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JART- Ato V - Edição Internacional Ato I – UEMS
Campo Grande-MS – Brasil
29, 30 e 31 de Agosto de 2018
www.even3.com.br/anais/JART
ISBN: 978-85-5722-101-7
Jornada de Artes da UEMS - JART Ato V - Edição Internacional Ato I
“Para que serve o Ensino das Artes na Escola?”
Introdução
Escrever sobre a prática coral no atual contexto educacional significa
considerar os diferentes modos como essa atividade tem sido concebida e realizada
em nosso país. Não queremos, aqui, levantar questões políticas e socioeconômicas
de nossa atual sociedade brasileira, sobretudo a desvalorização cultural que
vivenciamos e a falta de investimentos públicos e privados na área de Artes - e, mais
especificamente, na área de Educação Musical. Mas é preciso que discorramos
sobre fatores históricos, para que possamos refletir sobre a situação do canto coral
no ambiente escolar em nossos dias.
De forma bastante sucinta, podemos resumir os principais acontecimentos
ligados ao canto coral na história da educação musical: nas primeiras décadas do
século XX, educadores musicais paulistas - em especial Carlos Cardim, João
Gomes Júnior, João Batista Julião e os irmãos Lázaro e Fabiano Lozano -
estabeleceram as bases para a prática coral “orfeônica” nas escolas estaduais,
inclusive publicando materiais para embasar essa prática. Gomes e Cardim, em seu
livro “O ensino de música pelo methodo analytico” (1914, p.9) resumem: “na escola,
é que devemos fazer surgir o gosto artístico, e o conseguiremos executando-se boas
musicas, boas vozes e bons córos [sic].” Em 1931, a partir de projeto idealizado pelo
compositor Heitor Villa-Lobos, a disciplina “Canto Orfeônico” é instituída nas escolas
de todo o Brasil, perdurando nos currículos oficiais por 30 anos. A preocupação
pedagógico-musical inerente à disciplina é expressa pelo próprio Villa-Lobos:
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“Para que serve o Ensino das Artes na Escola?”
críticas a uma educação musical com esses princípios, e talvez por isso, muitas
vezes, o Canto Orfeônico seja interpretado como uma prática negativa, trazendo à
tona uma herança amarga para muitos que vivenciaram esse período. E embora o
Canto Orfeônico tenha enfrentado uma série de problemas estruturais, sobretudo no
que diz respeito à capacitação de professores e à inadequação de uma metodologia
homogênea para um país com as dimensões do Brasil, não podemos negar sua
importância artístico-musical e educacional na história da educação musical: o canto
coral se fazia presente, a música se fazia presente, a Arte se fazia presente de
algum modo nas escolas e servia como referência para outros segmentos da
sociedade. Nas palavras de Rosa Fuks (1991, p.100), o período do Canto Orfeônico
compreende “as primeiras tentativas de canto coletivo bem organizado a várias
vozes”.
Em 1961, a disciplina “Canto Orfeônico” é substituída pela “Educação
Musical” (Lei de Diretrizes e Bases da Educação, nº 4.024). Segundo Jordão et al.,
neste novo contexto, a música deveria ser sentida, tocada e dançada, além
de somente cantada, como acontecia até então, na prática do canto
orfeônico. No Brasil, as influências vinham de Antônio de Sá Pereira, Liddy
Chiaffarelli Mignone, Gazzy de Sá e do alemão naturalizado brasileiro H. J.
Koellreutter. (...) O curso de Educação Musical, em caráter de formação
superior, foi criado somente em 1964, atendendo à recomendação do
Conselho Federal de Educação pela portaria nº 63 do Ministério da
Educação. Seu nome foi alterado para Licenciatura em Música em 1969.
(JORDÃO ET AL., 2012, p.12).
Inicialmente, a nova lei não significou grandes mudanças para o canto coral
praticado nas escolas. Lisboa e Kerr (2005, p.417) consideram que a influência do
modelo orfeônico ainda perdurava mesmo depois de sua extinção oficial: além da
permanência dos mesmos professores na nova disciplina, utilizavam-se os mesmos
procedimentos de ensino. Mas paulatinamente, as novas práticas de educação
musical lecionadas nos cursos de educação superior foram desconfigurando o canto
coral como prática principal de instrução musical, dando margem para novas
experimentações e linguagens de vanguarda.
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Desde então, a prática coral foi aos poucos sendo abandonada nas escolas –
embora tenha resistido bravamente em algumas instituições de ensino. Utsonomyia
(2011, p.30) analisa que “permaneceram em atividade, ainda que de forma dispersa,
resistente e isolada, alguns pequenos grupos de canto coral infantil nas escolas,
tanto privadas, quanto públicas, desobrigadas, no entanto, de seguir determinações
impostas pelo governo”. E diferentemente do período do canto orfeônico - em que
muitas publicações foram produzidas para atender à demanda das escolas - a partir
da década de 1970 houve pouco incentivo para a continuidade da produção de
material didático voltado para o canto coral, de forma que não encontramos muitos
referenciais sobre que se realizou nessa área a partir da década de 1970, por
instituição da Lei 5.692/71. Fonterrada (2008) comenta que “hoje, passados tantos
anos, ainda se sentem os efeitos dessa lei, não obstante os esforços de muitos
educadores musicais para fortalecer a área” (2008, p.218). Portanto, podemos inferir
que o modo distorcido como o coro é concebido hoje é, em parte, reflexo da
“deseducação musical” desse tempo.
educação básica, pelo estabelecimento da Lei 11.769, tendo em vista que em muitas
escolas não havia nenhum tipo de prática ou apreciação musical, tampouco uma
real aplicação de conteúdos essencialmente musicais. Essa lei foi uma conquista do
Grupo de Articulação Parlamentar Pró-Música (GAPP), que segundo Jordão et al.
(2012, p. 26), foi formado por 86 entidades do setor, entre elas: Associação
Brasileira de Educação Musical (ABEM), Associação Brasileira da Música (ABM),
Associação Nacional de Pesquisa e Pós Graduação em Música (ANPPOM), Instituto
Villa-Lobos, universidades, escolas de música, sindicatos, artistas e representantes
da sociedade civil.
Porém, em 2016, a Lei 11.769 foi substituída pela Lei 13.278, que institui não
somente a Música, mas também a Dança, o Teatro e as Artes Visuais em todas as
escolas de educação básica do país. Mas ao mesmo tempo em que essa lei
representa um grande avanço para a área de Artes como um todo - sendo um
reconhecimento dessa área como fundamental para a formação básica dos
educandos - ainda verificamos a dificuldade das escolas (publicas e particulares) a
se adaptarem a essa “nova” realidade. Entre os desafios trazidos por essa lei, estão
a falta de professores capacitados nessas quatro linguagens, o tempo para essas
práticas que deve ser disponibilizado nos currículos, a inadequação de espaço físico
para as aulas dessas modalidades e a falta de material didático para estruturar seu
ensino.
A prática coral ressurge então, dentro da linguagem musical, como uma
possibilidade do fazer artístico-musical de forma mais acessível (afinal, todos os
alunos trazem consigo seu próprio instrumento – a voz), menos dispendiosa em
termos de custos financeiros (pois demanda apenas um instrumento harmônico, que
geralmente é carregado pelo regente (ou “professor de coral”) e com maior número
de profissionais para atuar em seu ensino - afinal, em quase todos os cursos de
Licenciatura e Bacharelado em Música figura a disciplina “Canto Coral” e em grande
incidência, também a disciplina de “Regência” (pelo menos, com muito mais
frequência que as disciplinas de instrumentos musicais específicos).
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Ainda com relação aos benefícios sociais dessa atividade, Carminatti e Krug
enfatizam:
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não ser músicos, mas que estejam atentos às necessidades dos coralistas,
principalmente crianças. Sabemos que não é fácil conseguir estruturar essa equipe,
sobretudo se for exigida remuneração desses membros. Mas se houver outras
pessoas auxiliando no trabalho coral, o ensaio fluirá mais naturalmente e o regente
poderá ficar mais focado na interpretação musical.
Quanto à duração e periodicidade dos ensaios: de acordo com a pesquisa de
doutorado que nos serve de base (GABORIM-MOREIRA, 2015), envolvendo 84
coros infantojuvenis, conclui-se que o tempo de um bom ensaio coral se situa entre
90 e 120 minutos – o suficiente para que sejam desenvolvidas a leitura e a escrita
musical, a técnica vocal, atividades lúdicas e para que haja uma preparação eficaz
do repertório. Em nossa experiência junto ao PCIU (Projeto Coral Infantojuvenil da
UFMS), estruturamos o ensaio da seguinte maneira: início com jogos rítmicos e de
socialização; lanche e apreciação musical (por meio de desenhos animados que
enfatizam a música); solfejo (leitura musical) acompanhado de tarefas para casa
(escrita); preparação vocal, envolvendo exercícios para a postura corporal, a
respiração e a técnica vocal (englobando afinação, articulação e colocação vocal) e
por fim, estudo de repertório (englobando o aprendizado e a interpretação de uma
canção), podendo ser acrescido de movimentos corporais expressivos.
Com relação ao repertório, é fundamental que o regente escolha músicas
apropriadas para a tessitura1 infantojuvenil e que essas músicas sejam motivadoras
para o grupo, isto é, apresentem uma temática apropriada à idade das crianças e
que sejam compreendidas por elas. Sugerimos que o regente não se baseie apenas
nas músicas que estão fazendo sucesso na mídia para construir o repertório do
grupo. Se forem realmente necessárias, que sejam um ponto de partida para
aproximar o regente de seus coralistas e que tragam para o coro o contexto cultural
das crianças. Mais ainda, que essas músicas sejam recriadas, renovadas,
1
Sobre este assunto específico, o leitor pode consultar o artigo “A pedagogia vocal na regência coral
infantojuvenil: conceitos e reflexões”, publicado no XXVI Congresso da Associação Nacional de
Pesquisa e Pós-graduação em Música (GABORIM-MOREIRA, A.L.I.G; RAMOS, M.A.S). Disponível
em https://www.anppom.com.br/congressos/index.php/26anppom/bh2016/paper/viewFile/4267/1372
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Considerações finais
Procuramos, com este artigo, motivar escolas de educação básica a formar
novos coros ou valorizar os coros já existentes; incentivar a participação da
comunidade escolar nesses coros, derrubando qualquer pré-conceito infundado de
que a atividade coral é “chata” ou enfadonha sem que se tenha sequer
experimentado um ensaio ou assistido a uma apresentação; prover informações
para que essa atividade cresça diante de condições adequadas para a sua
realização; evitar a interrupção de atividades corais antes que se tenha sequer
chegado a resultados musicais bem elaborados; por fim, buscamos prover
argumentos para que os regentes de coros possam garantir melhores condições de
trabalho e assim, levar seus coros a um desenvolvimento artístico-musical
significativo e duradouro. Sabemos o quanto é difícil convencer autoridades
escolares quando se está sozinho e principalmente, quando ainda não há resultados
musicais a se apresentar. Calvente defende: “ainda que conheçamos muito bem a
limitação de nosso contexto, acredito ser necessária a manutenção de uma
constante atitude de conscientização e luta por patamares cada vez mais adequados
para a realização de nosso trabalho” (2013, p.76). Com essa premissa, concluímos
este artigo e seguimos em nossa missão de sempre fazer música, por meio do canto
coral.
Referências bibliográficas
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