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Jornada de Artes da UEMS - JART Ato V - Edição Internacional Ato I

“Para que serve o Ensino das Artes na Escola?”

III Seminário Cultura e Educação


I Congresso Estadual para Arte Educadores de Mato Grosso do Sul

CANTO CORAL NO ENSINO FUNDAMENTAL: COMO, POR QUE E


PARA QUÊ?

Ana Lúcia Iara Gaborim Moreira – UFMS


Vanessa Araújo da Silva - UFMS

Eixo Cênico: Cena do Ensino de Artes


Resumo: este trabalho discute e defende a prática coral para crianças (e
adolescentes) no ambiente escolar, a despeito de todas as dificuldades e desafios
encontrados para a sua realização em nosso atual contexto brasileiro . O principal
referencial teórico para este artigo é uma pesquisa-ação de doutorado a respeito da
regência coral infantojuvenil em projeto de extensão universitária, defendida
recentemente na Universidade de São Paulo (GABORIM-MOREIRA, 2015), que traz
um levantamento do estado da arte nas cinco regiões brasileiras e dos principais
problemas enfrentados por regentes e professores de música nessa área. A
pesquisa apresenta fundamentos de regência, de técnica vocal e de educação
musical como conhecimentos teórico-práticos essenciais para o trabalho coral,
sendo que esses fundamentos são embasados em trabalhos acadêmicos de outros
pesquisadores de referência nessas três áreas, publicados dentro e fora do Brasil.
No que diz respeito aos fatores históricos que desencadearam o atual estado da arte
coral em nosso país, podemos afirmar que os 40 anos sem canto coral nas escolas
ocasionaram um certo enfraquecimento dessa prática, aliado a um desentendimento
de suas concepções artísticas, educativas e sociais - que é a principal problemática
levantada por este artigo. Torna-se necessário, então justificar os motivos (“por que”)
pelos quais defendemos essa prática artística tão importante e significativa na
educação, destacando a sua contribuição para o desenvolvimento cognitivo,
linguístico, psicomotor e sócio afetivo de crianças e adolescentes. Apresentamos os
principais objetivos (“para quê”) da instituição de coros nas escolas, considerando os
poucos recursos materiais que viabilizam sua realização. Por fim, apresentamos
elementos fundamentais para a elaboração de uma possível metodologia de
trabalho (“como”) para o resgate dessa prática nas escolas, considerando o contexto
contemporâneo brasileiro e tendo como embasamento as ações concretas
realizadas em um coro em atividade (o PCIU – Projeto Coral Infantojuvenil da
UFMS). Ensejamos que, com este artigo, possamos contribuir para a valorização e
entendimento do canto coral como forma de arte-educação.
Palavras-chave: coro infantojuvenil; regência coral; educação musical.

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JART- Ato V - Edição Internacional Ato I – UEMS
Campo Grande-MS – Brasil
29, 30 e 31 de Agosto de 2018
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“Para que serve o Ensino das Artes na Escola?”

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Introdução
Escrever sobre a prática coral no atual contexto educacional significa
considerar os diferentes modos como essa atividade tem sido concebida e realizada
em nosso país. Não queremos, aqui, levantar questões políticas e socioeconômicas
de nossa atual sociedade brasileira, sobretudo a desvalorização cultural que
vivenciamos e a falta de investimentos públicos e privados na área de Artes - e, mais
especificamente, na área de Educação Musical. Mas é preciso que discorramos
sobre fatores históricos, para que possamos refletir sobre a situação do canto coral
no ambiente escolar em nossos dias.
De forma bastante sucinta, podemos resumir os principais acontecimentos
ligados ao canto coral na história da educação musical: nas primeiras décadas do
século XX, educadores musicais paulistas - em especial Carlos Cardim, João
Gomes Júnior, João Batista Julião e os irmãos Lázaro e Fabiano Lozano -
estabeleceram as bases para a prática coral “orfeônica” nas escolas estaduais,
inclusive publicando materiais para embasar essa prática. Gomes e Cardim, em seu
livro “O ensino de música pelo methodo analytico” (1914, p.9) resumem: “na escola,
é que devemos fazer surgir o gosto artístico, e o conseguiremos executando-se boas
musicas, boas vozes e bons córos [sic].” Em 1931, a partir de projeto idealizado pelo
compositor Heitor Villa-Lobos, a disciplina “Canto Orfeônico” é instituída nas escolas
de todo o Brasil, perdurando nos currículos oficiais por 30 anos. A preocupação
pedagógico-musical inerente à disciplina é expressa pelo próprio Villa-Lobos:

os cantos deverão ajustar-se à idade dos alunos (...). É recomendável a


prévia leitura da letra dos canticos, para que se lhes facilite a compreensão
do sentido e da expressão musical. Só depois de sabido o canto haverá
comentários teóricos e musicais, corrigindo-se, então, os defeitos notados
na execução do trecho, tendo-se particularmente em vista, o rítmo, a
entoação e a dição [sic]. (VILLA-LOBOS, 1951, p. 3)

Lembremo-nos de que a educação nessa época foi pautada em uma postura


pedagógica austera que exigia uma disciplina rígida – deixando alunos muitas vezes
reprimidos, amedrontados ou diminuídos. Aos olhos de hoje, podemos tecer muitas

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críticas a uma educação musical com esses princípios, e talvez por isso, muitas
vezes, o Canto Orfeônico seja interpretado como uma prática negativa, trazendo à
tona uma herança amarga para muitos que vivenciaram esse período. E embora o
Canto Orfeônico tenha enfrentado uma série de problemas estruturais, sobretudo no
que diz respeito à capacitação de professores e à inadequação de uma metodologia
homogênea para um país com as dimensões do Brasil, não podemos negar sua
importância artístico-musical e educacional na história da educação musical: o canto
coral se fazia presente, a música se fazia presente, a Arte se fazia presente de
algum modo nas escolas e servia como referência para outros segmentos da
sociedade. Nas palavras de Rosa Fuks (1991, p.100), o período do Canto Orfeônico
compreende “as primeiras tentativas de canto coletivo bem organizado a várias
vozes”.
Em 1961, a disciplina “Canto Orfeônico” é substituída pela “Educação
Musical” (Lei de Diretrizes e Bases da Educação, nº 4.024). Segundo Jordão et al.,

neste novo contexto, a música deveria ser sentida, tocada e dançada, além
de somente cantada, como acontecia até então, na prática do canto
orfeônico. No Brasil, as influências vinham de Antônio de Sá Pereira, Liddy
Chiaffarelli Mignone, Gazzy de Sá e do alemão naturalizado brasileiro H. J.
Koellreutter. (...) O curso de Educação Musical, em caráter de formação
superior, foi criado somente em 1964, atendendo à recomendação do
Conselho Federal de Educação pela portaria nº 63 do Ministério da
Educação. Seu nome foi alterado para Licenciatura em Música em 1969.
(JORDÃO ET AL., 2012, p.12).

Inicialmente, a nova lei não significou grandes mudanças para o canto coral
praticado nas escolas. Lisboa e Kerr (2005, p.417) consideram que a influência do
modelo orfeônico ainda perdurava mesmo depois de sua extinção oficial: além da
permanência dos mesmos professores na nova disciplina, utilizavam-se os mesmos
procedimentos de ensino. Mas paulatinamente, as novas práticas de educação
musical lecionadas nos cursos de educação superior foram desconfigurando o canto
coral como prática principal de instrução musical, dando margem para novas
experimentações e linguagens de vanguarda.

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A decadência brutal da atividade coral – e de qualquer prática musical


autônoma - nas escolas se inicia a partir de 1971, quando a atividade de Educação
Artística passa a substituir a Educação Musical, e assim institui a polivalência do
professor de artes. Segundo Jordão et al.,

mesmo não sendo preparado, o professor deveria ter o domínio de todas as


linguagens artísticas. Mas o que predominou em sala de aula foi o ensino
das artes plásticas, enquanto as demais foram desaparecendo
gradativamente do dia a dia escolar.” (JORDÃO ET AL., 2012, p.24)

Desde então, a prática coral foi aos poucos sendo abandonada nas escolas –
embora tenha resistido bravamente em algumas instituições de ensino. Utsonomyia
(2011, p.30) analisa que “permaneceram em atividade, ainda que de forma dispersa,
resistente e isolada, alguns pequenos grupos de canto coral infantil nas escolas,
tanto privadas, quanto públicas, desobrigadas, no entanto, de seguir determinações
impostas pelo governo”. E diferentemente do período do canto orfeônico - em que
muitas publicações foram produzidas para atender à demanda das escolas - a partir
da década de 1970 houve pouco incentivo para a continuidade da produção de
material didático voltado para o canto coral, de forma que não encontramos muitos
referenciais sobre que se realizou nessa área a partir da década de 1970, por
instituição da Lei 5.692/71. Fonterrada (2008) comenta que “hoje, passados tantos
anos, ainda se sentem os efeitos dessa lei, não obstante os esforços de muitos
educadores musicais para fortalecer a área” (2008, p.218). Portanto, podemos inferir
que o modo distorcido como o coro é concebido hoje é, em parte, reflexo da
“deseducação musical” desse tempo.

Por que o canto coral nas escolas?


Desde 1996, a Música passa a figurar como linguagem integrante da disiplina
Artes, conforme consta na Lei 9394. Porém, o conteúdo musical permaneceu
negligenciado, dando privilégio a outras manifestações artísticas. Somente em 2008
o conteúdo musical passa a ser obrigatório dentro da disciplina Artes, em toda a
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educação básica, pelo estabelecimento da Lei 11.769, tendo em vista que em muitas
escolas não havia nenhum tipo de prática ou apreciação musical, tampouco uma
real aplicação de conteúdos essencialmente musicais. Essa lei foi uma conquista do
Grupo de Articulação Parlamentar Pró-Música (GAPP), que segundo Jordão et al.
(2012, p. 26), foi formado por 86 entidades do setor, entre elas: Associação
Brasileira de Educação Musical (ABEM), Associação Brasileira da Música (ABM),
Associação Nacional de Pesquisa e Pós Graduação em Música (ANPPOM), Instituto
Villa-Lobos, universidades, escolas de música, sindicatos, artistas e representantes
da sociedade civil.
Porém, em 2016, a Lei 11.769 foi substituída pela Lei 13.278, que institui não
somente a Música, mas também a Dança, o Teatro e as Artes Visuais em todas as
escolas de educação básica do país. Mas ao mesmo tempo em que essa lei
representa um grande avanço para a área de Artes como um todo - sendo um
reconhecimento dessa área como fundamental para a formação básica dos
educandos - ainda verificamos a dificuldade das escolas (publicas e particulares) a
se adaptarem a essa “nova” realidade. Entre os desafios trazidos por essa lei, estão
a falta de professores capacitados nessas quatro linguagens, o tempo para essas
práticas que deve ser disponibilizado nos currículos, a inadequação de espaço físico
para as aulas dessas modalidades e a falta de material didático para estruturar seu
ensino.
A prática coral ressurge então, dentro da linguagem musical, como uma
possibilidade do fazer artístico-musical de forma mais acessível (afinal, todos os
alunos trazem consigo seu próprio instrumento – a voz), menos dispendiosa em
termos de custos financeiros (pois demanda apenas um instrumento harmônico, que
geralmente é carregado pelo regente (ou “professor de coral”) e com maior número
de profissionais para atuar em seu ensino - afinal, em quase todos os cursos de
Licenciatura e Bacharelado em Música figura a disciplina “Canto Coral” e em grande
incidência, também a disciplina de “Regência” (pelo menos, com muito mais
frequência que as disciplinas de instrumentos musicais específicos).

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Todavia, a grande dificuldade dos regentes hoje é lidar com a falta de


referências dos alunos sobre o canto coral, o que leva muitos a pensarem que essa
é uma atividade maçante ou que é puramente um passatempo. Caetano (2015)
corrobora que há nas escolas, de fato,

uma descontextualização das crianças em relação à atividade coral, ou


seja, uma falta de referência sobre o conceito de coral. Considerando que
há uma ampla gama de organizações musicais, oferecidas, principalmente
via interface midiática, os coros são pouco apreciados, vistos ou até mesmo
conhecidos. Muitas vezes o modelo musical, ou seja, a referência que as
crianças trazem é, normalmente, adquirida de maneira passiva. (CAETANO,
2015, p.46)

Frequentemente, os regentes precisam justificar os benefícios dessa atividade


na escola e convencer autoridades de que não se trata apenas de ensaiar
“musiquinhas” para cantar nos eventos ou de promover apresentações públicas para
colaborar com o marketing da instituição, mas que o canto coral é um processo de
educação musical consistente. Sobretudo no início dos ensaios/aulas, onde não se
visualizam os resultados do trabalho, é ainda mais difícil criar expectativas positivas
de sua realização.
De maneira geral, podemos assegurar que “cantar em um coro tem
promovido benefícios emocionais, sociais, intelectuais, criativos e físicos” (JUDD;
POOLEY, 2014, p. 270). Welch (2011, s/p), em seus estudos realizados há mais de
30 anos sobre a voz infantil, assegura que “a atividade de cantar traz benefícios
fisiológicos, como o respiratório, cardíaco e o desenvolvimento neurológico”. Nesse
sentido, Ilari (2003) também afirma que

o ato de cantar, espontaneamente ou de forma dirigida em sala de aula,


pode ativar os sistemas da linguagem, da memória, e de ordenação
seqüencial, entre outros (...) Através do canto acompanhado por gestos e
movimentos corporais, a criança pode vir a ter pelo menos seis sistemas de
seu cérebro estimulados (ILARI, 2003, p.15).

As pesquisas realizadas sobre os coros nas escolas – que, inclusive, têm


crescido nos últimos anos - demonstram os resultados positivos e duradouros dessa
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atividade, quando realizada de forma estruturada e conduzida por profissionais com


formação em regência e educação musical. Finck (1997) destaca a função do canto
coral na escola, como

atividade artística que contribui significativamente para a construção de uma


verdadeira educação estética, formadora de um indivíduo mais humano e
sensível, capaz de interagir em seu meio, transformando a sociedade em
que vive em outra, mais democrática e humana. (1997, p.55)

Ainda com relação aos benefícios sociais dessa atividade, Carminatti e Krug
enfatizam:

pode-se citar o canto coral como um veículo de disseminação das


prerrogativas atribuídas à música, como, por exemplo, maior socialização,
desembaraço, trabalho em equipe, ajuda na organização e sincronia no
trabalho ou no divertimento, comunicação, concentração (autodisciplina) e
autoconfiança dos membros participantes da atividade. (CARMINATTI;
KRUG, 2010, p.85).

Costa (2005) ressalta que “o canto coral é uma atividade essencialmente


coletiva e compartilhada, e as múltiplas interações que se constituem entre os seus
diversos componentes configuram o próprio coro” (p.36). Além disso, a prática coral
nas escolas estabelece uma conexão com as famílias e com a comunidade,
divulgando os resultados obtidos em formas de apresentações e eventos artísticos –
que não devem ser o propósito do coro, mas a coroação de todo esforço e
dedicação despendido por regentes e coralistas.

Para que cantar na escola?


Já discorremos sobre alguns benefícios que a prática coral pode trazer aos
seus participantes. Mas é importante enfatizar que o objetivo central do trabalho
coral infantojuvenil é o aprendizado da linguagem musical, que se dá pela realização
do canto em conjunto. Conhecer essa linguagem e se expressar por meio dela,
podendo criar e recriar artisticamente é de fundamental importância para a educação
e, de modo geral, para a formação do indivíduo. Como componente das Artes, e
como modalidade do fazer musical, o canto coral pode desenvolver elementos da
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inteligência emocional, dentre os quais podemos destacar o afeto e a sensibilidade;


pode estimular a criatividade e a imaginação – elementos esses, que são muitas
vezes tolhidos na educação hodierna. O canto coral proporciona um olhar
diferenciado para as potencialidades do ser humano, para a consciência do ser-em-
grupo. O valor educativo de participar de um grupo com um objetivo comum – cantar
em conjunto – e alcançar resultados compartilhados, graças a um trabalho em
equipe onde todos são importantes e valorizados, é ressaltada por Garretson:

nas atividades musicais, os alunos desenvolvem orgulho em ser


identificados como parte de uma organização musical refinada e fazem
muitos ajustes sociais através do contato próximo com seus pares. Certos
críticos da sociedade atual dizem que nós temos sido orientados de maneira
individualista e que o que nós precisamos é de atividades que necessitam
de mais apoio de grupo. O canto coral certamente preenche essa
necessidade (GARRETSON, 1993, p.4).

Nessa perspectiva, a escola deveria ser então a referência para a prática


musical cantada; deveria ser a fonte do conhecimento sobre saúde e técnica vocal,
onde alunos e professores pudessem ser orientados a desenvolver hábitos
saudáveis e esteticamente adequados. Entretanto, sabemos, isso não ocorre na
maioria das instituições de ensino brasileiras; pelo contrário, o que se vê é um
estímulo à “cultura do grito”, onde a voz compete com um ambiente sonoro
extremamente ruidoso, professores não são estimulados a cuidar de sua voz (e
frequentemente são afastados de sua função por esforço desnecessário) e as
crianças acabam aprendendo a cantar com uma série de vícios danosos ao trato
vocal, por meio de modelos da mídia que são reforçados no ambiente escolar – o
que ocorre pela falta de critérios de escolha de repertório (e dos meios para buscá-
lo), pela falta de um ambiente propício às vivências musicais plenas, pela falta de
oportunidades de apreciação da música ao vivo, pela falta de referências de música
coral e pela falta de parâmetros estético-musicais. Cantar na escola, portanto,
deveria servir para ensinar às crianças sobre postura corporal, sobre a importância
da respiração no canto, sobre a importância de uma boa dicção e articulação textual,
para ser um estímulo à memória, para se trabalhar elementos de interpretação
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musical – precisão rítmica e melódica, afinação, dinâmica, agógica, fraseado,


harmonia; para se aprender e se praticar a leitura e a escrita musical, para
compreender formas e estilos musicais, enfim, para se entender e praticar música de
forma crítica e consciente e não puramente intuitiva ou mecânica, calcada
simplesmente na imitação e na repetição. A escola deveria ser, portanto, o ambiente
mais propício para que os educandos pudessem desenvolver naturalmente as
ferramentas necessárias à escuta e à apreciação musical plena, e os meios para a
criação musical. Mas... como estruturar essa prática?

Canto coral na escola: como?


Tendo discutido sobre a importância do canto coral na escola, justificado os
motivos pelos quais essa atividade deveria fazer parte dos currículos e apresentado
seus principais objetivos, resta-nos explicar como seria possível realizar essa
prática, considerando que o ambiente escolar não nos parece nem um pouco
propício a ela, na visão de regentes e professores de música. Elencamos aqui
alguns dos elementos discutidos na tese que embasa este artigo (GABORIM-
MOREIRA, 2015) e que constituem algumas das dificuldades e desafios de 52
regentes entrevistados na tese, atuantes nas cinco regiões brasileiras.
Primeiramente, é recomendável que o regente trace um projeto a longo prazo
antes que coro se inicie, indicando suas necessidades estruturais e possíveis
perspectivas para o trabalho (apresentações, eventos futuros, etc.) Se já existe um
coro em funcionamento, esse projeto pode ser apresentado no início de um ciclo,
onde geralmente há um processo de renovação (de membros, de repertório, de
materiais). É também recomendável que o regente elabore um planejamento para
cada ensaio, tal como um plano de aula, onde possa definir objetivos, conteúdos e
metodologia de trabalho a curto prazo (infelizmente, as delimitações deste artigo não
nos permitem discorrer sobre cada um desses itens separadamente; mas eles são
discutidos na tese que nos embasa).

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Sobre a constituição do grupo coral em termos humanos, há muitas variáveis


- como o número de crianças participantes, sua faixa etária, horário dos ensaios e
espaço físico disponível para comportá-las – e não há um consenso sobre o perfil de
um coro “ideal”. Mas é importante que o regente avalie as condições da escola e
determine o número de crianças com o qual considera possível realizar um bom
trabalho. Também consideramos mais viável que participação dos alunos da escola
seja espontânea – e não obrigatória - no coro.
A conquista do espaço físico apropriado para um ensaio coral é também um
desafio comumente enfrentado pelos regentes. É fato que um espaço inadequado
pode interferir negativamente nos resultados musicais do coro; mas sabemos que na
maioria das vezes, os regentes acabam se adaptando a um ambiente inóspito para
não desistir do trabalho. Relacionamos aqui alguns fatores que devem ser levados
em consideração na busca (e na luta!) por um espaço físico que apresente
condições favoráveis ao desenvolvimento artístico-musical do coro: tamanho do
local (ideal para o número de crianças), limpeza (considerando que uma sala com
muita poeira também pode gerar alergias, que interferem na qualidade do canto),
ventilação, iluminação, temperatura, acústica (considerando a reverberação e a
influência de sons externos), mobiliário (incluindo cadeiras apropriadas para que os
coralistas possam se sentar confortavelmente e em uma posição apropriada para
cantar), organização dos materiais e até mesmo a decoração do local. Não só para o
canto coral, mas também para um ambiente de ensino-aprendizagem, a atenção a
essas condições implica em propiciar uma sensação de bem-estar, que contribua
naturalmente para a fluência do ensaio. Além disso, é uma atitude de respeito para
com regente, alunos-coralistas e para com todos os envolvidos na prática coral.
Também é muito importante que o regente não trabalhe sozinho, mas tenha
uma equipe envolvida na rotina de ensaios. Essa equipe pode ser composta por um
regente assistente, um instrumentista acompanhador (de preferência, que toque um
instrumento harmônico, como piano/teclado ou violão), um preparador vocal, um
preparador cênico ou coreógrafo e sobretudo, monitores auxiliares - que podem ou

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não ser músicos, mas que estejam atentos às necessidades dos coralistas,
principalmente crianças. Sabemos que não é fácil conseguir estruturar essa equipe,
sobretudo se for exigida remuneração desses membros. Mas se houver outras
pessoas auxiliando no trabalho coral, o ensaio fluirá mais naturalmente e o regente
poderá ficar mais focado na interpretação musical.
Quanto à duração e periodicidade dos ensaios: de acordo com a pesquisa de
doutorado que nos serve de base (GABORIM-MOREIRA, 2015), envolvendo 84
coros infantojuvenis, conclui-se que o tempo de um bom ensaio coral se situa entre
90 e 120 minutos – o suficiente para que sejam desenvolvidas a leitura e a escrita
musical, a técnica vocal, atividades lúdicas e para que haja uma preparação eficaz
do repertório. Em nossa experiência junto ao PCIU (Projeto Coral Infantojuvenil da
UFMS), estruturamos o ensaio da seguinte maneira: início com jogos rítmicos e de
socialização; lanche e apreciação musical (por meio de desenhos animados que
enfatizam a música); solfejo (leitura musical) acompanhado de tarefas para casa
(escrita); preparação vocal, envolvendo exercícios para a postura corporal, a
respiração e a técnica vocal (englobando afinação, articulação e colocação vocal) e
por fim, estudo de repertório (englobando o aprendizado e a interpretação de uma
canção), podendo ser acrescido de movimentos corporais expressivos.
Com relação ao repertório, é fundamental que o regente escolha músicas
apropriadas para a tessitura1 infantojuvenil e que essas músicas sejam motivadoras
para o grupo, isto é, apresentem uma temática apropriada à idade das crianças e
que sejam compreendidas por elas. Sugerimos que o regente não se baseie apenas
nas músicas que estão fazendo sucesso na mídia para construir o repertório do
grupo. Se forem realmente necessárias, que sejam um ponto de partida para
aproximar o regente de seus coralistas e que tragam para o coro o contexto cultural
das crianças. Mais ainda, que essas músicas sejam recriadas, renovadas,

1
Sobre este assunto específico, o leitor pode consultar o artigo “A pedagogia vocal na regência coral
infantojuvenil: conceitos e reflexões”, publicado no XXVI Congresso da Associação Nacional de
Pesquisa e Pós-graduação em Música (GABORIM-MOREIRA, A.L.I.G; RAMOS, M.A.S). Disponível
em https://www.anppom.com.br/congressos/index.php/26anppom/bh2016/paper/viewFile/4267/1372
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enriquecidas com arranjos e outros elementos musicais – isto é, que tragam


aprendizado para os alunos. Mas que, de forma alguma, o coro se limite a reproduzir
o que a mídia já faz de maneira massiva, com fins puramente comerciais e não
educativos (e que as crianças já conhecem muito bem).

Considerações finais
Procuramos, com este artigo, motivar escolas de educação básica a formar
novos coros ou valorizar os coros já existentes; incentivar a participação da
comunidade escolar nesses coros, derrubando qualquer pré-conceito infundado de
que a atividade coral é “chata” ou enfadonha sem que se tenha sequer
experimentado um ensaio ou assistido a uma apresentação; prover informações
para que essa atividade cresça diante de condições adequadas para a sua
realização; evitar a interrupção de atividades corais antes que se tenha sequer
chegado a resultados musicais bem elaborados; por fim, buscamos prover
argumentos para que os regentes de coros possam garantir melhores condições de
trabalho e assim, levar seus coros a um desenvolvimento artístico-musical
significativo e duradouro. Sabemos o quanto é difícil convencer autoridades
escolares quando se está sozinho e principalmente, quando ainda não há resultados
musicais a se apresentar. Calvente defende: “ainda que conheçamos muito bem a
limitação de nosso contexto, acredito ser necessária a manutenção de uma
constante atitude de conscientização e luta por patamares cada vez mais adequados
para a realização de nosso trabalho” (2013, p.76). Com essa premissa, concluímos
este artigo e seguimos em nossa missão de sempre fazer música, por meio do canto
coral.

Referências bibliográficas

CAETANO, B. p. O coro “ideal”: um estudo da prática coral infantojuvenil na


perspectiva dos alunos de uma escola pública. Monografia. Florianópolis: UDESC,
2015.

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JART- Ato V - Edição Internacional Ato I – UEMS
Campo Grande-MS – Brasil
29, 30 e 31 de Agosto de 2018
www.even3.com.br/anais/JART
ISBN: 978-85-5722-101-7
Jornada de Artes da UEMS - JART Ato V - Edição Internacional Ato I
“Para que serve o Ensino das Artes na Escola?”

III Seminário Cultura e Educação


I Congresso Estadual para Arte Educadores de Mato Grosso do Sul

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JART- Ato V - Edição Internacional Ato I – UEMS
Campo Grande-MS – Brasil
29, 30 e 31 de Agosto de 2018
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ISBN: 978-85-5722-101-7

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