nesse período caracterizado por “um estado de debilidade em que caíram
as artes e a civilização ocidental” (Pevsner, In: Almeida, 1997: 19), período anterior ao
modernismo, arquitetônico brasileiro, e caracterizado como Eclético, que se inclui o
Neocolonial.
O trecho abaixo mostra uma outra opinião a respeito do Neocolonial. Essa opinião, de
Luiz Alberto do Prado Passaglia, nos ajuda a esclarecer a arquitetura Neocolonial.
Lucio Costa mantém o fazer arquitetônico como arte, mas não é possível afirmar que
seus projetos Neocoloniais da década de 1920 não recorrem a “apliques” dos mesmos
elementos que mais tarde, ele próprio, irá criticar (ver as FIGURAS 17, 44 e 94 a 96).
Na opinião de Jorge Czajkowski (In: Gávea, 1993), o Neocolonial teria duas fases. A
primeira fase caracterizou-se por uma apropriação de formas do passado, sem qualquer
preocupação com a recuperação ou interpretação das técnicas construtivas tradicionais;
aplicava as formas sobre estruturas modernas de concreto armado, simulando as antigas
construções pelo efeito de massas de alvenaria. Para o autor:
Tratando de arte, Maria Cecília Londres Fonseca indica como um dos aspectos sociais
dos modernistas brasileiros “a construção de uma tradição brasileira autêntica”
Apontam alguns, como Lucio Costa, que o Neocolonial seria um “pseudo-estilo” sem
importância maior para a arquitetura brasileira; procura-se aqui, demonstrar justamente
o contrário: os valores contidos no estilo, na Doutrina, no Neocolonial, que capacitaram
a arquitetura brasileira a produzir exemplares de nítida inspiração nacional, de
indiscutível valor plástico, onde, embora nem sempre, esteja presente uma adequação ao
clima, ao sítio e aos materiais 1. Se aplicarmos a idéia de Panofsky que “(...) analisa a
evolução arquitetônica da catedral gótica, concluindo que não há criação de formas
novas para a composição de um estilo. Mas as características e a evolução de um estilo
são resultado da invenção baseada no manuseio das formas históricas” (Cabral, In:
Revista Pós, 1995: 94), pode-se sustentar que o Neocolonial manuseou as formas
históricas, e lançar uma dúvida: será que a arquitetura que lhe é posterior não se
aproveitou em nada dos esclarecimentos e preceitos produzidos por ele?
1
“(...) espírito de harmonia da construção com o clima, o meio e os materiais peculiares”. FREIRE,
Gilberto, In: Arquitetura Civil I, p. 5. Ainda do mesmo autor, que cita uma passagem de Debret
comentando a respeito de nossa arquitetura colonial feita pelos jesuítas, quando respeitavam
“judiciosamente as exigências do clima e dos materiais existentes no país”.
2
Ano da grande exposição nacional que comemorava cem anos da abertura dos portos e que de acordo
com Mário Barata “verá a expansão do estilo bolo de noiva em edifícios, na maioria, transitórios”.
BARATA, Mário. A arquitetura brasileira dos séculos XIX e XX. Rio de Janeiro: Jornal do
Comércio, 1954, p. 11.
Mário Barata acrescenta a respeito do estilo da exposição de 1908 (FIGURAS 02, 03, 04 e
05):
Era, porém, para aquilo, que tendia o mau gosto [sic] ornamental da época.
As reações já se anunciavam, quase sempre mal orientadas.
3
A discussão sobre as relações entre o Neocolonial e a Doutrina Monroe não é, no momento, objeto desse
trabalho, mas não se pode deixar de acrescentar que tal serviu incrivelmente aos interesses
norteamericanos no início do século XX e que o Barão do Rio Branco tinha uma visão particular da
mesma. A idéia de “América para os americanos”, propagada pela Doutrina era vista com reservas pelo
Barão. Não escapou a ele que seria um risco o Brasil se “submeter” a uma potência, os Estados Unidos,
que dividiria o poder internacional, a partir de fins do século XIX, com a Europa. Rio Branco
compartilhava da idéia de Pan-americanismo, lançada por Monroe, onde caberia ao Brasil, como maior
país da América do Sul, dar sustentação ao princípio monroísta, se colocando numa posição de
igualdade, e não numa posição de total reconhecimento a uma supremacia Americana (como apontam
os livros Rio Branco: o barão do Rio Branco, 1845-1912. Capítulo XI e A Vida do Barão do Rio
Branco).
De acordo com Wilson Martins (1978: 528) “a Exposição Nacional de 1908, além de
ser mais uma extraordinária exibição de nossas ‘riquezas naturais’ para aguçar ainda
mais a ‘cobiça internacional’, foi também ocasião de uma extraordinária atividade
artística e literária”.
4
Fui contra essa feira de cenários arquitetônicos improvisados que se
pretendeu invocar o artifício revivescimento formal do nosso próprio
passado, donde resultou mais um ‘pseudo-estilo’, o neocolonial, fruto da
interpretação errônea das sábias lições de Araújo Viana e que teve como
precursor Ricardo Severo e por patrono José Mariano Filho.
4
O autor se refere ao ecletismo dos estilos europeus com pesada carga decorativa.
02 03
5
Não fica claro no texto a qual sentido se refere o autor.
6
Segundo Benjamin de Araújo Carvalho no livro Duas Arquiteturas no Brasil, nossa arquitetura
colonial inspirou-se na Idade Média, sobretudo no Românico que nasce da Arquitetura Cristã Primitiva;
e no Barroco, que tem suas raízes no Renascimento e na Arquitetura Sarracena, que sofreu influências
Persa e Bizantina. Podemos concluir que o colonial também se originou de formas contraditórias,
provenientes de períodos, técnicas, regiões e propósitos diferentes, acrescentando ainda que, talvez o
fosse como a arquitetura romana, que sabia aproveitar e se apropriar de tudo o que havia de interessante
em arquiteturas estrangeiras, conjugando com seus avanços técnicos e estruturais, de que resultou uma
particular arquitetura.
Paulo Santos antecipa em seis anos a “origem” do Neocolonial, Carlos Kessel, por sua
vez, contribui para a discussão dessa origem ao defender a importância de Araújo Viana
e fazer uma crítica à historiografia oficialmente aceita. Como o interesse da pesquisa
não é definir, com certeza, uma data inicial e uma final para o movimento, visto que as
manifestações culturais e artísticas oscilam no tempo e não perdem sua validade e
importância em função disso, fica aqui a proposta de Kessel (1999):
Busca-se aqui, mais as relações estéticas que as relações temporais que envolvem o
Neocolonial, visto que mesmo antes do início do século XX já existiam tendências
nacionalistas nas artes.
Para examinar nossa formação histórica enquanto nação, desde já, temos que aceitar o
fato de o Brasil ser uma nação “composta de muitas raças e influenciada por diversas
culturas, tendendo, por natureza, assimilá-las e ajustá-las às suas necessidades” 9.
Deve-se aceitar também que, as “três correntes humanas” — o índio, o negro, o europeu
(sobretudo o português) — constituintes da cultura e da origem do Brasil contribuíram,
7
Para esclarecer em parte tal exame, ver RIBEIRO, Darcy. Estudos de antropologia da civilização, IV:
os brasileiros, livro I: Teoria do Brasil. 2a ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975. p. 51-6 e p.
73-77.
8
Como se observa na introdução do livro Brazil Builds de Philip L. Goodwin, onde os arquitetos e a
arquitetura brasileira têm um papel coadjuvante frente às citadas influências Francesa, Alemã, Italiana e,
sobretudo da pessoa de Le Corbusier. p. 81.
9
Mary Mix escreveu isso ao referir-se aos Estados Unidos, porém, a referência se encaixa perfeitamente
ao nosso país. MIX, Mary. La moderna arquitetura norteamericana. Traduzido por Luis Castro.
Barcelona: Editora Ahr, 1954. p. 7.
Em nossa arquitetura não seria diferente, foram vários os fatores a contribuir para a
formação de uma arquitetura colonial, que nada tinha de cópia ou imitação da
arquitetura portuguesa. De acordo com Lucio Costa, os portugueses não estavam aqui a
fazer cópia, estavam era produzindo de maneira natural o que sabiam fazer com o
material que tinham em mãos e com a mão-de-obra disponível, primeiro o índio e
depois o negro.
10
Ver RIBEIRO, Darcy. Estudos de antropologia da civilização, IV: os brasileiros, livro I: Teoria do
Brasil 2a ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975. p. 73-7
11
Ver HOLANDA, Sérgio Buarque de. História geral da civilização brasileira. São Paulo: Difusão
Européia do Livro, 1960. Tomo I. A época colonial. 1o volume: do descobrimento à expansão territorial.
p. 106.
07
08
12
Segundo Monteiro Lobato a respeito do Neocolonial: “(...) esse movimento fecundo [...]. É o tactear
dos primeiros passos para a criação do estilo brasileiro”. LEMOS, Carlos A. C.. O ecletismo em São
Paulo. In: FABRIS, Annatereza (Org.). Ecletismo na arquitetura brasileira. São Paulo: Editora
Nobel/Editora da USP, 1987; p. 93.
13
Na opinião de Passaglia: “Estas orientações não chegariam a ser uma maneira à brasileira de
depuração arquitetônica, na medida em que, na prática, o processo de ‘composição arquitetônica’
utilizado recorria apenas a uma coleção de apliques compostos de elementos funcionais decorativos,
tais como portadas ,beirais, arcadas, etc. não chegando assim a alterar substancialmente a concepção
arquitetônica, integrando ao corpo da casa as varandas e terraços que substituíram os pórticos
clássicos”. PASSAGLIA, Luis Alberto do Prado. In: Cadernos de arquitetura e urbanismo. Belo
Horizonte, no. 3: PUC-MG, maio. 1995. p. 105.
14
Ainda a respeito do uso de azulejos na arquitetura brasileira: “Na verdade, foram os construtores
brasileiros quem, pela primeira vez, recorreram ao azulejo para revestimento e proteção das fachadas
de templos e sobrados. Tais aplicações não foram utilizadas em Portugal a não ser, esporadicamente,
em muros e paredes exteriores de jardins e pátios, sempre com uma manifesta intenção decorativa e
voltados discretamente para os interiores. É certo que, desde o século XVI, se aplicaram azulejos na
cobertura de torres de igreja, prática aconselhada em obras manuelinas e continuado
parcimoniosamente no século XVII. Mas foi no Brasil que tal sistema de cobertura se generalizou
extravasando-se nas próprias fachadas com a aplicação de azulejos sobrantes das decorações
internas”. In: SIMÕES, J.M.. dos Santos. Azulejaria portuguesa no Brasil. Lisboa. Fundação
Calouste Gulbenkian, 1965. p. 35.
O que se percebe, a partir da segunda metade do século XX, é uma continuidade das
formas tradicionais, que iniciada com o Neocolonial em sua Primeira Fase, se tornam
características cada vez mais regionalizadas no Modernismo. Características ligadas a
adaptações do clima, às resoluções de problemas climáticos e topográficos.
15
Uso imaginoso de azulejos ao qual a arquitetura moderna brasileira deve muito de seu caráter
particular, como aponta Philip L. Goodwin no livro Brazil Builds.
O segundo aspecto levantado por Segre, como sendo uma característica progressista e
conservadora ao mesmo tempo, pode ser sentida na postura ideológica de defender o
patrimônio, preservar a continuidade histórica fundamentada na compreensão das
heranças culturais que deveriam ser resgatadas. E embora Carlos Lemos use um tom
negativo ao comentar as ligações do Neocolonial com o panorama da proteção de bens
culturais arquitetônicos no Brasil:
16
Ver SOUZA, Abelardo de. A Escola Nacional de Belas Artes, antes e depois de 1930, arquitetura no
Brasil. São Paulo: Livraria Diadorim Editora: Editora da USP, 1978. p. 13-32. In: XAVIER, Augusto
(Org.). Arquitetura moderna brasileira: depoimentos de uma geração. São Paulo: Pini/Associação
Brasileira de Ensino de Arquitetura/Fundação Vilanova Artigas, 1987. p. 56-64.
17
Refere-se aos estilos ecléticos, principalmente os “Luízes”, o “Espanhol”, o “Mexicano” e o “Inglês”
ou “Tudor”.
18
Inclusive a arquitetura moderna passaria a ser oferecida em catálogos. Ver o livro Vivendas
economicas; una seleccion de 150 proyectos originales de vivendas modernas. Buenos Aires: Editora
Construcciones Sudamericanas, 1948.
19
Desconhecido também para os arquitetos saídos da Escola Nacional de Belas Artes, onde o ensino
seguia o academicismo francês.
Foi o mesmo Mário que, em 1936, propôs projeto inovador (In: Lemos, 1987: 44), que
se tornaria lei em novembro de 1937, e organizaria o SPHAN. Contudo, antes de 1937,
e 1923, já havia sido apresentado
É possível argumentar, com certeza, que o Neocolonial teve um papel importante para a
criação do SPHAN e, como mostra esse texto, que também foi a continuidade da
tradição e a ruptura que permitiram o desenvolvimento de um Modernismo com
características inteiramente brasileiras 20.
20
Lauro Cavalcanti demonstra em algumas passagens de seu livro As Preocupações do Belo, como o
Neocolonial e a arquitetura Moderna disputavam espaço e como participavam de questões relacionadas
à preservação do patrimônio.
Fica clara a importância que o Neocolonial teve para despertar a consciência para a
proteção do patrimônio brasileiro, percebendo que foram, a partir dele, levantadas
questões, dentre outras, relativas à investigação da arquitetura colonial e ao
conhecimento da necessidade de formação da preservação desta.
Se o Movimento Moderno nasceu como crítica ao Ecletismo que era tido como uma
arquitetura alheia à realidade da época, simplificando-a como um amontoado de estilos,
restringindo tudo ao Ecletismo e esquecendo os valores individuais do Neocolonial, do
Art Nouveau e do Art Déco, atualmente aquele mesmo movimento — o Moderno —
tem recebido críticas semelhantes, relacionando-o a um empobrecimento da linguagem
arquitetônica que, restrita a um repertório de reduzido número de elementos e fórmulas,
21
Ver PINHEIRO, Maria Lúcia Bressan. Por que estudar história da arquitetura. Revista Pós, São Paulo,
v. 1, número especial: FAUUSP. 1995. p. 76.
De acordo com Pedro Navascués Palacio, a busca de uma arquitetura que respondesse
às necessidades das nações européias está presente desde 1835, com as obras de Thomas
Hope, e permaneceu assim durante todo o resto do século XIX. Pode-se estar falando
aqui do romantismo, que terá reflexos tanto na arquitetura quanto em outras artes, como
a literatura. Mostra-se que essa busca por uma arquitetura pátria não era nova,
remontava ao século XIX, e quase um século depois acontecerá no Brasil; quando a
mesma idéia de que “apoiando-se no passado, na história, a fim de afirmar uma
consciência nacional, não encontra impulso necessário para abordar tudo o que
signifique progresso, a não ser na própria história que funciona como fermento
permanente” (In: Anacleto, 1994: 30).
O nacionalismo, quando realmente identificado com a verdadeira tradição, pode ser uma
defesa eficaz contra estrangeirismos e a importação de valores espúrios, sendo sentido
como uma reação benéfica na intenção de resgatar o reconhecimento histórico,
incentivar pesquisas, preencher lacunas históricas e fazer justiça a personagens e
momentos culturais/artísticos que possuem algum significado.
Mas para Wilson Martins (1978), a busca pela modernidade e pela identidade nacional
começou em 1912, quando tudo parecia despojar-se com decisão de suas escamas
passadistas e preparar a metamorfose para o futuro, anunciando, precisamente, pelas
duas palavras que iriam, a partir daí sim, definir e dominar a década de 20: o moderno e
o futurismo. Este autor nos lembra:
Não muito atrasado em relação à Europa, no Brasil, o nacionalismo viria como uma
necessidade de auto-afirmação sócio-cultural nascida com a República e que terá nas
artes, formas das mais eficazes na tentativa de se criar uma arte genuinamente brasileira.
Nativista ou nacionalista, o termo no caso é menos importante do que o juízo formado
na busca e na aceitação de que esse período existiu no decurso de nossa história.
Para José Mariano Filho, cuja preocupação consistia, em oferecer aos arquitetos uma
série de elementos ornamentais e decorativos, devidamente seriados, aptos a entrarem
na composição arquitetônica, isso era mais um motivo para patrocinar “os mais
formosos espíritos da moderna geração de arquitetos brasileiros” em as excursões
artísticas a Minas Gerais, Bahia e São Paulo, para reconstituir o velho estilo
arquitetônico brasileiro. A falta de vocabulário do estilo era a causa dos “tropeços de
toda sorte”. Mariano Filho observava que a arquitetura tradicional brasileira,
“imprópria e perversamente chamada estilo colonial”, fora abandonada no último
período do século XIX. A arquitetura passou a copiar os catálogos franceses. A
tradicional arquitetura resgatava “as casas, simples, amáveis, sem atavios, rodeadas de
alpendres ensombrados e acolhedores”. Os velhos monumentos considerados arcaicos e
inexpressivos tinham sido demolidos ou modificados. Seguindo o movimento
Neocolonial era de se esperar que os arquitetos mais cuidadosos procurassem se
documentar convenientemente, antes de realizar suas composições. Para ele, a falta de
vocabulários do estilo é a causa dos tropeços de toda sorte, visto que os arquitetos
perdidos num momento confuso da arquitetura nacional, ignoram a expressão e o
Para Wilson Martins (1978) existe uma coerência, uma simetria e uma
contemporaneidade entre as idéias de José Mariano Filho e as que Gilberto Freire
começava a divulgar no Recife, sob uma inspiração tradicionalista; “umas e outras
permaneceriam como pequenas excentricidades no grande corpus da ortodoxia
modernista (que, de resto, não era menos ‘tradicionalista’ à sua maneira, como
sabemos)”. Em 1941, Gilberto Freire lança o livro Região e Tradição em que pela
primeira vez, reivindicava, para o então chamado movimento Regionalista do Recife,
papel pelo menos equivalente, mas, no todo, deliberadamente oposto, ao Modernismo
de São Paulo.
Na literatura brasileira, pode ser citado, José Bento Monteiro Lobato, escritor paulista.
Famoso por seus livros infantis, o escritor era também caricaturista e ilustrador.
Defensor do Neocolonial, ele soube como ninguém captar as raízes agrárias da
sociedade de sua época e transpô-la para os livros juntamente com as relações do
sistema social e cultural. Lobato exaltava os brasileiros a serem realmente brasileiros:
“Ai! Quando nos virá a esplendida coragem de sermos nós mesmos, como o francês tem
coragem de ser francês, o inglês de ser inglês, e o alemão de ser alemão?” (Lobato,
1959: 196).
Outro escritor defendido e utilizado por Monteiro Lobato na defesa de uma arte
genuinamente nacional foi Euclides da Cunha, que mostrou ao brasileiro do litoral as
riquezas das coisas inéditas que o interior possuía. De acordo com Lobato, Euclides da
Cunha revelou-nos a nós mesmos, mostrando que o Brasil era muito mais que São Paulo
e Rio de Janeiro, abrindo às artes, amplíssimas perspectivas e despertando-as para a
problemática social brasileira.
Monteiro Lobato defende outro pintor, dentro de sua linha nacionalista, cujo nome é
José Ferraz de Almeida Júnior. Pintor formado na Escola de Belas Artes do Rio de
Janeiro e com seis anos de aperfeiçoamento na Europa, mas cuja visão não fora
manchada pela ótica francesa da escola e do convívio no velho mundo. Mantivera sua
Para não exagerar na utilização das defesas de Monteiro Lobato, que aparecem em
outros capítulos, mas de maneira coerente, como foi utilizado, na Introdução, Lucio
Costa para definir estilo e história, e por serem almas tão distintas quanto diversa é a
cultura brasileira, utiliza-se, com a intenção de prestar o real valor à figura de Monteiro
Lobato, o que ele definia como estilo e como história. “História é um processo contínuo
do que se fez no passado, com o objetivo utilitário de nortear o futuro” (Lobato, 1959:
197).
Não seria necessário recorrer a Ernest Gombrich, com seu modelo artístico cumulativo,
para descobrir que produtos culturais se reajustam de tempo em tempos, de acordo com
a visão de quem os produz e por meio de uma adaptação ao novo meio em que são
produzidos (Pereira, 1997).
Aracy Amaral (1998) demonstra que alguma preocupação já havia, desde 1908, com
Gonzaga Duque manifestando inquietação em relação à arte importada e cobrando uma
postura dos artistas brasileiros em relação à arte nacional. Curioso perceber que a data,
1908, se encaixa com a referida data que Paulo Santos indica como origem do
Neocolonial no Brasil; Amaral, porém, não se detém em outros aspectos artísticos que
não a pintura ao falar de uma arte nacional; e não chega ao nacionalismo de Monteiro
Lobato. Mais curioso é notar que a autora cita a arquitetura de Ramos de Azevedo em
trecho referente às buscas de uma “arte nacional”, arquitetura, que até a entrada de
Ricardo Severo como sócio em seu escritório, era puramente eclética e acadêmica.
Oswald de Andrade, em 1915, escreve manifesto “Em prol de uma pintura nacional” e
refere-se a Almeida Júnior — pintor que Monteiro Lobato engloba num conjunto de
artistas nacionalistas —, como precursor de uma conscientização refletida na
manifestação de nacionalidade.
Talvez algumas dúvidas fiquem esclarecidas a se saber que Aracy Amaral chama de
nativismo o que Monteiro Lobato classifica como nacionalismo. Não se pretende, aqui,
vasculhar o alcance destes movimentos, no que podem abranger em semelhanças ou
recusar em diferenças; o certo, como aponta Veyne, é que quando os conceitos não
satisfazem as necessidades da compreensão a respeito de determinado assunto, tende a
ser pesquisado até sua elucidação.
Wilson Martins (1978, v.5 e v.6) nos fornece análises acerca de alguns dos artistas
citados neste capítulo. José de Alencar, o autor classifica como um regionalista e
saudosista nacionalista; a Carlos Gomes, ele chama de talento desperdiçado e
sacrificado, em função de representar na música, “o que a Sé da Bahia representava na
arquitetura no urbanismo e até na ideologia religiosa, isto é, um monumento do
passado, um obstáculo ao desenvolvimento”; de Heitor Vila-Lobos, Martins conclui:
Esta seção procura mostrar como o Neocolonial figurou durante muito tempo em
algumas publicações de importância no campo da arquitetura e se reveste de um caráter
ilustrativo, mas no sentido de demonstrar que o estilo tinha um “status” e ocupava uma
posição de destaque, pois era a linguagem escolhida para edifícios públicos, grandes
residências, clubes, concursos e projetos “econômicos”.
Até José Mariano Filho teria contribuído para restabelecer uma certa relação cultural
com o meio ambiente quando, em 7 de agosto de 1924, proferiu palestra intitulada “O
Jardim Tropical”.
09 10
FIGURAS 09 e 10 – Residência de Theodoro Braga em São Paulo, projeto de Eduardo Kneese de Mello.
Exterior e interior com motivos Marajoaras, ano de 1930.
(Fonte: The Journal of Decorative and Propaganda Arts, 1995, p. 256 e 257)
FIGURA 11 – Projeto de Fernando Correia Dias, para piscina da residência de Guilherme Guinle no Rio
de Janeiro, ano de 1930.
(Fonte: The Journal of Decorative and Propaganda Arts, p. 255)
Eduardo Kneese de Mello também fará estudos e projetos Neocoloniais (FIGURA 12),
daí, mais uma vez, percebe-se que o Neocolonial caminhava junto com outros estilos
arquitetônicos de seu período, e talvez, por isso, tenha durado tanto tempo.
Como poderá ser visto nas imagens retiradas das revistas e que se enquadram na
Segunda Fase do Neocolonial, era comum referir-se a este estilo como “estilo colonial
modernizado”, seguido quase sempre de adjetivos que o relacionavam a um padrão de
luxo e classe. Encontram-se palavras como “luxuoso”, “esmerado”, “grandioso”. Mas é
curioso que ao mesmo tempo, o Neocolonial fosse o estilo escolhido para as residências
ditas econômicas ou modernas (FIGURAS 13 e 14), o grifo é necessário em função de
fazer perceber que durante a sua Segunda Fase, o Neocolonial também passará a ser
visto como um estilo moderno, apesar de todos os “rebuscamentos”, adequado às
necessidades da vida “contemporânea” de sua época.
13
14
Embora a intenção deste capítulo não seja criar um álbum, foram escolhidas imagens
que ilustram bem como o Neocolonial era visto pelos profissionais e clientes das
décadas de 1930 até 1950, nesse sentido, as outras imagens compõem um anexo
teriam sido publicados, às vezes ocupando todo um número de revista, durante mais de
20 anos.
uma seção deste capítulo que tratasse de algumas Exposições Internacionais, onde
vemos que o Neocolonial teve papel importante ao ser a arquitetura escolhida para
representar o país.
As Exposições podem também, ser vistas sob um olhar antropológico, onde cada país
tenta oferecer panoramas diferentes do poder do homem sobre o mundo, numa tentativa
quase didática de abranger todo o conhecimento humano, organizá-lo e catalogá-lo.
Essas Exposições promoviam a comparação entre cultura e desenvolvimento técnico das
nações, onde cada uma pretendia ser sempre maior que sua antecessora. Eram ofertadas
visões que traziam de volta a idéia de natureza intocada, povos desconhecidos e tantas
outras coisas que ainda estavam para se descobrir. E nesse sentido, o Brasil, se
A arquitetura, além de seu caráter construtivo, era usada como símbolo, desempenhando
um papel representativo dos poderes sócio-político-econômicos e, preenchendo
caracteres variados nas múltiplas intenções de cada uma das Exposições, revelando o
progresso material e, nas devidas proporções, mostrando até um mal-estar dos espíritos,
contribuindo para a renovação de temas artísticos e culturais.
(...) cada estado devia mostrar não tanto a sua nova arquitetura, como
acontece hoje nas grandes mostras do nosso século, mas as que melhor
expressaram a sua história passada, foram essas arquiteturas que ofereceram
aos visitantes os momentos mais felizes, livres e fortes de um determinado
âmbito cultural e geográfico, momentos esses expressos pela arquitetura que
assim se converteu em seu máximo expoente.
O Pavilhão Brasileiro segue ainda o estilo Eclético, com pretensões monumentais. Sua
fachada principal reproduz um arco triunfal, encimado por uma altiva cúpula. As
15
16
A Exposição de 1922 não teve somente o caráter de uma vitrine dupla, onde os
visitantes do exterior conheceriam a riqueza e as potencialidades do país e onde os
brasileiros teriam a oportunidade de tomar contato com as maravilhas do estrangeiro; o
espaço tomado ao mar e ao Castelo foi também ideado para ser um espelho, onde a
cidade e a Nação pudessem buscar a imagem que verdadeiramente quisessem e
devessem projetar, a imagem do progresso, da civilização, da higiene e da beleza. Dia a
dia, no movimentado ano de 1922, o Rio de Janeiro assistiu ao espetáculo diário do
passado representado pelo Castelo se esvaindo em forma de lama pelas mangueiras
hidráulicas, enquanto que sobre o aterro resultante tomavam forma os palácios e as
avenidas.
Quando a Sete de Setembro de 1922 uma multidão de mais de 200 mil pessoas
atravessou a Porta Monumental, erguida em frente ao Monroe, e ocupou o grande
cenário, estava marcado o nascimento simbólico de um Brasil moderno, que arrasará
parte do passado de sua capital nacional no sentido de, literalmente, abrir caminho para
o progresso.
Na primeira seção deste capítulo está exposta a opinião de Lucio Costa a respeito da
Exposição de 1922, e sobre a de 1908.
FIGURA 17 – Fachada principal do projeto Neocolonial de Lucio Costa para a Exposição de 1926.
(Fonte: http://www.fau.ufrj.br/brasilexpos, capturada em 01/07/2001)
FIGURA 18 – Pavilhão brasileiro na Exposição de 1939. Projeto de Lucio Costa e Oscar Niemeyer.
(Fonte: http://www.fau.ufrj.br/brasilexpos, capturada em 01/07/2001)
19
O ano de 1939, conta também com outra Exposição Internacional em São Francisco,
onde ao contrário da tendência modernista da Exposição de Nova Iorque, a arquitetura
tenderá para um revivalismo. Nessa exposição, o pavilhão brasileiro ocupa espaço ao
lado do pavilhão italiano (seria interessante talvez aprofundar um estudo das relações
políticas e culturais ambíguas que o Brasil manteve com a França, por um lado, onde se
inspirava culturalmente e, por outro lado, na política, onde o Movimento Integralista se
aproxima do fascismo italiano; durante a década de 30).
20
FIGURA 20 – Fachada principal do Pavilhão do Brasil para a Exposição de São Francisco em 1939,
projeto do arquiteto americano Garder Dailey.
(Fonte: http://www.fau.ufrj.br/brasilexpos, capturada em 01/07/2001)
Das outras exposições não cabe mais falar, visto que a arquitetura Moderna não
constitui o objeto principal deste trabalho, e que os Pavilhões brasileiros apresentados
nas outras feiras não representam exemplares Neocoloniais de nenhuma das Três Fases
do Neocolonial. O período apresentado neste capítulo extrapola o limite estabelecido
para a Primeira Fase por exigir a investigação do dado levantado por Paulo Santos. Mas
a data de 1939 corresponde justamente ao final da Primeira Fase, cuja justificativa está
descrita no Capítulo II.
Nos capítulos seguintes, onde, os exemplares estão indicados e a discussão sobre o tema
se desenvolve, será apenas mencionada a que Fase pertence o exemplar, pressupondo
que a cada menção se aplicam as características encontradas para cada uma das Fases
trabalhadas.
A distribuição feita dessa forma tem a intenção de tornar a leitura mais dinâmica e
menos repetitiva. A não ser que algum exemplar apresente características conflitantes
com as levantadas para cada Fase específica, não haverá nenhuma discussão referente à
sua classificação; caso seja necessária, a discussão ou o esclarecimento a respeito de seu
vínculo com o período histórico e, portanto, definido a partir de agora como sendo da
Primeira, da Segunda ou da Terceira Fase, estes serão feitos logo após a citação ou
análise do exemplar.
A Primeira Fase do Neocolonial no Brasil abrange de 1914 até o ano de 1939. Esses 25
anos do cenário arquitetônico que compõem o quadro da Arquitetura Neocolonial no
Brasil podem ser caracterizados por uma erudição projetual baseada em tipos
importados que têm como base modelos arquitetônicos do norte de Portugal e tipos
inspirados na arquitetura colonial brasileira.
Embora o manifesto lançado por Gregori Warchavchik (arquiteto russo emigrado para o
Brasil, em 1923, proveniente de Roma, onde se formara três anos antes), a 1o de
novembro de 1925, em artigo publicado no Correio Paulistano, já tenha marcado de
certa forma a arquitetura nacional e, de acordo com alguns autores como Hugo Segawa,
seja um manifesto modernista, Wilson Martins (1978: 423, v.6) diz que “não é sem
razão que se chamava de international style o tipo de arquitetura introduzido por
Gregori Warchavchik em nosso país”. Portanto, não será considerada como marco a
casa da Rua Santa Cruz em São Paulo, construída em 1928. Warchavchik dizia que o
material de construção de sua época era o cimento armado, cujas exigências
Wilson Martins aponta que ainda nos primeiros anos da década de 1930, a inquietação
política, a sensação de um mundo que acabava, os impulsos modernizadores, a nostalgia
tradicionalista, a surda confrontação entre a arquitetura moderna, representada pela
primeira casa construída em São Paulo por Gregori Warchavchik, e a “casa colonial” de
José Mariano Filho, encontravam reflexos em outras expressões artísticas, por isso, não
havendo ainda uma ruptura que marcaria o Neocolonial em sua Segunda Fase, optou-se
pelo Pavilhão da Exposição de 1939, e nem pelo Edifício do MEC, nem pela casa do
arquiteto russo.
Como o Neocolonial e arquitetura moderna caminhavam juntos, nada mais justo que
reconhecer o novo edifício do Ministério da Educação, no Rio de Janeiro, como símbolo
por excelência da modernização que se faria presente desde meados da década de 1930.
A criação de um prédio para instalar uma repartição pública — cujo projeto já era, por
si só, um sinal extraordinário de desenvolvimento e mudança —, Lucio Costa (Martins,
1978: 527, v.6) pôs em evidência o sentido social das concepções e técnicas
arquitetônicas:
A Segunda Fase do Neocolonial no Brasil acontece de 1940 a 1960. Foram vinte anos
marcados por uma forte influência americana, e tem como marco final a inauguração de
Brasília, e novamente se utiliza de referências modernas para delimitar o recorte
histórico. O período cronológico proposto caracteriza tanto a fase carioca —
considerada como a segunda fase do modernismo —, como a Segunda Fase do
Neocolonial. A coincidência histórica permite, mais uma vez, afirmar que ambas as
arquiteturas se desenvolveram paralelamente, sem que a prática de uma implicasse na
não adoção de outro modelo. Os dois modelos, o Neocolonial e o Moderno, caminharam
juntos nesse período, e tomadas as devidas proporções, cada um revelaria
particularidades e romperia com o período anterior.
Como já foi dito anteriormente, o Pavilhão Modernista pode ser considerado um marco
no modernismo, que permanecerá como estilo oficial até a década de 1960 e por isso
tem Brasília como a manifestação mais importante de todo esse período. Mas apesar de
estar marcado por uma intensa produção modernista, o período também se caracterizará
pelo crescimento do Neocolonial e sua afirmação como um dos estilos utilizados pela
burguesia.
A Segunda Fase também pode ser caracterizada por uma ruptura na busca da dita
“arquitetura tradicional” ou “colonial brasileira”, os exemplares arquitetônicos estarão
mais ligados a modelos de colonização espanhola, sofrendo influências de outros países
latino-americanos; se na fase anterior os arquitetos foram buscar inspiração nas antigas
cidades do interior de Minas Gerais, da Bahia e de São Paulo, passarão a se orientar por
publicações argentinas e norte-americanas.
O arco pleno e o torreão são as duas estruturas ou os dois elementos que definitivamente
marcam a Segunda Fase do Neocolonial; os exemplares levantados em Itaparica e
Salvador não diferem dos de Belo Horizonte, nem em forma, nem em período. São
exemplares onde aparece o “alpendre” no lugar da varanda que ocupava toda a extensão
das fachadas, os chafarizes praticamente desaparecem, e elementos decorativos
estranhos à arquitetura brasileira passam a ser utilizados. Não haverá mais uma
preocupação de remeter à arquitetura portuguesa com as pinhas e nem com a arquitetura
barroca na imitação dos frontões. Acrescenta-se o falso como material decorativo e de
acabamento, ora são as imitações de pedra, ora as argamassas com textura que nunca
Em relação ao que aponta Roberto Segre, na Segunda Fase, encontra-se apenas o quarto
aspecto, ou seja, nessa Fase estará presente apenas a influência norte-americana,
exercida por uma reinterpretação dos elementos coloniais da arquitetura hispânica
encontrados no Mission Style e no Estilo Californiano; porém, no Neocolonial dessa
fase, existem exemplares que, baseados em modelos estrangeiros, compõem conjuntos
urbanos (caso de Itaparica e Salvador) de sensível coesão estilística, caracterizando
fortemente o período em que foram construídos. Ainda de acordo com a proposta de
Segre, é possível afirmar que a Segunda Fase será comum a toda a América Latina.
A proposta de uma Terceira Fase do Neocolonial faz sentido a partir das colocações de
Carlos Lemos e Edson Mahfuz, segundo as quais ainda nas décadas de 1970 e 1980, o
Neocolonial, aquele da Segunda Fase, era praticado.
Porém o simples fato dos dois autores sustentarem essa posição não permite afirmar que
a arquitetura é Neocolonial, pois muito do que a caracteriza como tal, a partir do final da
Segunda Fase, nada tem de verdadeiramente Neocolonial. Ao contrário, seria
justamente uma arquitetura de negação em relação aos princípios propostos em 1914.
Coerente com a idéia de Carlos Lemos, é o fato de realmente, toda a Terceira Fase ser
expressão de classe burguesa ao mesmo tempo em que das classes populares. Se na
Segunda Fase, os meios de divulgação e as formas de influência foram representados
pelo cinema e pelos catálogos de arquitetura, na Terceira Fase o que caracterizou a
expansão do Neocolonial, se é que podemos nos referir a ele utilizando este termo (ver
Como se verá no capítulo que trata do Neocolonial em São Paulo, Ricardo Severo era
um profundo conhecedor da arquitetura do norte de Portugal, e de acordo com Augusto
Carlos da Silva Telles (1975: 221).
22
IIPHA. Informe histórico da Escola Estadual Pedro II.
De acordo com José Mariano Filho, coube a Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, a
glória de nacionalizar a expressão barroca e jesuítica, ocorrendo mesmo, a criação de
um novo estilo arquitetônico, razão pela qual Lino não reconhece as feições dos mestres
portugueses, pois, Aleijadinho já tinha alcançado uma maneira própria de fazer sua arte.
Raul Lino, ao visitar a cidade de Ouro Preto, não escondeu a decepção que esta lhe
causara, porém observou que em Portugal não existiam templos religiosos com as
feições das Igrejas de Nossa Senhora do Rosário e de São Francisco de Assis. Se na
Europa o barroco assumiu características diversas em função do local onde era
executado, adquirindo contornos locais de gosto cultural e pessoal de acordo com o
construtor ou arquiteto, por que o mesmo não poderia ocorrer no Brasil?
Apesar de José Mariano exaltar a arquitetura barroca mineira, ele faz justiça à cultural
nordestina: “A Arte mineira é fenômeno tardio, ocorrido quando a arquitetura, a
suntuária, a pintura, e a escultura de madeira já haviam conquistado na Baía e
Pernambuco, seus postos avançados” (Mariano Filho, 1942: 127). Talvez, justamente
pelo aspecto tardio, é que a arquitetura colonial ou barroca mineira servisse de modelo
aos interessados em conhecer a antiga arquitetura brasileira, e também pelo fato citado
por Sylvio de Vasconcellos, de que pouca influência recebeu a arquitetura mineira
durante todo o século XIX, não tendo sido por isso “maculada” pela Missão Artística
Lebreton e nem ter sofrido influências das imposições de Paulo Fernandes Vianna em
1809.
Prioridade que Mello Viana demonstrou na escolha do Neocolonial para ser o estilo dos
edifícios escolares:
23
Através do conhecimento do patrimônio arquitetônico viria, entre outros sentimentos, a valorização da
cultura e o próprio reconhecimento como pessoas que partilham de valores comuns.
24
Ver MATTOS, Anibal. Bellas-artes. Belo Horizonte. Empresa Editora Minas Brasil Ltda/Imprensa
Oficial do Estado de Minas, 1923. 129p: Ensino artístico profissional, p.109-25.
25
No Io Congresso Pan-Americano de Arquitetos, ocorrido em 1920, em Montevidéu, no Uruguai, onde
foi também discutida questão de natureza educacional, onde se colocou a “necessidade da difusão dos
meios para obter uma melhor compreensão da obra arquitetônica” questão também acompanhada por
motivações ideológicas. PASSAGLIA, Luiz Alerto do Prado. A influência do movimento da arquitetura
moderna no Brasil na ocupação do desenho e na formação do arquiteto. In: Cadernos da arquitetura e
urbanismo, Belo Horizonte, no. 3. PUC-MG, maio, 1995. p.105-6.
Edifícios que na época “seja ela carência de recursos, seja pela intenção deliberada de
realizar construções demasiado singelas, que a muitos se afiguram mais convenientes
às escolas” (Silveira, 1926: 543).
Entre 1897 e 1930, toda a arquitetura feita na capital mineira enquadrava-se dentro de
concepções plásticas que iam do neoclassicismo passando pelo Art Nouveau e pelo
Chalet. Só após a revolução de 1930, fato marcante na história do País, é que
começaram a aparecer modificações na arquitetura até então adotada. Rompida a
tradição anterior, a arquitetura tomou novos rumos, voltando ao neoclássico; emergindo
na novidade de exemplares cúbicos, com feições Art Déco; adotando ares normandos ou
californianos, chegando ao bangalô, ao estilo Missões e ao Neocolonial. “A tendência à
variedade cansa, para restringir-se nova moda um tanto nacionalista de inspiração na
tradição brasileira” (Vasconcellos, 1962: 29).
26
Como no original, as palavras de Mello Vianna. Ver SILVEIRA, Victor. Minas Gerais - 1925. Belo
Horizonte. Imprensa Oficial. 1926. P.543-4. In: Levantamentos dos bens culturais do estado de
Minas Gerais. IEPHA
A despeito das influências que Minas possa ter sofrido, estas pendem para o Rio de
Janeiro, como já foi colocado, de onde também vinham arquitetos para opinar e
participar de concorrências para novos projetos, entre os quais os de grupos escolares,
onde o valor arquitetônico deveria estar presente. Entre os arquitetos de formação
carioca ou que atuaram no Rio de Janeiro, além de Luiz Signorelli, encontramos Heitor
de Mello, Francisque Cuchet e Arquimedes Memória, todos eles chegaram a projetar e
construir na capital mineira.
Em Belo Horizonte, encontramos o Grupo Escolar Dom Pedro II, originalmente Grupo
Henrique Diniz (FIGURAS 21, 22, 23 e 24), inaugurado a 02 de setembro de 1926, e a
Escola Normal do Rio de Janeiro, que foi construída entre 1926 e 1930, talvez a maior
expressão em termos de edificação escolar Neocolonial — “o prédio é um exemplo de
27
A Secretaria Municipal de Cultura de Belo Horizonte exige que todo imóvel existente dentro do
perímetro da Avenida do Contorno, localizado no traçado original da cidade, em alguns bairros mais
antigos, como Floresta, Santo Antônio e Sagrada Família, ou classificado como objeto de valor histórico
ou artístico, tenha um registro Histórico Documental onde ficará registrada a história do imóvel até o
momento, com levantamento fotográfico, documentação, projetos originais e relatos de antigos
moradores, reconhecendo e justificando o período artístico e ou histórico ao qual pertence o imóvel.
21
FIGURAS 21 e 22 – Fachada Principal do Grupo Escolar Dom Pedro II, situado à Avenida Alfredo
Balena.
(Fotos: Jonas Abreu Schettino)
22
26
27
FIGURA 26 – Pátio interno, onde se observam elementos plásticos e combinação de volumes na
conformação de um típico espaço Neocolonial.
FIGURA 27 – Detalhe da fachada lateral.
(Fotos: Jonas Abreu Schettino)
Princesa Isabel, além do forro, que infelizmente não resistiu ao tempo, de autoria de
Aníbal Pinto de Matos. Era uma pintura a óleo, executada no Rio de Janeiro com a
participação do pintor Argemiro Cunha, que trazia a representação do Cruzeiro do Sul e
da Bandeira Nacional erguida por um adolescente em companhia de um grupo de
crianças carregando faixas coloridas e flores. Aqui está clara a intenção de Aníbal de
Matos em unir a beleza ao reconhecimento da nacionalidade.
28
Outra imagem que ilustra um elemento muito característico encontrado em vários dos
exemplares Neocoloniais é a do chafariz, presente também no Grupo Escolar Pedro II
(FIGURA 29).
30
31
32
33 34
Embora não sejam Neocoloniais, dois projetos, também de Defranco, do ano de 1933,
localizados em terrenos próximos ao projeto citado da Rua Marechal Deodoro, no bairro
Floresta, exemplificam o que pode ser classificado como Neocolonial simplificado, ou
“modernizado”, de acordo com projetos semelhantes encontrados na revistas da época
(FIGURA 35). Além de mercarem prática muito utilizada por vários arquitetos na época,
entre outros, Francisco Farinelli, os projetos “de casas gêmeas” eram comuns e no caso
dos exemplos trazerem elementos estilizados que marcaram o repertório arquitetônico
das décadas de 1930 e 1940, em Belo Horizonte.
35
36
FIGURA 36 – Projeto de Carlos Santos, já demolido, situava-se na Rua da Bahia com Rua Gonçalves
Dias.
(Fonte: Imagem digitalizada de microfilme disponível na Prefeitura de elo Horizonte).
39 40
41 42
FIGURAS 37, 38, 39, 40, 41 e 42 – Respectivamente Prédio I, Vista da arcada e do Pátio Interno, Prédio
II, Prédio VI, Prédio III e Prédio VII.
(Fotos: do autor)
(...) inteligente architecto sr. Roberto Magno de Carvalho [...], para serem
construídos no Estado pelas Estradas de Ferro Central e Oeste de Minas,
algumas gares em estylo neo-colonial, de elegante e attrahente aspecto. Haja
vista, entre outras, a formosa planta para a estação do Oeste em Uberaba.
(Silveira, 1926: 544).
Se Sylvio de Vasconcellos não apóia a Neocolonial, pelo menos reconhece que este
pareceu também em Ouro Preto e floresceu em todo o continente americano:
Ainda sobre Ouro Preto, teríamos, caso não tivesse sido substituído pelo projeto
moderno de Oscar Niemeyer para o Grande Hotel de Ouro Preto, um hotel Neocolonial,
projetado pelo arquiteto Carlos Leão, onde o contraste entre o momento e o passado era
diminuído.
43
44
FIGURAS 43 e 44 – Prédio do antigo liceu de artes e o prédio depois da remodelação que lhe deu feições
Neocoloniais.
(Fonte: Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n. 22, 1987, p. 111).
45
FIGURA 45 – Casa à Rua Fernandes Tourinho. A vedação da varanda remete aos muxarabis utilizados na
arquitetura colonial, bem como o revestimento externo em azulejo.
(Foto: do autor)
28
A utilização do Neocolonial por uma classe social mais abastada era forma de se apoiar em valores que
expressavam um passado que não teve lugar numa cidade como Belo Horizonte, devido em parte, à sua
idade e ao total desprezo da arquitetura que ocupava o sítio onde a cidade foi projetada.
FIGURAS 46 e 47 – Casa à Praça do Papa, Bairro das Mangabeiras, início da década de 1980. Percebe-se
a utilização dos mesmos elementos utilizados no Neocolonial, varanda e vãos em arco, telhas
arrematando os beirais do telhado, mas sem observar as proporções.
(Fotos: Jonas Abreu Schettino)
48 49
FIGURAS 48 e 49 – Casa à Rua Coronel Murta, Bairro Mangabeiras, Projeto de Renzo Salles, final da
década de 1970. Os elementos fazem uma referência ao Neocolonial, mas sem proporção. No detalhe em
foco, a utilização de muxarabis nas varandas do fundo da casa.
(Fotos: Jonas Abreu Schettino)
Dentro desta concepção encontramos outro exemplar (FIGURA 50) que localizava-se à
rua da Bahia, quase de esquina com Rua Gonçalves Dias, já demolido, onde
percebemos, que depois de 1940, as casas se tornam mais abertas, as salas crescem em
tamanho e se conjugam, os ambientes são mais amplos, as paredes mais transparentes,
(...) de pelo menos uma peça que atenda às reminiscências de hábitos antigos:
é o quarto de costura, que na realidade, é o quarto de bagunça, uma espécie
de ‘play-room’ americano, onde se faz tudo o que não pode ser feito nas
demais peças da construção e onde se reúnem todos os ‘guardados’: costurar,
estudar, brincar, roupa velha, embrulhos, etc. (Vasconcellos, 1962: 32).
50
A intenção deste Capítulo é mostrar que, assim como em Belo Horizonte, o Neocolonial
foi amplamente construído na Capital Baiana e também na cidade de Itaparica,
chegando a ocupar bairros inteiros e, portanto, possuindo importância dentro do
processo histórico da arquitetura e do urbanismo dessas duas cidades. Mais do que
descritivo, o Capítulo tem por finalidade demonstrar como o Neocolonial fez parte do
repertório arquitetônico utilizado por engenheiros e arquitetos, e inserir a arquitetura
baiana, desse período, no mesmo processo de relações que envolveram toda a discussão
Neocolonial do resto do Brasil.
O exemplo acima ilustra bem o processo pelo qual a arquitetura cumpriria um papel de
afirmação da classe dirigente de Salvador, afirmando o caráter de identidade e coesão
dos que ocupariam a região do Bairro da Graça e do Corredor da Vitória, entre 1890 e
1930. O Neocolonial foi escolhido para unir identidade e aspirações culturais e
econômicas.
Em 1925, o Palácio da Vitória, onde se localiza o atual Museu de Arte da Bahia, teve
iniciada a sua construção seguindo o modelo Neocolonial. O projeto é do engenheiro
Francisco Lacerda, e teve como colaborador o então governador da Bahia, Francisco
Na edificação pode-se sentir tal apuro plástico e cuidado na reutilização das peças, que
para os desavisados, o edifício parece original. Mas não foge à atenção de um bom
observador que os frontões recurvados das platibandas e as janelas, não poderiam ser de
1674, data que está registrada na portada do prédio.
Em 1925, em Minas Gerais, eram incluídos os bens móveis como objetos que deveriam
ser preservados, além das viagens de Dario Coelho e J. Retes para catalogar a arte
barroca das cidades do interior; no mesmo ano, Francisco Calmon — talvez antevendo o
que aconteceria anos mais tarde, em 1937 com a criação do SPHAN — tenha se
preocupado em preservar elementos que julgava possuidores de valor artístico. Nessa
mesma época, o Governador de Minas Gerais, Mello Vianna, mandava que os edifícios
escolares fossem construídos seguindo os ditames Neocoloniais. O Palacete da Vitória
fora construído inicialmente para abrigar a Secretaria de Educação e Saúde do Estado da
Bahia, o então Governador da Bahia acaba fazendo o mesmo que Mello Vianna, ao
empregar o Neocolonial como um estilo que valorizaria a cultura, preservaria a
memória e por isso mesmo serviria a um edifício público destinado justamente à
educação.
Não foi encontrada uma ligação entre os engenheiros e arquitetos dos dois edifícios com
Ricardo Severo ou José Mariano, mas como já foi apontado no trecho de Wilson
Martins, que define 1912 como decisivo na Bahia, pela discussão que a demolição da Sé
iria causar, não é de se estranhar que o Neocolonial também em Salvador estivesse
ligado à classe dirigente. Tanto Catharino como Góes Calmon ocupariam, entre outros,
uma posição de destaque devido à preocupação de preservar a cultura baiana.
51
FIGURA 51 – Imagem do antigo edifício que atualmente abriga o Museu de Arte da Bahia.
(Fonte: Imagem digitalizada de cópia xerox de fotografia, fornecida pelo Museu)
Na imagem atual do edifício (FIGURA 52) podem ser reconhecidos as colunas torsas, os
acabamentos e os frontões que marcam os pares de janelas. Entre os elementos
decorativos encontram-se compoteiras, esferas, cartelas, azulejos e suportes. A
composição simétrica da fachada privilegia a porta principal e a sacada no segundo
pavimento, além de ter integrado à edificação, a portada do século XVII.
52
FIGURA 52 – Imagem do antigo edifício que atualmente abriga o Museu de Arte da Bahia.
(Foto: Cláudia Prates Públio, 2002)
53
A casa (FIGURA 54) situada à Rua Doutor Praguer Fróes esquina com César Zama, na
Barra, apresenta-se como os modelos encontrados nas Publicações de que trata o
Capítulo I, seção 1.2. É um modelo que se destaca pelo volume. O edifício já sofreu
alterações ao longo de sua história, mas a platibanda trabalhada como se fosse um
54
Também na Barra, esse outro exemplar (FIGURA 55) localiza-se na Rua Engenheiro
Milton Oliveira, num parcelamento que começou a ser ocupado no início de 1940. Aqui
são encontradas as mesmas esquadrias diagonais características do exemplo anterior,
inclusive o gradil é em diagonal. Os arcos característicos da Segunda Fase são
evidentes, mas a composição é simplificada.
55
56
Os próximos três exemplares (FIGURAS 57, 58 e 59) situam-se todos no bairro Parque
Cruz Aguiar, um local que estava vazio em 1944, mas totalmente ocupado em 1947, o
que permite afirmar que todos os exemplares encontrados aí foram construídos durante
esse período de 3 anos. Além das esquadrias, dos balcões, do uso de azulejos e de
texturas, os três exemplos caracterizam a casa com torreão, que nesse caso específico,
reflete a caixa de escada que dá acesso ao segundo pavimento. Note-se que o torreão,
característico da Segunda Fase do Neocolonial aparecerá também em construções
térreas, possibilitando sua colocação entre os elementos do estilo depois de sua
57
58
59
FIGURAS 57, 58 e 59 – Casas situadas no encontro das ruas Jequié, Alagoinhas e Feira de Santana, no
Parque Cruz Aguiar.
(Fotos: Cláudia Prates Públio, 2002)
60 61
FIGURA 60 – Casa situada no encontro à Rua Itabuna 26, no Parque Cruz Aguiar.
FIGURA 61 – Detalhe da beira-sobre-beira.
(Fotos: Claudia Prates Públio, 2002).
Em Itaparica, “os Casarões”, como são denominados pelas pessoas que vivem na
cidade, foram todos construídos durante a década de 1950. De acordo com Ubaldo
Osório (1979: 11): “em 1951, estando Régis Pacheco, no governo da Bahia, conseguiu
que o Prefeito Walfrido Luiz, desse começo à reconstrução da paisagem urbana
mutilada, pelos bárbaros, nas suas investidas contra a cidade centenária”. A referida
reconstrução se deve ao fato do Plano de Urbanização de 1931, o “Plano Terremoto”,
não ter respeitado a memória da antiga cidade, cortando o traçado original em largas
avenidas que se cruzavam perpendicularmente, imprimindo um ar de ostentação que era
inútil à pequena cidade.
62 63
64 65
66
Uma casa térrea localizada na Rua da Prefeitura (FIGURA 68), caracterizada pela
implantação que Nestor Goulart Reis classifica como sendo da primeira metade do
século XIX, deve ter sofrido alteração de sua fachada durante a década de 1950, quando
toda a cidade sofreu um avanço modernizador. Os elementos de composição
Neocolonial foram utilizados para transmitir o caráter “contemporâneo” da época.
A antiga Escola Carneiro Ribeiro foi construída pelo Engenheiro Eunápio Peltier de
Queiroz na gestão do Prefeito Walfrido Luiz, em 20 de junho de 1954. No edifício, o
torreão funciona como elemento de união dos blocos e de onde o fluxo se divide;
69
FIGURAS 69e 70 – Atual Mercado Carneiro Ribeiro, ênfase dada ao torreão Neocolonial.
(Fotos: do autor, 2002)
70
Para Ricardo Severo, a tradição é a sustância que “envolve a alma dos povos” (Severo
1916: IX). Só a partir do estudo histórico, da busca pelas origens, do conhecimento da
formação de sua natureza, é que o Brasil poderia definir histórica e politicamente a sua
nacionalidade. Ele considerava arte como um processo constante de criação, onde a
inspiração, o aprendizado, não estava somente nas obras dos grandes mestres, mas
também nas artes mais elementares. Como considerava a Arquitetura “de todas as artes
a que tem em mais alto grau o caráter eminentemente social” (Severo, 1916: 4), nada
mais claro que buscasse, justamente na arquitetura colonial, os elementos para
constituir, artisticamente, uma manifestação de caráter nacional. Na arquitetura ficam
impressas as manifestações de todos os tempos, indicando as características da
formação e a tradição do povo de todas as épocas. No sentido de conhecer a arquitetura
que julgava como correta para servir de base às suas propostas, ele manda fazer um
levantamento fotográfico da arquitetura antiga do Rio, da Bahia, de Pernambuco, de
Minas e de São Paulo (Fabris, 1987).
Foi essa “Arte Tradicional” que o arquiteto propôs resgatar e fazer surgir em sua
palestra de 1914. E ao que parece, ele conseguiu, pois não faltariam seguidores,
principalmente na Primeira Fase do Neocolonial, na busca pelas origens e na
representação do sentimento de identidade através da arquitetura.
Aos que criticam Ricardo Severo por falar de origens e se remeter à arquitetura colonial,
e não à arquitetura indígena, como o elemento original e basilar da arte brasileira, ele
justifica, explicando que a arquitetura indígena produziu modelos universais dos povos
que tinham o mesmo estado de cultura, sem, no entanto rebaixar ou menosprezar a
cultura indígena brasileira, pelo contrário, ele ressalta que os elementos gráficos e
representativos dos índios serviam a pequenos artigos utilitários e decorativos. Justifica
também que não seria correto buscar nos povos pré-colombianos os elementos de uma
cultura brasileira, visto que estavam longe do quadro histórico e geográfico de nosso
país.
Passaglia acrescenta que além daquela Conferência, Severo teria feito uma série de
outras conferências: “(...) realizadas em 1914 e 15 na Sociedade de Cultura de São
Paulo e a proferida no Grêmio Politécnico de São Paulo em 1916; onde as idéias
levantadas [...] são relacionadas à crítica do ecletismo e à correspondente reação
nacionalista e a moderna corrente de tradicionalismo, acrescidas de tese sobre a
relação entre a arte e o caráter nacional” (Passaglia, 1995: 95). Passaglia relaciona
Ricardo Severo à referência de Euclides de Mattos ao “movimento de arte tradicional
brasileira proveniente de São Paulo” (Mattos, In: Passaglia, 1995: 95).
O que ele coloca como “reivindicações modernas” eram as mesmas práticas do antigo
colonial brasileiro, que passaram a ser mais conhecidas e valorizadas a partir do
Neocolonial.
29
Ornamentos, enfeites.
abrindo um campo ainda não explorado que ao mesmo tempo ficava fora da área de
atuação dos construtores estrangeiros, tanto por falta de conhecimento da arquitetura
brasileira como por desconhecimento da arquitetura portuguesa.
71
FIGURA 71 – Residência de Rui Nogueira, Rua Groelândia, São Paulo, projeto do Escritório de Ramos
de Azevedo. Cerca dos anos 30.
(Fonte: Livro Arquitectura Neocolonial: América Latina, Carie, Estados Unidos , p. 253)
Independente dessa questão, o certo é que, como aponta Carlos Lemos, Ricardo Severo
conhecia o caminho que trilhava:
72
FIGURA 72 – Residência de Numa de Oliveira, cerca de 1917-18, talvez o mais antigo projeto de
Ricardo Severo em estilo Neocolonial. Fachada principal.
(Fonte: Livro Ecletismo na arquitetura brasileira, p. 91)
30
Nem Carlos A. C. Lemos no texto El estlo que nunca existió. p. 151, e nem Lauro Cavalcanti no livro
As Preocupações do Belo, p. 47: dizem quem é o “rei do café”. Mas observando que Cavalcanti aponta
a esposa de Ricardo Severo, Francisca Dumont, como irmã de Alberto Santos Dumont e também Lemos
faz esse apontamento, pode-se pensar que o “rei do café” tenha sido o pai de Francisca e de Alberto, o
engenheiro Henrique Dumont.
Assim como nas outras residências construídas por Severo (FIGURA 74), nessa apareciam
elementos da arquitetura civil portuguesa dos séculos XVII e XVIII, extremamente
relacionados às construções do norte de Portugal:
(...) varandas sustentadas por simples colunas toscanas, planos com largos
beirais, feitos de telhas-canal e tendo os vértices, uma telha em forma de
pluma virada para cima (lembrando a moda do exotismo chinês no Século
das Luzes), rótulas e muxarabis 31 de longínqua origem muçulmana 32,
azulejos fabricados diretamente no Porto recobrindo as paredes das varandas.
Na casa de Numa de Oliveira, o azulejo tinha um uso bastante original — que
surgira rapidamente como um tema especifico da arte colonial — pois havia
31
“A rótula ou adufa (grade feita de reixas ou tiras paralelas de madeira, em duas ordens, sendo
geralmente a da face interna em vertical, e a do exterior em diagonal formando espinha, ou
simplesmente cruzadas em aspa) era aplicada em sacadas, varandas, portas, postigos e também como
divisão interna [...]. O muxarabiê ( ou muxarabi) era sempre postiço, apoiado à sacada e preso aos
esteios da janela”. Ver páginas 305 e 307 do livro Arquitetura Civil I.
32
Origem que remonta também às influências sentidas no Brasil durante o período colonial, sendo
elemento presente em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Minas Gerais, até a vinda da Corte Portuguesa.
A passagem a seguir mostra algumas das práticas no sentido de dar um ar europeu à arquitetura
colonial. “Evidentemente não havia motivo para o furor com que os modernistas se levantaram no
Brasil, nos começos do século XIX, contra as rótulas e urupemas tradicionais, senão nos preconceitos
de moda que os animavam a procurar dar às casas ar tanto quanto europeu, isto é, francês e inglês,
embora com sacrifício da harmonia da arquitetura com o clima e com as condições de vida no
trópico”. Arquitetura Civil 1.p.66.
Ricardo Severo teria patrocinado viagens de José Wasth Rodrigues pelo Brasil,
buscando informações, copiando documentos e registrando modelos e elementos da
arquitetura antiga, do período colonial brasileiro. Dessas viagens nasceu o inventário
que guarda fielmente soluções construtivas e elementos decorativos de uma arquitetura
em desaparecimento. Segundo Carlos Lemos, a intenção de tal “Documentário
arquitetônico” seria a de recolher informações “que pudessem ser utilizadas por
arquitetos modernos pouco viajados e carentes de informação a respeito. Antes de
praticar o estilo, era necessário conhecê-lo.” (Lemos, In: Amaral, 1994: 153)
33
Telhado do qual encontramos referência em Vauthier e Severo: “Vauthier refere-se ao telhado de
beiral arrebitado que na época de sua residência no Brasil começara a desaparecer da arquitetura
urbana mas conservava-se na suburbana e na rural. Era o telhado ‘colonial’ de telhas cilíndricas e
com largos beirais, de quatro planos ou ‘águas’, Ricardo Severo diz Ter sido ‘solução perfeita’ para
um país de sol como o Brasil. Com o ‘seu amplo beiral imita a copa das árvores frondosas,
ensombrando as fachadas, geralmente de pouco pé direito, em uma atitude protetora e hospitaleira’,
escreve Severo desse tipo antigo de telhado (...)”. Arquitetura Civil I. p. 71.
34
Acompanha nota de Bruand dizendo que: “Na casa de Numa de Oliveira, o azulejo tinha um uso
bastante original ( que surgira rapidamente com tema neocolonial) pois havia uma decoração floral em
azul e branco no avesso das telhas dos beirais do telhado”. BRUAND, Yves. Arquitetura
contemporânea no Brasil. Tradução de Ana M. Goldeberger. São Paulo. Editora Perspectiva, 1981.
p. 53.
FIGURA 74 – Residência na Rua Taguá, 1917-24, São Paulo. Projeto de Ricardo Severo.
(Fonte: Livro Artes Plásticas Na Semana de 22, p. 77)
Outro arquiteto que contribuiu para o Neocolonial em São Paulo foi Victor Dubugras 36,
francês emigrado na Argentina, que se instalou em São Paulo em 1891. Dubugras
trabalhou no escritório de Azevedo e Severo, adotando o estilo após a campanha de
Ricardo Severo iniciada em 1914. Para Yves Bruand, o arquiteto viu no estilo outra
possibilidade, além do Art Nouveau, que estava se esgotando (Bruand, 1981: 53).
O Neocolonial praticado por Dubugras era diferente do praticado por Severo, não
rompia com seus estilos anteriores, recriava e inventava, sem preocupações com
referenciais históricos de autenticidade. O arquiteto franco-argentino utilizará toda a sua
criatividade num Neocolonial reinventado, que se tornou específico de sua produção
arquitetônica.
35
Não foi encontrada nenhuma referência a qualquer movimento na arquitetura ocorrido nos anos de
1957-58.
36
Cabendo a Dubugras o papel de executor do Neocolonial e a Severo o papel de ter teorizado o estilo.
Ver LEMOS, Carlos A C. O ecletismo em São Paulo. p. 91. In: FABRIS, Annatereza, (Org). Ecletismo
na arquitetura brasileira. São Paulo. Editora Nobel. Editora da USP, 1987.
FIGURAS 75 e 76 – Rancho da Maioridade, Serra do Mar, Estado de São Paulo, projeto de Victor
Dubugras, cerca de 1922-26.
(Fonte: FIGURA 75 – As Artes Plásticas na Semana de 22, p. 82. FIGURA 76 – Livro Arquitectura
Neocolonial América Latina, Caribe, Estados Unidos, p.162)
77
FIGURA 78 – Largo da Memória. Projeto de remodelação feito por Victor Dubugras em 1919.
(Fonte: Foto de Cristiano Mascaro. In: Veja, edição 1470, p. 113).
79 80
81 82
FIGURAS 79, 80, 81 e 82 – Monumentos projetados por Victor Dubugras para homenagear a
Independência em 1922, localizados no Caminho do Mar.
(Fone: http://www.abcdaecologia.hpg.ig.com.br/serrarancho.htm, imagens capturadas em 05/07/2001)
Em São Paulo, a Semana de Arte Moderna de 1922 teve os arquitetos Antônio Garcia
Moya e Georg Przyrembel convidados a participar; mostrando uma “arquitetura
moderna” eles apresentaram trabalhos de influência maia e “Neocolonial” com
características do estilo californiano. Na realidade, a arquitetura esteve quase ausente do
Movimento, mas nem por isso ficava menos próxima das posturas modernistas.
Defendiam, o Neocolonial e o Movimento Moderno, uma atitude nacionalista e se
reconheciam como reação ao academicismo que determinava valores alheios ao
ambiente brasileiro. A modernidade se expressava, na arquitetura, pelo Neocolonial, era
a tradição como inspiração do moderno.
84
FIGURAS 83 e 84 – Mausoléu e Monumento (ou Templo) produzido por Moya, em 1920 e expostos na
Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo.
(Fonte: Livro Artes Plásticas na Semana de 22, pp. 153-155).
Por sua vez, o arquiteto polonês Georg Przyrembel, que tinha chegado ao Brasil entre
1912 e 1913, conhecia muito bem a arquitetura e a arte barroca do interior mineiro, e
apresentou o projeto de sua casa para a Praia Grande no litoral paulista. Aracy Amaral
classifica o projeto como “colonial afrancesado” ou um “estilo francês com detalhes
coloniais” (FIGURA 85). Przyrembel pode não ter causado a mesma sensação que Moya,
mas, no entanto ele deixou uma série de projetos, como a estação de trem de Santos
(FIGURA 86) e igrejas espalhadas pelo interior e na Capital do Estado de São Paulo,
86
87 88
37
Ver LEMOS, Carlos A C. El estilo que nunca existió. p. 159. In: AMARAL, Aracy, (Org).
Arquitectura neocolonial: America Latina, Caribe, Estados Unidos. Traduzido pelo Autor. São Paulo:
Memorial/Fondo de Cultura Económica, 1994. 33p.
Para Carlos Lemos: “Na prática, em São Paulo, o Neocolonial foi realizado em todos os
níveis, por arquitetos de qualidade, pelos mestres de obra e pelo povão. Cada um
expressou à sua maneira e todos criaram suas soluções (...)”, desenvolvendo-se em
duas correntes, uma “erudita” e outra “simplificada” (Lemos, In: Fabris, 1987: 95)
(FIGURA 89). Em São Paulo o Neocolonial foi realizado em todos os níveis e todas as
suas Fases.
38
(Azevedo, In: Amaral, 1994: 150). Ao mesmo tempo em que o autor aponta a intenção da Arquitetura
Moderna de se estabelecer e impor valores, ele acaba por valorizar no Neocolonial essa característica de
não imposição.
FIGURA 89 – Casa paulistana da década de 1920, onde os elementos Neocoloniais são usados para
compor uma arquitetura classificada por Lemos como popular.
(Fonte: Livro Ecletismo na arquitetura brasileira, p. 96)
Durante estes anos, não existiu no Rio o caráter sistemático das demolições e também,
ao contrário de São Paulo, no Rio de Janeiro, existia uma elite intelectual que tomou
consciência do valor dar artes do passado, fazendo com que o Neocolonial se
desenvolvesse como um movimento erudito. Movimento que encontrou espaço no meio
que começava a abandonar o Ecletismo e ao qual se ligavam sentimento de
independência não apenas política.
Como no caso de São Paulo, ao falarmos do Neocolonial no Rio de Janeiro temos que
nos referir às pessoas que o praticaram.
Embora Mello tenha morrido em 1920, no seu currículo constavam entre 80 projetos,
sete em estilo Neocolonial. Estilo também usado pelos arquitetos auxiliares dele,
Archimedes Memória e Francisque Cuchet; dos quais temos o atual Museu Histórico
39
Nacional — obra Neocolonial da Exposição Internacional do Rio de Janeiro em
1922 —.
Outra pessoa importante para o Neocolonial no Rio de Janeiro foi José Mariano
Carneiro da Cunha Filho, médico de formação o que não o impediu de ser o maior
defensor e a figura de maior influência na defesa do Neocolonial. Crítico de arte e
teórico, foi o mecenas, “a alma do movimento e seu virtual chefe a partir de 1919-20”
(Santos, 1977: 99), que influiu de maneira decisiva para a arquitetura tradicional, “como
ele mesmo preferia denominá-la” (Telles, In: Amaral, 1994: 238), tivesse maior
destaque no Rio do que em São Paulo.
Sua atuação aconteceu entre 1920 e 1940, sendo mais marcante nos anos 20. Fundou o
Instituto Brasileiro de Arquitetura em janeiro de 1921 e criou o prêmio Heitor de Mello
“destinado a incrementar os estudos preliminares visando a criação de um tipo de
arquitetura nacional, inspirada diretamente no estilo das construções sacras e civis
feitas no Brasil durante o período colonial” (Bruand, 1981: 56). Bruand faz um valioso
39
“Em princípio, não passava da restauração do antigo arsenal de 1762, mas na realidade foi feita uma
reconstrução completa, onde os arquitetos demonstraram grande liberdade de interpretação e um
conjunto muito bem resolvido, cujo principal atrativo é seu jogo cromático [...]. Aliás, a reabilitação da
cor foi uma das contribuições indiscutíveis do estilo neocolonial, primeira manifestação de uma
tendência que mais tarde será encontrada na arquitetura ‘moderna’ local”. BRUAND, Yves.
Arquitetura contemporânea no Brasil. Tradução de Ana M. Goldeberger. São Paulo: Editora
Perspectiva, 1981. p. 56
90
FIGURA 90 – Projeto vencedor do Concurso Casa Brasileira, de Nerêo Sampaio e Gabriel Fernandes.
(Fonte: Livro Arquitectura Neocolonial: America Latina, Caribe, Estados Unidos, p. 218)
91
93
FIGURAS 92 e 93 – Desenho do projeto do Pátio Menor e vista da Fachada Principal da antiga Escola
Normal, atual Instituto de Educação do Rio de Janeiro.
(Fonte: Livro Arquitectura Neocolonial: America Latina, Caribe, Estados Unidos, p. 247)
Dos arquitetos cariocas, Lucio Costa foi o que mais se destacou e que melhor uso fez do
Neocolonial, ele “percebeu que a adoção de um ‘estilo’ não estava para resolver os
problemas” (Bruand, 1981: 58).
A partir de sua disputa com José Mariano pela Direção da Escola Nacional de Belas
Artes e pela reforma do ensino na instituição, Lucio Costa passa a criticar claramente o
Neocolonial, mas não deixa de reconhecer a necessidade do conhecimento da
arquitetura colonial na formação dos arquitetos. Costa fez o que Ricardo Severo iniciara
quase 20 anos antes, propondo o resgate do conhecimento histórico através do estudo da
arquitetura; e o que os quatro primeiros Congressos Pan-americanos de Arquitetos
também objetivaram.
O arquiteto carioca negava o início de sua formação profissional, mas já tinha implícitas
em suas produções toda a bagagem constituída durante o aprendizado da arquitetura
colonial e pelos “equívocos neo-coloniais”, como ele mesmo se refere aos seus projetos
dentro do Movimento. Ele esqueceu que o Neocolonial o ajudou a romper com os
limites da criação e produção acadêmica, porém no fundo, ao condenar o Neocolonial,
ele condenava também o falso moderno e o alheamento dos artistas e arquitetos de sua
época.
95
FIGURAS 94 e 95 – Projeto de Lucio Costa e vista da Residência de Ernesto G. Fontes, Rio de Janeiro,
1930.
(Fonte: Livro Lucio Costa: registro de uma vivência, p.57 e 59)
Lucio Costa classifica o projeto para Ernesto Fontes como eclético acadêmico, mas é
puramente um projeto Neocolonial.
97
No ano de 1931, a arquitetura vai assistir uma polêmica nos jornais e revistas do Rio de
Janeiro, onde ficaram registrados os argumentos de “defesa e acusação” de ambas as
partes, uma que continuava a defender o Neocolonial, a de Mariano, e a de Costa, que
pregava uma mudança de olhar sobre a arquitetura que a levaria para um novo caminho.
Augusto da Silva Telles (In: Amaral, 1994: 241-2) expõe que a polêmica era entre as
doutrinas defendidas pelos dois mais do que entre suas pessoas; acrescenta que as
críticas de Mariano, num primeiro momento, atacavam Lucio Costa por sua atuação
como diretor da Escola Nacional de Belas Artes, e tornaram-se, num segundo momento,
racistas, assim denominadas por Telles, quando Le Corbusier é chamado de “judeu
errante” e acusado de introduzir uma “arquitetura comunista” que destruía a tradição
40
nacional . O autor também vê racismo no fato de José Mariano ter proposto o
Neocolonial em oposição ao Ecletismo, só tendo se esquecido que Corbusier partilhava
40
Paulo Santos afirma a mesma coisa, só que sem a carga racista proposta por Augusto da Silva Telles
(In: Amaral: 1994 118).
99
FIGURAS 100 e 101 – Residência de Castro Maya no Rio de Janeiro. No detalhe um sino da época do
Império incorporado à edificação.
(Fonte: The Journal of Decorative and Propaganda Arts, pp. 132-33)
UNIDOS
De acordo com Kátia Baggio (1999), as semelhanças entre o Brasil e os outros países da
América Latina, devido ao seu passado colonial, ocasionaram trajetórias parecidas em
cada país.
Ramon Gutierrez (1997) cita que a partir de 1906 já existem obras que podem ser
consideradas Neocoloniais, porém não foram encontradas imagens de nenhum dos
exemplares indicados pelo autor, que poderiam permitir uma analogia entre a produção
arquitetônica mexicana anterior a 1914 e a brasileira a partir dessa data.
A liberdade criadora mostrava uma cultura que não era cópia da cultura européia, e
sendo livre culturalmente, o país poderia tornar-se livre politicamente.
Não foram encontradas referências que permitam relacionar Ricardo Severo, Raul Lino
ou José Mariano a nenhum dos arquitetos que praticou o Neocolonial nos outros países
Nos países da América Latina, a confusão e a convivência com o Mission Style, com o
Bangalô, e com o Californiano, também aconteceu como no Brasil, com o acréscimo de
que em muitos desses países surgiram outros estilos que resgatavam uma cultura
anterior ao período colonial. A ruptura com o academicismo esteve presente e envolveu
a questão Neocolonial em quase toda a América Latina, porém, desenvolveu-se de
maneira diferente em cada um dos territórios, seja devido a questões políticas, artísticas
ou culturais.
País de grande extensão terrestre, que sofreu influências de culturas diversas (Ver Mix,
1954: 140) terá o desenvolvimento do Neocolonial de maneira distinta. Na Costa Leste
se desenvolveria um estilo mais ligado à colonização inglesa, o “Revival Georgiano” e o
“Estilo Inglês”. Na Costa Oeste, ligado à colonização espanhola, encontram-se, entre
outros, o “Estilo Missões”, o revival “Colonial Espanhol”, e o “Estilo Pueblo”.
Encontra-se também o “Bangalô”, que se desenvolveria em todo o território
apresentando pequenas nuances regionais.
102 103
FIGURAS 102 e 103 – Casa na Rua Principal, Tucson, Arizona. Projeto de Henry Trost, cerca de 1905.
Clube Feminino de La Jolla, Califórnia, Projeto Irving Gill, 1913.
(Fonte: Livro American architecture since 1780, pp. 214-5)
É um estilo que tem nos arcos e no tipo de cobertura suas principais características. Os
arcos podem ser plenos ou segmentados, aparecendo, às vezes, os dois tipos
combinados. Há uma ausência de molduras e no máximo a imposta é marcada por uma
cornija, O telhado de baixa inclinação é, às vezes, escondido por platibandas de perfil
curvilíneo. Existe uma ausência de ornamentação, as paredes são lisas e os torreões
recebem cobertura de telhados piramidais ou de cúpulas.
O Estilo Missões foi um grande sucesso popular, sendo classificado como uma
arquitetura original onde as formas apresentam grande clareza. O estilo serviu muito
bem para residências e edifícios públicos, sendo uma expressão de sentimento
Californiano.
O revival “Colonial Espanhol” (FIGURAS 104 a 107) apresenta como características o uso
de arcos e de coberturas com telhas cerâmicas, presentes também no Estilo Missões,
distinguindo-se por apresentar uma ornamentação decorativa; várias texturas aplicadas
nas paredes; edifícios com ausência completa de arcos (o que não aconteceria na
Era neste estilo que a arquitetura Barroca e Mexicana se adaptavam ao moderno, tendo
como inspiração os monastérios e igrejas feitas pelos Franciscanos. Os motivos
Churriquerrescos e Platerescos (Ver Boltshauser, 1969: 2557-9), usados com
competência por alguns arquitetos, evoluiu para uma arquitetura menos individualizada
e com ornamentação menos presente. Em alguns projetos se encontra com harmonia o
pictórico e uma grande qualidade arquitetônica.
104 105
106 107
FIGURAS 104, 105, 106 e 107 – Tribunal do Condado de Santa Bárbara, Santa Bárbara, Califórnia,
Projeto de William Mooser e Co., 1929. Casa Neff, San Marino, Califórnia, Projeto Wallace Neff, 1929.
Escola Preparatória Brophy, Phoenix, Arizona, Projeto de John R.Kibbey, 1928. Casa Sherwood, La
Jolla, Califórnia, Projeto de George Washington Smith, 1925-28.
(Fonte: Livro American archicteture since 1780, pp. 224-8).
108 109
110 111
FIGURAS 108, 109, 110 e 111– Hotel Franciscano, Albuquerque, Novo México. Projeto de Trost e Trost,
1922-23. Casa Zimmerman, Albuquerque, Novo México. Projeto de W. Milles Britelle, 1929. Prédio da
Administração da Universidade do Novo México, Albuquerque, Novo México, Projeto John G. Meem,
1936. Hotel La Fonda, Santa Fé, Novo México, Projeto Rapp-Rapp e Henrickon, 1920.
(Fonte: Livro American architecture since 1780, pp. 229-33)
Talvez neste estilo sejam mais presentes as referências arqueológicas. Enquanto nos
outros estilos apresentados, os métodos construtivos e os materiais utilizados eram
modernos, no Estilo Pueblo tentava-se seguir as mesmas características tradicionais dos
assentamentos índios. Os prédios eram em geral de adobe, as coberturas eram planas e
mesmo quando tinham mais de um pavimento, seguiam as características da arquitetura
tradicional.
De todos os estilos, o “Bangalô” (FIGURAS 112 a 115) é o que tem características mais
próprias e que mais se popularizou, sendo encontrado em muitos países, foi sem dúvida
um produto de exportação. Produto que, porém, trazia uma grande carga colonial, posto
que fora um estilo produzido pelo colonialismo britânico.
Apesar das características bem claras, existe uma linha de edifícios, que é chamada de
bangalô, linha arquitetônica onde aparecem alguns elementos utilizados no Estilo
Bangalô e que incluem “tipos” como o “Chalé”.
114 115
FIGURAS 112, 113, 114 e 115 – Bangalô à Rua Coronado, Los Angeles, Califórnia, cerca 1910. Casa na
linha Bangalô, Rua Coronado, Los Angeles, Califórnia, cerca de 1910. Bangalô à Rua Gravilla, La Jolla,
Califórnia, cerca de 1910. Casa Croker, Pasadena, Califórnia, Projeto de Greene e Greene, cerca de 1909.
(Fonte: Livro American architecture since 1780, pp. 217-20)
É um estilo que tem características definidas, estando contido em sua “forma mais
pura”, aceita como “erudita”, durante sua Primeira Fase, e sua forma “popular” da
década de 1930 até os anos de 1970 (havendo, portanto um período de interseção do
Neocolonial em suas Três Fases de expressão). De 1960 em diante, a expressão
Neocolonial estaria dentro do Pós-Modernismo arquitetônico, ocorrendo de maneira
panfletária e ou imagética, criando um modismo. O sentido da arquitetura perde sua
plenitude na super-utilização dos ícones e se banalisa.
O uso comum dos telhados aparentes, com grandes beirais, varandas e balcões, janelas e
portas com vergas curvas, azulejos, “vulgarizam” a arquitetura e a tornam mais popular.
Não seria aceitável chamar a arquitetura praticada atualmente (possuidora das
características acima) de Neocolonial. O que muitos arquitetos contemporâneos têm
como estilo sem valor, designado de maneira depreciativa é uma arquitetura sustentada
pelo gosto popular, pela acomodação dos arquitetos, pelo desconhecimento da
verdadeira arquitetura Neocolonial e de novas modalidades e padrões que podem ser
adequados ao nosso meio; o que criticam não é uma arquitetura dotada de princípios,
conceitos e processos de constituição.
Além de alguns pontos positivos do Neocolonial, como: ter colaborado para a discussão
pertinente ao conhecimento e à proteção de nosso patrimônio, são seus méritos ter
capacitado a nossa arquitetura a desenvolver-se em bases nacionais, ter resgatado nossa
noção de identidade.
O Neocolonial, embora tenha tido uma boa aceitação por parte da população e dos
arquitetos, no Brasil teve seu uso restrito a edifícios de função educacional e residencial;
porém, no resto das Américas, aplicou-se a hotéis, edifícios cívico-administrativos e até
hospitais. Foi amplamente utilizado em Feiras Nacionais e Internacionais. Apesar de ser
(des)qualificado como um estilo extravagante e de alto custo, o Neocolonial faz parte de
nosso patrimônio, e os exemplares ainda de pé deveriam ser observados com um
cuidado mais crítico, porém, respeitoso; visto que são encontrados em todo o Brasil e
que marcaram uma época, tornado-se verdadeiras referências para a Nação, no resgate
de instigantes valores do passado responsáveis por parte da nossa formação cultural e
artística.
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da Arquitetura Neocolonial
O Governador do Estado de Minas Gerais, usando da atribuição que lhe confere o artigo 76,
item X, da Constituição do Estado, e tendo em vista o disposto no artigo 3o, inciso I, da Lei n.
5.775, de 30 de Setembro de 1971, combinado com o artigo 5o e seu parágrafo único do Estatuto
baixado pelo Decreto no. 14.374, de 10 de março de 1972, e considerando o valor estético da
arquitetura e o aprimorado gosto artístico com que se apresenta o prédio da Escola Estadual
Pedro II; considerando o parecer favorável emitido pelo conselho Curados do Instituto Estadual
do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais.
D E C R E T A:
Art. 2o - Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação e revoga as disposições
em contrário.